quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

OPORTUNIDADE DE LUCRO FALA MAIS ALTO

Marcio Souza*

Imaginem a nossa cidade sem o espetáculo do encontro das águas! Pois é o que pode acontecer se a nossa sociedade desistir da luta contra a construção do Porto das Lajes, que servirá para receber grandes embarcações e navios tanques. O projeto promete ainda mais rapidez nos negócios transnacionais e mais lucros para os acionistas de tais empresas. Em troca teremos muitos empregos de peões e demais postos do baixo escalão, sem esquecer as compensações pelos danos ambientais. O projeto arregala os olhos dos que estão no poder, já que em boa parte será financiado com recursos públicos. Todos nós sabemos que não há nada mais delicioso que uma grande obra para engordar caixinhas e cacifes eleitorais.

Mas não nos enganemos e é preciso falar português claro: quem quer construir este porto não tem nenhuma ligação com Manaus ou com o Amazonas. Essa gente enxerga apenas a oportunidade do lucro e está pouco se lixando para a destruição definitiva de um de nossos monumentos paisagísticos. Eles começam falando, jurando de pés juntos que nada vai acontecer que se trata de exagero. Dizer que o encontro das águas vai acabar. Além do mais, se algum comprometimento ambiental ocorrer, este comprometimento terá uma compensação para as populações atingidas. É este o discurso.

Para começo de conversa, qualquer obra nas Lajes, independente de afetar ou não o encontro das águas, já é uma agressão ao patrimônio paisagístico de nosso município. Só quem vê o mundo a partir de cifras e projeção financeira pode olhar a Lajes e ver ali apenas pedras. As Lajes é um lugar belíssimo mal aproveitado do ponto de vista de urbanização, desprezados por esses mesmos políticos que querem faturar com a sua destruição.

Todas as vezes que visito as Lajes, fico deslumbrado com a natureza em milhões de anos de movimentação geológica, distribuiu aquelas pedras às margens do rio Amazonas, formando um ambiente único. Destruir as Lajes, seja qual for a motivação, é um atentado contra nossa identidade geográfica e a nossa memória natural. Por isso, não é apenas a defesa da integridade do encontro das águas, que será fatalmente poluído pela descarga do lastro de águas salgada dos navios, embora haja a promessa de se proibir tal ação, ou pela descarga “involuntária” de óleo, etc.

Não sei se os políticos ou empresários que querem este malfadado porto possuem em suas terras de origem, patrimônios paisagísticos dignos de preservação, porque para nós as Lajes é patrimônio nosso tão digno de respeito e preservação quanto o Pão de Açúcar ou a Chapada Diamantina. Nenhum arrivista com os bolsos cheios de dinheiro e olhar de cifrões pode chegar aqui e ir metendo a pata onde não deve. E foi assim que aqui chegaram, achando que iam poder comprar todo mundo, com esmolas.

Logo perceberam que não era exatamente como tinham planejado. Os técnicos do Ipaam – Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas foi examinar com cuidado e critério, mas a empresa construtora até hoje não cumpriu com as exigências legais. Para desânimo desses arrogantes, o Ministério Público Federal e Estadual instauraram processo para apurar as irregularidades apontadas pelos cientistas da Universidade Federal do Amazonas.

Por isso, me solidarizo com as comunidades pobres que serão afetadas e vamos lutar para que as Lajes e o encontro das águas sejam tombados pelo Iphan e declarados patrimônio da humanidade. Livres da destruição por interesses escusos.

*Renomado escritor e dramaturgo amazonense, articulista de A Crítica, em Manaus.

Foto: Rogelio Casado

MÁRCIO SOUZA: A NATUREZA É NOSSA CULTURA

*Ademir Ramos

Considerado maldito pela ditadura militar na década de 70, Márcio Souza ganhou reconhecimento internacional pela originalidade de suas obras, que passaram a ser traduzidas em diversos países do mundo. Nascido no ano de 1946, em Manaus, na Amazônia brasileira, quando desde jovem passou a trabalhar no jornalismo cultural, como crítico de cinema. Na década de 60, Márcio Souza deixou Manaus para estudar Ciências Sociais na Universidade de São Paulo, onde foi perseguido e preso pelos “meganhas” do regime militar, buscando exílio na Europa.

Mas, como ele mesmo lembra, em sua obra, Teatro Indígena do Amazonas, escrito para o Teatro Experimental do Sesc (Tesc), desde 1973 vem trabalhando com este grupo e praticamente toda sua dramaturgia tem sido escrita para o Tesc no Amazonas, destacando: A Paixão de Ajuricaba; A Maravilhosa Estória do Sapo Tarô-Bequê; Jurupari, a Guerra dos Sexos, entre outras.

Para o autor de Galvez, Imperador do Acre “entende-se como autêntica a defesa de nossa identidade expressada pelas culturas indígenas relegadas ao abandono e ao extermínio no confronto com a exploração colonialista. Neste sentido, nós nos colocamos na perspectiva dos oprimidos e consideramos a luta geral dos povos contra a opressão como uma marca permanente de nossa identidade.”

Destemido, o autor de Mad Maria tem sido um obstinado, quando trabalha em seus romances e folhetins o cenário Amazônico, desenvolvendo a complexidade das relações sociais na perspectiva da reinvenção das tradições culturais e históricas desse território. Em cena, a tetralogia - Crônica do Grão-Pará e Rio Negro, um denso trabalho editado recentemente.

A prática literária de Márcio Souza funda-se na construção da pesquisa, primando pelo debate, muitas vezes áspero, mas sempre vivo e atual, dando prova, segundo Norberto Bobbio (Os Intelectuais e o Poder) “da presença da cultura na sociedade contemporânea”. Nessa perspectiva é que se compreende a manifestação do autor de A Expressão Amazonense, contrário a construção do Porto das Lajes, em sua crônica dominical (22/2/09), publicada no jornal A Crítica de Manaus, afirmando que: “não nos enganemos e é preciso falar português claro: quem quer construir este porto não tem nenhuma ligação com Manaus ou com o Amazonas. Essa gente enxerga apenas a oportunidade do lucro e está pouco se lixando para a destruição definitiva de um de nossos monumentos paisagísticos.”

A manifestação de Márcio Souza adensa o posicionamento contra a voracidade do lucro, em conluio com o poder público, convocando homens e mulheres, cidadãos do Amazonas e do mundo, a lutarem pelo tombamento das Lajes e do nosso monumental Encontro das Águas como patrimônio da humanidade junto ao Ministério da Cultura.


Dessa forma, cumpre com sua responsabilidade intelectual, quando transforma sua indignação em gesto concreto, porque a função do escritor, conforme Edward W. Said (Cultura e Política) “é dizer a verdade diante do poder, ser testemunha de perseguição e de sofrimento, além daquele de dar a voz à oposição em disputas contra a autoridade.”

