quinta-feira, 30 de junho de 2011

INSANIDADE MENTAL

Ellza Souza (*)

Todos sabemos que a saúde mental no Brasil é um caos e no Amazonas não poderia ser diferente. Nem todos sabem mas entre a sanidade mental e a loucura existe uma tênue passagem. Nascemos saudáveis quase sempre mas podemos passar para o outro lado em qualquer etapa de nossas vidas. Basta um golpe adverso em nossa atribulada vida para partir o delicado fio que nos mantém “normais”. Ao visitar o maltratado Hospital Eduardo Ribeiro e as pessoas que o procuram em busca de pacificar suas mentes alvoroçadas dá para entender que nem sempre precisaram de remédios para viver. São doentes psiquiátricos, são dependentes químicos cujas drogas os lançam no burburinho incompreensível de suas mentes, são histórias de toda ordem de quem está ali procurando ajuda e tratamento para viver com dignidade.

E o que encontram? Funcionários (incluindo aí alta e baixa patente) despreparados para atender qualquer tipo de público quanto mais esse pra lá de especial. Claro que existem muitos abnegados que contra todas as condições adversas com que se deparam, persistem em estender a mão a esses pacientes completamente invisíveis para a sociedade. É fácil colocar um gestor ou sei lá o nome que se dê a quem “agüenta as pontas desses pepinos” que vai empurrando os problemas mas não os resolve nunca numa incompetência administrativa governamental. Entra governo e sai governo e o caos instalado no setor é “coisa de louco”.

Estou cada vez mais assustada com a situação da saúde brasileira. Os prédios são até bonitos e bem acabados quem está para se acabar são os doentes que precisam dos pams, dos postos, dos pronto socorros, da Santas Casa (que aliás pede misericórdia), do Sistema Único de Saúde que se não fosse a burocracia e a cara feia dos atendentes serviria e muito para amenizar a tão difícil vida do trabalhador que neste Brasil Sem Miséria não pode nem comprar sua dentadura e tem que se sujeitar a ganhar a sua de um político que eleito vai desviar os recursos que deveriam ir para a saúde, educação, merenda escolar, transporte público, segurança.

Para esquecer um pouco as agruras de uma existência nem sempre fácil, no dia 1º. de julho vai acontecer o arraial no Hospital onde foi a Chácara O Pensador do governador Eduardo Ribeiro. Na ocasião se apresenta a quadrilha “Alucinados na Folia” com muitos “passos” treinados exaustivamente pelos doentes, sãos e afins. A festa será entre 15 e 18 horas da sexta feira e todos podem comparecer para dar o seu apoio ao próximo que precisa de pelo menos um olhar com dignidade e esperança.

(*) É jornalista, escritora e articulista do NCPAM/UFAM.

AMIGO OU INIMIGO, O JOGO CONTINUA

Sergio Fausto (*)

A carta de Dilma Rousseff a Fernando Henrique Cardoso reconhecendo os seus méritos como político, intelectual e presidente da República tem importância histórica. Tem também significação política, na medida em que desdiz a catilinária lulopetista sobre a "herança maldita". Não tem, contudo, efeito sobre o jogo político-partidário do PT porque, neste, quem continua a dar as cartas é o ex-presidente Lula. E ele já deixou bem claro que continua a operar dentro da lógica amigo-inimigo, como se de fato a política fosse o prolongamento da guerra por outros meios.

Que o PSDB é o inimigo escolhido já se sabe há muito tempo. É escolha feita desde a preparação do Plano Real, quando Lula, sob os maus conselhos de seus assessores econômicos, preferiu denunciar o suposto "estelionato eleitoral" a apoiar o programa que pôs fim a mais de duas décadas de inflação alta, crônica e crescente e criou as condições para a retomada do crescimento com distribuição da renda. Na Presidência, buscou apropriar-se dos louros da vitória sobre o processo inflacionário, como se fosse ele, e não o seu antecessor, o responsável político pela estabilização monetária, embuste que Dilma indiretamente denuncia em sua carta a FHC.

Desde meados dos anos 90, a escolha do PSDB como inimigo principal vem sendo reiterada a cada passo, sem nenhum escrúpulo de consciência. Ainda recentemente, em meio à crise que levou à renúncia do ministro Antônio Palocci, Lula atribuiu ao PSDB paulista o surgimento na imprensa das informações sobre a inexplicada - possivelmente porque inexplicável - evolução patrimonial de seu ex-ministro da Fazenda. Provas? Não as tinha. Nem mesmo indícios. A acusação leviana servia a um único e deliberado propósito: arregimentar a tropa petista no Congresso Nacional para blindar Palocci na Casa Civil. Em vão.

O pouco-caso pelas instituições e pelos princípios republicanos - para não falar no desdém pela verdade histórica - é parte da lógica amigo-inimigo. Em encontro de dirigentes petistas realizado no interior de São Paulo, logo após a queda de Palocci, o ex-presidente afirmou em discurso que os problemas com os companheiros só surgem quando o partido está desunido. Foi assim no "mensalão", disse ele, invocando o testemunho de José Dirceu, postado ao seu lado. Foi assim também agora, arrematou, fazendo referência ao escândalo que derrubou o ministro da Casa Civil de Dilma Rousseff. Ou seja, não importa se houve ou não houve corrupção, desvio de recursos públicos, enriquecimento ilícito, etc., nesses e em outros tantos casos envolvendo dirigentes do PT e ministros de seu governo. O que importa é preservar a unidade e a força da organização, na luta contra o inimigo.

Mais uma vez, no discurso referido, o propósito do ex-presidente foi arregimentar a base parlamentar petista, desta feita em apoio a Dilma Rousseff. Objetivo legítimo e iniciativa oportuna do ponto de vista do governo. Como líder partidário, Lula tem todo o direito de convocar os seus a respaldar a presidenta. Ninguém o faria com maior eficiência.

O problema é que o ex-presidente, e não é de hoje, se comporta como chefe de uma organização dedicada a acumular poder e evadir-se tanto quanto possível do controle público (não para se autorregular, mas para proteger os companheiros, aloprados ou não). Cada vez mais raras são as vezes que se vê em Lula o homem público preocupado com as instituições e a qualidade da vida política. Vício adquirido na oposição, agravado na Presidência e cultivado depois de deixar o cargo.

Dilma Rousseff não é capaz de operar com a mesma eficiência política, o que era previsível. A presidenta é mulher de convicções - não importa se certas ou erradas - e compromisso com o que lhe parece tecnicamente correto. Custa-lhe visivelmente abrir mão deles, assim como é perceptível sua falta de gosto pelo fazer convencional da política.

Tipo meio ascético, Carlos Lacerda, em seu livro de memórias, relata as dificuldades que vivia para controlar uma parte da bancada da UDN na Câmara dos Deputados no final dos anos 1950, formada por parlamentares boêmios que viviam na noite carioca. Resolveu, então, fazer o sacrifício pessoal de cair na farra por uns dias para criar maior camaradagem com seus liderados. Virou duas noites, de bar em bar. Diz ele que deu certo.

Registro essa história para ressaltar o tamanho do desafio político com que se defronta a presidenta. Sua tarefa é muito maior e mais complexa que a de Lacerda. Para começar, porque não é na farra boêmia que está interessada a maioria da base de sustentação do governo. Para concluir, porque liderar uma bancada parlamentar é algo infinitamente mais simples do que presidir um país como o Brasil.

Passados seis meses de governo, Dilma Rousseff ainda não encontrou resposta para o desafio básico da boa governança no sistema presidencial brasileiro: como compor e preservar de modo estável uma coalizão de partidos que dê sustentação parlamentar ao governo, entregando-lhes cargos e recursos na administração federal, e ao mesmo tempo realizar um programa que requer coerência e eficácia na implementação das políticas públicas.

Jejua na vida político-partidária, em geral, e na vida parlamentar, em particular, a presidenta acumula tropeços e zigue-zagues na relação de seu governo com o Congresso, como mostram as idas e vindas na questão do sigilo dos documentos oficiais.

Tomara que ela se firme, consiga estabelecer limites à voracidade dos aliados, separando o joio do trigo, e imprima a sua marca pessoal ao governo. É importante para o País que faça um bom trabalho e não permita a Lula exercer, desenvolto, o seu protagonismo anti-institucional, seja em cena aberta ou nos bastidores da vida política (e empresarial).

(*) É articulista do Estadão, diretor executivo do IFHC, membro do GACINT-USPE-MAIL: sfaust040@hotmail.com

quarta-feira, 29 de junho de 2011

FEIRAS E LIXO UMA MISTURA QUE DEU CERTO EM MANAUS

Ellza Souza (*)

As feiras de Manaus fazem parte da cultura do povo amazonense. Talvez pela fartura de produtos da terra muitos já em fase de extinção como a tartaruga, a andiroba, o pau rosa, o cacau, o pirarucu, só para dar alguns exemplos. Algumas são semanais como a do bairro de Aparecida que até já se tornou ponto de encontro de velhos amigos para comer um pastel com caldo de cana. Tem a feira Moderna e a da Panair onde desembarcam pela via fluvial a grande massa de produtos vindos do interior do Estado como as frutas, os peixes e os legumes. E as feiras dos bairros que por sinal muito boas se não fosse o lixo.

Num programa de televisão ouvi o secretário municipal de produção e abastecimento defendendo a gestão do atual prefeito que foi o autor da construção de muitas feiras na cidade, segundo ele, há dezoito anos. De lá pra cá não foi colocado um prego e se verificou o mais completo abandono nesse interstício de Amazonino para Amazonino. “Agora” na atual administração com a “profissionalização no trato com a cidade de Manaus” ainda segundo o graduado funcionário, a coisa está melhorando. A reportagem mostrou as reclamações dos permissionários quanto ao abandono, à sujeira, às crianças que circulam nas feiras, às bebidas alcoólicas e o som alto que apesar das proibições correm solto nesses ambientes. Aí então o secretário se referiu ao “meu sub o Dr. Osvaldo” que provavelmente cuida dessa parte numa divisão igualitária de tarefas.

O secretário garante que estão sendo feitas parcerias com empresários que ajudarão a fazer as reformas necessárias e acabar de uma vez com esses problemas que se arrastam há pelo menos “dezessete anos”. Parece até coisa de propaganda eleitoral mas ele jura que “o prefeito está junto com os permissionários” e provavelmente atento a seus reclamos. “E o mercadão” perguntou o repórter. “Por ser um trabalho de restauração está a cargo da Manauscult mas acredito que até o final do ano deve ser entregue à população”.

