sábado, 28 de junho de 2014

Presidente sanciona sem vetos Plano Nacional de Educação
A votação do PNE foi concluída pela Câmara no início de junho, depois de quatro anos de debate. Ao todo, o PNE estabelece 20 metas que buscam melhorar a qualidade da educação.
A presidente Dilma Rousseff sancionou, sem vetos, na quarta-feira (25), o Plano Nacional de Educação (PNE), que tem o objetivo de melhorar os índices educacionais do País. A nova lei (Lei 13.005/14) obriga o governo a investir em educação 10% do Produto Interno Bruto (PIB) em um prazo de dez anos.
O texto foi publicado ontem (26), em edição extra do Diário Oficial da União. O plano prevê o alcance da meta de investimento em duas etapas: um mínimo de 7% do PIB no quinto ano de vigência da futura lei; e os 10% do PIB ao fim do período de dez anos, em 2024, o que representa quase o dobro do que é investido atualmente.
Nesta semana, em pronunciamento em cadeia nacional de rádio e televisão, o presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves, citou o PNE entre as principais propostas aprovadas nesta legislatura.
A votação do PNE (PL 8035/10) foi concluída pela Câmara no início de junho, depois de quatro anos de muito debate. O projeto do PNE foi enviado pelo Executivo em dezembro de 2010, aprovado na Câmara em 2012 e pelo Senado no ano seguinte, onde sofreu modificações e retornou à Câmara para análise final.
Ao todo, o PNE estabelece 20 metas que buscam melhorar a qualidade da educação. As metas vão desde a educação infantil até o ensino superior, passam pela gestão e pelo financiamento do setor e pela formação dos profissionais.
Fies e ProUni: Mudança feita pelos senadores e acatada pelos deputados garantiu que os recursos também possam ser usados em programas como o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) e o Programa Universidade para Todos (ProUni), que dão bolsas de estudo e financiamento para alunos de faculdades particulares. O texto originalmente aprovado pela Câmara previa que a parcela do PIB fosse destinada apenas para a educação pública.
Além do financiamento, o plano assegura a formação, remuneração e carreira dos professores, consideradas questões centrais para o cumprimento das demais metas. Pelo texto, até o sexto ano de vigência, os salários dos professores da educação básica deverá ser equiparado ao rendimento médio dos demais profissionais com escolaridade equivalente. Além disso, em dez anos, 50% desses professores deverão ter pós-graduação. Todos deverão ter acesso à formação continuada.
Um ponto que desagradou o governo durante as discussões no Congresso e que foi mantido no texto foi a obrigatoriedade de a União complementar recursos de estados e municípios, se estes não investirem o suficiente para cumprir padrões de qualidade determinados no Custo Aluno Qualidade (CAQ).
O texto ainda institui avaliações a cada dois anos para acompanhamento da implementação das metas dos PNE.
Íntegra da proposta:
Fonte : com os aplicativos temáticos do PNE http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/EDUCACAO-E-CULTURA/470819-PRESIDENTE-SANCIONA-SEM-VETOS-PLANO-NACIONAL-DE-EDUCACAO.html?utm_campaign=boletim&utm_source=agencia&utm_medium=email

quarta-feira, 25 de junho de 2014

O VICE DE OCASIÃO NA RABIOLA DOS 
CANDIDATOS

 Neste contexto, o vice tanto para a situação como para as oposições, além de multiplicar voto deve também somar moralmente.

Ademir Ramos (*)

Para concorrer às eleições, os candidatos ao Governo do Estado procuram um vice para composição de suas chapas. Nesse momento, o povo encontra-se passivo frente às articulações e acordos feito pelos pretensos candidatos que buscam obter nas urnas o sucesso da vitória. Passivo porque o sistema eleitoral delega aos Partidos todo o poder relativo à escolha e aprovação dos candidatos nas convenções, dando legalidade as inscrições junto à Justiça Eleitoral.

A indicação e aprovação dos candidatos no Tribunal Regional Eleitoral são de inteira responsabilidade dos Partidos, o eleitor, por sua vez, apenas é chamado a confirmar ou não os nomes que já foram selecionados pelas agremiações partidárias de acordo com sua conveniência, interesses e o que eles chamam de densidade eleitoral. Esses critérios servem também para a escolha de um vice de peso, que venha multiplicar nas urnas o número de votos do candidato a governador.

Nesses termos tanto a situação como a oposição transitam nestas alas às vezes pontuando menos ideologia e mais oportunismo celebrando alianças eventuais que visam muito mais as urnas do que o processo de governança. Digo mais as urnas porque primam unicamente pelo quantitativo, isto é, o mais importante é saber se o candidato à vice tem curral de votos na periferia da cidade, no interior do Estado ou num determinado segmento social, étnico e/ou de gênero, não interessa se ele é zero a esquerda, em se tratando de gestão publica. O seu passado moral pouco ou nada importa para os oportunistas porque acreditam que o povo tem memória curta e que por meio da mídia é capaz de reverter qualquer imoralidade que por acaso venha ameaçar sua trajetória eleitoral.

A moral está para a política assim como rio está para o mar. É face e interface do mesmo fato enquanto expressão de um comportamento familiar e privado a interagir com o social, comunal ou público. Maquiavel muito se preocupava com a moral dos Príncipes, não só quanto à vida privada como também referente às guerras de conquistas, repudiando qualquer ato que violasse as mulheres dos povos ou dos reinos conquistados. Visto que, segundo o florentino, os homens jamais esquecem e tolera a violação moral da família frente à disputa do poder de Estado. No medievo esta mácula mobilizava revoltas sangrentas. No capitalismo, não é tão diferente, ao contrário a moral familiar é mais aguda por ser esta o escudo da propriedade privada que assenta todo valor capital da sociedade mercantil. Embora, o jurídico nestas circunstancias tenha regulado estas relações dando asas ao poderio econômico, o mesmo já não se pode dizer da política por está afetado de profunda paixão a começar pelas questões familiares a se estender pelas questões de Estado.

