A Teoria Discursiva de Jürgen Habermas
Clayton Ritnel Nogueira (*)
Um agir comunicativo de onde derivam
a ação comunicativa e o discurso, que visando à integração social, a cidadania,
a democracia direta, não passa de uma utopia no séc. XXI.
I – INTRODUÇÃO
Uma teoria atinente
à filosofia jurídica, que pode ser considerada em prol da integração social e,
como conseqüência, da democracia e da cidadania. Teoria que possibilitaria a
resolução dos conflitos vigentes na sociedade e, não com uma simples solução, mas
a melhor solução, aquela que é resultado do consentimento de todos os
interessados.
Sua maior
relevância está, indubitavelmente, em pretender o fim da arbitrariedade e da
coerção nas questões que circundam toda a comunidade, propondo uma maneira de
haver uma participação mais ativa e igualitária de todos os cidadãos nos
litígios que os envolvem e, concomitantemente, obter a tão almejada justiça.
Essa forma defendida por Habermas é o agir comunicativo que se ramifica na ação
comunicativa e no discurso, que será explanado no transcorrer deste
trabalho.
II
- DA AÇÃO COMUNICATIVA
Habermas objetiva
reconstruir os pressupostos racionais, implícitos no uso da linguagem,
entendida, segundo Ludwig (2005), como “o lugar intranscendível de toda
fundamentação”. Segundo o ínclito filósofo, em todo ato de fala (afirmações,
promessas, ordens e etc.) dirigido à compreensão mútua, o falante constrói uma
pretensão de validade, quer dizer, pretende que o dito por ele seja válido num
sentido amplo. Então, Habermas menciona que quando eu falo algo, digo alguma
coisa para uma ou mais pessoas, eu pretendo que aquilo que digo seja válido.
Mas essa pretensão
de validade significa coisas diferentes segundo o tipo de ato de fala de que se
trate. Nos atos de fala constatadores (afirmar, narrar, referir, explicar,
prever, negar, impugnar e etc.), o falante pretende que o seu enunciado (aquilo
que é pronunciado) seja verdadeiro. Portanto, se eu narro alguma coisa, ou
explico algo para alguém eu pretendo que aquilo que narro, ou explico seja
considerado verdadeiro, o que para Habermas só ocorre se houver o assentimento
potencial de todos aqueles que estão me ouvindo. Sendo assim, se um dos meus
ouvintes não aceitar o que falo por não acreditar no que digo, ou por outro
motivo qualquer, o conteúdo que é transmitido não poderá ser tido como
verdadeiro, pois não houve o consentimento de todos sobre a veracidade de meu
ato de fala.
Nos atos de fala
reguladores (como as ordens, as exigências, as advertências, as desculpas, as
repressões, os conselhos), o que se pretende é que o ordenado, exigido etc.
seja correto. Portanto, de acordo com este ato de fala, se eu
ordeno algo, ou forneço algum conselho para uma pessoa, eu espero, pretendo,
que minha ordem ou meu conselho estejam corretos.
Nos atos de fala
representativos (revelar, descobrir, admitir, ocultar, despistar, enganar,
expressar e etc.), pretende-se que o que se exprime seja sincero. Sendo assim,
se eu expresso, por exemplo, para o meu treinador que estou cansado, eu
pretendo que aquilo que eu exprimo seja considerado sincero.
Então, que
fique claro que existem vários atos de fala, que todos eles compreendem a ação
comunicativa, e que em cada tipo de ato de fala a minha pretensão de validade
tem um significado distinto.
Por outro lado
Habermas estabelece que todos estes atos de fala possuem uma pretensão em
comum, a de compreensão, ou seja, eu espero que a minha narração, o meu
conselho, a minha expressão sejam compreendidas.
Nos atos de fala
consensuais, ou seja, aqueles que são estabelecidos visando um consenso, um
acordo sobre dado assunto, se pressupõe o reconhecimento mútuo de quatro
pretensões de validade:
Primeiramente, eu,
como falante, tenho que escolher uma expressão inteligível para que meu ouvinte
possa me entender. Então a primeira pretensão se refere à compreensão entre o
falante e o ouvinte ou ouvintes.
A segunda pretensão
é que o conteúdo que eu comunico seja verdadeiro.
A terceira
pretensão é que a manifestação de minhas intenções seja sincera, para que o
ouvinte possa crer no que manifesto, basicamente, possa confiar em mim.
E
a ultima estabelece que eu, falante, tenho que escolher a manifestação correta,
com relação às normas e valores vigentes na sociedade, para que o ouvinte possa
aceitar a minha manifestação, de modo que eu e o ouvinte possamos coincidir
entre si no que se refere à essência normativa em questão.
