domingo, 12 de junho de 2011

OS AMANTES EM CÓLERA: PIPOU

Yudi Oda (*)

Aí, Pipou: Dedico este pequeno conto urbano a todos aqueles que, como diz o Paulinho da Viola, "amam sem medo de sofrer", afinal "tudo traz alguma dor". E, aos casais que como diria o velho Toni Negri, compreendem que "o amor não pode ser algo que se fecha no casal ou na família; deve abrir-se para comunidades mais vastas. Deve construir, caso a caso, comunidades de saber e de desejo; deve tornar-se construtor do outro".

Ela andava desiludida. Ele sentia um vazio dentro de si. Encontraram-se num bar e se amaram por 325 dias seguidos. Abandonaram os amigos, foram negligentes no trabalho e suas famílias tentaram arrombar a porta do apartamento dela, fechado há vários meses. Emagreceram, emocionaram-se, tiveram crises, tiveram êxtases. Fizeram sexo. Fizeram muito sexo. Ela exibia constantemente portentosos chupões no pescoço. Ele exibia marcas de unhas nos braços, nos ombros, no rosto. Ouviram Bach, Amado Batista, Stravinsky, Pink Floyd, Tangos e Tragédias, Zeca Baleiro, Genival Lacerda, Wando. Viram Godard, Pasolini, Zé Mujica, Anos Incríveis e Fla x Flu. Foram ao circo, ao zoológico, ao Jardim Botânico, tomaram sorvete de buriti, morango e pitomba. Fizeram sexo no elevador, dentro do carro e em cima de uma árvore. Viviam sendo repreendidos por invejosos, por causa de suas demonstrações públicas de amor, carícias e beijos calientes. Ficaram de mal por dois dias, nos quais adoeceram de tristeza, garantindo a si mesmos que nunca mais amariam alguém assim com tanta intensidade.

No dia seguinte caíam em contradição. Daí em diante, passavam vários dias sem querer se desgrudar, até nova discussão, até que começasse a rolar aquele sentimento de que alguma coisa não estava assim tão bem. Tentavam afastar estes pensamentos. Haviam desaprendido a viver sem @ outr@. Tornaram-se codependentes. Acumularam ressentimentos. Ela barganhou espaço.

Ele reclamou de falta de atenção. Enfim, ele cedeu algum espaço. Ela o acusou de não a amar mais como antes. Ele alegou que só queria beber, uma vez por semana, com os amigos. Ela queria sexo depois da bebedeira. Ele brochava. Ambos concordaram que o tesão já não era mais o mesmo. Ela resolveu voltar a estudar. Ele agora bebia com os amigos duas vezes por semana. Num destes dias conheceu aquela que seria sua nova paixão. Ela os pegou no flagra durante um beijo no mesmo bar em que se conheceram. Fez barraco e chamou a nova amante dele de vagabunda. Depois ficou deprimida. Não queria mais comer, nem mesmo arrumar a casa. Chorou por vários dias até que seu novo colega de faculdade, aquele que seria o seu novo amor, consolou-a ternamente. Então se amaram por 325 dias seguidos. Abandonaram os amigos...

(*) É professor da UFAM e cronista dos amantes excluídos.

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