O vice, neste contexto, tanto para a situação como para as oposições, além de multiplicar voto deve também somar moralmente, agregando valor ao candidato majoritário sem afrontar os valores morais e muito mais ainda sem reduzir a política ao pântano da corrupção, da irresponsabilidade e da obscuridade, instrumentalizando o Estado para interesses privados afrontando, dessa feita, o povo e seus direitos sociais.


(*) É professor da UFAM, coordenador do Projeto Jaraqui e do NCPAM.         

segunda-feira, 23 de junho de 2014

O 'grande número' e a política


Luiz Werneck Vianna (*)
Desde junho de 2013 as ruas não têm dado tréguas em suas manifestações, primeiramente sob as bandeiras dos direitos, como os de acesso à saúde, à educação e à mobilidade urbana, e, nesta segunda onda dos dias presentes, com o claro registro da dimensão dos interesses. Em poucos meses, mudaram os temas e os personagens. As camadas médias, antes com massiva participação, cederam lugar a categorias de trabalhadores demandantes de melhorias salariais, por vezes à margem da orientação dos seus sindicatos, e a movimentos sociais de extração social difusa, como os do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST), boa parte deles sob a influência de partidos da esquerda radicalizada.

Os diagnósticos que nos vêm da mídia são uniformes na interpretação economicista do mal-estar reinante na população, carregando nas tintas o tema da inflação, segundo eles, palavra-chave da sucessão presidencial que se avizinha. Contraditoriamente, tal diagnóstico convive sem conflito aparente com o reconhecimento por parte de analistas de diversas orientações de que, nos últimos anos, indicadores confiáveis atestariam o alcance de setores subalternos a melhores padrões de consumo e de acesso ao mercado de trabalho. Muitos deles até sustentando que tais setores já fariam parte das classes médias. Conquanto essas duas interpretações contenham seu grão de verdade, elas apontam, como é intuitivo, para direções opostas, embora guardem em comum o mesmo viés economicista e a mesma distância quanto à política.

O fato novo que temos diante de nós vem, precisamente, dessa região oculta da Lua e se manifesta na ruptura da passividade em que se mantinha o "grande número", para flertar com a linguagem de um grande autor em suas alusões ao homem comum da sociedade de massas. As duas florações da social-democracia - a do PSDB e a do PT -, no governo por duas décadas, cada qual no seu estilo, embora a do PT venha sendo a mais desenvolta na intervenção sobre a questão social, não só têm estimulado, mesmo que indiretamente, a procura por parte dos setores subalternos da porta de acesso aos direitos da cidadania, como atuado no sentido de consolidar as liberdades civis e públicas previstas na Carta Magna de 1988. Os limites em que o governo da presidente Dilma Rousseff se manteve no curso da Ação Penal 470, o processo dito do "mensalão", em que estavam envolvidos importantes dirigentes do PT, é um exemplo disso.

A passividade do "grande número" ao longo desse período - evita-se o uso do termo multidão para manter distância das ressonâncias metafísicas com que ele, ultimamente, tem sido empregado - certamente não foi indiferente às políticas bem-sucedidas dos governos social-democratas - declarados como tal ou não - que têm estado à testa da administração pública, entre os quais a do Plano Real e a do Bolsa Família, mencionado este último apenas pela sua efetividade.

Contudo, malgrado as diferenças entre PSDB e PT, inscritas no DNA de cada um deles, ambos optaram por estilos de governo tecnocráticos. No caso do PT, bem camuflado por instituições como o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, logo esvaziado, e pelas reuniões informais entre o ex-presidente Lula e as lideranças sindicais. E, sobretudo, pela incorporação de movimentos sociais ao aparelho de Estado, marcas fortes dos governos de Lula. Para os setores organizados e próximos ao partido, tais práticas podiam ser vivenciadas como um sucedâneo de democracia participativa, mesmo que suas deliberações fossem, em última instância, dependentes da discrição governamental.

Quanto aos intelectuais, em que pese a forte atração que o PT exerceu sobre eles no momento de sua fundação, incluídas grandes personalidades do mundo da ciência e da cultura, eles não encontraram em sua estrutura partidária um lugar próprio para exercer influência, rebaixados à situação de massa anônima de simpatizantes. Nessa posição marginal, eles se confortaram na crença dos poderes carismáticos da sua liderança, bafejada por sua origem operária, e hoje padecem de desencanto com a revelação dos muitos malfeitos com origem na máquina governamental.

O PSDB, por sua vez, partido formado por intelectuais, não somente os deixou à deriva, como igualmente se manteve ao largo dos movimentos sociais e do sindicalismo, confiante nos louros conquistados com os êxitos do Plano Real. Assim, se o PT se recusava a vestir a carapuça da social-democracia, que lhe cabia tão bem, o PSDB assumiu-a apenas no plano do discurso, com seu núcleo duro constituído por elites de formação e trajetória tecnocráticas. Nem um nem o outro enfrentaram o desafio da "ida ao povo". Na versão petista, o sindicalismo tem-lhe feito as vezes e, na do PSDB, a massa de consumidores. Nas favelas e nos bairros populares, em termos de organização partidária - não de voto, frise-se -, em meio a um oceano de evangélicos, não se nota a presença deles.

Nessas condições, a ativação do "grande número", a que se assiste desde junho do ano passado e, ao que parece, não vai recuar nem mesmo diante da Copa do Mundo, tem encontrado à sua frente um terreno político desertificado. Nada a surpreender quanto à sua descrença na política e à selvageria de muitas de suas manifestações, fato que o governo do PT reconhece agora, de modo tardio, atabalhoado e, como sempre, vertical, com a criação por decreto dos conselhos populares de participação na administração pública.

Seja lá o que o destino reserva a essa iniciativa discricionária, que não nos chega em momento propício, já está na hora de fazer ouvidos moucos aos ideólogos do economicismo, confessos ou encapuzados, que confundem o consumidor com o cidadão e a política com o cálculo eleitoral.