III
- DAS ESPÉCIES DO DISCURSO
Segundo
Habermas estas pretensões de validade, que se ligam a cada ato de fala, que
mencionei, podem ser problematizadas, e quando a problemática se encontra nas
pretensões de verdade, correção ou inteligibilidade, ocorre à passagem da ação
comunicativa para o que Habermas chama de discurso. Exemplificando, eu passo a
narrar uma história para meus ouvintes, ou ainda, tento estabelecer um consenso
entre eles sobre dado tema, ao fazer isso uma das minhas pretensões é que
aquilo que digo seja considerado verdadeiro (haja o assentimento de todos),
porém minha pretensão não foi correspondida, ou seja, um dos meus ouvintes não
concordou com o que disse, neste caso temos então a chamada problemática na
pretensão de verdade, e assim irá ocorrer à passagem da ação comunicativa (que
existia quando eu simplesmente narrava a história, ou tentava estabelecer o
consenso) para o discurso.
O
discurso quer dizer que o falante tem que fazer uso de argumentos para
justificar que suas asserções são verdadeiras (discurso teórico), que uma
determinada ação ou norma de ação seja correta (discurso prático), ou ainda
explicar algo incompreendido pelo meu ouvinte (discurso explicativo).
Portanto,
o discurso seria a argumentação. Como no exemplo citado a problemática se
encontrava na pretensão de verdade, ou seja, um dos meus ouvintes não estava
concordando com o que falei, eu obviamente vou tentar convencê-lo a acolher
minha opinião, o que segundo Habermas (1983) seria “dar razões para fundamentar
que minhas asserções são verdadeiras”. Neste caso eu estaria empregando o
discurso teórico.
E
o mesmo ocorreria se a problemática estivesse na pretensão de correção, porém,
há uma diferença no discurso, que não seria teórico, mas prático.
Todavia,
neste ponto teremos que analisar um outro aspecto de sua teoria, onde Habermas
defende que as questões práticas podem ser decididas racionalmente.
Segundo
o próprio Habermas:
É
que a inegável diferença entre a lógica do discurso teórico e do discurso
prático não são tais que expulsem o discurso prático do âmbito da
racionalidade; que as questões prático-morais podem ser decididas “por meio da
razão”, por meio da força do melhor argumento; que o resultado do discurso
prático pode ser um resultado “racionalmente motivado”, a expressão de uma
“vontade racional”, um consenso justificado, garantido ou fundado; e que, em
conseqüência, as questões práticas são suscetíveis de verdade num sentido amplo
dessa palavra. (ATIENZA, 2002).
Quando
Habermas fala em questões práticas ele se refere a questões das esferas da
Política, da Moral, e do Direito. Portanto quis ele dizer que as questões de
ordem prática também podem ser resolvidas racionalmente mediante a força do
melhor argumento.
Além
do mais, pronuncia que aquela problemática na pretensão de correção normativa,
citada acima, que leva ao discurso prático, deve poder fundamentar-se de forma
semelhante ao modo de fundamentação dos enunciados verdadeiros.
Para
exemplificar esta parte de sua teoria discursiva, utilizamos a esfera do
Direito, onde se encontram problemas de ordem prática, como a elaboração de uma
lei, segundo a teoria de Habermas, esta questão pode ser solucionada
racionalmente através do discurso prático, ou seja, através da comunicação
argumentativa entre os responsáveis pela elaboração desta lei e os possíveis
atingidos por ela, para que após a discussão, o levantamento dos argumentos de
cada falante, se chegue no princípio da universalização, sendo este uma regra
de argumentação dos discursos práticos, pelo qual uma norma só deve pretender
validez quando todos os abarcados por esta norma cheguem a um acordo atinente a
validade desta, através de um discurso prático, racionalmente motivado e não
coercitivo explicitamente. Portanto, essa lei só irá ser válida se não houver
coerção, mas sim o consentimento de todos.
Permanecendo
dentro da esfera do Direito, observamos com base na teoria do discurso que a
norma pode ser válida ou invalida. A partir de uma visão mais ampla desta
distinção, Habermas considera:
O
Direito é facticidade quando se realiza aos desígnios de um legislador político
e é cumprido e executado socialmente sob a ameaça de sanções fundadas no
monopólio estatal da força. E de outro lado, o Direito é validade quando suas
normas se fundam em argumentos racionais e aceitáveis por seus destinatários.
(NUNES JR, 2005).
É
possível perceber que Habermas reiteradamente defende a relevância da
comunicação na sociedade ao acastelar que o cerne da justiça e, ao mesmo tempo,
da democracia, depende, precipuamente, da comunicação. Situação antagônica se
veria esmerar em um regime arbitrário.
