sexta-feira, 6 de junho de 2014

“VERÁS QUE UM FILHO TEU NÃO FOGE À LUTA”


 Ellza Souza (*)

“Terra adorada, entre outras mil és tu Brasil ó Pátria amada”. Com essas e outras belas palavras cantei, emocionada, o Hino Nacional na Cãmara Municipal de Manaus. A homenagem era para o professor e amigo Ademir Ramos. Para ele eu dediquei a imagem da bela árvore (ramos, árvore, meio ambiente, tudo a ver) lá fora que parece ser um jatobá. Se não for é imponente como tal. Mas a festa no recinto solene e cerimonioso estava apenas começando.  Como um noivo que se preze, ele demorou e fomos assistir  numa sala fora do plenário, um documentário. Um rearranjo do documentário No Paiz das Amazonas de Silvino Santos. Talvez por estar de pé até prestei mais atenção naquelas imagens do Amazonas e do Rio de Janeiro,  tão intensas da década de 1920. Para aquele dia, estava perfeito.

Ademir veio de um lugar longínquo chamado Juruti lá pras brenhas do Pará e chegou em Manaus pequeno ainda. Sua mãe Zolima botou todo mundo pra estudar. Alzemar, Azamora, Alzemira, Zolima, Ana Maria, Antonia Maria, Maria Aldenora, Meriam, Zolima. Seu pai o responsável por tudo isso era o Azamor. E ainda teve o que chamam de agregados. Estudou, trabalhou, empurrou até carro de boi em Manaus. Foi coroinha, seminarista mas já na década de 1970 mostrava a que veio.  Militante de várias causas como a dos índios, foi perseguido. Ajudou a criar o CIMI (Conselho Indigenista Missionário)  da Região Norte, por exemplo, e o Projeto Jaraqui do professor da Ufam Frederico Arruda.  Luta hoje contra a construção do porto nas Lajes e está sempre engajado por aí, defendendo suas propostas e o que considera adequado para o homem da Amazônia. Na Comuna Jaraqui atual, renovada, procura “mobilizar a sociedade  e passar a limpo a política no Estado” numa tribuna aberta a todos, nos sábados na praça da Polícia.

“Conheço Ademir Ramos de muitos verões”, disse o autor da proposta o vereador Mário Frota num discurso veemente e longo.  “Não é pra qualquer um essa medalha. Só para os merecedores”. O edil (me corrija se estiver errada) aproveitou para falar das nossas várzeas “que não alimentam ninguém e estão abandonadas”. Perguntei certa vez de uma cientista qual a nossa maior riqueza no Amazonas e ela falou: “as várzeas”. E Frota complementou: “mal alimentam os que nela vivem”. Coisas de políticas públicas ineficazes e por isso a luta do professor nem sempre bem compreendida.  No pronunciamento uma grave denúncia. Sem a interiorização da Zona Franca de Manaus o Estado virou “um corredor da droga”.

O público presente e os componentes da mesa prestavam atenção nas falas e no show de música que aconteceu com Inês e Candinho  com o poema Renovação e Pedro Ribeiro e seu violão.   Na plateia, amigos e familiares aplaudiam. É o que vale. Os nobres vereadores, fora os que compunham a mesa e o senador Carreira ainda esbanjando conhecimento, estavam ocupados nos seus currais, provavelmente.  “Nada aconteceu que não fosse fruto do trabalho”, ensina o professor em sua fala.

Aliás a fala do homenageado, apropriadamente enquadrada numa folha de papel, não foi longo e nem curto. Foi na medida. “O melhor do Amazonas é a garra de seu povo”. E sobre o Hino Nacional mencionou que “foi cantado com voz grossa e também com a voz feminina”. Iniciou logo com a frase “verás que um filho teu não foge à luta” e bem humorado e feliz lembrou que “prometi não ser raivoso nessa festa portanto não falarei da corrupção que campeia em nosso país”.  E ainda: “basta de roubalheira”; “na democracia lutamos pelo voto e não pelo grito”. Foi bem dado o recado e meigamente encerrou com as palavras: “Obrigado e beijo no coração de todos”.

Pois é. Por aí já se viu que nem só de parvulagem  (me corrija se tiver errada) vive esse jurutiense (me corrija se tiver errada). Seminarista, professor, antropólogo, sociólogo, ativista político, crítico mordaz mas bem humorado, marido da Leonor, pai do Lourenço e avô de Laura (me corrija se tiver errada) e sabe-se lá o que mais. Comeu jaraqui do lado de cá e ficou aqui. Do lado de lá também tem jaraqui mas não tem a murupi igual a daqui.

Deixando de lado tanto quiqui aviso que esse ouro está em boas mãos. É uma homenagem a cultura, ao conhecimento, a educação. Pode ser uma fresta na escuridão que nos aprisiona e uma renovação como diz a música da Inês. Não é mesmo pra qualquer um essa outorga (me corrija se tiver errada) mas garanto que é pra quem compartilha “uma rodada de crush” (me corrija se tiver errada).

Amém como nos velhos tempos de coroinha.

Grande abraço a você e sua família,


(*) É escritora, jornalista e colaboradora do NCPAM.

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