(*) É professor-pesquisador da PUC-Rio. E-mail: lwerneck096@gmail.com

Fonte: http://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,o-grande-numero-e-a-politica-imp-,1516233
O QUE DIZER DA POLÍTICA NO AMAZONAS


Ademir Ramos (*)

Aqui a disputa pelo Estado é muito mais aguerrida pela oligarquia regional porque desse controle depende unicamente a origem de sua riqueza e a multiplicação de seu patrimônio. O conceito de oligarquia que, em alguns territórios encontra-se centrado nas relações de parentescos e afins, no Amazonas esta prática política ganha outra feição, exigindo de seus atores compartilhamento nos negócios das corporações empresariais sejam formais ou situacionais, repartindo dividendos diretos ou indiretamente.

Alguns estudiosos da matéria quando analisam conjuntura dessa natureza reportam-se a situação pré-capitalista visto que o desenvolvimento das forças produtivas locais encontram-se bastante atrasadas, dependendo das corporações que muitas vezes estão atreladas ao Estado e por consequência aos atos e favores dos seus governantes. O que muito contribui para esse "mando de campo", esse controle quase absoluto do cidadão é o poder centralizador do Estado no Governante Local, a quem compete à liberação dos recursos orçamentários aos poderes constituídos, bem como a nomeação de desembargadores, conselheiros, bem como a controle de toda a burocracia de Estado.

Com a presença do Polo Industrial de Manaus (PIM) e efetiva ação do Projeto Zona Franca de Manaus, o poder de Estado tanto o governo federal como o governo local ganha força minimizando dessa feita o capitalismo liberal permeado pelos favores dos incentivos fiscais, que são verbas públicas que os governantes deixam de arrecadar na perspectiva de geração de empregos e tributos.

O controle do PIM por meio da SUFRAMA está muito mais para o Governo Federal, o que muito beneficia o candidato Eduardo Braga, por ser o líder do Governo no Senado, do que para o Governador atual do Estado, José Melo.

A disputada agressiva interpares entre os atores desta oligarquia resulta no orçamento de mais 50 bilhões de reais que o futuro governador eleito terá pelos próximos 4 anos. Eduardo Braga avalizado pelo patrono Amazonino Mendes tenta superar as fissuras, costurando interesses tradicionais dos atores de seu grupo, agregando forças advindas do Gilberto Mestrinho, Amazonino Mendes e de sua própria relação tanto local, como nacional e internacional. O Melo, por sua vez não é diferente, mas se quiser escancarar estas fissuras e levá-las a contradição pode fazer, para isso é preciso repaginar suas propostas e conquistar novos aliados, não só atento às regras do jogo, mas partindo para a galera, buscando no braço do povo sua força e coragem para enfrentar o taco daqueles que coisificam o povo, empobrecendo nossa gente enquanto esnobam o Amazonas, gastando milhões de reais para os seus enquanto para nossa gente somente as migalhas. Não se trata de um governo revolucionário, mas de reordenar o governo sobre nova matriz assentado em relações produtivas numa perspectiva popular e participativa. Mais, do que querer é preciso coragem e determinação motivadas por interesse republicanas. As oposições podem se beneficiar destas contradições, mas não podem esquecer que o segundo turno é determinante para o definhamento da oligarquia, buscando em si sua própria negação e quem sabe a construção de um novo cenário político.


(*) É professor da UFAM, coordenador do NCPAM e do Jaraqui.

domingo, 22 de junho de 2014

PROCURANDO ROUSSEAU, ENCONTRANDO CHAVES

Bolívar Lamounier (*)

Fiquei deveras aturdido ao constatar que a veneranda OAB resolveu colocar no colo do presidente da República a mortífera arma do plebiscito

CONHECIDO há décadas como o país do café, do Carnaval e do futebol, o Brasil está prestes a se notabilizar também como a segunda pátria de Rousseau. Entre nós, a teoria da "bondade natural" não parece comover somente os símiles nacionais dos intelectuais da "rive gauche" parisiense. Encanta até instituições importantes, como a Ordem dos Advogados do Brasil, aparentemente convertida à idéia de substituir as instituições de representação política pela miragem da "democracia direta".

Não é por acaso que a figura imaginária do "bom selvagem" prospera no Brasil. Ela encontra campo fértil em nossas elites, desde logo nos setores acadêmico e clerical, entre os quais permanece bem viva a crença de que, com "vontade política", todos os problemas do país podem ser facilmente resolvidos. O que falta é, portanto, convocar o "povo", pô-lo ao corrente dos assuntos e aguardar o grande consenso que ele sem dúvida haverá de elaborar. 

Daí em diante, as instituições representativas se desmancharão no ar, por desnecessárias, e a sociedade reconquistará a sua perdida "soberania", ou seja, o governo de si mesma. Entre nós, o mais articulado e ardoroso proponente da "democracia direta" tem sido o jurista Fábio Konder Comparato.

O que ele propõe é modificar e recorrer com mais freqüência a plebiscitos, referendos e iniciativas populares de legislação, a fim de aumentar e tornar mais decisiva a influência política do "povo", vale dizer, de uma miríade não especificada de grupos corporativos e movimentos sociais.

Ao mesmo tempo, Comparato propõe refazer de alto a baixo a máquina de governo, com vistas a enfrentar os grandes desafios do crescimento econômico e da reforma social. Para atingir esse duplo objetivo, ele sugere vincular verticalmente a democracia "direta" a uma estrutura de governo ainda mais centralizada e intervencionista que a atual.

Em poucas palavras, a moeda constitucional comparatiana teria a "soberania popular" de Rousseau numa face e, na outra, uma forma de governo evocativa da "ditadura republicana" de Augusto Comte. As meditações de Fábio Konder Comparato vieram-me à memória poucos dias atrás, quando tomei conhecimento de um projeto de "reforma política" encaminhado ao governo pela OAB.

E quero aqui confessar a minha ingenuidade. Sempre entendi que entidades voltadas para a defesa das liberdades e da ordem constitucional não deveriam tomar e de fato não tomariam nenhuma iniciativa no sentido de debilitar o Poder Legislativo. Toda vez que o Legislativo é enfraquecido ou suprimido "de jure ou de facto", os partidos, a oposição e todo o pluralismo político vão para o vinagre. A própria imprensa é às vezes forçada a pôr as barbas de molho. 

