CIÊNCIA SEM BUROCRACIA
Um
dos maiores entraves para o aperfeiçoamento da pesquisa científica no Brasil é
a dificuldade que os pesquisadores encontram para importar o material
necessário ao seu trabalho. Não são poucos os casos em que experimentos vão
para o lixo devido a dificuldades burocráticas. Por essa razão, os cientistas,
há muito tempo, reivindicam uma mudança radical nesse cenário, sem a qual a
ciência brasileira, por mais competente que possa ser em algumas áreas,
permanecerá sempre muito atrás da concorrência internacional. Essa esperada
mudança está agora num projeto de lei, em tramitação no Congresso, que isenta
de impostos e da fiscalização os insumos trazidos do exterior, de modo a
agilizar o processo da pesquisa.
Para medir o alcance dessa medida,
basta saber que 99% dos cientistas ouvidos em uma pesquisa do Instituto de
Ciências Biomédicas da Universidade Federal do Rio de Janeiro informaram que
precisam importar o material com o qual farão experimentos. Dos entrevistados,
nada menos que 76% disseram já ter perdido material retido na alfândega. A
maior parte das perdas diz respeito a elementos perecíveis, os chamados
reagentes, que representam 60% do prejuízo total. A pesquisa mostra ainda que
42% dos cientistas frequentemente deixam de realizar pesquisas ou são obrigados
a mudar as especificações dos experimentos devido a problemas de importação.
Para outros 48%, isso acontece eventualmente.
Houve tentativas de desemperrar os
procedimentos. As mais importantes foram uma instrução normativa da Receita
Federal e uma resolução da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa),
cujo objetivo era simplificar o despacho aduaneiro de importação de bens para
pesquisa científica. Apesar disso, 91% dos cientistas ouvidos pela UFRJ
disseram que as medidas não foram suficientes para acelerar a importação e
reduzir os custos de armazenagem. A Anvisa argumentou que a responsabilidade
pela demora é em grande parte dos próprios cientistas, que não sabem preencher
corretamente os formulários para a importação. Já os pesquisadores respondem
que não dispõem de tempo para se dedicar à burocracia, e alguns ainda acusam a
Anvisa de ter proscrito substâncias necessárias para a pesquisa em
neurociência, entre as quais entorpecentes. "Somos tratados como
traficantes", queixa-se um deles.
O tempo até a chegada e o desembaraço
do material importado raramente é inferior a um mês e, em alguns casos, supera
dois anos. Um cientista reclamou que pagou três vezes mais caro do que seus
colegas americanos por um anticorpo e que levou três meses para receber sua
encomenda, enquanto nos EUA esse intervalo nunca é superior a uma semana.
O projeto de lei, de autoria do
deputado Romário (PSB-RJ), feito por sugestão de cientistas liderados pela
geneticista Mayana Zatz, determina a criação de um cadastro nacional de
pesquisadores por parte do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico. Esse grupo de especialistas terá licença para importar bens
destinados às suas pesquisas com desembaraço aduaneiro automático, sem
fiscalização e livre de taxas. Em contrapartida, o projeto responsabiliza o
pesquisador por danos ambientais e de saúde causados pela eventual mudança da
finalidade declarada para a importação.
O governo parece empenhado em estimular
o avanço da ciência por meio do envio de estudantes ao exterior, no programa
Ciência sem Fronteiras, mas esse esforço resultará inútil se, na volta, eles
não puderem realizar suas pesquisas de maneira satisfatória e ágil.
"Precisamos de uma importação sem fronteiras", disse Mayana Zatz. Se
o poder público conseguir facilitar o rápido acesso dos pesquisadores ao
material necessário para os testes de laboratório, é possível que, em pouco
tempo, os cientistas brasileiros consigam reduzir a distância que os separa na
competição com seus colegas no exterior, cuja vantagem está justamente na
velocidade com que concluem seus experimentos. Toda iniciativa que objetive
desburocratizar a ciência, respeitados os padrões de segurança, merece amplo
apoio.
Fonte: http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,ciencia-sem-burocracia-,979179,0.htm