Portanto,
com relação ao Direito:
O
genial da teoria de Habermas reside na substituição de uma razão prática (agir
orientado por fins próprios), baseada num indivíduo que através de sua
consciência, chega à norma, pela razão comunicativa, baseada numa pluralidade
de indivíduos que orientando sua ação por procedimentos discursivos, chegam à
norma. Assim, a fundamentação do Direito, sua medida de legitimidade, é
definida pela razão do melhor argumento. Como emanação da vontade discursiva
dos cidadãos livres e iguais, o Direito é capaz de realizar a grande aspiração
da realidade, isto é, a efetivação da justiça. (NUNES JR, 2005).
E
ainda, retomando as pretensões de validade, se a problemática estivesse na
pretensão de inteligibilidade ter-se-ia os discursos explicativos, sendo este
explicar algo que não foi compreendido por meu ouvinte.
Já
a pretensão de sinceridade não é resolvida discursivamente, pois se minha
sinceridade fosse dúbia, não haveria como eu provar estar sendo sincero com
argumentos. Visto que a única forma de denotar sinceridade é através de meus
próprios atos.
É
possível notar que há duas formas distintas de interação comunicativa: Por um
lado temos a ação comunicativa, onde há apenas a presença das pretensões de
validade não-problematizadas inerentes aos atos de fala; de outro lado temos o
Discurso, onde pretensões de validade tornadas problemáticas podem
ser dirimidas através de um consenso com fulcro na argumentação. Essa
diferença, segundo Toulmin (2001), “pode ser considerada uma distinção entre o
uso instrumental da linguagem (ação comunicativa) e o uso argumentativo da
linguagem (discurso)”.
É
notório que o discurso é uma forma de interação, pois se trata de um indivíduo
que com uso de seus proferimentos lingüísticos inicia seu ato de fala e,
havendo uma problemática em uma das pretensões citadas, inicia-se, na
realidade, uma discussão, pois se trata de um falante visando fundamentar suas
asserções com argumentos e ouvintes munidos da mesma arma para provar o
contrário, ou seja, que o dito pelo falante não é válido e, assim, chega-se
através de uma discussão racional a uma decisão sobre o assunto, sendo
estabelecido um consenso que obtém a conclusão de que o falante estava certo ou
não. E é obvio, como já disse Habermas, que se trata de uma coação não-coativa,
pois não há uma coação explícita, mas implícita através daquele que possui o
melhor argumento.
Segundo
Habermas (1983) “é ideal uma situação de fala em que as comunicações não são
impedidas por influxos (influência física ou moral) externos contingentes
(eventuais) e por coações decorrentes da própria estrutura da comunicação”. E
esta estrutura unicamente não gerará coações se todos os participantes do
discurso possuírem uma oportunidade de fala proporcional aos demais.
IV - CONCLUSÃO
Ele
não pretende meramente desenvolver uma teoria a respeito da comunicação, mas
sim valorizar e alvitrar uma inovadora maneira de agir sociavelmente. Através
da qual se efetivaria na sociedade a cidadania, a integração social, a
democracia dentre outros. Porém, infelizmente, sua teoria tem muito valor, na
atualidade, enquanto intenção, pois não tem condições de se realizar na
prática. Visto que o principio da universalidade, que serve de regra para o
discurso é uma utopia, porque o que é válido para um indivíduo pode não ser
válido para outrem, ou seja, granjear o consenso de todos os envolvidos no que
concerne, por exemplo, a validade de uma lei é uma quimera. Já que a
consciência individual é muito expressiva na sociedade moderna, os homens além
de serem egocêntricos, estão assaz separados por aspectos de natureza cultural
e socioeconômica.
Referências
ATIENZA,
Manuel. As razões do direito: teorias da argumentação jurídica. 2.
ed. São Paulo: Editora Landy, 2002, 352 p.
GUAZZELLI,
Iara. A especificidade do fato moral em Habermas: o uso moral da razão.
Disponível em:
.
Acesso em: 16 maio 2005.
LUDWIG,
Celso Luiz. Razão comunicativa e direito em Habermas. Disponível em:
.
Acesso em: 16 maio 2005.
NUNES
JR., Amandino Teixeira. As modernas teorias da justiça: a teoria discursiva de
Jürgen Habermas. Disponível em:
. Acesso em: 05
jun. 2005.
TEXTOS
escolhidos: Walter Benjamin, Max Horkheimer, Theodor W. Adorno, Jürgen
Habermas. Traduções de José Lino Grunnewald [et al.]. 2. ed. São Paulo: Abril
Cultural, 1983.
TOULMIN,
Stephen. Os usos do argumento. São Paulo: Martins Fontes, 2001, 375
p.
(*) É Discente do
curso de Direito da Universidade Norte do Paraná (UNOPAR).