A Câmara Federal analisa o Projeto de Lei 2191/11, do deputado Miriquinho Batista (PT-PA), que legaliza os acordos comunitários de pesca formalmente reconhecidos pelos órgãos ambientais federal e estaduais, em todo o País.
Segundo o deputado, o objetivo do projeto é reforçar a base legal dos acordos comunitários de pesca, “fundamentais para o desenvolvimento da atividade na Amazônia e para a vida de milhares de pescadores ribeirinhos”.
Batista explica que o manejo comunitário da pesca é baseado nesses acordos de pesca, que especificam as medidas a serem tomadas e as sanções contra infratores. Em geral, esses documentos são elaborados em reuniões comunitárias e assinados pelos presentes. O documento então é apresentado ao Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama), à Colônia de Pescadores e às autoridades municipais para o reconhecimento formal.
“O principal objetivo dos acordos de pesca é estabilizar ou reduzir a pressão sobre os recursos pesqueiros locais”, afirma o deputado. De acordo com Batista, esses acordos normalmente estabelece restrições aos apetrechos de pesca e à capacidade de armazenamento. “Além de regular a atividade pesqueira, acordos de pesca frequentemente incluem medidas que pretendem conservar hábitats considerados importantes para a população de peixes do lago”, complementa o parlamentar.
Tramitação. A proposta, de caráter conclusivo, será analisada pelas comissões de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável; de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural; e de Constituição e Justiça e de Cidadania.
JUSTIFICATIVA DO PROJETOA várzea amazônica é uma das últimas regiões pesqueiras do mundo ainda pouco explorada. Contudo, mudanças na tecnologia pesqueira, combinado com um aumento na demanda (regional e de exportação) para o pescado amazônico, têm aumentado substancialmente a pressão sobre os estoques pesqueiros da várzea.
O peixe é um recurso altamente produtivo e renovável. Se o recurso pesqueiro é manejado pela população local de forma sustentável, ele pode contribuir significativamente para o desenvolvimento da várzea. Se, entretanto, ele é explorado sem a participação das populações locais e de forma não sustentável, o resultado é a degradação do recurso e a marginalização da população ribeirinha.
Atualmente, a pesca é a principal atividade econômica dos ribeirinhos. A maior parte da população da várzea depende da atividade para compor sua renda anual. Estima-se que a pesca amazônica envolva cerca de 230.000 pescadores, sendo a grande maioria morador da várzea.
A pesca comercial tem reduzido consideravelmente a produtividade da pesca artesanal. Preocupados com esse declínio, as comunidades ribeirinhas têm tentado proibir a entrada nos lagos locais de pescadores comerciais de fora.
Os esforços das comunidades ribeirinhas em assumir o controle dos lagos locais representa uma tentativa de preencher o vazio deixado pela ausência de controle do Estado. Em toda a região, comunidades estão controlando os lagos locais e criando reservas de lago nas quais elas definem e implementam medidas, regulamentando a pesca. O empenho das comunidades ribeirinhas em administrar a pesca local representa uma alternativa promissora para o desenvolvimento sustentável da pesca na Amazônia.
Estudiosos do assunto têm mostrado que o desenvolvimento da pesca na Amazônia brasileira pode obedecer, basicamente, a dois modelos de manejo: o modelo tecnocrata e o modelo comunitário.
O Modelo Tecnocrata tem servido como base para o desenvolvimento pesqueiro no mundo inteiro. Esse modelo tem como premissa fundamental que o recurso pertence à sociedade e que, portanto, o Estado tem a responsabilidade de maneja-lo para aproveitar todos os benefícios que possam ser extraídos de forma sustentável. Consequentemente, o principal enfoque do Modelo Tecnocrata é a eficiência, mais especificamente na percentagem explorada do potencial produtivo do recurso. Uma outra premissa é que o nível ótimo de exploração deve ser definido cientificamente e devem ser adotadas políticas de manejo ajustadas para atingir este nível ótimo de captura. A política de manejo é desenvolvida por oficiais do governo, com a participação de pesquisadores, de grupos organizados de pescadores e de indústrias e é implementada pelos fiscais dos escritórios regionais.
