sexta-feira, 21 de dezembro de 2012


E O MUNDO CONTINUA LINDO

Ellza Souza (*)

A primeira coisa que vi na beira do igarapé do bairro de São Raimundo foi as borboletas de verão, amarelas e brancas, que faziam uma espécie de bailado sobre as pequenas flores coloridas que enfeitam o mato no leito desse igarapé. Apesar da ameaçadora presença do homem, apesar do lixo, apesar dos esgotos despejados ali, o rio mantém uma imponência, uma beleza difícil de destruir. Tentei tirar fotos desses seres delicados e esvoaçantes mas elas não faziam pose, não paravam um minuto. As pequenas flores em tons de lilás, brancas, amarelas, cor-de-rosa, salpicavam todo aquele mato que teimava em nascer naquela extensão de praia que um dia serviu para os moradores da “cidade” se refrescarem, sendo o seu lazer preferido juntamente com os balneários espalhados por aí. Com o igarapé seco, pude observar com nitidez a sua foz, o exato lugar em que o pequeno rio despeja suas águas no grande Negro. São vários olhares.

Da praia à colina onde se estendeu o bairro com suas casinhas de madeira esparramadas nos barrancos, já em processo de demolição em face do Prosamim e a sua igreja no alto. Da praia ao rio Negro espalham-se pequenos barcos e grandes navios ancorados no porto. Da praia à cidade com seus prédios tendo à frente o bairro de Aparecida, a vila Dr. Aprígio e o prédio da cervejaria XPTO. Da praia ao leito seco do sinuoso igarapé que recebe águas de inúmeros outros riozinhos urbanos. Da praia à extensão da própria praia que meu olhar alcança até a ponte Rio Negro, inaugurada há um ano. Da praia ao mato exuberante e florido, às escadarias, alguns flutuantes, embarcações.

Segundo o pescador Euclides, 45 anos, “o rio vem com tudo”, se referindo à próxima enchente. Dona Raimunda da Vigia e seu João são vizinhos de flutuantes mas sabem que vão ter que sair dali. Ela é catadora de garrafas para reciclagem e ele é mecânico de embarcação. Moram há muito tempo no local e gostam da experiência de viver na beira do rio. “A pior enchente, das que eu vi, foi a do ano passado que inundou muitas casas”. O rio vai e vem. Seca muito, enche demais, é um ciclo que não podemos deter, mas, podemos amenizar os efeitos. João Bosco, 59 anos, diz que o lixo “vem lá do Alvorada” boiar aqui. Sempre ouvi essa desculpa quanto ao lixo. Ou são as crianças, ou vem de longe, mas a culpa de tanto lixo jogado na praia nunca é do morador local, segundo ele próprio.

As casas de madeira são feitas sob compridas palafitas para fugir da enchente. São construídas de qualquer jeito. Poucas são de alvenaria. Vi casas bem simples de madeira, mas, com o conforto do ar condicionado. Embaixo das casas jogados ao léu onde antes foi uma praia de areias finas e limpas, muito lixo, pois como me disseram certa vez, “o rio leva”.

No alto rio Negro, Euclides Walter conta que numa de suas pescarias na calada da noite, o barco de repente começou a balançar fortemente mesmo sem vento. Um cheiro intenso de pitiú se espalhou no ar. Todos fixaram sua atenção para o rio, negro como a noite e de repente o holofote detectou naquele rebojo, dois olhos gigantescos e nada mais se via. Ele afirma que não deu para ver o que era aquilo. Pode ser conversa de pescador, mas, na Amazônia as histórias são sempre assim, fantásticas e muito além da imaginação.

Com essas considerações sobre o igarapé que circunda o bairro que nasci e hoje, 21/12/12, um lindo dia de sol e cor, tá certo que pouco verde para uma cidade amazônica, mas assim começo mais um dia percebendo as coisas, percebendo a vida. Por isso estou feliz. Porque tenho a capacidade de perceber o que se passa à minha volta. Altos e baixos fazem parte de nosso mundo, mas, seu fim nós é que procuramos quando baixamos a cabeça a corruptos e maus políticos.

(*) É escritora, jornalista e articulista do NCPAM/UFAM.

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