Ora, se para o mundo é impossível conceber a Grécia sem sua mitologia, imagine o Amazonas sem as Lajes e o Encontro das Águas tabulado com o universo mítico e o imaginário social de sua gente. Os povos da Amazônia, segundo Márcio Souza, somente se libertarão, “quando reconhecerem definitivamente que essa natureza é a nossa cultura, onde uma árvore derrubada é como uma palavra censurada e, um rio poluído é como uma página rasurada. A luta pela Amazônia está no processo geral de libertação dos povos oprimidos,” porque todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, impondo ao poder público e as organizações sociais, o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

*Professor da UFAM, Antropólogo e cordenador geral do NCPAM.

VALOR DA PRODUÇÃO E DO MERCADO

Jean Baudrillard*

É óbvio que o valor está estreitamente ligado ao objeto, mas meu propósito aqui é mais limitado e relacionado com o valor de uso e o valor de troca, que são os fundamentos mesmos da produção e do mercado. Desde o primeiro momento, o valor de uso e o valor de troca – e a dialética que se instaura entre ambos – me pareceram uma construção racional, que se estabelece como postulado a possibilidade de equilibrar o valor, de atribuir-lhe um equivalente geral capaz de esgotar as significações e dar conta de uma troca.

É aí que a antropologia entra em jogo, para virar pelo avesso essas noções e quebrar a ideologia do mercado – ou seja, o mercado como ideologia, e não apenas como realidade. A antropologia oferece o exemplo de sociedades e culturas em que a noção de valor, tal como a entendemos, é quase inexistente; em que as coisas não se trocam nunca diretamente umas pelas outras, mas sempre por mediação de uma transcendência, de uma abstração.

Ao lado do valor de mercado existem valores morais ou estéticos, que funcionam, no caso, em termos de uma oposição regulamentada entre o bem e o mal, o belo e o feio… Parecia-me, no sentido, que havia uma possibilidade de as coisas circularem de outro modo, e que outras culturas ofereciam exatamente a imagem de uma organização em que a transcendência do valor não se instalava – e com ela a transcendência do poder, pois é com base na manipulação dos valores que ela se estabelece.

Era necessário tentar polir o objeto – e não somente ele -, limpá-lo de seu estatuto de mercadoria, devolver-lhe uma imediatez e uma realidade bruta que não teriam preço; pois quer uma coisa “ não valha nada”, quer ela “ não tenha preço”, em ambos os caso estamos no inapreciável, no sentido radical da expressão.

A partir daí, a troca que se possa fazer com elas se opera em bases que não dependem mais do contrato- como se dá habitualmente no sistema de valor – e sim do pacto. Há uma diferença profunda entre o contrato, que é uma convenção abstrata entre dois termos, dois indivíduos, e o pacto, que é uma relação dual e cúmplice. Poderíamos ver neste uma imagem de certas modalidades da linguagem poética, em que as trocas entre palavras – e a intensidade de prazer que proporcionam – se operam fora de sua mera decodificação, aquém ou além de seu funcionamento em termos de “ valor de significação”.

O mesmo se pode dizer com relação aos objetos e aos indivíduos. Há, nessa perspectiva, uma possibilidade de criar um curto-circuito no sistema de valor e na esfera de influência que ele alicerça. É com base no sentido que podemos ser senhores da linguagem, senhores da comunicação (mesmo quando o ato da fala e suas modalidades entram em jogo nesse domínio do discurso); é com base no valor de mercado que se pode ter o domínio do mercado. E é sobre a diferença de valor entre o bem o mal que será estabelecida a dominação moral… Edificam-se a partir daí todos os poderes. É talvez utópico pretender ir além do valor, mas é uma utopia operacional, uma tentativa no sentido de pensar um funcionamento mais radical das coisas.

É bem verdade que o estado do valor é complexo: se o valor de mercado é passível de ser apreendido, o valor signo, ao contrário, é fugitivo e movente – em dado momento, ele se esgota e se dispersa na valorização que lhe é dada. Se tudo se alterna com base em uma convenção, estamos ainda no mundo do valor ou em sua simulação?

Talvez estejamos ainda em uma dupla moral… Haveria uma esfera moral, a troca mercantil, e uma esfera imoral, a do jogo, em que contam apenas o evento mesmo do jogo e o advento de uma regra partilhada. Compartilhar uma regra é algo bem diferente de tomar como referencial um equivalente geral comum: é preciso estar totalmente implicado para poder entrar no jogo, o que cria entre os parceiros um tipo de relação bem mais dramática que a troca de mercado.

Nessa relação, os indivíduos não são mais seres abstratos que podem ser indiferentemente substituídos uns pelos outros: cada um tem uma posição singular diante de um desafio de vitória ou de derrota, de vida ou de morte. Mesmo em suas formas mais banais, o jogo impõe um modo outro de entrar nas jogadas, um modo diferente da troca – palavra, aliás, tão ambígua que eu me vi levado a falar de troca impossível

*Filósofo francês, pertencente a um seleto grupo de pensadores que se expressam à margem dos sistemas do alarde da mídia. In: Senhas, (Valor) 2001.

EM DISCUSSÃO A CONSTRUÇÃO DO PORTO DA SIDERAMA

Hoje (26), o jornalismo da rádio Amazonas FM, em Manaus, noticiou por meio do comunicador Joaquim Marinho, a liberação de recurso para a construção do Porto da Siderama. A fonte da informação, segundo o comunicador, resulta da fala de um dos conselheiros da tradicional Associação Comercial do Amazonas, que ele fez questão de preservar.

A notícia repercutiu como uma bomba junto aos executivos da Empresa Lajes Logística S/A, que se encontravam na Rádio CBN, fazendo a defesa pública do Projeto de Construção do Porto das Lajes que, cinicamente, passaram a apelidar de Porto verde. Além da febre ecológica sofrida pelos empresários do “porto verde”, eles passaram também atacar os demais portos locais, alegando as altíssimas taxas cobradas pelos concorrentes. Naturalmente, que prometiam preços menores e condições de seguranças especiais. Do mesmo jeito que fazem com os moradores da Colônia Antonio Aleixo, quando prometem mundos e fundos para obter o aceite dos comunitários.

A editoria do NCPAM entrou em contato com Joaquim Marinho para se certificar do fato e em seguida comunicou-se com o chefe do gabinete do Ministro do Transporte, Alfredo Nascimento, para checar a informação. De Brasília, o chefe de gabinete, Aluísio Braga, informou que a notícia não procedia, dizendo que “por aqui não passou nada” e, demonstrando total desconhecimento do projeto.

No entanto, em novembro de 2006, no primeiro mandato do governo Lula, o centenário Jornal do Comercio de Manaus, noticiava sobre o projeto, dando detalhes de sua tramitação junto ao governo federal e o montante do recurso a ser aplicado. O empreendimento contava com investimentos de R$ 500 milhões, em um período de três a cinco anos, sendo o suficiente para construir um novo porto em Manaus, mais moderno e competitivo, um complexo Porto-Eizof-Aeroporto, adaptando também o Aeroporto de Ponta Pelada para a infra-estrutura de armazenagem e operação.

A estimativa é do presidente da Vantine Solutions, José Geraldo Vantine, apresentada em reunião na sede da Fieam (Federação das Indústrias do Estado do Amazonas), na última quinta-feira.Na ocasião, Vantine falou sobre a importância do PNLT (Plano Nacional de Logística de Transporte) para o Amazonas, que objetiva criar e manter instrumentos logísticos que dêem suporte ao planejamento de intervenções públicas e privadas na infra-estrutura e na organização dos transportes.