Outro dia uma senhora de uns 40 anos, carioca moradora da cidade, se referiu a nossa principal feira, a Moderna, como “o porcão”. Fiquei com pena do animalzinho porque na lama muitas mulheres se encharcam para ficarem mais belas. Tem lama que é boa o que deve ser o caso dos porquinhos. Mas a mulher se referia a sujeira que ela diz existir no local. Entre odores ruins que não é do pitiú, lama, plásticos, restos de alimentos apodrecidos. Falta nas feiras umas vassouradas e um sabãozinho nas mãos dos que usufruem esses serviços. Falta zelo, falta higiene e educação no trato com os fregueses. Faltam políticas públicas para trazer o que tem de melhor do interior para as feiras num preço e qualidade mais condizente com o nosso povo. Falta também cobrança da sociedade. No meu caso preciso ver acontecer e não apenas ouvir funcionário, seja público ou particular, falar bem do patrão.

(*) É Jornalista, escritora e articulista do NCPAM/UFAM.

terça-feira, 28 de junho de 2011

HOMENAGEM PELOS 90 ANOS DE PAULO FREIRE

A Câmara Federal homenageou na segunda-feira (27) em sessão solene, o educador e filósofo Paulo Freire, que completaria 90 anos no próximo dia 19 de setembro. Pernambucano de Recife, Freire é conhecido pelo método revolucionário de alfabetização que desenvolveu com o objetivo de combater a falta de oportunidades para os grupos sociais mais pobres.

Além dos mais de 43 títulos de doutor honoris causa, Freire recebeu inúmeros outros prêmios importantes em razão de sua luta para ampliar o acesso às escolas e ao conhecimento. Entre eles estão o Prêmio Unesco da Educação para a Paz" (1986) e Prêmio Andres Bello, da Organização dos Estados Americanos, como Educador do Continente (1992).

Em maio deste ano, a Câmara aprovou o Projeto de Lei 5418/05, deputada Luiza Erundina (PSB-SP), que concede o título de patrono da educação brasileira a Freire, morto em 1997, vítima de infarto. A proposta será analisada pelo Senado.

Para o deputado Fernando Ferro (PT-PE), que propôs a solenidade, Freire acreditou na educação como um fator de transformação do mundo e de crescimento coletivo. “Ele retirou homens e mulheres que não tinham nenhuma esperança de participar ativamente da dinâmica cívica, por total falta de informação, e os levou a uma situação de protagonismo social”, afirmou.

O deputado lembrou ainda o livro “Pedagogia do Oprimido”, de 1968, no qual Freire aborda o método de alfabetização que o diferenciou dos intelectuais da época por voltar-se ao diálogo com pessoas simples não apenas como forma de instrução, mas, sobretudo, como um meio de levá-las a exercer a democracia em sua plenitude.

“Quando atualmente vemos os indígenas tendo acesso ao ensino superior, ou os negros ocupando vagas por cotas, ou ainda as populações do interior deste País tendo acesso às universidades federais, é importante olhar para trás e enxergar que a semente foi plantada por este ilustre Pernambucano”, completou Ferro.

Segundo o deputado Mauro Benevides (PMDB-CE), “Paulo Freire é um dos pensadores mais qualificados da nossa cultura. Ele chamou atenção, com a sua pedagogia do oprimido, para o papel do educador na constituição de uma sociedade democrática”.

Para Benevides, o legado de Freire revela ao mundo uma capacidade da educação para além das salas de aula. “Seu método de alfabetizar se destaca dos outros porque surgiu de experiências com os próprios grupos sociais formados pelos educandos”, disse.

Ruptura de modelos: A viúva e sucessora legal da obra de Freire, Ana Maria Araújo Freire, destacou durante a homenagem o papel do marido como responsável por um movimento que permitiu a ruptura do modelo social predominante à época. “Paulo dedicou a maior parte de sua vida para que nos possamos ter hoje um País com menos participantes da sociedade e com mais sujeitos de todo o processo democrático”, afirmou.

Fonte: http://www2.camara.gov.br/agencia/noticias/EDUCA%C3%87%C3%83O-E-CULTURA/199150-C%C3%82MARA-HOMENAGEIA-OS-90-ANOS-DO-NASCIMENTO-DE-PAULO-FREIRE.html

A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE NO CAMPO DAS CIÊNCIAS SOCIAIS

Aquiles Pinheiro (*)

O conceito de identidade acompanha as concepções de sujeito ou seja a “noção de pessoa”, a noção de “eu”. Sabemos, a partir do estudo clássico de Marcel Mauss, que “noção de pessoa”, a noção de “eu” ­­– como uma das “categorias do espírito humano”–, foram socialmente construídos e naturalizados ao longo de lento e complexo processo histórico, cujo percurso nos é apresentado por Mauss, nas seguintes palavras:

De uma simples mascarada à máscara; de um personagem a uma pessoa, a um nome, a um indivíduo; deste a um ser com valor metafísico e moral; de uma consciência moral a um ser sagrado; deste a uma fonte fundamental do pensamento e da ação, foi assim que o percurso se realizou. (MAUSS, 1974, p. 397).

Assim sendo, a partir de Mauss, a tradição antropológica acostumou-se a pensar que a idéia de identidade referida a uma pessoa singular, a uma individualidade específica, é resultado dessa construção. De modo que, a própria noção que temos hoje, de pessoa, de individualidade e singularidade e que está associada à ideia de “permanência”, é uma criação recente de nossa história.

De acordo com Mauss, a ideia de pessoa provém da palavra latina persona que designa máscara, na qual está implícita, a referência à atuação daquele que fala por trás da máscara. Entretanto, segundo a antropóloga Maria Lúcia Montes, quando olhamos para outras sociedades, o que vemos por trás da máscara não é o indivíduo, não é uma pessoa singular que a reveste, mas, ao contrário, é a própria máscara que é o essencial.

Assim, em muitas sociedades não-ocidentais é a máscara que tem uma identidade, é ela que representa uma função e um papel social, cabendo aos indivíduos tão somente dar voz a ela, ou seja, preencher o papel, dar significado a uma função social. A máscara, mais do que aquele que lhe empresta a voz é o que é significativo em outras sociedades.

Portanto, a idéia que temos, de que cada pessoa tem um nome, que a identidade de uma maneira singular é algo que praticamente todas as sociedades não-ocidentais desmentem categoricamente. Por exemplo, os zuni e os pueblos citados por Mauss, são grupos que têm um estoque limitado de nomes próprios para determinadas funções sociais e, assim, quem exerce uma dessas funções tem de levar este nome e não outro. Em sociedades xinguanas, a cada transformação da vida social do indivíduo, alteram-lhe o nome.

Em seu livro Interpretação das Culturas (1978), Clifford Geertz mostra que em Bali a simples idéia de que alguém devesse ter um nome próprio seria uma coisa assustadora, pois nessa cultura a ideia de individualidade é vista quase como uma ameaça, isto porque nas aldeias balinesas toda a idéia de organização social e a própria interação entre as pessoas são articuladas de modo a negar certos papeis e funções. Em outras palavras, nessa sociedade como em outras sociedades não-ocidentais, á máscara é o que importa mais que a pessoa, isto é, o nome atribuído à função é o que importa muito mais do que o nome da pessoa ou do indivíduo que a exerce.

Vemos assim que a idéia de identidade produzida por este nosso sistema de identificação, em que se imagina que ela signifique permanência de alguma coisa sempre igual a si mesma, é algo que a história das culturas e das sociedades humanas contradiz de maneira categórica.

Avançando na discussão e contextualizando para os dias atuais, o que se observa é que as sociedades contemporâneas se caracterizam cada vez mais, pela mudança constante em oposição às “sociedades tradicionais”, referidas por Lévi-Strauss como sociedades “frias”, sem história ou impermeáveis ao fluxo da História. Em tais sociedades, os valores são perpetuados de geração em geração, conforme assinalado por Stuart Hall (2000, p. 25), “as transformações associadas à modernidade libertaram o indivíduo de seus apoios estáveis nas tradições e nas estruturas”.

O que está em questão, portanto, é a mudança desse sujeito dotado de uma identidade unificada e permanente para o sujeito pós-moderno, que não possui uma identidade essencial, unificada e fixa, mas, antes se torna fragmentado, composto por várias identidades que, por vezes, são até mesmo contraditórias, conforme afirma Stuart Hall:

O sujeito contemporâneo assume identidades diferentes em diferentes momentos, identidades que não são unificadas ao redor de um ‘eu’ coerente. Dentro de nós há identidades contraditórias, empurrando em diferentes direções, de tal modo que nossas identificações estão sendo continuamente deslocadas [...]. A identidade plenamente unificada, completa, segura e coerente é uma fantasia (HALL, 2000, p.13).

Nesse sentido, Denys Cuche (2002), afirma que a identidade se refere, ao mesmo tempo, à inclusão e exclusão, sendo constantemente construída e reconstruída no interior das trocas sociais e se caracterizando pelo conjunto de suas vinculações em um sistema social. Para este autor: “A identidade permite que o indivíduo se localize em um sistema social e seja localizado socialmente. [...]. Todo grupo é dotado de uma identidade que corresponde à sua definição social” (CUCHE, 2002, p. 177).

O mesmo autor defende o aspecto dinâmico da identidade, afirmando que esta possui um caráter de alteridade:

Não há identidade em si, nem mesmo unicamente para si. A identidade existe sempre em relação a uma outra. Ou seja, identidade e alteridade são ligadas e estão em relação dialética. A identificação acompanha a diferenciação. (CUCHE, 2002, p. 183).

Ao afirmar o caráter dinâmico da identidade, uma vez que esta se constrói na dinâmica de identificação e diferenciação, Cuche (2002, p. 183) afirma sua preferência pelo conceito de “identificação de Galissot” (1987), em detrimento do conceito de identidade. Isto porque, segundo Simon (1979, p. 24) citado em Cuche (2002, p. 184), a identificação pode funcionar como afirmação ou como imposição de identidade. A identidade é sempre uma negociação, uma concessão entre uma ‘auto-identidade’ definida por si mesmo e uma ‘hetero-identidade’ ou uma ‘exo-identidade’ definida pelos outros”.

Para Cuche (2002), a situação relacional definirá se a “auto-identidade” terá maior ou menor legitimidade do que a “hetero-identidade”, nos remetendo à problemática da constituição identitária no jogo das lutas sociais, uma vez que numa situação de dominação a hetero-identidade pode determinar a estigmatização de grupos minoritários através da construção de uma identidade negativa. Podemos relacionar esta análise à compreensão de Pierre Bourdieu (1989) de identidade como luta de poder.

Assim como Hall (2000), Cuche (2002) afirma que não podemos considerar a existência de uma identidade fixa ou “pura”. Como construção social, a identidade está inserida na complexidade social, onde cada indivíduo possui diferentes vinculações através das quais fabrica sua própria identidade. Pode-se falar então do conceito de identidade sincrética, em que “cada um integra, de maneira sincrética, a pluralidade de referências identificatórias que estão ligadas à sua história” (CUCHE, 2002, p. 195).