Neste modelo, pescadores são tipicamente profissionais de período integral, que se deslocam entre diferentes locais de pesca no decorrer do ano. Os pescadores são motivados a maximizar o valor de suas capturas, sem preocupação com a conservação das populações locais de peixes, uma vez que sabem que os peixes deixados na água serão capturados por outros pescadores. Sendo assim, cabe ao Estado elaborar e implementar regras para assegurar que o nível de pressão não exceda a capacidade produtiva do recurso. Este modelo requer uma extensa infraestrutura institucional em toda a região, a fim de monitorar e fiscalizar os pescadores, incluindo sofisticados programas de pesquisa para coletar dados básicos sobre a biologia, ecologia e economia pesqueira e um sistema de patrulhas que monitore e fiscalize a pesca nas principais regiões onde ocorrem as capturas.
No Modelo Comunitário, um grupo específico de pescadores, membros de uma ou mais comunidades, ou de alguma organização coletiva, controla o acesso e o uso de um território pesqueiro bem definido. Regras regulando o uso do recurso pesqueiro são definidas por membros da comunidade ou do grupo de usuários local, com níveis variados de participação de outras organizações e instituições. A fiscalização é principalmente uma responsabilidade da comunidade ou dos membros do grupo de usuários local. A organização comunitária normalmente recebe pelo menos um apoio do órgão governamental local responsável pelo manejo pesqueiro. O Modelo Comunitário está ganhando respeito entre pesquisadores e administradores de pesca, principalmente devido à crise que muitas regiões pesqueiras estão enfrentando.
O manejo pesqueiro na Amazônia brasileira segue o Modelo Tecnocrata. O IBAMA (Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis) é o órgão responsável pelo gerenciamento pesqueiro na região. Pela legislação brasileira, as águas interiores pertencem ao Estado, e o pescador tem o direito de pescar em qualquer lugar que ele possa alcançar por barco. Proprietários de corpos d’água são formalmente reconhecidos somente em casos de lagos isolados permanentemente e lagoas que são totalmente cercadas por propriedades privadas. As políticas de manejo são definidas por tecnocratas do IBAMA, com a participação de pesquisadores e representantes de organizações de pescadores e de indústrias.
O IBAMA não possui os recursos humanos, os fundos ou os equipamentos necessários para implementar esse modelo. Não existem, por exemplo, registros oficiais que forneçam estimativas confiáveis do número de embarcações de pesca atuando na região. Além disso, o monitoramento dos mercados de peixe nos maiores centros urbanos é mínimo e, nas áreas rurais, o IBAMA é incapaz de fiscalizar a pesca e os estoques pesqueiros de forma eficaz. Só mais recentemente, grupos de pesquisa, colaborando com o IBAMA, têm desenvolvido programas para monitorar o desembarque de peixes nos maiores centros urbanos. O resultado é que a atividade de pesca é regulada mais pelas condições naturais do que pelo Estado.
O modelo de reserva de lago que está sendo desenvolvido na Amazônia é baseado no Modelo Comunitário. Aqui, em vez de considerar a várzea como uma única unidade de manejo na qual pescadores circulam livremente, o manejo pesqueiro está organizado em torno de sistemas de lagos e das populações locais. Neste modelo, pescadores são normalmente sedentários, pescando nos lagos mais próximos de sua comunidade. Os pescadores continuam sendo atores preocupados com seus próprios interesses, mas existem, neste caso, mecanismos para proteger e reconciliar os interesses individuais e coletivos.
O modelo de reserva de lago tem potencial para satisfazer as condições básicas necessárias ao manejo coletivo: um território distinto controlado por um grupo de usuários bem definidos com acesso exclusivo ao recurso. Embora a reserva de lago seja um fato relativamente recente, ele está baseado em noções tradicionais de ecologia pesqueira e posse de terra. Até certo ponto, a noção de posse de lago está relacionada com a maneira como as propriedades individuais são definidas. A propriedade na várzea é geralmente definida não em termos de sua área, mas em termos de seu comprimento ao longo do rio ou paraná (metros de frente). Na maioria das vezes, a propriedade se estende da margem do rio até o centro da ilha ou lago, onde se encontram propriedades que se estendem para o centro do outro lado da ilha. Um resultado prático é a dificuldade em saber a área total de uma propriedade individual porque o fundo das propriedades é apenas vagamente estimado. Embora vago em termos de área, este sistema fundiário fornece a cada proprietário o acesso a todos os principais ambientes da várzea. O rio é utilizado como meio de transporte e sazonalmente para a pesca.