De iniciativa do Ministério dos Transportes em parceria com o da Defesa, o PNLT servirá de referência para investimentos públicos e privados para os próximos 15 anos. Segundo José Geraldo Vantine o plano era importante para o país como um todo e tem configuração de ser federativo, o que dá muito valor às necessidades regionais.

A defesa dos projetos visava o interesse do Amazonas na perspectiva do PNLT. Durante a reunião, validamos as propostas apresentadas junto ao Ministério dos Transportes, no dia 13 de julho e que foi validado em Brasília em 15 de outubro. Na Fieam, validamos novamente para termos certeza que estamos olhando para o futuro.

O plano não é estático, e sim dinâmico. Portanto, vai contemplar as obras de infra-estrutura necessárias que, no caso amazonense, são voltadas para a construção de um novo porto que começaria do zero, integrado à uma área alfandegária, o Eizof (Entreposto Internacional da Zona Franca de Manaus), podendo ser adaptado no prédio da antiga Siderama.

Outro projeto é de um aeroporto cargueiro, que pode ser instalado onde hoje é o aeroporto de Ponta Pelada, se fazendo necessário apenas adaptá-lo adequadamente para a infra-estrutura de armazenagem e operação. Em Manaus, se houver sucesso nas negociações com o Ministério da Defesa, para a implementação do aeroporto de Ponta Pelada e o complexo Porto do Ceasa-Eizof-Aeroporto, o montante total será de R$ 500 milhões, em um prazo de três a cinco anos.

Na opinião de Vantine, os recursos deveriam sair da iniciativa privada, pois são projetos do pólo de Manaus. Comparado com demais projetos que constam no PNLT de outras regiões, os do Amazonas são projetos de até pouco investimento. No Nordeste, por exemplo, investir na rodovia Transnordestina requer o volume de US$ 10 bilhões.

Esses empreendimentos são urgentes e dos três portos daqui, o Porto Público é o melhor, mas é antigo e sua localização não permite expansões muito agressivas e não dá para acompanhar o crescimento do parque industrial. Os outros dois portos são privados e estão dentro de uma concepção muito individualista, sem pensar no sistema viário. Para Vantine o projeto integrado do Porto Ceasa e da infra-estrutura alfandegada do Eizof, são projetos que demoram a ser feitos. Somente o projeto executivo demanda cerca de dois anos até começar as obras.

Por mais que o chefe de gabinete do Ministro do Transporte, Aluísio Braga, negue a informação noticiada hoje em Manaus. O fato provoca ampla discussão, deslocando o foco para o Porto da Siderama como alternativa viável, contrário a construção do Porto das Lajes como os arrivistas pretendem fazer. A discussão está posta.

O LEGADO HISTÓRICO DA COLÔNIA ANTONIO ALEIXO

Khemerson Macedo*

Houve um tempo em que certas pessoas, vindas das mais diversas partes da Amazônia em batelões a reboque, ao passarem pelo encontro das águas, na confluência dos rios Negro e Solimões, sentiam um último deslumbramento. Estes viajantes iam em direção ao Hospital-Colônia Antonio Aleixo, visto que eram portadores de hanseníase. Esta última sensação de encantamento dizia respeito ao deslumbramento ante a imagem construída, a partir da linha separando cada rio, sem o inconveniente da mistura, formando o mais belo ícone natural da região. Porém, aquela seria a última agradável imagem do lugar, antes do confinamento visto que os passageiros embarcavam ali sem o direito da volta. Com o passar do tempo, o encontro das águas seria apenas um ponto distante no horizonte, a ser contemplado a partir do Mirante das Lajes, lembrando aos internados o mundo que lhes era constantemente negado.

O lugar não era novo. A colônia ficava às margens de um lago e tinha sido anos antes, hospedagem para nordestinos em busca dos seringais amazônicos. Agora, recebia pessoas com mal de Hansen. Os passageiros embarcavam naquelas novas terras e então eram submetidos a uma triagem rigorosa, onde a equipe dirigente do local, formada por religiosos e médicos, selecionava-os conforme o grau de enfermidade apresentado. Feito isso, seguiam para os pavilhões existentes na cidade alta (alcunha dada pelo fato do lugar ser formado por acentuados relevos em forma de morros). Lá, recebiam as primeiras instruções do confinamento, cuja figura da Irmã Fernanda sintetizava o caráter disciplinar do local.

O dia-a-dia era regido conforme as regras aprendidas no primeiro dia de confinamento. As atividades de lazer e desporto eram orientadas a partir de discussões médicas tomadas sem o consentimento dos internados. Aos poucos, as vidas passadas eram esquecidas, ante a nova realidade. O lugar era palco para os dramas mais particulares: haviam os homens separados de sua mulher e filhos, os filhos separados de suas famílias e os filhos de internas que eram separadas destas a fim de evitarem o contágio (neste último, há relatos de mães que nunca mais viram seus filhos, provavelmente porque estas crianças nunca souberam quem eram suas mães biológicas). Para aqueles que tinham mais sorte, havia o parlatório, sala onde se recebia visitação de parentes vindos de fora, separando paciente e visitante por uma parede de vidro, a fim de evitar o contato. A colônia era tida, pelo poder público como o lugar mais avançado, em termos de confinamento, pois possibilidade a convivência em espaços previamente delimitados.

Tudo na colônia visava o controle da doença. A circulação de mercadorias, por exemplo, era mediado por moeda própria. A produção de alimentos, como frutas e verduras, mantidas no próprio local. Casas de farinha eram mantidas á beira do lago para produção própria. Os marchantes que faziam viagens rumo ao São Raimundo paravam na colônia e abatiam alguns gados para consumo local e, depois, seguiam viagem. Até os casamentos eram arranjados pela equipe dirigente. Era Irmã Fernanda, por exemplo, que fazia os arranjos. Tanta vigilância, contudo, era driblada às vezes por pequenas travessuras como fugir ao lago para banhos e namoros escondidos.

A vigilância exercida pela equipe dirigente era comparada, àqueles que chegavam e se davam conta de sua situação, como uma prisão sem muros, sem o direito de sair. Embora o trabalho religioso feito ali ajudasse a aliviar o sofrimento dos internados, não era a mesma coisa que estar junto aos familiares, que os pacientes sequer sabiam onde se encontravam. Aos poucos, os avanços no tratamento da doença começam a surtir efeitos, e a possibilidade de abertura da colônia à sociedade mostrava-se como possibilidade concreta.

Em 1967, a inauguração da Avenida André Araújo, ligando Manaus à Colônia Antonio Aleixo, deu início ao processo de ocupação das terras vizinhas ao local. Em 1975, intensificam-se os debates em torno da abertura da colônia, ao mesmo tempo em que mais pessoas se dirigem ao local. Em 1978, em meio a protestos de grupos conservadores, a Colônia Antonio Aleixo é declarada aberta e os antigos pavilhões passam a ser ocupados por ex-pacientes e parentes. Com o tempo, a comunidade se organiza e passa a autogestar seus recursos naturais e serviços básicos como transporte, educação e saúde, exigindo do poder púbico seu papel neste processo, recusando, contudo, a tutelagem e o patriarcalismo.