Referências:

BORDIEU, P. A identidade e a Representação. Elementos para uma reflexão crítica sobre a idéia de região. In: O Poder Simbólico. Lisboa: Difel, 1989.
CUCHE, Denys. A noção de cultura nas Ciências Sociais. 2. ed. Tradução: Viviane Ribeiro. Bauru: EDUSC, 2002.
GALISSOT, René. (1987), Sous l’identité, le processus d’identification. L’Homme et la Societé, n.º 83, p. 12-67.
HALL, Stuart. A Identidade Cultural na Pós-Modernidade. Tradução: Tomaz Tadeu da Silva e Guaracira Lopes Louro.11. ed. Rio de Janeiro: DP&A Editora, 2006.
MAUSS, Marcel. Uma categoria do espírito humano: a noção de pessoa, a de “eu”. In: Sociologia e Antropologia. São Paulo, EDUSP, 1974.
MONTES, M. L. Raça e Identidade: entre o espelho, a invenção e a ideologia. s/d.
SIMON, Pierre-Jean. Ethnisme et racisme ou École de 1492. Cahiers Internationaux de Sociologie, v. 48, p. 119-152, jan./juin. 1970.

(*) É pesquisador do NCPAM e pós-graduando em antropologia na UFAM.

segunda-feira, 27 de junho de 2011

EM PARINTINS TEM BOI QUE NÃO É MAIS CEGO

Ellza Souza (*)

A entrada na arena do levantador de toadas Davi Assayag sem sua guia sensual e bela e sem o seu já famoso óculos escuro, me deixou animada. Achei que ele estava enxergando “todas” agora. Mas a índia que o acompanha logo chegou para pegar sua mão e dançar a seu lado dando energia para esse incrível cantor que por uma fatalidade ficou cego. Não é fácil a tarefa de cantar mais de duas horas numa apresentação como essa cheia de fumaça, barulho e animação. Mas todos os levantadores ou amos dos bois Caprichoso e Garantido têm vozes poderosas e em nenhum momento aparentam fraquejar.

No último dia a primeira apresentação foi do Caprichoso que colore a cidade e a arena de azul. Em seguida o Garantido avermelhou e empolgou a galera. Ambos com suas imensas alegorias muito bem feitas por artistas que já ganham renome nacional. Dentro daquele pequeno estádio os bois fazem miséria na arte de demonstrar os seus enredos “Magia que encanta” do Caprichoso e “Miscigenação” do Garantido. As parintinenses sinhazinhas e cunhãs porangas, belíssimas moças encantam o tempo todo com seus bailados e figurinos de muita criatividade. Aliás cada boi tenta fazer o melhor, talvez hoje um pouco exagerado no luxo mas ainda marcado por um jeito artístico de contar mitos e lendas dos povos amazônicos.

No ano passado fui à festa em Parintins pois tinha muita curiosidade de conhecer o festival do lado de dentro do Bumbódromo. Achei bonita a festa mas apontei algumas dificuldades em relação ao ganho social da população. Vi de perto o lixo, a prostituição, a precariedade de lanchonetes e restaurantes talvez pelo fato de ser o lugar dos lisos que ficam na fila longas horas para entrar. Os convidados vips passam em grandes ônibus luxuosos direto para seus camarotes e não enxergam essa bagunça. Sei que algumas grandes empresas colocam seus nomes no evento e faturam alto com a festa portanto acho que o mínimo que deveriam fazer era limpar a cidade no final de tudo e dar um destino certo para tanto plástico e papel espalhado nas ruas. Se isso não for feito sabemos que todo esse material que leva muito tempo para degradar vai se embolar com os peixes no rio Amazonas, que banha toda a cidade.

Parintins tem aproximadamente 100 mil habitantes. O lugar é uma ilha chamada de Tupinambarana de incontáveis belezas naturais e um povo pacato mesmo descendendo de bravos guerreiros que por ali viviam antes da chegada do explorador português. Lá todos são “parentes” um jeito carinhoso de tratar o amigo. A comida, as pessoas, a infraestrutura é boa para a pequena cidade mas não consegue administrar os problemas que advém com a chegada de tantos visitantes na época do festival.

Ainda bem que o grande rio, o calor, o carapanã, a falta de estradas, dificulta o acesso, senão do jeito que o povo daqui gosta de uma festa os mais de um milhão da capital iam buscar na ilha um pouco de fantasia para agüentar melhor o “tranco” do seu caótico cotidiano. Se Deus quiser vou ao festival no ano que vem para observar se as coisas mudaram por lá. Aqui vai de mal a pior.

(*) É jornalista, escritora e articuladora do NCPAM/UFAM.

domingo, 26 de junho de 2011

AMAZÔNIA REINVENTADA

Márcio Souza (*)

A questão da região amazônica é sem dúvida fundamental para entendermos bem a diversidade do Brasil. Mas nem sempre foi possível o acesso ao passado da grande planície. Por isso, chamo a atenção para o trabalho de reestruturação dos arquivos públicos brasileiros. Como o que foi feito em Belém, permitindo que os pesquisadores tivessem acesso a informações até então inéditas, o que foi muito importante para o estudo da formação do Brasil e da integração da Amazônia ao Estado brasileiro.

O Brasil é fruto de um conjunto de paradoxo, entre pobreza e riqueza, modernidade e arcaísmo. É necessário analisá-los para entender a formação do país. É preciso levar em conta também às particularidades do modelo colonial português.

Não podemos esquecer que na origem, a Amazônia não pertencia ao Brasil. Na verdade os portugueses tinham duas colônias na América do Sul, uma descoberta por Cabral em 1500, governada pelo vice-rei do Brasil, a outra, o Grão-Pará e Rio Negro, descoberto por Vicente Iãnes Pinzon em 1498, logo após a terceira viagem de Colombo à América, quando batizou o rio Amazonas de Mar Dulce, mas efetivamente ocupada pelos portugueses a partir de 1630.

Esses dois Estados se desenvolveram distintamente até 1823, data em que o império do Brasil começou a anexar o seu vizinho. A violência era naquela altura a única via possível, tão diferentes eram as estratégias, a cultura e a economia dessas duas colônias. A Amazônia então não era uma fronteira: é um conceito que foi intentado pelo Império e retomado pela Republica.

No Grão-Pará e Rio Negro, a economia era fundada na produção manufaturada, a partir das transformações do látex. Era uma indústria florescente, produzindo objetos de fama mundial, como sapatos e galochas, capas impermeáveis, mola e instrumentos cirúrgicos, destinados à exportação ou ao consumo interno. Baseava-se também na indústria naval e numa agricultura de pequenos proprietários.

O marquês de Pombal nomeará seu próprio irmão para dirigir o país, com o intento de reter o processo de decadência do Império português que dava mostras de ser incapaz de acompanhar o desenvolvimento capitalista. Nesse contexto, os escravos tinham uma importância menor do que nos outros lugares. O país desfruta, além disso, de uma cultura urbana bastante desenvolvida, com Belém, construída para ser capital administrativa. Ou sede da Capitania do Rio Negro, Barcelos, que conheceu um importante desenvolvimento antes de Manaus, e para a qual se recorrera ao arquiteto e urbanista de Bolonha Antônio José Landi. Em compensação, a colônia chamada Brasil dependia amplamente da agricultura e da agroindústria, tendo, portanto uma forte proporção de mão-de-obra escrava.

Em meado do século XVIII, tanto o Grão-Pará quanto o Brasil conseguem criar uma forte classe de comerciante, bastante ligados à importação e exportação, senhores autônomos em relação a Metrópoles. Mas enquanto os comerciantes do Rio de Janeiro deliberadamente optaram pela agricultura de trabalho intensivo, como o café, baseando-se no regime de escravidão, os empresários do Grão-Pará intensificaram seus investimentos na indústria naval e nas primeiras fábricas de beneficiamento de produtos extrativos, especialmente o tabaco e a castanha do Pará. Na realidade, a Amazônia foi reinventada pelo Brasil, que propôs para ela a sua própria imagem.

Os moradores da Amazônia sempre espantam ao ver que, talvez para melhor vendê-la e explorá-la, ainda apresentam sua região como habitada essencialmente por tribos indígenas, enquanto existem há muito tempo cidades, uma verdadeira vida urbana, e uma população erudita que teceu laços estreitos com a Europa desde o século XIX. Aliás, nisso residem as maiores possibilidades de resistência e de sobrevivência dessa região. Com efeito, os povos indígenas da Amazônia nada conseguirão se não se apoiarem nessa população urbana que é a única que se expressa nas eleições e exerce pressão sobre a cena política.

(*) É escritor renomado, dramaturgo e articulista de a Crítica.

sábado, 25 de junho de 2011

AS LETRAS VOAM NA TERRA DO GUARANÁ

Antes da partida para Maués, saindo do aeroclube de Manaus, registrou-se a presença do poeta Dori Carvalho, Astrid Cabral, Tenório Teles e o professor Ademir Ramos, que foram participar das mesas de discussões do Flifloresta de Maués, como manifestação dos festejos de aniversário da cidade, que completou no dia 25, 178 anos de vida citadina. Outra caravana capitaneada pelo escritor Abraim Baze partiu de barco para se integrar a festa da arte, literatura e cultura na bela cidade do médio Amazonas.

Os escritores fizeram a festa expondo seus trabalhos e interagindo com os alunos, professores e cidadãos que compareceram aos encontros literários para conhecerem os autores e confrontarem ideias e obras. Nessas mesas de discussões, os questionamentos foram intensos com foco na leitura, na informação, numa perspectiva da cidadania participativa.

No todo, o debate foi mediado com a boa apresentação dos professores locais, como também dos artistas e músicos que interagiram mostrando competência e habilidade instrumental. Em destaque Vladimir Rossi, Natanael Lavaredo e Roberto Paiva. Mestres e doutores da boa música dos mauesenses. Outros talentos tiveram participação mais efetiva no palco das festividades em praça pública cantando louvores a cidade de maués e ao seu povo. O pico foi a meio noite, no raiar do dia 25, quando houve queima de fogos por alguns minutos para celebrar simbolicamente os 178 anos da cidade de Maués.

Ellza Souza (*)

Festejar o aniversário de uma cidade com literatura, música, poesia, com histórias de quem tem história para contar, é no mínimo diferente e instigador. Assim fez Maués a 267 quilômetros de Manaus em linha reta ou 356 pelo rio, para comemorar seus 178 anos de história citadina, nos dias 22, 23 e 24 de junho, encerrando os festejos no tão comemorado dia de São João (25). É mais uma edição do Flifloresta-Festival Literário Internacional da Floresta que nasceu em 2008 em Manaus com a finalidade de levar debates sobre literatura e meio ambiente com ênfase na defesa da Amazônia, assim como na formação e conscientização de novos leitores. As estrelas de nossa literatura estiveram na terra do guaraná, com o apoio da sempre presente Editora Valer e do Tenório Telles, Astride Cabral, Ademir Ramos, Abrahim Baze, Zemaria Pinto,Xico Gruber, entre outros.