As habitações são localizadas na terra alta das restingas beirando os rios e canais e é nesse local que a maioria das atividades agrícolas são desenvolvidas. A pecuária é praticada nos campos naturais na zona de transição entre o lago e a restinga e, na maior parte do ano, a pesca se concentra nos lagos.
Apesar das propriedades individuais incorporarem os principais hábitats da várzea, estas zonas ecológicas são tratadas diferentemente dentro do sistema de posse da terra. Existe um gradiente de uso individual da beira do rio até o lago. Ao longo desse transecto, a restinga é considerada propriedade privada com limites claramente definidos e, muitas vezes, é cercada. Em geral, os campos naturais atrás da restinga são considerados área comum. É permitido ao gado circular livremente nesta zona, ainda que proprietários individuais tenham o direito de cercar as áreas de campo dentro de sua propriedade. O lago é considerado também uma propriedade comum e as tentativas de restringir o acesso aos lagos enfrentam resistência se o mesmo não estiver inteiramente dentro de uma ou algumas propriedades.
A maior diferença, em termos fundiários, está entre a restinga, que é explorada individualmente, e os campos inundados e os lagos, que são tratados como comuns. De certa forma, a posse da margem do rio fornece acesso ao campo e ao lago do interior da várzea. Seguindo esta lógica, a posse ou o controle dos lagos pela comunidade é normalmente baseado na posse da terra ao redor do lago pelos membros da comunidade, embora o uso tradicional por comunidades vizinhas possa também ser reconhecido. Neste sistema, a comunidade, como um proprietário coletivo, é dona do pescado do lago, do mesmo modo que um proprietário de terra firme reivindicaria a posse da caça em sua propriedade. Esta perspectiva da pesca nos lagos fornece a base para o manejo coletivo do recurso, uma vez que fica definido o grupo de indivíduos que tem acesso ao recurso e se beneficia dele.
O manejo comunitário da pesca é baseado em acordos comunitários denominados “acordos de pesca” que especificam as medidas a serem tomadas e as sanções a serem usadas contra infratores. Em geral, estes documentos são elaborados em reuniões comunitárias e assinados pelos presentes que estão em concordância. O documento então é escrito em forma de petição, com as assinaturas anexadas, e é apresentado ao IBAMA, à Colônia de Pescadores e às autoridades municipais para o reconhecimento formal.
O principal objetivo dos acordos de pesca é estabilizar ou reduzir a pressão sobre os recursos pesqueiros locais. Esses acordos normalmente tentam atingir esse objetivo indiretamente através de restrições aos apetrechos de pesca e à capacidade de armazenamento, em vez de delimitar diretamente o tamanho da captura. Além de regular a atividade pesqueira, acordos de pesca frequentemente incluem medidas que pretendem conservar hábitats considerados importantes para a população de peixes do lago.
Eles podem também incluir medidas concebidas para regular a exploração de outras espécies, como quelônios. Estes acordos tipicamente incluem algumas das seguintes medidas.
1) Acesso ao Recurso Pesqueiro. A medida mais comum é proibir os pescadores que não fazem parte da comunidade de entrarem nos lagos. Onde a pesca é principalmente orientada para a subsistência, esta medida é suficiente para restaurar ou manter a produtividade da pesca. Esta medida, entretanto, não é aceita pelo IBAMA.
2) Mercado pesqueiro. Uma das formas mais fáceis de controlar a pressão sobre o recurso pesqueiro é restringir a comercialização da captura. Em alguns casos, a pesca comercial é totalmente proibida, enquanto em outros é restrita a certas espécies ou grupos de espécies, ou ainda a determinado período do ano. Há casos em que a comercialização do pescado é permitida somente dentro da comunidade, limitando a captura total às necessidades da comunidade como um todo.