Por isso, fiquei deveras aturdido ao constatar que a veneranda ordem, representante de uma classe conhecida por seus valores liberais, resolveu colocar no colo do presidente da República (falo genericamente, não especificamente do presidente Lula) a mortífera arma do plebiscito.

Pela proposta, a prerrogativa de convocar consultas desse tipo deixa de ser privativa do Congresso Nacional. Trata-se evidentemente de um Exocet apontado contra o Congresso. Um presidente inclinado a governar autoritariamente nem precisará dispará-lo; só por existir, essa arma começará a produzir os efeitos perniciosos que dela se podem esperar.
Infelizmente, o que acabo de dizer é uma pequena parte da história. Ao criar seu "bebê de Rosemary", a OAB não descuidou de providenciar-lhe alguns irmãos e primos. 
Uma idéia cara aos partidários da "democracia direta" é o "recall", a revogação de mandato eletivo por votação popular, reminiscência inócua do "mandato imperativo" medieval.Confrontada com dificuldades tão óbvias, a OAB deu um salto espetacular, digno do melhor James Bond.

Propôs um "recall" acionado por iniciativa popular de legislação, em nível nacional, com o efeito de revogar simultaneamente os mandatos de todos os parlamentares e o do presidente da República, uma vez decorrido um ano das respectivas eleições. 
Nitroglicerina pura, como diria certo filósofo. A eventual aprovação das idéias acima expostas certamente abriria o caminho para uma ditadura ao estilo venezuelano - e aqui me refiro a uma hipótese algo otimista. O resultado mais provável seria o caos. 

(*) BOLÍVAR LAMOUNIER, 63, doutor em ciência política pela Universidade da Califórnia (EUA), é consultor de empresas e autor do livro "Da Independência a Lula: Dois Séculos de Política Brasileira", entre outras obras. 

Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz0703200708.htm


QUEM TEM MEDO DO POVO?

Fábio Konder Comparato (*)


Será possível que ainda não aceitamos o fato de que, na democracia, é o povo que constitui o Poder Legislativo, e não o contrário?



O NOSSO país logrou realizar notável façanha política: instituiu e fez funcionar, por mais de um século, uma República de interesse privado e uma democracia sem povo. Salvo alguns golpes de Estado e os 20 anos de regime militar, tem-se aceito como verdade de evidência que tudo transcorre nos quadros da normalidade republicana e democrática. Eis, porém, que uma vaga de inquietação se levanta subitamente no coração das classes dirigentes e na cabeça dos seus "intelectuais orgânicos". A dúvida cruel é esta: o povo continuará a dormir tranqüilamente em "berço esplêndido"? 

Um antigo procônsul econômico do regime militar e signatário do AI-5 de 1968, que assegurou a impunidade para os assassinos, torturadores e estupradores ao suspender o habeas corpus e as garantias da magistratura, declara-se tragicamente preocupado com o futuro de nossa democracia. 
Um brilhante jornalista, com maldisfarçada ambivalência de propósitos, despeja o vitríolo do seu sarcasmo contra a OAB, considerando-a uma "guilda profissional" que não tem representatividade para propor mudanças no sistema vigente. Um doutor em ciência política e consultor de empresas alerta para o risco de instauração do "chavismo" ou da abertura do caos em nossa terra. 

Ficamos todos sensibilizados com as advertências. Não conseguimos, porém, compreender por que razão nenhum dos três personagens manifestou a mesma preocupação com o estado de marasmo econômico e desagregação social persistente há mais de um quarto de século neste país. Ou seja, exatamente o inverso do lema de nossa bandeira: desordem e regresso. 

Em todo esse largo período, o crescimento econômico do Brasil ficou abaixo da média mundial, um fato sem precedentes em nossa história. 

Em 1980, metade da renda nacional era distribuída como remuneração do trabalho; agora, só um terço. Já temos 8 milhões de desempregados formais, sem contar a multidão dos definitivamente excluídos do mercado de trabalho. O rendimento médio do trabalhador brasileiro, medido pelo Dieese e o Seade, caiu 33% entre 1995 e 2005. O da classe média, isto é, o conjunto dos que ganham entre três e dez salários mínimos, segundo o Ministério do Trabalho, decresceu nada menos do que 46% entre 2000 e 2006. 

Alguma surpresa se tais fatos coincidiram com a vaga de violência e banditismo que se alastrou por todo o país? É possível responder a tudo isso sem uma mudança ampla na estrutura dos poderes decisórios do Estado? 

Para os três personagens mencionados, a iniciativa de reforma política tomada pela OAB e outras entidades da sociedade civil (foram mais de 30 a assinar um "manifesto por uma reforma política ampla, séria e democrática", entregue ao Congresso) é indevida e extemporânea. Os partidos políticos e os malchamados poderes públicos (lembremos que "publicus", em latim, indica o que pertence ao povo) é que devem se ocupar com exclusividade do assunto, fazendo-o com o zelo e a competência que todos reconhecemos e admiramos... 

Ora, o que se desconhece é que a OAB tem não só o direito mas o dever legal de atuar nessa matéria. A primeira de suas finalidades, prescrita na lei nº 8.906/2004, que estabeleceu o seu vigente estatuto, é "defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado democrático de Direito, os direitos humanos e a justiça social". 

Como diria o respeitável conselheiro Acácio, pode-se fazer funcionar qualquer regime político sem povo, menos o democrático. A não ser que a palavra "povo" tenha sido empregada em dois sentidos no artigo 1º, parágrafo único, da Constituição ("Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição"). Ela designaria o conjunto de cidadãos quando se trata de eleger representantes, mas significaria "uma miríade não especificada de grupos corporativos e movimentos sociais", segundo a expressão do mencionado cientista político, quando se quiser tomar decisões populares em plebiscitos e referendos. Obviamente, nesta última hipótese, o Congresso Nacional deve aparecer como substituto necessário desse ajuntamento. 