Cientes de que o sofrimento pelo qual passaram estava inserido num contexto onde as políticas médicas-sanitárias vigentes davam como avançadas, a comunidade da Colônia Antonio Aleixo entende, hoje em dia, que fazer algo para que haja mudanças diz respeito somente à organização criativa e responsável da comunidade, e que esperar pelo poder público é cair no círculo viciante e vicioso dos favores.

Atualmente, estes antigos pacientes são líderes comunitários, sempre ativos na causa que confrontam como é o caso do projeto Porto das Lajes, ameaça real ao Lago do Aleixo e ao encontro das águas. Esta causa, partindo da comunidade, mobiliza hoje um número expressivo de intelectuais, acadêmicos, jornalistas, cientistas, políticos, micro-empresários, autônomos, movimentos sociais e cidadãos diversos. São atuantes também nas lições que ensinam as novas gerações, como é o caso de dona Maria do Carmo Sanches, 75 anos, ex-paciente e moradora da Colônia Antonio Aleixo desde os 14 anos de idade que, no dia 21/02, em almoço de confraternização com amigos, parentes, imprensa e universidade, deu provas destas lições.

Recebendo-nos com um largo sorriso no rosto branquíssimo, onde os olhos azuis denunciavam a satisfação do momento, dona Maria do Carmo, que acolhera a todos em almoço. O motivo girava em torno da visita de três mulheres, oriundas de Óbidos – PA e residentes em Manaus. Estas mulheres são, na verdade, sobrinhas–netas da moradora e que, naquele dia, estavam indo visitá-la pela primeira vez. A apreensão do momento do encontro aos poucos foi sendo diluída quando ambas foram se conhecendo e interagindo em total cumplicidade. Aos poucos, nomes, datas e fatos iam costurando lembranças, corrigindo situações há tempos obscurecidas. Desta forma, a memória de dona Maria do Carmo resgatava histórias e reconstituía sua própria genealogia, conformando o passado com o presente.

Porém, o momento mais tocante da tarde foi o instante em que nossa anfitriã, ao lembrar-se do momento em que, indo morar na casa de sua tia, por causa da enfermidade do pai, sofria constantemente de maus tratos, até descobrir-se também como hanseniana, foi deixada em porto próximo para ser transportada até Manaus para confinamento. A imagem da tia se afastando de si, sem olhar pra trás, configurou-se como a primeira experiência traumática para a menina Maria, justamente por esta vir saber, em seguida, que por mais dolorosa fosse a convivência com a tia, nada se compararia ao confinamento que se sucederia.

A tarde transcorria vagarosamente. A anfitriã e suas sobrinhas-netas, aos poucos, iam tornando-se cúmplices. Depois das lembranças e recordações, as afinidades agora identificavam traços e comportamentos característicos. Depois da confraternização, chegava o momento da despedida. Porém, depois das experiências trocadas, a despedida converteu-se num até breve entre todos.

A nós do Núcleo de Cultura Política do Amazonas, restou-nos registrar o momento em texto, embora este formato seja insuficiente na transmissão das impressões passadas, tal a intensidade do encontro. Fica conosco a impressão do dever cumprido, uma vez que a reunião de família foi possibilitada graças a nossa ajuda, mediante pesquisa feita na comunidade. Aos comunitários da Colônia Antonio Aleixo, nossos sinceros agradecimentos!

*Coordenador de Pesquisa do NCPAM

ASSINAREI EMBAIXO

Cristovam Buarque*

Nesta semana, a Revista Veja publicou uma entrevista com o senador Jarbas Vasconcelos que ficará na história como uma das mais fortes tomadas de posição feita por um político brasileiro. Apesar da discordância de muitos, sua entrevista diz o que muitos pensam e não quiseram, não tiveram grandeza ou oportunidade para dizer. Nenhum líder brasileiro pode ficar omisso. Todos os políticos com cargo eletivo têm obrigação de exigir que as denúncias sejam apuradas.

Não se pode deixar de refletir e tomar posição quando ele afirma que “a eleição de Sarney foi um processo tortuoso e constrangedor. Um completo retrocesso. Tião Viana, embora petista, estava comprometido em recuperar a imagem do Senado.” Ele diz que esta eleição “reflete o que pensa a maioria dos colegas parlamentares.” Foi por causa dessa maioria que, há dois anos, o senador Jefferson Peres teve a coragem de dizer que não pretendia candidatar-se outra vez, com a mesma ênfase do Jarbas dizendo agora que: “às vezes eu me pergunto o que vim fazer aqui”. Porque “o nível dos debates é inversamente proporcional à preocupação com as benesses”.

As declarações relacionadas com o PMDB seriam um assunto interno, se ele não fosse o maior partido, com o controle das duas Casas do Congresso e poder de fazer refém o próprio Executivo. O senador Jarbas diz com toda força que o líder de seu partido no Senado “não tem nenhuma condição moral ou política para ser senador”.

Mais grave será se a entrevista do senador Jarbas não tiver conseqüências. Se nada for feito, o Senado passará atestará sua tolerância com as acusações. Ou o senador Jarbas está fazendo acusações injustas e merece ser punido, ou ele está dizendo a verdade e é preciso punir que está desmoralizando a política brasileira. Pior será se, em vez de abrirem processo para saber quem está com a verdade, os acusados usarem o poder que têm para punir o senador. Neste caso, é preciso que outros assinem embaixo da entrevista de Jarbas Vasconcelos, para que as acusações sejam apuradas.

Qualquer medida contra o senador Jarbas tomada pela direção do PMDB sem um debate transparente, um julgamento aberto, confirmará suas acusações e será um atestado adicional de desmoralização dos que hoje controlam o poder legislativo brasileiro e, por meio dele, toda a República brasileira.

Jarbas disse na entrevista que o PMDB quer cargos “para fazer negócios, ganhar comissões. Alguns ainda buscam o prestígio político. Mas a maioria dos peemedebistas se especializou nessas coisas pelas quais os governos são denunciados: manipulação de licitações, contratações dirigidas, corrupção em geral.” Essa acusação toca não só ao maior e mais forte partido do País, mas também aos governos dos quais o PMDB faz parte: Federal, Estaduais e Municipais. E, indiretamente, a todos os partidos brasileiros que, por isso mesmo, deveriam ter interesse na apuração das denúncias.

Esse tema diz respeito a todos os líderes do País, ao governo federal, ao Senado e à Câmara de Deputados, ao Poder Judiciário. Especialmente ao Ministério Público. Por isso, se o assunto não for devidamente apurado, ou se o senador Jarbas for punido por ter tido coragem de dizer o que pensa sem ser desmentido por um processo transparente, é preciso que outros reforcem as acusações que ele fez, nem que seja para que elas sejam apuradas.

Com este artigo, estou pré-assinando embaixo do que disse o senador Jarbas, se suas acusações não forem apuradas ou se ele for punido pela coragem de dizer o que pensa o povo brasileiro.