O antropólogo Ademir Ramos falou sobre "as culturas indígenas e a construção da identidade na Amazônia"; a palestra do Zémaria Pinto abordou o tema “Como me tornei escritor: Formação e experiência” e a poetisa Astrid Cabral tratou do “ papel da escola na formação de leitores”. O fugaz computador não se sobrepõe ao poder de um livro. O que pode acontecer é um casamento ou parceria onde todos podem ganhar.

No encerramento do Festival foi feita a distribuição gratuita de mais de mil livros na periferia da cidade como parte de um bom projeto chamado Bibliocleta que como o Flifloresta são palavras que essa descendente dos Manaus não consegue pronunciar. O que importa nisso tudo é que o objetivo de formar leitores nesse município e em todo o interior da Amazônia, seja cumprido. Parabéns ao prefeito da cidade, ao Tenório e sua equipe, aos escritores e principalmente a todos os mauesenses que se beneficiaram desse movimento cultural tão importante e sabemos o como é difícil de se realizar, em nossa terra.

A terra dos fortes

Nem precisa visitar a cidade para saber que não é de hoje que essas terras são habitadas. Cientistas de longe tinham conhecimento do valor energético da planta chamada waraná ou árvore que sobe apoiada em outra. Foi preciso muita energia e bravura aos mawé e mundurukus que por ali vivem para resistir aos exploradores em busca da riqueza de suas plantas. O guaranazeiro, por exemplo, que brota espontaneamente em Maués é uma dádiva divina, que resistiu ao colonizador e as reprendas contra os Cabanos, garantindo sua unidade territorial, atualmente homologada como Terra Indígena dos Sateré-Mawé. Antes os mawé circulavam num extenso território entre os rios Madeira e Tapajós, delimitados ao norte pelas ilhas Tupinambaranas (Parintins) no rio Amazonas e ao sul pelas cabeceiras do Tapajós. Resistiram, à custa de muito guaraná ralado (sapó), provavelmente, pouco mais de 10 mil pessoas para contar suas histórias e Mitos. O nome científico do guaraná é “paullinia cupana” em homenagem ao botânico alemão C.F.Paullini, que viveu no século dezoito.

(*) É jornalista, escritora, e articulista do NCPAM/UFAM.

quinta-feira, 23 de junho de 2011

POR QUEM CHORA O MINDÚ?

Ainda esta semana, em Manaus, quando estávamos reunidos às margens do Igarapé da Freira, um dos braços do Quarenta, no bairro do Japiim, impactado pelas obras de um programa do governo chamado PROSAMIM, uma senhora dizia para o nosso editor que: "Agora o rio fede. É triste ver assim, ele todo emporcalhado e a gente pobre, sem nada pra fazer. Pobre, feia e desprovida... só nos resta é reclamar." A afirmativa se deu no contexto de preparação de uma assembléia dos moradores, quando chegavam para reunir com os técnicos do governo e deputados para discutirem as alagações que têm sofrido com grande prejuízo para economia doméstica dessa gente. O modelo eleitoreiro no Amazonas tem sido assim desde o fim do ciclo da borracha. Com a miséria se alastrando, os políticos e governantes "faturam" votos à custa dos desvalidos. Celebra-se dessa feita, o pacto da barbárie com custos imediatos, provocando danos irreversíveis à cidade, ao seu meio ambiente e a todo corpo vivo que a constitui. Sofre a cidade como corpo vivo representada também na gente desvalida que vive e mora nos igarapés ou nos bolsões de miséria vivendo no em torno de Manaus. Nesse impasse, os políticos aumentam sua densidade eleitoral oferecendo bolsas de suprimentos aos excluídos e minizando cada vez mais as políticas públicas quanto à sua qualidade e serviço. É um desatino que atinge a todos. Enfim, além de reclamar é necessário intervir nesse processo combatendo a desigualdade social, o analfabetismo político, com mais educação e informação visando romper com o circulo vicioso que se instalou no Estado, criando políticos de papel movido por interesses particulares. O texto da escritora Ellza Souza é de uma ternura que nos faz refletir sobre os nossos valores cidadãos chamando-nos atenção do sentimento de pertença enquanto filhos desse território, que além de nos abrigar alimenta a todos, transformando-se em nosso cantinho, drenado por igarapés, que são verdadeiras artérias a fazer pulsar o nosso coração e mente. Confira o texto abaixo e manifeste sua indignação por uma cidade sustentável enquanto é tempo:

Ellza Souza (*)

O
igarapé do Mindú não chora e como qualquer curso dágua ele seca, transborda e pode morrer. Quem provavelmente vai chorar somos nós, poluidores da própria água que bebemos. Esse “bracinho” de rio de quase 20 quilômetros que um dia escorreu livre e solto de leste a oeste da cidade não resistiu ao avanço do progresso. O Mindú ou “caminho de canoa” em nheengatu nasce nas proximidades da Reserva Ducke, área hoje densamente povoada, corta toda a zona leste passa pelas avenidas Paraíba, Recife, Djalma Batista, Constantino Nery, junta-se ao igarapé dos Franceses para formar o da Cachoeira Grande e mais a frente juntar-se ao igarapé do Franco formando o igarapé de São Raimundo, desaguando então no Rio Negro.

Dizem que em Manaus eram mais de cem igarapés, agora com menos de 350 anos a cidade deu um jeitinho de acabar com todos que existiam por aqui há milhares de anos. Nos primeiros trezentos anos alguns ainda resistiram mas nos últimos cinqüenta com o modelo de desenvolvimento imposto à grande tribo manauara, todos estão mortos.

O primeiro a desaparecer, conforme conta a história, foi o Espírito Santo mais conhecido hoje por avenida Eduardo Ribeiro. E assim muitos outros sumiram do mapa. Gostava de olhar as águas negríssimas do igarapé de Manaus que circundavam o Palácio do Governador e que as próprias autoridades que se gabam por aí de serem defensoras da Amazônia, aterraram. Construíram por ali verdadeiros “poleiros”, parque ou sei lá o que. O bom senso aí não prevaleceu que seria a revitalização do igarapé com os barquinhos e catraias navegando e desafogando até o caótico centro e a retirada de moradias de suas margens, sem choro e nem vela. Sem poder ter o seu barquinho todos querem ter o seu carrinho. E tome confusão nas ruas da cidade.

Manaus que era um lugar onde todos os riozinhos do mundo pareciam se encontrar agora lamenta a sua sorte. Não só o Mindú mas o do Chico, do Quarenta, do Franco, do São Raimundo, da Cachoeira Grande, do Tarumã, o de Manaus, o da Ponte da Bolívia e tantos outros que se perderam com o progresso desordenado que se instalou por aqui. As novas gerações não vão conhecer nem de nome as dezenas dos “caminhos de canoa” límpidos que escorriam por essa terra num tempo em que “banho” representava mergulhar nas Pedreiras, no Parque 10, no Tarumã, no Cajual e mesmo na Ponta Negra, um lugar distante mas de areias brancas e águas mornas intensamente da cor do guaraná.

Por todo canto passava um desses riozinhos, aliviando o nosso chão, as nossas árvores, o calor sufocante das ruas hoje hermeticamente vedadas pelo asfalto e cimento. Faz dó ver os que restaram transformados na mais pura lama com muito lixo “boiando” ou enfeando suas margens. E nenhum dos incontáveis governos que tivemos durante esses quase quatro séculos teve alguma brilhante idéia que salvaguardasse os igarapés e com isso assegurasse uma vida melhor para a humanidade.

Claro que os moradores da cidade têm sua parcela de culpa pois nunca soube de alguma manifestação para evitar que os igarapés fossem aterrados. Ora se até o Encontro das Águas tão fotografado e apreciado por todos passa por momentos difíceis por não contar com o apoio em massa da sociedade manauara. A hora é essa de demonstrar que existem outras maneiras de crescer sem aniquilar a natureza. O Criador nos deu muita água e por ela devemos nos unir. Desde o governador Eduardo Ribeiro até o ousadíssimo Jorge Teixeira seguiram uma inexorável seqüência de aterrar os pequenos rios de dar inveja a qualquer exterminador do futuro. Todos parecem concordar que o crescimento de Manaus depende do fim dos igarapés, das árvores, dos animais, da vida humana. Ou será que o homem escapa á sua própria sanha de destruição e morte?

(*) É jornalista, escritora e articulista do NCPAM/UFAM.

quarta-feira, 22 de junho de 2011

ELOGIO AO SOCIÓLOGO QUE VIROU TESE

José Nêumanne (*)

Fernando Henrique Cardoso era um militante celebrado e respeitado cientista social quando entrou na vida pública como assessor direto do representante máximo da resistência civil à ditadura militar, Ulysses Guimarães, presidente nacional do MDB e, depois, do PMDB. Candidatou-se ao Senado por uma sublegenda, apoiado pelos metalúrgicos de São Bernardo do Campo, liderados por Luiz Inácio da Silva, o Lula. Aproveitou-se da renúncia de Franco Montoro, eleito governador de São Paulo, para ocupar a vaga deste no Senado. Consta que só não foi ministro de Fernando Collor de Mello porque o ranzinza Mário Covas, líder da dissidência que se tornou PSDB, não o permitiu. Um observador realista duvidaria de sua eleição até para a Câmara dos Deputados quando Collor caiu. Mas, tendo sido o principal artífice da tentativa de impedimento que deu em renúncia, e passado pela Chancelaria e pelo Ministério da Fazenda no mandato-tampão de Itamar Franco, do qual foi um dos articuladores mais notórios e importantes, venceu a eleição presidencial.

A alavanca de Arquimedes que o levou de uma cadeira incerta no Congresso ao principal gabinete do Palácio do Planalto foi o Plano Real. Na chefia de Pedro Malan, Pérsio Arida, Edmar Bacha e Gustavo Franco, ele desistiu de pôr o ovo de Colombo de pé e, em vez disso, fritou uma suculenta omelete. Hoje tudo isso parece óbvio. Mas, à época, não o era. O confronto entre desenvolvimentistas e heterodoxos (mais tarde satanizados como "neoliberais") atiçava o fogo que tecia a cortina de fumaça que impedia a visão do óbvio: a redenção do assalariado passava forçosamente pelo fim da febre inflacionária, causa da doença econômica que enriquecia os ricos e empobrecia os pobres com a perda do valor de compra da moeda. A familiaridade do professor Aloizio Mercadante Oliva com a teoria econômica não evitou que ele cometesse uma das mais célebres batatadas da política econômica no Brasil: garantiu a seu líder e candidato à Presidência Luiz Inácio Lula da Silva que a moeda forte era um estelionato eleitoral. E, no Ministério da Fazenda de Itamar, seu colega professor promoveu a maior revolução social da História do Brasil. Com isso, tornou-se o caso raro de sociólogo que virou tese e político que saiu do zero para o infinito num átimo.