Será possível que ainda não aceitamos o fato elementar de que, numa democracia, é o povo que constitui o Poder Legislativo, e não o contrário? 
De qualquer forma, os paladinos da conservação ilimitada do status quo podem se preparar para viver uma fase de crescente angústia: o povo brasileiro acabará, enfim, por exercer a soberania que lhe foi desde sempre negada. É uma questão de tempo. 
Viva o povo brasileiro! 

(*) FÁBIO KONDER COMPARATO , 70, advogado, professor titular aposentado da Faculdade de Direito da USP, é presidente da Comissão de Defesa da República e da Democracia do Conselho Federal da OAB e fundador e diretor da Escola de Governo, em São Paulo. É autor, entre outras obras, de "A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos".
Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz1303200708.htm


  
O BEBÊ E A ÁGUA DO BANHO

Bolívar Lamounier (*)

Li e reli as ponderações do dr. Fábio Konder Comparato com a atenção que merecem, mas não consegui exorcizar meus receios

EM ARTIGO intitulado "Procurando Rousseau, encontrando Chávez" ("Tendências/Debates", 7/3), opinei que a eventual implantação da reforma política sugerida ao governo pela OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) teria conseqüências nefastas. Meu texto suscitou algumas reações iradas e um substancioso comentário do professor Fábio Konder Comparato, fervoroso defensor do projeto, neste mesmo espaço da Folha ("Quem tem medo do povo?", 13/3). Realmente, minha expectativa era que a OAB, com sua inegável autoridade, apontasse soluções realistas para os problemas de organização institucional que nos vêm há muito tempo afligindo, em particular o esvaziamento do Poder Legislativo, tema que obviamente envolve as questões éticas dramatizadas nos últimos dois anos e se estende aos partidos políticos e ao sistema eleitoral, entre outros aspectos.

Infelizmente, o projeto OAB/Comparato optou por jogar fora o bebê com a água do banho. Descrendo quase totalmente da democracia representativa, o texto restringe drasticamente o espaço da representação e propõe um modelo que, à falta de melhor termo, eu denominaria "cesaro-anarquismo", um híbrido de princípios opostos, ambos levados ao paroxismo. Como seria a operacionalização prática de tal concepção? 

Primeiro, o projeto eleva o arbítrio do Poder Executivo à enésima potência, conferindo ao presidente da República a prerrogativa de convocar plebiscitos sem ouvir o Congresso Nacional. Ora, a soma de poderes já atualmente concentrados no Executivo é de causar arrepios a quem quer que preze o equilíbrio e a independência mútua das instituições no regime democrático.

Para quebrar a espinha do Poder Legislativo, ele conta com as medidas provisórias; para desvitalizá-lo, com o Orçamento autorizativo; para humilhá-lo, com aquele "milhozinho" distribuído por meio de emendas parlamentares individuais. Para sufocar a economia e a capacidade privada de iniciativa, ele dispõe de numerosos instrumentos, desde logo o gasto público e a correspondente carga tributária, cujos níveis e qualidade atuais me dispenso de comentar. 

Mas isso não é tudo. Sem cometer a tolice de debitar tantos problemas na conta do atual governo, observo que o presidente Lula inicia seu segundo mandato com obedientes três quartos ou mais de apoio na Câmara, aliados carnais nas presidências da Câmara e do Senado e lúcida simpatia por parte dos governadores. E, aparentemente, já cogita se reforçar na área das comunicações, por meio de uma TV estatal. No sentido oposto, o projeto institui a intervenção popular no processo decisório numa escala jamais praticada em nenhum país, por meio do chamado recall (revogação de mandatos por votação popular), instrumento não desprovido de lógica se aplicado em pequenas circunscrições eleitorais, com base no voto distrital puro, a fim de revogar mandatos de parlamentares, caso a caso.
Mas a fórmula alvitrada pela OAB e pelo dr. Comparato vai muito além disso. Referendos revocatórios poderiam ser obrigatoriamente convocados pelo voto da maioria da Câmara ou mediante abaixo-assinados subscritos por 2% do total de eleitores. 

Para revogar qual ou quais mandatos? Resposta: todos. Tal engrenagem poderia ser acionada e mandar para casa, simultaneamente, todos os deputados e o próprio presidente da República (!) uma vez decorridos 12 meses das respectivas eleições. Nesse aspecto, é preciso convir que o egrégio colegiado da OAB operou prodígios. Transformou a antiquada espingardinha do recall numa "cortadora de margaridas", a temível "daisy cutter" que os americanos andaram despejando nos confins do Afeganistão. 

Li e reli as ponderações do dr. Comparato com a atenção que merecem, mas não consegui exorcizar meus receios. Com a melhor das intenções, "ça va sans dire", o que o projeto me parece recomendar é um Executivo dotado de poderes ainda maiores que os atuais, com o contrapeso fiscalizador de um Legislativo reduzido à condição de pedinte andrajoso. Temo, realmente, que tais idéias desemboquem num populismo autoritário semelhante ao regime "bolivariano" do coronel Hugo Chávez, cujos supostos avanços democráticos recebem, aliás, rasgado elogio na justificação da proposta.

(*) BOLÍVAR LAMOUNIER, 63, doutor em ciência política pela Universidade da Califórnia, Los Angeles (EUA), é consultor de empresas. É autor de, entre outras obras, "Da Independência a Lula: Dois Séculos de Política Brasileira" (Augurium Editora, 2005). 

DEMOCRACIA AMEAÇA A DEMOCRACIA?
As Coordenadoras e os Coordenadores no Brasil da Rede para o Constitucionalismo Democrático Latino-Americano manifestam-se sobre o Decreto n. 8.243, de 23.05.2014, em favor da democracia participativa, e convidam os interessados a subscreverem o documento.

Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição” - Art. 1º, Parágrafo Único, da Constituição da República Federativa do Brasil

Após a edição do Decreto n. 8.243, em 23 de maio de 2014, que instituiu uma “Política Nacional de Participação Social” e um “Sistema Nacional de Participação Social”, assistimos na mídia a um forte ataque ao modelo de democracia participativa ali veiculado. Alguns partidos de oposição, jornais, analistas políticos e juristas acusam a Presidência de ter enveredado por um caminho autoritário.
Assusta-nos essa reação conservadora, já que o “autoritarismo” que os críticos enxergam no Decreto estaria exatamente no que ele tem de mais democrático: a abertura para a participação. É como se a democracia estivesse ameaçada exatamente pela previsão de mais democracia.

As manifestações que tomaram as ruas do país no ano passado evidenciaram a necessidade de mais democracia, de mais canais de participação. No mundo inteiro há sinais de um esgotamento dos instrumentos tradicionais da democracia representativa. Há demandas em todas as grandes democracias por mais participação.
Quanto à atuação administrativa, o Poder Público precisa ter múltiplas portas de entrada para demandas sociais. Há todo um conhecimento acumulado na sociedade civil organizada que precisa ser considerado na construção e na execução de políticas públicas. Trata-se de um processo, ao mesmo tempo, de legitimação democrática da decisão e de aperfeiçoamento do seu conteúdo.
Para isso, o que o Decreto faz é, ainda, pouco. Mas é um importante passo no cumprimento desse objetivo. 
O Decreto propõe-se a “articular os mecanismos e as instâncias democráticas de diálogo e a atuação conjunta entre a administração pública federal e a sociedade civil” (art. 1º). Muitos dos mecanismos nele previstos, como a ouvidoria, as audiências públicas e as mesas de diálogo já fazem parte da prática administrativa. Assim, o que ele faz, em muitos aspectos, é apenas organizar um conjunto de meios de participação já adotados pelos governos.

Existiria, então, necessidade de edição dessa norma?
Parece-nos que há, sim, necessidade de um instrumento normativo na Administração, sistematizando formas de participação social. Os instrumentos hoje existentes não são igualmente utilizados em todas as áreas de atuação do Poder Público. Com a norma, é possível que áreas nas quais há pouca participação aprendam com a experiência de áreas, como a saúde, nas quais há já uma longa experiência de participação. Com esse instrumento, toda a Administração estará aberta às demandas, precisando pensar sua atuação para além dos gabinetes.

Ao ouvir a sociedade civil organizada, o Poder Executivo não altera qualquer elemento do desenho institucional previsto na Constituição. Não há qualquer incompatibilidade entre o Decreto e a Constituição. Ao contrário, ele tende a concretizar a ideia de que o poder não é exercido apenas pelos representantes, mas, também, pelo povo diretamente.

Da mesma forma que ocorre na prática do orçamento participativo, a Chefe, ou o Chefe, do Executivo continua com todos os poderes que a Constituição lhe destinou. Ela ou ele, no comando da Administração federal, dará a última palavra sobre o agir do Executivo. 

Vozes de oposição apontam ameaças ao Legislativo, que ficaria emparedado pelas entidades organizadas participantes dos processos decisórios na Administração. Isso parece medo da pressão que receberia o Legislativo, quando matérias oriundas do Executivo resultassem de processos fortemente legitimados por participação social. Parecem esses críticos querer um Legislativo livre de pressão, o que nos parece incompatível com uma sociedade pluralista, marcada por conflitos entre diversas visões de mundo.

Enfim, expressamos apoio ao conteúdo do Decreto n. 8.243, de 23 de maio de 2014, que consideramos constitucional e um importante instrumento para o aprofundamento de nossa democracia. Esperamos que não seja um fim, mas o início de um processo maior de restauração do Estado, que o torne mais aberto, mais democrático.
12 de junho de 2014.

Profa. Dra. Germana de Oliveira Moraes
 (Universidade Federal do Ceará) - Coordenadora Nacional da Rede para o Constitucionalismo Democrático Latino-Americano;
Profa. Ma. Jussara Maria Pordeus e Silva
 (Universidade do Estado do Amazonas) - Coordenadora da Região Norte;
Prof. Dr. Gustavo Ferreira Santos
 (Universidade Federal de Pernambuco/Universidade Católica de Pernambuco) - Coordenador da Região Nordeste;
Profa. Dra. Maria Cristina Vidotte Blanco Tárrega
 (Universidade Federal de Goiás) - Coordenadora da Região Centro-Oeste;
Prof. Dr. José Luiz Quadros de Magalhães
 (Universidade Federal de Minas Gerais/Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais) - Coordenador da Região Sudeste;
Prof. Dr. Carlos Frederico Marés de Souza Filho
 (Pontifícia Universidade Católica do Paraná) - Coordenador da Região Sul;
Prof. Dr. Antonio Carlos Wolkmer
 (Universidade Federal de Santa Catarina) - Conselheiro;
Prof. Dr. Fernando Antônio de Carvalho
 Dantas (Universidade Federal de Goiás) - Conselheiro;
Prof. Me. Vitor Sousa Freitas
 (Universidade Federal de Goiás) - Secretário Geral.
Fonte: http://constitucionalismodemocratico.direito.ufg.br/pages/70478-democracia-ameaca-a-democracia 

sexta-feira, 20 de junho de 2014

PAPO CABEÇA COM A PROCURADORA DE JUSTIÇA JUSSARA PORDEUS


Ademir Ramos (*)

Em recente publicação, em a Crítica, 20 de junho de 2014, p. A4, sob o título “Participação Social”, a Procuradora do Estado Jussara Pordeus, manifestou-se a respeito do Decreto N 8.243, de 23 de maio de 2014, de iniciativa da Presidente Dilma Rousseff, que tem por ordem instituir a Política Nacional de Participação Social – PNPS e o Sistema Nacional de Participação Social – SNPS – mais ainda, o Comitê Governamental de Participação Social – CGPS – para assessorar a Secretaria-Geral da Presidência da República no monitoramento e na implantação do PNPS e na Coordenação do SNPS.