*Senador da Republica pelo PDT

Publicado no Jornal do Commercio de sexta-feira, 20 de fevereiro.

8.800 DEMITIDOS POR DIA NO BRASIL

Fernando Silva*

Nem mesmo o Carnaval, com seus dias de alegria e folia pelo país, pode encobrir o drama do desemprego que avança com números já assustadores.

Segundo dados do Ministério do Trabalho, no mês de janeiro foram fechados 101.748 postos de trabalho com carteira assinada. Façamos as contas: isso dá uma média de 3.282 demissões por dia. Segundo reportagem da Folha de S. Paulo, desde novembro foram eliminados 800 mil empregos com carteira assinada no país. Bem, a conta anterior fica então "modesta". Pois temos então uma média diária de 8.800 postos de trabalho fechados por dia, sem contar já o mês de fevereiro. Sem falar que nas vésperas do Carnaval a Embraer anuncia 4.200 demissões.

E só estamos falando dos empregos formais, com carteira assinada, ainda não surgiram números e levantamentos das conseqüências da crise econômica sobre os setores mais precarizados, subempregados da classe trabalhadora.

Cinismo do grande capital

Naturalmente esta situação no Brasil é reflexo do agravamento da crise econômica mundial, que parece não ter chegado ainda ao seu fundo do poço a julgar pelos números da violenta retração recessiva nos países centrais, o massivo desemprego, a bancarrota de gigantes do setor financeiro e da produção nos Estados Unidos, Europa e Japão.

Números que indicam uma situação criminosa, repleta de cinismo do grande capital e de bravatas do governo. Pois cá como lá, a receita do grande capital é despejar sobre os trabalhadores o ônus da crise na forma de demissões, retirada de direitos, enquanto governos e bancos centrais tratam de despejar montanhas de dinheiro para salvar o capitalismo.

No Brasil, o cinismo começa pelas grandes empresas, que nos períodos de crescimento bateram recordes de produção e de lucros: bancos, montadoras, empresas exportadoras, como a Embraer. Mal começa a crise e os cálculos são simples para o capital: cortam-se os empregos e custos trabalhistas. E aproveitando o momento de extrema dificuldade e defensiva em que ficam os trabalhadores diante da ameaça do desemprego, recolocam na pauta a questão da retirada de direitos trabalhistas, flexibilização dos salários e da jornada como contrapartida para garantir o emprego.

Vejam o caso da Embraer. A empresa quer cortar 20% do seu quadro de funcionários, mas segundo o Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos a empresa tem uma carteira de pedidos firmes de US$ 21,6 bilhões de dólares e uma produção contratada de 270 aeronaves para 2009.

Política do governo não defende emprego

Mas há cinismo também nas excessivas bravatas do governo federal e do próprio presidente, que se limita a manifestações públicas de desagrado com a situação, críticas aos empresários que demitem, mas não há medidas efetivas para estancar essa sangria dos postos de trabalho. Como se já conformado com essa situação, uma das maiores medidas de impacto do governo foi anunciar uma tímida extensão das parcelas do seguro desemprego e ainda assim para alguns setores...

Mas peguemos o próprio caso das 4.200 demissões da Embraer para avaliar o quilate do cinismo. Pois neste caso, o governo federal é acionista da Embraer, ainda que minoritário, através do BNDES, sem falar dos fundos de pensão de estatais que também participam da gestão da empresa. Mais importante: como membro do Conselho de

Administração, o governo, através do BNDES, tem poder de vetar as demissões...
A questão é que o foco da política geral do governo para os tempos de crise é, em primeiro lugar, salvar os capitalistas, seus negócios e tentar reaquecer a economia pelo mercado interno. Volta-se a reduzir, ainda que timidamente, taxas de juros, mantém-se um aumento real do mínimo, os bancos estatais liberam dinheiro para empresas, estatiza-se com reservas cambiais a dívida externa de curto prazo das empresas privadas.

Bem, as empresas tomam dinheiro do governo e compram títulos da dívida pública, fazem outras aplicações financeiras, mas continuam demitindo. O giro para o mercado interno com esse nível de desemprego, combinado com o fato, nada secundário, de que o endividamento da população (cartão de crédito, cheque especial, empréstimos consignados) está em torno de 40% do PIB, além da pressão concreta para a redução de salários, não dá uma perspectiva animadora de reaquecimento da economia. E sob o atual cenário externo catastrófico, não se reorienta em curto prazo uma economia voltada para exportação para o mercado interno.

Medidas concretas e radicais

Há uma situação dramática que é a ausência de uma plataforma geral, de uma campanha nacional de massas que explicitasse um ponto de vista da classe trabalhadora para defender o emprego sem aceitar o jogo da flexibilização de direitos e salários.


Com o aval de direções sindicais colaboracionistas, pouco afeitas a construir uma resistência difícil, mas imprescindível para defender o emprego diante desta ofensiva, tem avançado o número de acordos que aceita a redução dos salários com redução de jornada.

É necessária uma campanha nacional para exigir a proibição das demissões e estabilidade no emprego. Começar por uma ampla, massiva e unitária campanha para barrar as mais de 4 mil demissões na Embraer já seria um ótimo ponto de partida.

A defesa da redução da jornada sem redução salarial e corte de direitos deveria estar no topo de uma campanha nacional dos sindicatos e centrais que efetivamente se propõem a defender a classe trabalhadora, assim como a rejeição a qualquer tipo de formato de reforma trabalhista.

Também não se deve ter qualquer preconceito quanto a pautar na sociedade medidas que certamente seriam atacadas e vistas como absurdas ou radicais pelo grande capital e sua mídia. Por exemplo, o controle público e do Estado de empresas que estão demitindo em massa ou próximas de fechar. Qual seria o problema de o Estado assumir o controle da produção e da empresa junto com os trabalhadores que nela trabalham diante de situação tão excepcional em que nos encontramos? Ou vamos continuar no terreno das declarações oficiais apenas condenando a situação de desemprego massivo?

Seria correta uma série de medidas práticas do Estado em relação aos desempregados, como uma verdadeira extensão do seguro-desemprego para pelo menos 12 meses, aumento do seu valor, incluindo aí direitos para o desempregado, como verba para transporte; massiva e imediata política de investimentos estatais na construção de escolas, hospitais, casas, serviços de infra-estrutura, não apenas para gerar empregos, mas também para levar dignos serviços públicos e sociais para a maioria da população, especialmente nestes tempos de crise.

Em tempo: para isso, não seria má idéia que se recolocasse na pauta a suspensão do pagamento dos juros da dívida pública. Medida que abriria amplas fontes de recursos para o governo investir na geração de empregos e serviços e para dar um fim na picaretagem que empresas e bancos continuam operando, beneficiando-se dos títulos da dívida e dos seus juros para manter seus lucros ou diminuir prejuízos.

Pois, enquanto isso...8.800 trabalhadores e trabalhadoras são demitidos por dia no Brasil...

*Jornalista, membro do Diretório Nacional do PSOL e do Conselho Editorial da revista Debate Socialista.