Da mesma forma, contudo, que disparou do anonimato para a glória, mergulhou no ostracismo em idêntica velocidade com que escalou até o topo. Patrono da reeleição, instituto incomum e renegado na política brasileira, aposentou-se como o alvo preferencial dos adversários e a companhia mais indesejável dos companheiros de jornada. De posse do sucesso da estabilidade monetária, que antes rejeitavam, os petistas apedrejaram sua herança, dada como maldita, e com esse refrão Luiz Inácio Lula da Silva se elegeu duas vezes consecutivas e fez sucessora uma candidata improvável, tirada da cartola de mágico, Dilma Rousseff, provando, na prática, que na política, ao contrário do que reza o bom senso comum, nem sempre fatos se impõem a argumentos enganosos.

Se os fados são caprichosos com qualquer um, mostraram sê-lo mais no que se refere ao filho de general que se tornou figadal inimigo do regime militar e ao mero assessor que chegou ao posto que caciques como Ulysses Guimarães, Miguel Arraes e Leonel Brizola almejaram, mas nunca alcançaram. Agora, ao atingir, serelepe, o oitavo decênio de existência, viu-se subitamente reconhecido pela adversária da qual menos podia esperar um gesto amistoso. E esse inesperado reconhecimento foi lavrado em documento em papel timbrado da Presidência na elogiosa carta que Dilma Rousseff lhe enviou cumprimentando-o pela efeméride. No texto, reproduzido no site do ex-presidente e nos jornais, Dilma elogiou o "acadêmico inovador", "político habilidoso" e "presidente que contribuiu decisivamente para a consolidação da estabilidade econômica", jogando no lixo o discurso da "herança maldita", repetido ad nauseam nos próprios palanques.

Dilma constatou que o antecessor apostou no "diálogo como força motriz da política" e "foi essencial para a consolidação da democracia brasileira". E acrescentou: "Não escondo que nos últimos anos tivemos e mantemos opiniões diferentes, mas justamente por isso maior é a minha admiração por sua abertura ao confronto franco e respeitoso de ideias". Os correligionários do elogiado comemoraram o fato como se fosse um triunfo eleitoral, esquecendo-se de que nunca nenhum deles teve humildade e tirocínio para reconhecer os feitos de Fernando Henrique como a adversária o fez.

O oportuno reconhecimento, antecipando o registro histórico desapaixonado que resgatará o papel do acadêmico no exercício da Presidência, está obviamente acima das querelas do cotidiano do poder e da política. Embora tenha sido divulgado dias depois da ida de Lula a Brasília, onde ele foi buscar lã e saiu tosquiado no episódio que terminou com a defenestração de dois protegidos do ex-presidente, Antônio Palocci e Luiz Sérgio, o documento não deve ser reduzido a um movimento do minueto da relação entre padrinho e afilhada. Demonstrando que até pode ter perdido o pelo, mas nunca a manha, o lobo de Garanhuns arreganhou os dentes, exigindo da companheirada fidelidade à sucessora que elegeu, dando a entender que não saiu da sintonia da presidente.

De qualquer maneira, Dilma saiu bem na foto ao perceber que o poder, mesmo quando conquistado com as notórias falsificações do marketing político, permite a quem o conquista tornar-se maior ao reconhecer o mérito alheio. Com isso, mesmo que essa não tenha sido sua intenção, ministrou uma lição a seu professor, que perdeu uma oportunidade de se mostrar à altura da veneração popular que conquistou, e a seus opositores, incapazes de perceber o óbvio até quando este vem se manifestar ao alcance do nariz.

(*) É jornalista, escritor, editorialista do Jornal da Tarde e articulista do Estadão

AINDA MAIS...

O Partido da Social Democracia Brasileira - PSDB, convida para a homenagem ao Ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso pelo seu aniversário de 80 anos: Data: dia 30 de junho de 2011 Local: Brasília, DF (Auditório Portela - Senado Federal). Horário: das 9h às 13h.

Informações adicionais pelo telefone (61) 3424-0575 ou e-mail homenagemfh@psdb.org.br.

terça-feira, 21 de junho de 2011

VEREADORA PROPÕE COMITÊ GESTOR DO ENCONTRO DAS ÁGUAS

A vereadora Lucia Antony (PCdoB) protocolou na segunda-feira (20), na Câmara Municipal de Manaus, uma indicação ao prefeito Amazonino Mendes para criar o Comitê Gestor do Encontro das Águas. Conforme proposta apresentada, além do Poder Público, o Comitê deve contar, em sua composição, com a participação de membros da comunidade científica, de entidades ambientalistas e de segmentos que representam a sociedade local.

A proposta da Vereador Lúcia Antony resulta do pronunciamento do coordenador do NCPAM, professor Ademir Ramos, membro do Movimento S.O.S Encontro das Águas, que participou da Tribuna Popular, no dia 14 (terça-feira), reclamando da Casa uma atitude mais responsavel em relação à proteção do nosso patrimônio cultural, em particular do Encontro das Águas, que já foi tombado pelo IPHAN, devendo ser homologado em breve.

De acordo com Lucia Antony, o Comitê vai administrar o Encontro das Águas com o sentido de fortalecer o processo de tombamento desta maravilha da natureza como patrimônio cultural e natural de Manaus. “Precisamos avançar ainda mais na questão da conservação ambiental. Manaus precisa ser tratada de forma organizada e sustentável, preservando a natureza, mas garantindo qualidade de vida da nossa população”, disse.

A manifestação da vereadora manaura está de acordo com o Movimento S.O.S Encontro das Águas, que pretende mobilizar os entes federativos - Estado, Município e União - sob o referendo da comunidade científica e dos comunitários do em torno do Encontro das Águas, para instituir medidas de proteção como placas e outros avisos, informando aos empreendedores presentes e demais agentes produtivos que a área deve ser protegida e qualquer investimento deva está de acordo com a sua vocação.

O Movimento S.O.S Encontro das Águas espera que a mesa diretora da Câmara Municipal de Manaus aprove o protocolo da vereadora do PCdoB e que seja encaminhado ao prefeito Amazonino Mendes para as devidas providências. O professor Ademir Ramos, pensa também que o momento é oportuno para se definir uma política de incentivo à economia verde do município de Manaus, não só pensando na Copa Mundo, mas sobretudo na qualidade de vida do homem do planeta. É um apelo sustentavel que os homens de bem fazem ao poder público, não só municipal, mas, ao governo do Amazonas.

AOS LÍDERES INDÍGENAS DO BRASIL

Cómo solicitar reuniones con el Relator Especial sobre los derechos de los pueblos indígenas durante la cuarta sesión del Mecanismo de Expertos sobre los Derechos de los Pueblos Indígenas. Ginebra. Julio 2011

El Relator Especial, Profesor James Anaya, llevará a cabo reuniones individuales con representantes de los pueblos y organizaciones indígenas durante la cuarta sesión del Mecanismo de Expertos sobre los Derechos de los Pueblos Indígenas, en Ginebra. Las reuniones se llevarán a cabo del 12 a 15 julio de 2011. Representantes de los pueblos indígenas y organizaciones pueden solicitar una reunión con él en relación con asuntos que sean de su mandato, incluyendo denuncias de violaciones de derechos humanos.

Cómo solicitar una reunión con el Relator Especial

Las solicitudes de reuniones deben ir acompañadas de información escrita sobre los temas que se presentarán al Relator Especial, o referirse a información escrita presentada previamente a él. Todas las peticiones también deben indicar los nombres de las personas que asistirán a la reunión.

Debido a limitaciones de tiempo, el Relator Especial no podrá aceptar todas las solicitudes de reuniones. Se dará prioridad a aquellas solicitudes que presenten una solicitud por escrito e información correspondiente antes del 24 de junio de 2011.

Las solicitudes deben ser enviadas por correo electrónico a indigenous@ohchr.org

Más información aqui.

Fuente: http://unsr.jamesanaya.org/esp

segunda-feira, 20 de junho de 2011

A IDEIA DE BRASIL MODERNO, SEGUNDO OCTÁVIO IANNI

Carla Nagel (*)

O sociólogo Octávio Ianni, foi um dos fundadores da sociologia no Brasil e um dos expoentes da “escola paulista de sociologia”. Foi um intérprete brasileiro que interrogou continuamente a sociedade nacional, construindo e reconstruindo problemas históricos e teóricos, reconhecendo o jogo das forças sociais.

A sua obra: A Idéia de Brasil Moderno (1992), nos faz pensar sobre o que tem sido o Brasil ao longo de sua história, onde estão sempre em causa: a questão nacional; as condições de formação da sociedade nacional; a contrapartida da Sociedade Civil e Estado; a possibilidade e impossibilidade de formação do estado-nação; a democracia e a tirania; a reforma e a revolução. Ianni nos faz refletir sobre a teoria sociológica e seus desdobramentos, evoluções e rupturas, desde as teorias que pensam na sociedade brasileira como amorfa até os que pensam numa sociedade complexa, priorizando o povo, visto como uma coletividade de cidadãos.

No primeiro capítulo: “Independência ou Morte”, Ianni nos fala sobre o Brasil até 1822, como um país que ainda não tinha conseguido entrar no ritmo da história, mesmo com os movimentos e lutas populares e que isso gerou a oportunidade aos arranjos de conciliação pelo alto. Porém, segundo o autor, essa história se rompeu em vários pontos, onde a monarquia e seus interesses foram postos em causa pelos movimentos sociais e pela forças das pressões de interesses externos. Entre esses rompimentos estavam as figuras de Mauá, ligado ao interesse do capitalismo mundial e às forças burguesas, beneficiadas pelos movimentos e partidos interessados em mudanças. Com o país visto como um país atrasado e deslocado, se comparado a outros países capitalistas, favoreceram os ensinamentos evolucionistas e darwinistas para estudar e explicar que país era este e como poderia se transformar. Porém, a realidade social, econômica, política e cultural, não se ajustavam facilmente às idéias e aos conceitos emprestados da Europa. Diante da persistência do escravismo e os artifícios do manto monárquico, favoreceram-se a legitimidade imposta pelo alto e a indiferença aos movimentos mais gerais da sociedade.