Em suas considerações preliminares, a Procuradora do Amazonas se diz “assustada” porque “alguns partidos de oposição, jornais, analistas políticos e juristas acusam a Presidência de ter enveredado por um caminho autoritário.” E sem muito esforço analítico ou qualquer outro que seja concluiu gratuitamente com a seguinte pérola: “é de assustar essa reação conservadora, já que o ‘autoritarismo’ que os críticos enxergam no Decreto estaria exatamente no que ele tem de mais democrático: a abertura para a participação.” Não satisfeita, a articulista ironiza a crítica social afirmando que: “é como se a democracia estivesse ameaçada exatamente pela previsão de mais democracia.”.

Mais democracia. Eis a palavra de ordem a se gritar por todo o Brasil, principalmente referindo-se a 20 de junho de 2013, quando o Brasil e o Amazonas, em particular, ocupam as ruas e praças, protestando contra a tarifa do transporte coletivo e o imobilismo que engessa o Estado e o Governo, com exclusão dos movimentos sociais e por consequência a da sociedade civil organizada. As “Revoltas de Junho” fazem parte do cenário político que justificam o tal Decreto de Dilma Rousseff, muito bem lembrado pela própria Procuradora, em afirmar que, “as manifestações que tomaram as ruas do país no ano passado evidenciaram a necessidade de mais democracia, de mais canais de participação.”

Verdade, verdadeira. Pois além de gritar, os jovens manifestantes escreveram em seus cartazes que “eles” tanto o Governo como o Parlamento “não me representa”. Para o professor Marcos Nobre, “Imobilismo em Movimento”, (2013), p. 143: “ao gritar e escrever ‘Não me representa’, quem se manifesta não quer apenas que o sistema político mude seu modo de funcionar: pretende mudar o jeito como a representação política é entendida. Não quer apenas votar periodicamente e guardar apenas a esperança de ser devidamente representado pelas instituições formais. Pretende encontrar novos caminhos de participar da política, tanto institucional quanto cotidiana.”

A manifestação de apoio ao Decreto N 8.243, de 23 de maio de 2014, da Presidente Dilma Rousseff, lavrada pela Procuradora Jussara Pordeus, integrante da Rede para o Constitucionalismo Democrático Latino-Americano, requer mais densidade visto que o Direito como bem nos ensinou o professor Lenio Luiz Streck “Verdade e Consenso” (2012), p.65, É uma ciência política e, portanto, “constitucionalismo (contemporâneo) deve significar uma ruptura com o positivismo. [...] Qualquer postura que, de algum modo, enquadre-se nas características ou teses que sustentam o positivismo entre em linha de colisão como esse (novo) tipo de constitucionalismo.”

Parte desta construção requer, sobretudo, a superação da velha epistemologia kantiana, como bem afirma Streck: “ou seja, é preciso compreender que o direito – neste momento histórico – não é mais ordenador, como na fase liberal; tampouco é (apenas) promovedor, como era na faz de welfare state (que sequer ocorreu no Brasil); na verdade, o direito, na era do Estado Democrático é um plus normativo em relação às fases anteriores, porque agora é transformador da realidade.” (p.67).

É também nesta perspectiva que o professor Marcos Nobre, acima citado, arremata suas afirmações em analisar as “Revoltas de Junho” - ao gritar e escrever “Não me representa”. O povo na rua “pretende que mecanismo tradicional de representação, como o voto, seja acompanhados de outras formas de participação e de representação, de formas de participação direta, de mecanismo de deliberação colegiada, de órgãos de controle da representação próximos do seu alcance. Algumas dessas novas formas até já podem existir, mas não têm efetividade, não alcançam o coração do sistema político.” (p.143)

Do mesmo modo que a Procuradora do Amazonas não se deteve na estrutura formal do Decreto, assim também fizemos porque mais de uma vez já nos manifestamos sobre a matéria analisando o processo como forma e mando político visando à despolitização dos movimentos sociais. Em suma, o que está em discussão é sem dúvida a afirmação, o valor e o reconhecimento da Sociedade Cível, não mais a sombra do Estado autoritário, nos moldes hobbesiano, mas, ao contrário como instrumento de controle social assentado na soberania popular e no Estado de Direito. O debate faz-se necessário para clarificar a conjuntura, por isso, pautamos em Praça Pública, na Tribuna do Jaraqui, para este sábado e que bom se pudéssemos contar com a presença da nossa conceituada Procuradora Jussara Pordeus, juro que estaríamos fazendo o que tanto pregamos quando falamos sobre o Direito achado na Rua.                          


(*) É professor, antropólogo, coordenador do Jaraqui e do NCPAM/UFAM.

sexta-feira, 13 de junho de 2014


Participação popular e facções

 

ROBERTO ROMANO  (*)

Com os conselhos populares pretendidos pelo governo, pela enésima vez a Presidência da República legisla e usa a mão felina do Congresso para pegar as castanhas que a fortalecem. O Executivo abusa das normas e das medidas provisórias. Todas essas medidas propiciam "negociações" que rendem cargos aos partidos, mas privilegiam o Executivo. Propostas corretas podem ser viciadas. Sim, a participação popular é alvo democrático. O problema reside no modo e na dose.

Alguns doutrinadores exageram as prerrogativas oficiais, outros acentuam a soberania popular. Fernando Bianchini (Democracia Representativa sob a Crítica de Schmitt e Democracia Participativa na Apologia de Tocqueville, 2014) mostra que Tocqueville não ataca, nos moldes de Carl Schmitt, o Estado parlamentar. Ele quer diminuir a distância entre cidadãos e legisladores. O movimento, no entanto, deve brotar "de baixo para cima", e não ser imposto pelo Executivo. Tal é o defeito do decreto assinado por Dilma Rousseff.

O diploma finge que a sociedade não é dividida. Nela não existiriam interesses contraditórios de grupos políticos organizados. Partidos e interesses vários não manobrariam esses grupos, só aparentemente autônomos. Só anjos ignoram que os "movimentos não institucionalizados" têm líderes, ideólogos, agenciadores. Dilma busca um Estado nas dobras do Estado. Ninguém, em movimentos desprovidos de instituição, assume responsabilidade oficial, ou seja, diante do povo soberano, pelos erros nas decisões. O caso de um deputado paulista, popular graças aos recursos de campanha, é importante. O político recebeu um mandato das urnas e guarda relações enigmáticas com "movimentos não institucionalizados", os perueiros que têm elos "não institucionais" com... setores que operam na margem da lei.