Publicado originalmente no site Correio da Cidadania

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

OS BENEFICIADOS DA CORRUPÇÃO NO PMDB

Nos arraias de Brasília, não se fala em outra coisa, que não seja as declarações do Senador Jarbas Vasconcelos (PMD-PE), desvelando a prática política do partido do Sarney e de Renan Calheiros e de outros parlamentares paroquiais, que se locupletam com cargos no governo para perpetrar a corrupção nos aparelhos de Estado, segundo afirmou o ex-governador de Pernambuco as páginas amarelas da Veja: “alguns ainda buscam o prestígio político. Mas a maioria dos peemedebistas se especializou nessas coisas pelas quais os governos são denunciados: manipulação de licitações, contratações dirigidas, corrupção em geral. A corrupção está impregnada em todos os partidos. Boa parte do PMDB quer mesmo é corrupção.”

Esperava-se que os cardeais do PMDB se pronunciassem. No entanto, silenciaram frente às denuncias do Senador Jarbas Vasconcelos, alguns deles chegaram afirmar que se tratava de um “desabafo”, não atribuindo valor político a matéria. Mas, vindo de quem veio as declarações provocaram quedas na escalada carreirista do PMDB rumo à Presidência da República e, em particular, a governabilidade do governo Lula, que repousa no PMDB como seu fiel escudeiro.

Para quem não sabe, o Senador Vasconcelos é um dos históricos do PMDB, com mais de quarenta anos militando na política partidária. “Entrei no MDB para combater a ditadura, o partido era o conduto de todo o inconformismo nacional. Quando surgiu o pluripartidarismo, o MDB foi perdendo sua grandeza. Hoje é um partido sem bandeiras, sem propostas, sem um norte. É uma confederação de líderes regionais, cada um com seu interesse, sendo que mais 90% deles praticam o clientelismo, de olho principalmente nos cargos.”

As declarações do Senador fazem estrago. No entanto, o recém eleito José Sarney recorreu ao “silêncio obsequioso” enquanto o governador do Amazonas, Eduardo Braga fez questão de dizer: “não sou corrupto, nem o meu governo”. O senador, além de chamar o PMDB para o eixo das discussões republicanas, afirmou também, que “a classe política hoje é totalmente medíocre. E não é só em Brasília. Prefeitos, vereadores, deputados estaduais também fazem o mais fácil, apelam para o clientelismo.”

As declarações do Senador Jarbas Vasconcelos lembram também as manifestações do ex-Senador Jefferson Péres, que por diversas vezes posicionou-se contra as negociatas do Congresso em relação à vontade Palaciana do governo petista.

De tudo isso, tanto o PMDB e os demais partidos deveriam retomar a sua ação programática, objetivando muito mais os fins do que os meios. Não se trata de exigir do Senador que prove suas declarações, porque não é um caso de polícia. A polícia compete punir os corruptos. Ao PMDB e as instituições democráticas cabe chamar para si as discussões sobre os valores republicanos, na perspectiva de se construir um projeto de Nação, saneando a corrupção e combatendo o clientelismo e outras estratégias que beneficiam eleitoralmente e economicamente governadores e outros agentes públicos do PMDB, PT e de outras agremiações partidárias, que manipulam do Legislativo ao Judiciário em benefício de grupos, que se transformam em verdadeiras quadrilhas de saqueadores dos cofres públicos.

"ASSUSTA A OMISSÃO E O SILÊNCIO DO GOVERNADOR EDUARDO BRAGA"

Em entrevista exclusiva ao semanário Repórter, o professor Ademir Ramos, coordenador do Núcleo de Cultura Política da Universidade Federal do Amazonas faz um balanço do banzeiro provocado pela Caravana “Encontro das Águas”, que partiu no domingo (15) ao encontro dos comunitários do Lago do Aleixo e em seguida deslocou-se de barco até ao encontro do Rio Negro com o Solimões, onde juntamente com outros cientistas, jornalistas, ambientalistas, empresários, religiosos, estudantes, donas de casas e lideranças sociais conferiu o território onde será construído o pretenso Porto da Laje pela empresa Lajes Logística S/A. O banzeiro, segundo o professor, “serviu para embalar as crianças, acordar os homens de bem e alertar os covardes que ainda é tempo de se redimir antes que o povo faça justiça”. A entrevista é instigante e contribui para se entender a complexidade da matéria que está em curso no Ipaam, nos Ministério Público Federal e Estadual. Ainda temos muitas discussões tanto na Câmara como na Assembléia Legislativa sem se falar ainda nas novas Audiências Públicas que serão feitas para aprovar ou não o projeto.

Documento recém-divulgado pelo Núcleo de Cultura Política da Ufam, do qual o senhor é signatário, trata a construção do porto da Lajes como manobra do governo do Amazonas e empresa Lajes Logística. Onde está a manobra?

O fato é que em outubro passado o governo do Estado anexou em seu portal matéria anunciando a construção do porto das Lajes como um empreendimento messiânico que viria solucionar o problema logístico do Pólo Industrial de Manaus quanto à exportação. No entanto, em cumprimento a legislação ambiental a empresa construtora deveria cumprir todo o rito, por meio do Ipaam, submetendo a discussão junto às comunidades do Aleixo o EIA/RIMA, referente ao Estudo e o Relatório de Impacto Ambiental. A primeira vitória dos comunitários foi remarcar a data e trazer para dentro da comunidade a realização da Audiência Púbica, sendo feita no dia 19 de novembro passado, iniciando às 15h e prolongando-se até a 0h00 do dia 20, quando os doutores da empresa Liga Consultores, autores do EIA/RIMA ouviram um sonoro não da comunidade com o aval do Ministério Público Estadual, contrariando a vontade do governo do Estado e dos dirigentes da Suframa. Enquanto a comunidade disse não, o promotor Mauro Veras, com o aval da Ufam, deu um puxão de orelha nos autores do EIA/RIMA.


Mas, o EIA/RIMA não foram feitos pela Ufam?

Não, a Ufam enquanto instituição de pesquisa não participou efetivamente desses estudos. Aí é que está o jogo. Pesquisadores da Ufam, quando conveniente usam o nome da Ufam para se apresentar e justificar a venda de balcão dos Estudos e Relatórios de Impacto Ambiental. Esse campo de estudo tornou-se um grande negócio para esses senhores que transformaram a prática acadêmica num toma-lá-dá-cá. É um caso de polícia que requer de imediato a intervenção das autoridades competentes. A omissão é pactuação.

O documento traz ainda a informação de que estão previsto 63 impactos para o empreendimento. Desse total cinco positivos e 58 negativos. Explique melhor.

Tomamos por referência o Parecer Técnico sobre o EIA/RIMA que a Ufam elaborou em atenção ao Ministério Público Estadual, onde se denuncia o amadorismo ou oportunismo dos autores pertencente à Liga Consultores. Na verdade os autores foram reprovados publicamente, não só pelo saber dos comunitários como também pelos especialistas convocados para avaliar os procedimentos adotados. Veja, dos 63 impactos assim os pesquisadores da Liga, arrogantemente, afirmaram que o empreendimento apresenta condições favoráveis a sua implantação.