Em “Ordem e Progresso”, o autor nos oferece o cenário de um Brasil tentando entrar no ritmo da história, com a proclamação da república e a abolição da escravatura, liberando forças econômicas e políticas interessadas na agricultura, indústria e comércio e jogando na europeização e no branqueamento da população a chave para a modernidade. Diante disto, os diferentes setores populares não encontraram lugar nas esferas de poder, gerando problemáticas e reflexões que buscavam compreender e refletir sobre as heranças de séculos de escravismo, e patriarcalismo para explicar o Brasil. Ianni também reflete sobre a questão nacional e a busca da compreensão do país e suas possibilidades de progresso, civilização e nação. A questão nacional passou a estar sempre presente, como desafio, obsessão, impasse ou incidente, onde as preocupações passaram a ser as diversidades regionais, étnicas, raciais e culturais, além das questões sociais, econômicas e políticas, buscando explicações ainda nas raízes escravocratas e também na natureza e nos modelos europeus. E o povo continuava a ser uma ficção política.

Segundo o autor, pensava-se no Brasil moderno com interpretações múltiplas e contraditórias, onde se encontram desde aqueles que tentaram exorcizar o passado até aqueles que ainda preferiam corrigir o presente pelos parâmetros do passado, abrindo-se um leque bastante amplo de compreensões de propostas liberais, corporativistas, fascistas, socialistas.Entre estes pensadores estavam: Oliveira Viana, que influenciado pelo pensamento conservador europeu, privilegiava a organização do Estado como “civilizador”, e também a interpretação de Gilberto Freyre, que privilegiava as formas de sociabilidade, superando os equívocos que associavam raça a cultura. Assim uns explicavam o Estado e outros a sociedade.

No segundo capítulo, em ”O Sentido da História”, o autor fala da importância da interpretação marxista da história onde as relações, os processos e as estruturas que constituem as configurações sociais da vida são evidenciados, e as figuras históricas, as cronologias e as façanhas registradas na historiografia oficial e oficiosa, são recriadas à luz das formas de vida e trabalho. Para esta interpretação, os fatos gerais e singulares revelam-se tensos, críticos ou antagônicos. Assim, esta reinterpretação da história, revela as forças sociais que operam na composição e transformação da sociedade nacional, através da pesquisa globalizante e ao mesmo tempo sensível a aspectos sociais, humanos e culturais. Esta interpretação revela também como o presente se articula com o passado, onde cada grupo pode suscitar um modo de resgatar o passado e imaginar o futuro. Parte da idéia de que a história não é única e homogênea, mas modifica-se com as alterações das forças que predominam interna e externamente.


Em “A Revolução Brasileira”, Ianni nos fala do desafio de compreender as condições, características e tendências desta revolução, onde o presente se acha fortemente impregnado de vários passados. O Brasil, ao mesmo tempo que se desenvolve e se diversificava, preserva e recria traços e marcas do presente, torna-se muito forte o peso do passado, formando novos arranjos nas relações entre cidade e campo, regiões e a nação, sociedade nacional e o capitalismo mundial. Por isso, a burguesia brasileira tornou-se dependente, acomodada e não avançou para um projeto alternativo de sociedade nacional, representando interesses de uma sociedade envelhecida, onde a grande chave da revolução passou a ser o campo, onde são evidentes os encontros e desencontros peculiares do desenvolvimento desigual .

Ianni cita Caio Prado Júnior como um intérprete fundamental para esse entendimento complexo do país e para a contribuição para as ciências sociais, por ter se beneficiado de diversas contribuições e ter aberto perspectivas antes desconhecidas para os teóricos. Inaugurando um estilo de pensar a realidade brasileira.

No terceiro capítulo intitulado: “A Questão Social”, o autor nos fala que a história da sociedade brasileira está permeada de situações nas quais um ou mais aspectos importantes da questão social estão presentes como elementos essenciais das formas e movimentos da sociedade nacional. Isto também suscita enfoques diferentes e contraditórios sobre a sociedade brasileira. Por conseguinte, a questão social também passa a receber diversas denominações, onde alguns autores procuram descrever, explicar, resolver ou exorcizar as manifestações, criminalizando a questão social, vendo a sociedade civil como incapaz.

No quarto capítulo “Raça e Povo”, Ianni nos fala sobre a problemática racial como perspectiva importante para se compreender a formação do povo brasileiro. Ele observa que há muito racismo aberto e velado nas pesquisas. Ianni nos fala também que em toda a discussão sobre a problemática racial, há um debate sobre as metamorfoses das raças que compõem o Brasil, que alguns se restringem à transformação das raças e mestiços em uma população de trabalhadores, e outros avançam no sentido de compreender como se dá a emergência do povo, enquanto coletividade. Há ainda aqueles que procuram ver as raças e mestiços não somente como uma população de trabalhadores e um povo, mas um complexo de grupos raciais e classes sociais.

Por meio do que Ianni chama de “taxionomia inocente”, constroem-se os elos e cadeias de uma estrutura na qual se distribuem os chamados puros e impuros, superiores e inferiores, civilizados e bárbaros, históricos e não-históricos. Há também a preocupação com o encadeamento entre raça, clima e saúde, explicados pelo determinismo geográfico, o racismo, o darwinismo social, o positivismo, que incluem pensadores como Oliveira Vianna, Roquette Pinto, Arthur Ramos. Na literatura, a problemática racial está sempre presente e acaba realizando uma espécie de denúncia do caráter injusto e autoritário da sociedade burguesa em formação. Seguindo este pensamento estão Lima Barreto e Antônio Callado. E assim, em todas as épocas e diferentes situações, subsiste o dilema que põe e repõe a importância da problemática racial na explicação da questão nacional, principalmente quando se refere ao negro em épocas de conjunturas críticas. Em contrapartida, o negro cria e recria sua singularidade no interior e nos poros da sociedade diante das adversidades.

No quinto capítulo: “Cultura e Sociedade”, o autor reflete sobre a cultura brasileira e diz que a cultura não é inocente, mas cria-se nas relações sociais, onde se manifestam as diversidades e os antagonismos sociais, políticos e econômicos. A cultura também é dinâmica, pois apresenta especificidades, sistemas significativos, conjuntos que articulam passado e presente, ideais, representações, valores, visões de mundo. Muito da diversidade, desigualdade e antagonismo que constitui a sociedade aparece no âmbito da cultura. Por tudo isto, a relação dos acontecimentos históricos não é a mesma para todos e não há uma cultura brasileira conclui o autor. Ianni aborda a questão da cultura, como evidência da problemática da sociedade civil, nação e Estado nacional, compreendendo as diversidades e os antagonismos. Para o autor, o debate da cultura, em termos históricos e sociais, reabre o debate sobre a questão nacional, colocando e recolocando o problema da definição de povo, nação, Estado nacional, sociedade civil e democracia. A cultura compreende também hegemonia, pois pode ser construída por uma classe, composição de forças sociais, bloco de poder, Estado e até reivindicações de outros grupos que não se acham necessariamente no poder. E Ianni conclui nos falando que a democracia somente se torna efetiva se compreendermos as condições culturais de um povo.

No último capítulo, Ianni busca entender a formação do Brasil - Nação, percebendo que as mesmas forças que trabalham para integrar o país, promovem a dispersão, numa história de diversidades e desigualdades sociais, econômicas, dispersando estados e regiões, raças e classes. Por tudo isto, o autor chega a conclusão de que a cidadania continua a ser um elo crucial dessa história, por mostrar como o cidadão aparece, ou não, na fisionomia de uma nação em processo, em busca de um conceito.

Podemos concluir que esta obra torna-se fundamental para o entendimento da formação da cultura política brasileira, numa perspectiva crítica e histórica, e para a percepção dos componentes fundamentais para a construção desta cultura, que estão além dos comportamentos visíveis, ou seja, nos movimentos sociais , nas relações de produção, na escola, na família, nas igrejas, na hierarquia militar, na administração pública.

(*) É acadêmica de introdução à ciência política do curso de Ciências Sociais da UFAM.

domingo, 19 de junho de 2011

A REALPOLITIKE E A UTOPIA

Gaudêncio Torquato (*)

Três historinhas, sendo a primeira muito conhecida. Condenado à morte por corromper a juventude, Sócrates, o filósofo, recusou a oferta para fugir de Atenas sob o argumento de que seu compromisso com a polis não lhe permitia transgredir as regras. Os gregos cultivavam o respeito à lei.

Lúcio Júnio Bruto, fundador da República Romana, libertou seu povo da tirania de Tarquínio, derrubando a monarquia. Mais tarde, executou os próprios filhos por conspirarem contra o novo regime. Pregava o poeta Horácio: "Doce e digno é morrer pela Pátria".

Outro romano, rico e matreiro, conta Maquiavel no Livro III sobre os discursos de Tito Lívio, deu comida aos pobres por ocasião de uma epidemia de fome e, por esse ato, foi executado por seus concidadãos. O argumento: pretendia tornar-se um tirano. Os romanos prezavam mais a liberdade do que o bem-estar social.

Os relatos sugerem a seguinte pergunta: qual dos três personagens se sairia melhor caso o enredo ocorresse dentro do cenário da política contemporânea? O terceiro, sem dúvida. Não seria executado por alimentar a plebe, mas glorificado, mesmo que por trás da distribuição de alimentos escondesse a intenção de alongar um projeto de poder. Essa é a hipótese mais provável em países, como o Brasil, de forte tradição patrimonialista e com imensas parcelas marginalizadas e carentes.

A moldura acima oferece uma leitura de dois mundos. O primeiro é regrado por princípios e valores, dentre os quais se destacam o compromisso com o bem comum e com a vida harmoniosa, a obediência às leis, a defesa da moral e da ética, a grandeza da Pátria. Tem que ver com a paradisíaca ilha da Utopia, que o inglês Thomas Morus descreveu: uma terra de paz e tranquilidade onde os habitantes não têm propriedade individual e absoluta e trocam de casa a cada dez anos, ganhando por sorteio o espaço que lhes cabe.

Esse Estado perfeito é o espelho da cidade divina, em contraposição à cidade terrestre. Esta, mais afinada com o universo esboçado por Maquiavel, se inspira no princípio "os fins justificam os meios". O florentino prega a noção de que o povo é dotado de razão, sendo capaz de decidir o seu destino. Sonha com a liberdade. Para conquistá-lo o príncipe deve usar os meios que se fizerem necessários. Transparece aqui a lógica maquiavélica: ideologias e valores morais devem ceder lugar aos instrumentos que podem garantir a hegemonia ou o equilíbrio da balança do poder. Ou, para usar a expressão de Weber, a ética da ação deve prevalecer sobre a ética da consciência.

Pois bem, o desenho pode ser projetado para entendermos a presente quadra político-institucional vivida pelo País, na qual se tem expandido a massa crítica sobre a voracidade dos atores políticos, partidos e dirigentes. Como é sabido, na abertura dos ciclos administrativos, a crise crônica entre os Poderes Executivo e Legislativo alcança altos níveis de tensão. O fato é que os novos governantes tendem a rebater pressões e demandas por cargos e espaços no vasto território da administração federal, feitas pelos parceiros. Tem sido assim desde os tempos de Sarney, em 1985. Com Lula viu-se a mesma gangorra. Ora o governo ganhava mais fôlego no Parlamento, ora faltava oxigênio. Até o momento em que o próprio presidente passou a fazer articulação política.

