domingo, 4 de janeiro de 2015

O ENCONTRO DAS ÁGUAS DOS RIOS NEGRO E SOLIMÕES: pela homologação do tombamento e a valorização de seu entorno


              * Valter Calheiros

O estado do Amazonas, dentre tantos de seus encantos e belezas, é mundialmente conhecido pelo potencial de seus recursos ambientais, culturais e pela hospitalidade e seu povo. Em Manaus o maior destaque se dá ao Encontro das Águas, enlace dos rios Negro com Solimões a se espraiar por quilômetros abaixo, formando dessa feita o magnífico rio Amazonas. O Encontro das Águas e seu entorno potencializa uma paisagem amazônica incomparável quanto ao seu valor cênico, paisagístico, cultural e turístico. Em especial é um espaço comparável a uma grande sala de aula a céu aberto com imenso potencial para o estudo e pesquisa de nossa história através da Arqueologia, Sociologia, Geografia e demais áreas das ciências.
A revelia de sua importância histórica, seu entorno sofre toda forma de dano e descaso do poder público como também de empresas privadas que aliadas ao governo estadual persistem a reivindicar na justiça o direito de construir no local um porto privado no frontal do Encontro das Águas. Ação que desconsidera o tombamento desse patrimônio já feito pelo IPHAN, conquista que é fruto do apelo da sociedade, tendo a frente cabocos ribeirinhos do bairro da Colônia Antônio Aleixo, Puraquequara e comunidades, estudantes e professores, poetas, religiosos, jornalistas, escritores e artistas que juntos resistem na luta.
No entorno do Encontro das Águas está localizado a Falésia do Sítio Arqueológico Ponta das Lajes, também conhecido como Mirante da Embratel, espaço mais elevado da cidade de Manaus para apreciar o magnífico fenômeno e a floresta em seu entrono. Mas, apesar da localização privilegiada o espaço se encontra em total abandono e degradação deixando-o impróprio aos turistas e à visitação e lazer da população. Ao longo dos anos o Mirante vem contabilizando fracassos de propostas pomposas de construção para enaltecê-lo, sendo as mais recentes o projeto do Memorial Encontro das Águas elaborado em 2005 pelo arquiteto Oscar Niemeyer que custou R$ 600 mil aos cofres públicos da cidade. A ultima proposta a fracassar foi apresentada pelo governo estadual como parte do legado da copa do mundo de futebol da FIFA, prevalecendo mais uma vez o abandono e esquecimento do patrimônio.
O Mirante é rodeado de inúmeras mangueiras, de uma vasta quantidade de arvores nativa, é o habitat de araras azuis e vermelhas, de pequenos macacos e preguiças e de grande quantidade de urubus a plainar em vôo por seu entrono. Mas, como fruto do abandono o local se encontra com a mata e grama sem trato, com as grades de proteção do mirante enferrujadas, deixando os poucos visitantes que se ariscam a conhecê-lo em total risco de vida, pois não há nenhum policiamento na área. Além do mirante, está presente nesta área a estação de tratamento de água Ponta das Lajes do Programa Águas para Manaus (PROAMA) obra recentemente construída pelo governo do estado.
A conservação e valorização do Encontro das Águas e seu entorno é um clamor e compromisso de toda a sociedade com o presente e futuro de nosso estado, ação que conta com o empenho de cidadãos envolvidos no Movimento Socioambiental SOS Encontro das Águas que nos últimos anos vem alertando a sociedade para a observância às leis ambientais e à elaboração de políticas públicas voltadas para um projeto sociocultural elaborado e executado com a participação dos ribeirinhos e comunidades do entorno, movimentos sociais, políticos, empresários e órgãos públicos.
O Encontro das Águas e seu entorno é parte de um cenário amazônico com beleza original, espaço que se transformou em ponto de encontro da luta em defesa do tombamento da área como patrimônio cultural do nosso povo. Com sua defesa e valorização almejamos conquistar um ambiente agradável para que crianças, jovens, adultos, famílias e turistas, possam ter o privilégio de com segurança contemplar o encontro das águas barrentas do rio Solimões com as águas do majestoso rio Negro, na histórica formação do rio Amazonas que incansavelmente desce em busca do mar.
O ato legal para o Tombamento do Encontro das Águas promovido pelo Conselho Consultivo do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) ocorreu em outubro de 2010 como fruto de árdua luta da sociedade amazonense. No entanto, desde então estamos a espera da publicação no Diário Oficial da União da Ata de homologação, providencia de responsabilidade do Ministério da Cultura. A demora demonstra a falta de vontade política dos nossos governantes diante da importância que o Encontro das Águas representa para a história do Amazonas. A pendência decorre de uma ação judicial no Supremo Tribunal Federal (STF) contra o tombamento questionado pelo governo do Amazonas, processo que tem como relator o ministro Dias Toffoli.
Diante dos questionamentos do governo do estado e dos empresários que lutam contra o tombamento, é salutar lembrá-los que o tombamento conta com plena legalidade das leis vigentes no país, pois é amparado pela Constituição Federal de 1988, que em seu artigo 216 - inciso V, determina: Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.
A homologação do tombamento do Encontro das Águas e a valorização de seu entorno é a expressão cidadã da luta em favor deste estimado patrimônio que pertence a todos os povos da Amazônia brasileira e dos demais países que a compõe. Esforço e compromisso que conta com a firme determinação e mobilização de movimentos sociais e comunitários que atentos na luta buscam entender em sua plenitude as palavras do escritor mineiro Fernando Sabino, autor de O Encontro das Águas- crônicas sobre uma viagem à cidade de Manaus (1977, Record) que em visita a Manaus afirmou: “Aqui a natureza nos dá a sensação vertiginosa de que um dia fomos deuses”.

(*) Educador Salesiano; pesquisador e fotografo do Movimento Socioambiental SOS Encontro das Águas; graduado em Teologia pela Universidade Católica Santa Úrsula e Centro de Estudos do
Comportamento Humano/CENESC/AM; Pós-Graduado em Pesquisa e Prática - Ação Social pela Faculdade Tahirih/Manaus-AM.