Existe de fato esquema montado pelo governo do estado, empresário e pesquisadores da Liga de Consultores com algumas indústrias do Pólo Industrial de Manaus?

Não, conforme relato do dirigente da Suframa na Audiência Pública referida, a Agência Federal se empenhou na busca dos parceiros. A empresa Lajes Logística S/A resulta dessa mediação. Notas de jornais da época dão conta da participação do governador do estado do Amazonas em articulação internacional com empresários italianos. A bem da verdade, a empresa estruturante desse empreendimento é a Vale do Rio Doce, que desde 2001, por meio do seu executivo de frente, Sergio Gabizo, vem gerenciando os contratos entre a Aliança Navegação e Logística Ltda. e a Docenave, do grupo Vale do Rio Doce, que fecharam acordo na época para aumentar a freqüência e o número de navios entre os principais portos do Mercosul (Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai). As duas companhias estão entre as maiores do setor de navegação do País, no transporte de contêineres a longa distância e cabotagem. O concorrente desse mercado são as empresas de transporte rodoviário. Mas, futuramente estarão compondo o consórcio. O que falta é transparência, separando bem o público do privado e, sobretudo a cobrança sobre as empresas quanto à sua responsabilidade social e ambiental.

De que forma o EIA/RIMA Porto das Lajes destrata a população e ameaçam de morte o Lago do Aleixo?

A começar por destratar as famílias da Colônia Antonio Aleixo, quando realiza uma pesquisa social faz de conta, com um número ínfimo de pessoas, num universo de mais de 30 mil moradores e chega a conclusões morais quanto à vida e comportamento dessa gente, que historicamente tem sofrido todos os tipos de discriminação e preconceito por ser vítima da hanseníase e da exclusão social. Mesmo assim, vem lutando pelos seus direitos por meio do movimento de integração dos hansenianos e suas organizações populares. O relatório apresentado promove a morte simbólica dos comunitários do Lago do Aleixo e afirma o poderio econômico como única alternativa para “salvar” os moradores da condição em que se encontram. O Estudo ainda pega por não apresentar nenhuma análise referente ao Estudo de Impacto de Vizinhança, o que é obrigatório. Quanto ao Lago, o momento é propício para se avaliar o seu atual estado ocupado pelo Suframa por meio do Distrito Dois com fábricas, madeireiras, flutuantes e outras mazelas sem nenhuma responsabilidade social e ambiental. A construção do Porto, nesse contexto, representa o golpe fatal contra o meio ambiente local e o povo da Colônia Antonio Aleixo.

O porto da Lajes em nenhum circunstância pode ser considerado com máquina propulsora do desenvolvido econômico?

Claro que não, é apenas um meio, a serviço da logística do Pólo Industrial de Manaus, que por sua vez não têm muito fôlego no mercado competitivo se não contar com ajuda de incentivo do Estado. Aqui o capitalismo é capenga e muito mais guloso. Suspeita-se até que a construção do porto, com a retração econômica, incentive diretamente a expansão dos “sojeiros” que avançam sobre a floresta de norte a sul. Portanto, está em pauta à discussão sobre as políticas de desenvolvimento regional e, sobretudo, a tese da sustentabilidade fundada na racionalidade do capital em detrimento da qualidade de vida do homem e seu desenvolvimento humano.

Qual o resultado prático do movimento "O banzeiro do encontro das águas” realizado na semana passada?

Foi uma demonstração de força da comunidade frente ao poderio econômico da empresa Lajes Logística S/A (Log-in Logística intermodal) com sede no Rio de Janeiro representado pela Bovespa e Vale do Rio Doce, sendo que em Manaus é representado pelo Grupo Simões (coca-cola) sob a denominação de Juma Participações S/A. Com o banzeiro, enquanto movimento, intensificamos muito mais a interlocução com as lideranças comunitárias por meio da conexão de saberes em direção a pesquisa de todo ecossistema que abriga o nosso suntuoso encontro das águas. Além de consolidar essa relação dialógica contribuiu também para sensibilizar a população manauara para participar da defesa desse patrimônio que é nosso. O resultado positivo pode-se conferir pela difusão nos meios de comunicação de massa e pela rede de computadores, que tem sido o nosso grande veículo de comunicação com os ambientalistas e amantes da natureza pelo mundo a fora. Acredito até que o príncipe Charles ao chegar a Manaus poderá nos conceder uma “palhinha” em defesa dessa causa.

O que pensa a comunidade a respeito do empreendimento?

Todo o movimento feito por meio do banzeiro foi para se dar visibilidade as manifestações das lideranças comunitárias, com autonomia e determinação. O nosso papel é de consultoria e articulação e a comunidade do Lago do Aleixo tem dito que não é contra a construção do porto. Assim como as lideranças também somos contra a construção do porto nas adjacências do Encontro das Águas, que seja feito num lugar menos impactantes sob o controle do movimento social.

O senhor tem conhecimento de suposta "guerra santa", promovida pela empresa construtora com apoio da Superintendência da Zona Franca de Manaus, com o objetivo de jogar evangélicos protestantes contra os católicos para que se dividam e enfraqueçam o movimento?

Segundo os moradores, a empresa construtora e a Suframa estão prometendo mundo e fundos para garantir o aceite dos comunitários. Resolveram distribuir três mil boletins impressos usando a imagens dos comunitários cooptados. Como se não bastasse investiram também num pastor de uma das igrejas pentecostais para afrontar os católicos, tentando dividir o povo para reinar. No entanto, as lideranças reagiram puxando uma assembléia e escolhendo um Comitê Comunitário representado por suas associações, na dúvida recorrerão à assembléia para dirimir dúvida. Com isso, os moradores da Colônia Antonio Aleixo estão dizendo que só e somente só esse Comitê é legítimo para falar em nome das comunidades. Esse grito é importante para que as autoridades constituídas, não se deixarem enganar por falsas lideranças e associações de aluguéis. O jogo é pesado e a baixaria continua.

Uma das preocupações levantadas pelo movimento contrário à construção do porto está relacionada ao Encontro das Águas. De que forma o cenário poderia ser afetado.

Primeiro, o lugar onde se pretende construir o porto é considerado por especialista como espaço arqueológico. Uma parte do porto vai ser edificada na “boca do Lago do Aleixo” e isso, dizem os especialistas vai asfixiar as diversas formas de vida do Lago. Outra, a construção e por isso fomos conferir de perto, fica nas mediações do Encontro das Águas, o pátio a ser construído terá mais de 100 mil metros quadrados de área, com capacidade para mais de 250 contêiner. Ora, ora, a unidade múltipla de um ecossistema é similar a de um cristal, não se recompõe na sua integridade. Não me venha falar de porto verde, ecologicamente correto, como estratégia de aliciamento. Tudo isso é conversa de onça trepada no chão para devorar os incautos.

De acordo com Sérgio Gabizo, diretor da Lajes Logística, o volume de investimento para a construção do porto é R$ 220 milhões. Pelo total de recurso a ser investido não lhe parece que o projeto é revolucionário para o setor portuário?

