Mudança de regime por decreto
Institui a
Política Nacional de Participação Social - PNPS e o Sistema Nacional de
Participação Social - SNPS, e dá outras providências.
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Art. 4º
São objetivos da PNPS, entre outros:
I - consolidar a
participação social como método de governo;
II - promover a
articulação das instâncias e dos mecanismos de participação social;
III - aprimorar a
relação do governo federal com a sociedade civil, respeitando a autonomia das
partes;
IV - promover e
consolidar a adoção de mecanismos de participação social nas políticas e
programas de governo federal;
V - desenvolver
mecanismos de participação social nas etapas do ciclo de planejamento e
orçamento;
VI - incentivar o
uso e o desenvolvimento de metodologias que incorporem múltiplas formas de
expressão e linguagens de participação social, por meio da internet, com a
adoção de tecnologias livres de comunicação e informação, especialmente,
softwares e aplicações, tais como códigos fonte livres e auditáveis, ou os
disponíveis no Portal do Software Público Brasileiro;
VII - desenvolver
mecanismos de participação social acessíveis aos grupos sociais historicamente
excluídos e aos vulneráveis;
VIII - incentivar
e promover ações e programas de apoio institucional, formação e qualificação em
participação social para agentes públicos e sociedade civil; e
IX - incentivar a
participação social nos entes federados.
A presidente Dilma Rousseff quer modificar o sistema brasileiro de
governo. Desistiu da Assembleia Constituinte para a reforma política - ideia
nascida de supetão ante as manifestações de junho passado e que felizmente nem
chegou a sair do casulo - e agora tenta por decreto mudar a ordem
constitucional. O Decreto 8.243, de 23 de maio de 2014, que cria a Política
Nacional de Participação Social (PNPS) e o Sistema Nacional de Participação
Social (SNPS), é um conjunto de barbaridades jurídicas, ainda que possa soar,
numa leitura desatenta, como uma resposta aos difusos anseios das ruas. Na
realidade é o mais puro oportunismo, aproveitando os ventos do momento para
impor velhas pretensões do PT, sempre rejeitadas pela Nação, a respeito do que
membros desse partido entendem que deva ser uma democracia.
A fórmula não é muito original. O decreto cria um
sistema para que a "sociedade civil" participe diretamente em
"todos os órgãos e entidades da administração pública federal direta e
indireta", e também nas agências reguladoras, através de conselhos,
comissões, conferências, ouvidorias, mesas de diálogo, etc. Tudo isso tem,
segundo o decreto, o objetivo de "consolidar a participação social como
método de governo". Ora, a participação social numa democracia representativa
se dá através dos seus representantes no Congresso, legitimamente eleitos. O
que se vê é que a companheira Dilma não concorda com o sistema representativo
brasileiro, definido pela Assembleia Constituinte de 1988, e quer, por decreto,
instituir outra fonte de poder: a "participação direta".
Não se trata de um ato ingênuo, como se a
Presidência da República tivesse descoberto uma nova forma de fazer democracia,
mais aberta e menos "burocrática". O Decreto 8.243, apesar das suas
palavras de efeito, tem - isso sim - um efeito profundamente antidemocrático.
Ele fere o princípio básico da igualdade democrática ("uma pessoa, um
voto") ao propiciar que alguns determinados cidadãos, aqueles que são
politicamente alinhados a uma ideia, sejam mais ouvidos.
A participação em movimentos sociais, em si
legítima, não pode significar um aumento do poder político institucional, que é
o que em outras palavras estabelece o tal decreto. Institucionaliza-se assim a
desigualdade, especialmente quando o Partido (leia-se, o Governo) subvenciona e
controla esses "movimentos sociais".
O grande desafio da democracia - e, ao mesmo tempo,
o grande mérito da democracia representativa - é dar voz a todos os cidadãos,
com independência da sua atuação e do seu grau de conscientização. Não há
cidadãos de primeira e de segunda categoria, discriminação que por decreto a
presidente Dilma Rousseff pretende instituir, ao criar canais específicos para
que uns sejam mais ouvidos do que outros. Ou ela acha que a maioria dos
brasileiros, que trabalha a semana inteira, terá tempo para participar de todas
essas audiências, comissões, conselhos e mesas de diálogo?
Ao longo do decreto fica explícito o sofisma que o
sustenta: a ideia de que os "movimentos sociais" são a mais pura
manifestação da democracia. A História mostra o contrário. Onde não há a
institucionalização do poder, há a institucionalização da lei do mais forte.
Por isso, o Estado Democrático de Direito significou um enorme passo
civilizatório, ao institucionalizar no voto individual e secreto a origem do
poder estatal. Quando se criam canais paralelos de poder, não legitimados pelas
urnas, inverte-se a lógica do sistema. No mínimo, a companheira Dilma e os seus
amigos precisariam para esse novo arranjo de uma nova Constituição, que já não seria
democrática. No entanto, tiveram o descaramento de fazê-lo por decreto.
Querem reprisar o engodo totalitário, vendendo um
mundo romântico, mas entregando o mais frio e cinzento dos mundos, onde uns
poucos pretendem dominar muitos. Em resumo: é mais um ato inconstitucional da
presidente Dilma. Que o Congresso esteja atento - não apenas o STF, para
declarar a inconstitucionalidade do decreto -, já que a mensagem subliminar em
toda essa história é a de que o Poder Legislativo é dispensável.
Fonte: http://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,mudanca-de-regime-por-decreto-imp-,1173217
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