Bem diverso era o orçamento participativo, fechado ao ser eleito Luiz Inácio da Silva. Ali os movimentos discutiam com os administradores públicos. Eles decidiam prioridades na aplicação do orçamento. Toda a assembleia se responsabilizava pelas decisões. Mesmo assim, existiam "donos" de movimentos. Certa feita, na assembleia (de Porto Alegre), um grupo abriu uma faixa: "A comunidade de (invento o nome) Pedro Leopoldo saúda os participantes". Perguntei ao meu cicerone: "Onde é Pedro Leopoldo?". Pergunta errada, corrige ele: "Quem é Pedro Leopoldo?". Era o dono do grupo. Líderes referiam-se aos movimentos com o possessivo: "o meu". Comento: "Estranha forma de indicar a comunidade". Replica o acompanhante: eles se pensam proprietários da coisa. A Secretaria da Educação de Porto Alegre, para diminuir filas na matrícula escolar, distribuiu fichas de agendamento. Líderes comunitários exigiam que fossem eles a levar as fichas aos genitores. É a lógica do "favor não institucionalizado".

Sim, o Congresso brasileiro afasta-se da cidadania. Antes de junho (de 2013), nele se discutiram a aprovação da PEC 37, que feria o Ministério Público, mudanças que atenuariam a Lei de Improbidade Administrativa, aleijões na Lei da Ficha Limpa, etc. O problema não está só no Congresso, mas no Estado brasileiro. Fosse o Supremo Tribunal Federal "apenas" uma Corte constitucional, as questões contidas no decreto em pauta já estariam encaminhadas. Ente que tudo julga, e a todos, ele se afoga em processos decididos sem a tranquilidade necessária. Ademais, ele decide com base numa Constituição que é triste colcha de retalhos, dadas as inúmeras emendas, várias oriundas de imposições do Executivo (como a da reeleição).

É grave a distância entre o Estado e os eleitores. Seria importante diminuir o gap que desmoraliza os Poderes. Mas o proposto agora é a imposição de movimentos sociais como operadores do Executivo, negando-se o fato de que na democracia o poder exige responsabilidade pública. Segundo H. Guaino, "as ONGs começam a constituir um contrapoder, mas não têm legitimidade política. Elas não expressam o direito dos povos: um debate na internet não equivale a eleição legislativa ou referendo". As ONGs não têm legitimidade política. E os movimentos que seguem líderes anônimos, com interesses idem?
Hobbes alerta contra as assembleias "populares": antes das reuniões os líderes tudo decidem mantendo "em separado reuniões secretas com alguns poucos, em que combinam o que irão propor na assembleia-geral, a ordem dos assuntos, as pessoas que agirão em primeiro lugar e sobre a habilidade com que irão cooptar os mais poderosos da facção para o seu lado, e aqueles cujo partido tem maior popularidade (...). E, assim, às vezes eles oprimem a república (commonwealth) quando não há outra facção para se opor à sua. Mas na maior parte das vezes eles causam uma guerra civil" (De Cive, 12).

Hobbes conhecia a falência da democracia em Atenas e observou a Revolução Inglesa, enterrada na ditadura pessoal de Cromwell, mas dirigida por líderes anônimos. A democracia exige responsabilidade de pessoas concretas, nega força hegemônica ao Executivo com seus braços, os pretensos "movimentos não institucionalizados". O decreto presidencial lembra um texto a ser lido pelos imprudentes: Estado, Movimento, Povo, de Carl Schmitt (1). O poder, segundo o jurista, se dividiria em três setores: o povo inerte que diz "sim" ou "não" plebiscitariamente e segue o partido, que, por sua vez, segue o líder (princípio da Führung), mantendo o Estado. Schmitt deseja conselhos de líderes, eleitos ou escolhidos pelo Führer...

No despotismo dos que imperam sem responsabilidade pública, decidem as facções. Com seu decreto, o próprio governo se transforma em facção, esquece um compromisso com o povo na sua totalidade soberana. De um lado, a Secretaria da Presidência e, de outro, os almejados tentáculos do Executivo. Se houvesse algo democrático no decreto, ele seria discutido amplamente com a sociedade, depois enviado ao Legislativo. O resto é propaganda.

(*) ÉPROFESSOR DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS, É AUTOR DE 'O CALDEIRÃO DE MEDEIA' (PERSPECTIVA).

Fonte: http://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,participacao-popular-e-faccoes-imp-,1511097

DA EDITORIA DO NCPAM:

(1)O texto busca no pensamento de Carl Schmitt –intelectual alemão envolvido na ideologia nacional-socialista e relativamente pouco conhecido no contexto brasileiro– a crítica feita à democracia liberal-burguesa e ao sistema parlamentar-representativo, para dele extrair uma contribuição ao atual debate sobre movimentos sociais. A proposta do autor é que os movimentos sociais, ao assumirem o confronto permanente entre as temáticas legalmente confirmadas e as demandas utópicas, podem reinvindicar a voz daqueles que atualmente vêm sendo ignorados pela política cotidiana institucionalizada e recuperar o verdadeiro espaço do Político. A argumentação inicia com algumas colocações acerca do contexto histórico que originou a preocupação teórica de Carl Schmitt. Numa segunda parte, são apresentados os aspectos centrais de um texto do mesmo autor publicado em 1933 sob o título Staat, Bewegung, Volk (Estado, movimento, povo), a partir do qual são articuladas questões sistemáticas ligadas aos movimentos sociais enquanto indicadores de falhas da democracia liberal. Por fim, é reconstruído o fio condutor da argumentação desenvolvida por Schmitt, para extrair dela as observações mais importantes que contribuem para esclarecer melhor o marco conceitual- sistemático dos atuais debates sobre os movimentos sociais.

Texto na integra: 
http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/civitas/article/view/43/1623