No caso do atual governo, a sístole tem-se apresentado de maneira mais intensa em razão da identidade técnica da presidente. Dilma Rousseff toma precauções para não se tornar refém da esfera política. Neste ponto se abre uma polêmica, por sinal, bastante azeitada por intérpretes de nossa política, que batem de maneira insistente na tecla da "voracidade dos partidos aliados".

Denuncia-se, ainda, a criação de dificuldades por parte dos atores políticos para obter facilidades, e o fisiologismo, apresentado como traço indelével das siglas.

Esse é o ponto nevrálgico. É possível governar sem o concurso do agrupamento partidário na administração? Impossível. Sem o apoio dos partidos da base o chamado presidencialismo de coalizão soçobrará na missão. Qual é a medida do bom senso na distribuição das fatias do bolo do poder? Primeira regra: avaliar o peso relativo dos entes partidários. Segunda: selecionar perfis adequados e condizentes para as estruturas governativas. Aristóteles, em suas reflexões sobre política, dá uma pista: "Quando diversos tocadores de flauta possuem mérito igual, não é aos mais nobres que as melhores flautas devem ser dadas, pois eles não as farão soar melhor; ao mais hábil é que deve ser dado o melhor instrumento". Trata-se de meritocracia. Terceira: preservar e preencher as áreas econômicas com perfis técnicos. Quarta: controlar, cobrar resultados.

Críticas são procedentes quando se enxerga a apropriação da res publica pelo bolso privado. Ou em caso de ineficiência dos gestores. Para tanto há sistemas de controle, a partir do Tribunal de Contas da União e dos promotores públicos. Portanto, nem lá nem cá. As demandas partidárias devem ser contempladas com critério. Partidos que ganham devem participar da administração. Esse, porém, tem sido o calcanhar de Aquiles da presidente Dilma, ou, se quiserem, o abacaxi a ser descascado pela ministra Ideli Salvatti. A imagem com que se defronta o governo é a de encruzilhada, onde se bifurcam duas estradas. Uma leva os atores políticos à ilha de Thomas Morus. Onde rezarão pela cartilha da ética, da moral, da lei, da harmonia. Aí se ergue o altar da política como deveria ser.

A outra os conduz ao espaço da política como ela é. Mundo de Maquiavel. Pleno de demandas, pressões, pedidos, obras, interesses. Essa é a terra dos nossos "ismos": mandonismo, nepotismo, grupismo, familismo, caciquismo, patriarcalismo, todos sementes do patrimonialismo. Sugestão: uma confissão do escritor de O Príncipe com o santo que escreveu A Utopia.

(*) É JORNALISTA, PROFESSOR TITULAR DA USP, ARTICULISTA DO ESTADÃO, CONSULTOR POLÍTICO E DE COMUNICAÇÃO TWITTER: @GAUDTORQUATO 

AS FRONTEIRAS DO BRASIL

Com 15.719 km de fronteiras com dez países, o Brasil, além de exposto ao contrabando de mercadorias, está na rota do tráfico de drogas e armas. Nas zonas fronteiriças mais povoadas do Sul, esses crimes têm sido combatidos com alguns resultados, mas a entrada no País de cocaína e outras drogas se faz principalmente através de vias terrestres ou fluviais em regiões de florestas ou escassamente habitadas, na fronteira com a Bolívia e o Paraguai, bem como no chamado trapézio amazônico, na confluência das fronteiras do Brasil com o Peru e a Colômbia.

Agora, depois de o orçamento da Polícia Federal ter sido ameaçado de corte, o governo anuncia um Plano Estratégico de Fronteiras, prevendo-se uma verba de R$ 120 milhões para sua implementação este ano. "O compromisso com esse programa é tão grande", disse a presidente Dilma Rousseff, que o vice-presidente Michel Temer foi escolhido para coordená-lo. Espera-se que a iniciativa sinalize o fim de um longo período de imobilismo com relação à vigilância e fiscalização das fronteiras nacionais.

Na realidade, não se trata exatamente de um plano detalhado, mas de diretrizes para as ações que o governo federal pretende empreender para fortalecimento dos controles na faixa de fronteira e combate à criminalidade. O grande peso desse trabalho continuará recaindo sobre a Polícia Federal, que deverá ser consideravelmente reforçada.

O primeiro eixo do plano é a Operação Sentinela, de caráter permanente, que contará com o dobro dos efetivos da Polícia Federal que nela atuam atualmente. Segundo o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, o governo já identificou 34 pontos em que exercerá patrulhamento mais rigoroso.

A maior novidade foi o acordo assinado pelos ministros da Justiça e da Defesa prevendo uma inédita ação coordenada, dos órgãos federais de segurança pública e das Forças Armadas. A autorização legal para essa atuação conjunta já existia desde 2004 (Lei 117/04), mas era praticamente ignorada, e poderá ser decisiva tanto sob o aspecto logístico, uma vez que os traficantes traçam caminhos em áreas de difícil acesso, como também sob o aspecto de inteligência e ação militar, já que o Exército mantém 22 Pelotões Especiais de Fronteira (PEF) em seis Estados.

A tecnologia também avança nos dois Ministérios. O Sistema de Proteção da Amazônia (Sipam), gerido pelo Ministério da Defesa, conta com radares que podem interceptar aviões sob suspeição de tráfico ou contrabando. E a Polícia Federal deverá utilizar ainda este ano dois veículos aéreos não tripulados (Vant) para patrulhamento de fronteiras.

O governo também dá um novo escopo à ação integrada entre os órgãos federais e estaduais. Uma experiência de conjugação de esforços que teve início em Foz do Iguaçu (PR), em abril, foi o modelo dos Gabinetes de Gestão Integrada de Fronteira (GGIF), a serem instalados em todos os Estados fronteiriços, e que funcionarão no âmbito do Ministério da Defesa. Isso concorrerá para facilitar ações emergenciais, como as previstas pela Operação Ágata, mobilizando contingentes da Polícia Federal, das Forças Armadas, das Polícias Militares dos Estados e, eventualmente, da Força Nacional de Segurança.

Será criado também um Centro de Operações Conjuntas (COC). O ministro José Eduardo Cardozo prometeu divulgar periodicamente os resultados das ações conjuntas. De fato, a imprensa tem divulgado a apreensão aqui e ali de grandes volumes de drogas e armas nas áreas de fronteiras e a detenção de pessoas incriminadas, mas não existem balanços oficiais que permitam comparação com períodos anteriores e uma avaliação consistente dos esforços do governo.

Seja como for, o que se espera é o controle das fronteiras e isso dependerá, em grande medida, da cooperação dos governos dos países limítrofes, não só para a troca de informações, como para iniciativas policial-militares conjuntas. Para isso, serão necessários entendimentos diplomáticos.

Fonte: http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20110619/not_imp734257,0.php

sábado, 18 de junho de 2011

MAUÉS REALIZA PELA SEGUNDA VEZ O FESTIVAL LITERÁRIO DA FLORESTA

O Flifloresta 2011 com a participação de Astrid Cabral, Elson Farias, Tenório Telles, Ademir Ramos e outros escritores está se transformando na referência literária do Amazonas por ser celebrado pela segunda vez no município de Maués, que além de agregar a tradição das narrativas indígenas maué destaca-se também por ser resultado de políticas públicas com foco no desenvolvimento cognitivo dos jovens estudantes que se encontram inseridos num programa de incentivo à leitura, como também em atenção aos professores que participam dessa rede pela melhoria da educação e acesso à cultura.

Já estão confirmados os nomes dos escritores que estarão presentes no Festival Literário Internacional da Floresta de Maués (Flifloresta/Maués). O evento, promovido pela Prefeitura do município, acontecerá no dia 24 de junho, com a presença dos escritores Astrid Cabral, Dori Carvalho, Tenório Telles, Ademir Ramos, Zemaria Pinto, Elson Farias, Nelson Castro, Luiz Lauschner e Abrahim Baze, que fará o lançamento do livro “Ferreira de Castro”.

O Flifloresta faz parte da programação do Festival de Cultura de Maués, evento que conta com atividades desenvolvidas no período de 16 a 25 de junho, em comemoração aos 178 anos do município.

A abertura do Flifloresta/Maués está marcada para as 08h30, com a palestra magna “A importância da leitura na formação da juventude”, ministrada pela poetisa Astri Cabral.

Depois acontecerá o Simpósio de Leitura e Formação de Leitores, com a presença dos escritores convidados. O Simpósio será das10h às 19h. Dentro do Simpósio, haverá a palestra “As cultura Indigenas e a construção da Identidade na Amazônia”, com o antropólogo Ademir Ramos, e as mesas temáticas “O Papel da Escola na formação dos leitores” com Elson Farias, “Como me tornei escritor: formação e experiência”, com Zemaria Pinto.

Às 19:00 horas haverá a abertura da Exposição de Fotografias de Paulo Câmara, denominada “Um olhar silencioso...” e em seguida o lançamento dos livros “Intramuros”, Astrid Cabral, “A cidade perdida dos meninos Peixes”, Zémaria Pinto, " Tributo a um contador de história" de Xico Gruber, “Ferreira de Castro” de Abrahim Baze, “O som das letras” e “ Aventuras do Zezé na História do Amazonas” Elson Farias, “Nova Ortografia da língua Portuguesa” Tenório Telles, “Paixão e fúria” Dori Carvalho, “O Perfume do Pau rosa” de Luiz Lauschner e o Livro de Maués com informações históricas e administrativas da cidade, prefaciados pelo próprio Prefeito.

Às 21h, está previsto, ainda, um recital poético com Dori Carvalho. Na seqüência serão premiados os vencedores do Festival de Narrativas, do concurso de Artes Plásticas e serão homenageadas personalidades que ajudam a construir a história da Terra do Guaraná.

O último dia de Flifloresta/Maués, será promovido o chamado Café Literário, e em seguida a distribuição de mais de 1000 (Mil) livros nas casas inscritas no programa “Bibliocleta”.

Segundo o prefeito do município, Miguel Paiva - Belexo, a realização do Flifloresta, como parte do Festival de Cultura de Maués, institui um novo conceito de comemorações populares. “Todo mundo está acostumado a fazer festas apenas com shows musicais. Estamos criando algo que vai além, que pode deixar sementes para o povo. O contato com a literatura pode mudar a vida de uma pessoa, seja de qual idade for”, afirma.

Os locais de realização do Flifloresta em Maués serão a sala de Exposições do Museu do Homem de Maués e auditório do IFAM – Escola Técnica federal.