3) Apetrechos de pesca. As comunidades frequentemente proíbem o uso de um ou mais tipos de apetrechos durante todo ou parte do ano. O principal alvo dessa medida é a malhadeira, que é considerada a principal causa da pressão excessiva sobre os recursos dos lagos. Restringir o uso da malhadeira é considerado a forma mais efetiva de limitar o tamanho da captura.
As malhadeiras podem ser permanentemente proibidas ou durante parte do ano, normalmente na estação seca, quando os peixes estão concentrados em pequenos corpos d’água. Acordos de pesca também podem proibir uma gama de tipos de apetrechos e técnicas de pesca, incluindo
arrastões e redes de lancear.
4) Armazenamento. Outra maneira de restringir o tamanho da captura é limitar a capacidade de armazenamento. A comunidade pode criar restrições sobre o tamanho ou o tipo de embarcação (barco a motor, por exemplo) que pode entrar no lago. Pode também limitar o tamanho das caixas de isopor usadas para armazenar o pescado. Finalmente, pode proibir o gelo e permitir somente o sal, a forma tradicional de preservar o pescado.
5) Conservação de Hábitat. Os pescadores possuem um conhecimento íntimo da relação entre a vegetação dos lagos e a sua produtividade pesqueira, e muitas comunidades definem medidas para proteger a vegetação considerada importante para a pesca local. Alguns acordos de pesca, por exemplo, especificam regras para preservar a cobertura de macrófitas flutuantes e proteger árvores frutíferas durante a época da cheia.
6) Zoneamento de Sistemas de Lagos. Os lagos de várzea são na realidade sistemas de lagos que sofrem grandes mudanças físicas e ecológicas. Em certos casos, comunidades distinguem diferentes tipos de lagos e adaptam regras de pesca às características de cada tipo. Por exemplo, pescadores diferenciam lagos rasos e sazonais, que podem secar na estação de águas baixas, e lagos profundos e permanentes, muitas vezes chamados de “lagos de criação”, onde os peixes tendem a se concentrar durante a estação seca. A pesca comercial pode ser permitida em lagos rasos durante a estação seca, uma vez que os peixes nesses lagos podem morrer de qualquer modo, enquanto em lagos mais profundos a pesca pode ser restrita às necessidades de subsistência ou totalmente proibida durante a estação seca.
A adoção do modelo de co-manejo é vista como uma resposta ao modelo de manejo centralizado e de cima para baixo que caracterizou o manejo da pesca no Brasil desde sua implementação. Nesse caso, o principio básico é a auto-governanca, mas dentro de uma estrutura legal estabelecida pelo governo e de forma que o poder seja dividido entre os grupos usuários e o governo. A partir da segunda da metade da década de 90, foram sendo adotadas uma série de medidas que, passo a passo, começaram a compor as bases legais e institucionais do manejo comunitário da pesca da várzea.
Algumas dessas medidas foram a descentralização de determinados poderes da presidência do IBAMA para os superintendentes regionais, a definição do critério para a legalização dos acordos de pesca, a definição de uma estrutura institucional para o co-manejo e a criação de uma categoria de voluntários ambientais para as comunidades. Dos critérios para a legalização, pelo Ibama, mediante portaria, dos acordos de pesca, dois são especialmente relevantes: o primeiro diz que o acordo não pode definir quem pode ou não pescar e o segundo diz que o acordo deve ser proposto por uma organização que represente todas as comunidades localizadas dentro das fronteiras do sistema de lago e que se responsabilize pela implementação do acordo, uma vez que este seja aprovado. Os Agentes Ambientais Voluntários são membros da comunidade que recebem treinamentos sobre a legislação ambiental e os procedimentos de implementação, além de serem responsáveis pelo monitoramento local. Eles não têm autoridade para prender ou confiscar equipamentos, podem apenas fazer citações que devem ser encaminhadas para os agentes do IBAMA. Estes tomam as providencias legais necessárias para cada caso.
O objetivo do presente Projeto de Lei é reforçar a base legal dos Acordos Comunitários de Pesca, fundamentais para o desenvolvimento da atividade na Amazônia e para a vida de milhares de pescadores ribeirinhos. Contamos com o apoio de nossos ilustre pares nesta Casa para a sua aprovação.
Íntegra da proposta:
PL-2191/2011