A primeira edição do Flifloresta aconteceu em 2008, em Manaus. Ano passado, os municípios de Careiro da Várzea, Itacoatiara , Parintins e Maués também foram cenários do evento. A participação popular é gratuita.

PELA REGULAMENTAÇÃO DA PROFISSÃO DE ESCRITOR

O Senador Paulo Paim apoia sugestão de Gustavo Dourado, presidente de academia de Taguatinga (DF), e sugere a entidades da categoria a apresentação, à Comissão de Direitos Humanos, de minuta de projeto regulando a atividade de escritor.

A atividade de escritor poderá, finalmene, ganhar regulamentação. A sugestão foi apresentada ontem por poetas e escritores durante audiência pública na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) em comemoração do Dia Nacional da Poesia — 14 de março.

O presidente da comissão, senador Paulo Paim (PT-RS), que requereu a audiência, pediu às entidades da categoria a apresentação à CDH de um anteprojeto para regulação da atividade. A sugestão foi apresentada pelo professor Gustavo Dourado, que também é poeta e cordelista, e preside a Academia de Letras de Taguatinga (DF). Ele destacou que os cordelistas já têm sua atividade regulamentada.

Alcinéa Cavalcante, filha do poeta Alcy Araujo, ressaltou que, por não ter regulamentada sua profissão, os escritores desempenham outras atividades para sobreviverem.

O Senado poderá editar livro com poesias dos poetas presentes à audiência pública, conforme sugeriu o senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AP).

Paim anunciou que vai apresentar projeto para designar o mês de março como Mês da Poesia, em homenagem ao poeta amazonense Thiago de Mello, que nasceu em 30 de março.

Ao entregar a Paim um livro de sua autoria, Thiago de Mello pediu à sociedade brasileira que faça um "pacto de amor com a floresta amazônica".

Código Florestal

Thiago de Mello afirmou discordar do projeto de lei que altera o Código Florestal, em tramitação no Senado, por considerar que o atual texto induz ao desmatamento.

O poeta também presenteou o senador Pedro Simon (PMDB-RS) com exemplar de Os estatutos do homem (ato institucional permanente) e pediu, que o texto seja aprovado pelo Parlamento de forma simbólica. No primeiro artigo, a poesia, escrita em forma de norma legislativa, diz: "Fica decretado que agora vale a verdade. Agora vale a vida, e de mãos dadas, marcharemos todos pela vida verdadeira".

Fonte:http://www.senado.gov.br/noticias/Jornal/noticia.asp?codEditoria=2308&dataEdicaoVer=20110617&dataEdicaoAtual=20110617&nomeEditoria=Cultura

PAPO CABEÇA: E NO PRINCÍPIO ERA...

Em seu décimo livro, A Cidade perdida dos meninos-peixes, Zemaria Pinto expõe de forma reflexiva a narrativa mítica do povo-água que por sua vez era possuidora da lenda do povo-terra com “atualizações” do mundo moderno. Dessa forma o autor faz uma crítica da realidade contemporânea, ao apresentar a crise do mundo em seus aspectos ambientais e sociais. Em uma passagem da obra, Zemaria apresenta o cenário em que desenrola a narrativa.

Antes do homem, o macaco. Antes do macaco, o peixe. Antes da terra, a água. Se nos fosse permitido viajar ao passado, essa seria a sequência que observaríamos: um planeta coberto de água, com uma vida totalmente submersa. Mas isso aconteceu há bilhões de anos. O planeta transformou-se e, apesar de ser coberto ainda, em sua maior parte, por água, chama-se Terra. A explicação é muito simples: é na terra que vive a humana gente, que, afinal, manda e desmanda no planeta.

Mas essa não é uma regra absoluta. Na imensidão do mar-oceano ou nas profundezas dos grandes rios existem vestígios de antigas civilizações que não migraram para a terra, mas cumpriram ali todos os estágios da evolução. São cidades inteiras que se desenvolveram sob as águas, dando motivos para muitas histórias, que, de tão repetidas e transformadas, tornaram-se parte do imaginário do povo. No Amazonas, por exemplo, a Iara é uma dessas belas representações: moça bonita, que em noites de luar emerge para encantar os pescadores, levando-os para seu reino, no fundo dos rios. O boto conquistador é um rapaz que freqüenta as festas no interior e, após seduzir as mocinhas faceiras, desaparece nas águas escuras dos rios amazônicos. Esses encantados fundamentam-se em casos que são passados segundo uma tradição oral, que se renova sempre e sempre tornando cada vez mais prosa a literatura do Amazonas.

Produção literária

Ensaísta, dramaturgo e poeta, Zemaria Pinto é professor de Teoria da Literatura e de Literatura Brasileira. Além de inúmeras palestras sobre literatura, tem ministrado oficinas e cursos, com destaque para a poesia. Tem dez livros publicados: três de poemas (Fragmentos de silêncio – 1995, Música para surdos – 2001), um de haicais (Dabacuri – 2004); uma peça de teatro (Nós, Medéia – 2003), dois de ensaios para o vestibular (em 2000 e 2001, em parceria com o professor Marcos Frederico Krüger), organização de poemas de Octávio Sarmento (A Uiara & outros poemas – 2007) e um de teoria literária (O texto nu – 2009), além do recém-lançado ensaio O conto no Amazonas – 2011. Próximos lançamentos: O beija-flor e o gavião (juvenil), Viagens na casa do meu avô (infantil), Ensaios ligeiros (artigos), Drops de pimenta (contos), Lira da madrugada (ensaio). Peças de teatro: Papai cumpriu sua missão, Diante da justiça e O beija-flor e o gavião (encenadas); Nós, Medéia, A cidade perdida dos meninos-peixes (versão para o palco), Otelo solo e Cenas da vida banal (inéditas). Membro da Academia Amazonense de Letras, Zemaria Pinto mantém os blogs: O Fingidor (http://ofingidor2008.blogspot.com), Poesia na Alcova (http://poesianaalcova.blogspot.com) e Palavra do Fingidor (http://palavradofingidor.blogspot.com), divulgando a literatura produzida no Amazonas.

MAIS MULHERES NA POLÍTICA

A ministra da Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República, Iriny Lopes, defendeu a quinta-feira (16) na Câmara, a mobilização das mulheres em torno de seus objetivos na reforma política. “Esse é o momento de sacudir o Brasil; eu conheço esta Casa, se os movimentos sociais não vierem bater a essa porta, a reforma política não vai mudar uma vírgula em relação às mulheres”, sustentou, durante o 1º Seminário Internacional da Procuradoria Especial da Mulher.

O presidente da Câmara, Marco Maia, foi o primeiro a afirmar no evento que a reforma, em análise na Casa, só será completa se der às mulheres mais espaço na política brasileira.

Para a ministra, é necessário rediscutir a política de cotas. Desde 1997, o Brasil conta com uma lei que obriga os partidos a destinar 30% de suas candidaturas a mulheres. Na opinião de Iriny, a legislação tem de evoluir para a destinação de uma porcentagem das cadeiras a serem ocupadas.

A ministra ressaltou ainda que a eleição da presidente Dilma Rousseff trouxe mudanças importantes na composição do Executivo, mas “não mudou nada” em relação a estados e municípios e aos demais poderes. Ela ressaltou que o País conta com apenas 400 prefeitas, e somente 8,8% das cadeiras na Câmara são ocupadas por mulheres.

Lista alternada: Para a subsecretária de Articulação Institucional e Ações Temáticas da Secretaria de Políticas para as Mulheres, Maria Angélica Fernandes, a reforma incluirá as mulheres se tiver por base o financiamento público de campanha e o sistema de listas alternadas de mulheres e homens que concorram a cargos eletivos.

A deputada Luiza Erundina (PSB-SP) também sustentou que apenas com participação da sociedade será possível “tentar romper com forças organizadas e muito resistentes a qualquer mudança”. Assim como Maria Angélica, a deputada paulista considera que um dos aspectos importantes a ser discutido é a lista fechada com intercalação entre homens e mulheres em sua composição. “Havia muita falácia contra a política de cotas e na Argentina vimos que teve impacto efetivo na ampliação do protagonismo feminino”, ressaltou.

De fato, de acordo com a presidente da Comissão de Legislação Geral da Câmara dos Deputados da Argentina, deputada Vilma Ibarra, nos últimos dez anos, a Câmara de Deputados do país contou com percentual entre 34% e 38% de mulheres. No Senado, o índice variou, no mesmo período, entre 35% e 43%.

Antes da aprovação da lei de cotas, em 1991, conforme Ibarra, o índice de mulheres no parlamento ficava próximo a 6% nas primeiras eleições realizadas após a redemocratização do país, em 1983. Na Argentina, a eleição para o Legislativo é feita pelo sistema proporcional com lista fechada.

Pela legislação vigente, os partidos devem destinar as duas primeiras posições da lista a um homem e a uma mulher. Em seguida, deve haver pelo menos uma candidata a cada dois candidatos, de forma a garantir um mínimo de 30% de mulheres com real condição de serem eleitas.

A parlamentar argentina frisou, no entanto, que antes do golpe militar, ocorrido em 1976, seu país já tinha uma longa história de atuação de mulheres na vida pública. Segundo afirmou, nas primeiras eleições com voto feminino, instituído em 1957, as mulheres ocuparam 15% da Câmara e 20% do Senado. “Sem lei de cotas”, sublinhou.

Mulheres negras: A secretária de Políticas de Ações Afirmativas da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, Anhamona de Brito, defendeu a inclusão do quesito raça/cor no sistema de registro de candidaturas do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). “As mulheres negras se encontram praticamente afastadas do poder. Se as mulheres em geral estão à margem, as negras estão fora da margem”, afirmou.

Segundo ela, uma pesquisa feita pela secretaria no fim de 2010 avaliou 4,2 mil registros de candidaturas de mulheres e constatou que apenas 875 delas eram negras. A pesquisa foi feita a partir da análise da fotografia, uma vez que não existe o quesito cor/raça no sistema do TSE. “A ausência de dados nos coloca na gaveta e valida omissões”, disse.

Lanterna: Dados do Banco Mundial mostram que realmente o aspecto em que o Brasil menos progrediu quanto às relações de gênero foi na ocupação de espaços de poder. De acordo com a gerente do setor de Pobreza e Gênero para América Latina e Caribe, Louise Cord, “em participação política o país fica consideravelmente atrás do líder, que é a Costa Rica”, e também perde para a maioria dos países da região.

O seminário, que foi realizado com o apoio do Banco Mundial e da bancada feminina do Congresso, teve como tema “Experiências Parlamentares e Tendências Latino-Americanas em Gênero”.

Fonte:http://www2.camara.gov.br/agencia/noticias/POLITICA/198870-MULHERES-PEDEM-MOBILIZACAO-POR-MAIOR-PARTICIPACAO-FEMININA-NA-POLITICA.html