Gabizo é um alto executivo da Vale do Rio Doce, ele só entre em bola dividida, mas, aqui ele não esperava encontrar tanta reação porque, segundo as nossas fontes, ele já havia acertado tudo com os interlocutores palacianos. Na verdade, o Gabizo armou o jogo, mas não combinou com os adversários, que são os moradores do Lago do Aleixo, assim também, com os Amigos de Manaus e os demais amantes da natureza que não tem pátria e que lutam por um planeta realmente sustentável. Esta luta tem nos feito acreditar, contrario a tese de que todo o homem tem o seu preço, que ainda é possível acreditar nos homens de bem, na justiça e na própria força dos filhos da terra dos manaós. Que o Gabizo ou outro aventureiro queiram comprar o teatro Amazonas para transformar num supermercado ou destruir o Encontro das Águas para construir um porto, isso não nos assusta. O que assusta a todos é a omissão, o silêncio do governador Eduardo Braga e demais parlamentares do Estado, que mesmo que não tenham nascidos nesse território deveriam cultuar por amor aos seus filhos. Mas, tudo indica que foram embrutecidos e estropiados pela voracidade da corrupção e acumulação do capital. Enfim, o projeto é muito mais do que o valor apresentado e pelas suas condições objetivas qualifica-se como predador e não um revolucionário.

Todos sabem da carência, das dificuldades que vivem os moradores da Colônia Antônio Aleixo. Desde que viabilizado, o porto vai gerar 120 empregos diretos. Isto não é um ganho para a comunidade?

Não confundamos carência com perda de dignidade. Esse povo é altivo e tem sofrido todo o tido de agressão por parte das agências intermediárias que defendem a construção do porto. Ora, a catilinária do Gabizo e outros agentes do governo é pegar o povo pela boca, oferecendo cursinhos disto ou daquilo e até mesmo emprego e sacola de rancho. Mas, o que significa 120 empregos, se ocorrer, no universo de mais de 30 mil moradores, vivendo em péssimas condições de saneamento, onde o Estado é omisso e irresponsável por promover a exclusão social. Só resta o próprio ânimo da força organizada dessa gente para enfrentar os predadores e os vilões do povo. Lutemos pela solidariedade e pela justiça social, contra a corrupção e a mentira.

Na avaliação de Sérgio Gabizo, a construção do porto é viável e que isso foi constatado em estudo de quatro meses pela empresa. Qual a sua opinião sobre essa afirmação?

Com todo respeito a esse profissional, mas ele pisou na bola, ele ofende o povo de bem do Amazonas e coloca a Vale do Rio Doce numa saia justa, porque aonde a Vale se instalar no mundo será estigmatizada por tentar depredar um patrimônio que não é só dos moradores do Lago do Aleixo, dos Amazonenses, mas da humanidade. Em sua última entrevista, em reação ao nosso movimento, ele disse que ia começar a obra em junho e que em dois anos estaria pronta. Sua atitude foi uma afronta a justiça e, sobretudo aos profissionais do Ipaam. Mal ele sabe que a questão está federalizada e que o seu currículo, assim como dos seus pares, como executivo de top será maculado pela forças dos naturais dessa terra da cepa de Ajuricaba, em defesa do Encontro das Águas.

O senhor tem alguma informação se a Marinha do Brasil já se pronunciou sobre o assunto?


A marinha assim como outros segmentos convergentes estão sendo ouvidos pelo Ministério Público Federal, bem como pelo Estadual, que instauraram processo civil para apurar as possíveis irregularidades que foram comprovadas nos autos. Até mesmo o Parecer Técnico do Ipaam recomenda que dê ciência a marinha e demais órgãos arrolados no processo. O bicho vai pegar e os covardes sairão da caverna para ser reconhecidos à luz do dia sob a vara da justiça e julgamento popular.

A secretária da SDS, Nádia Ferreira, na condição de presidente do CEMAM, considerou fundamental prestar esclarecimentos prévios a sociedade sobre o Porto das Lajes, antes da realização da Audiência Pública. Isso foi feito?

Esta senhora tem uma grande responsabilidade, pois ela preside o Conselho Estadual do Meio Ambiente do maior estado dessa Federação, que é o Amazonas. Não sei se ela já se deu conta, mas a sua decisão e de seus pares, formado pela congregação de 54 instituições é de extrema importância para se fazer justiça e barrar uma vez por toda a arrogância e a ganância de aventureiros e oportunistas que pretendem reduzir todo bem natural em mercadoria, em nome do progresso, como eles estão propagando no meio das comunidades. Ademais, esses aventureiros espelharam também que podem comprar tudo e todos para fazer valer a vontade do grande capital. Nós acreditamos que a mentira pode ser iluminada pela verdade dos fatos e que no dia 17 março, quando estará em pauta a no Conselho o Porto da Laje, os nobres conselheiros irão se manifestar com isenção e autonomia contra a construção desse monstrengo e votarão por uma nova alternativa para se construir o Porto, longe bem longe, do Encontro das Águas, mas sob a vigilância do conselho e das lideranças populares. Como otimista radical, acreditamos que ainda somos capazes de resistir e vencer juntos.

Foto: NCPAM

KARL MARX E A REVISTA VEJA

É realmente grotesco uma revista semanal se imbuir de uma certeza postiça e proclamar a invalidez de um pensador que, dentro das limitações teóricas do século XIX, conseguiu fazer uma das maiores analises do sistema capitalista.

Ricardo Lima*

No artigo anterior, Um espectro ronda o mundo, abordei a volta das teorias de Marx ao centro do debate intelectual e como seus conceitos nunca perderam a vitalidade. Agora, o caso é tecer alguns comentários sobre o que a imprensa conservadora acha desse retorno, em especial uma das latifundiárias da mídia brasileira, a conhecida Revista VEJA.

O semanário de Roberto Civita, arquétipo do jornalismo neocon da imprensa nacional, também resolveu fazer mais uma de suas “profundas analises” sobre o fórum de Davos e sobre a presença, mesmo que discreta, do materialismo histórico nas discussões...

Era mais um dessas corriqueiras matérias disfarçadas de panfletos tão comuns da revista (estranhamente, ela nem sequer foi assinada), publicada na edição do dia 4 de fevereiro, intitulada O Fórum Social de Davos.

A ira de Veja contra o autor de O Capital não é novidade, assim como seu total desconhecimento em lidar com os conceitos marxianos. Contudo, o que mais surpreendeu, foi a visão completamente ingênua da dinâmica da crise — algo impensável para uma revista considerada a terceira maior do mundo. A revista afirmava categoricamente que o problema não estava na configuração do sistema enquanto tal, mas simplesmente na decisão de alguns “incapazes” em gerir a economia.

Tomando uma perspectiva totalmente anti-histórica sobre o processo econômico-social, Veja esvazia o debate e mascara as reais distorções inerentes ao sistema capitalista; ao advogar a visão de que o capitalismo é apenas feito de indivíduos e de suas ações isoladas, ela esquece que estes mesmos indivíduos tecem relações entre si por meio do trabalho, criando e sofrendo conseqüências imprevistas no tecido social... Já dizia o bom Durkheim: as consciências particulares, unindo-se, agindo e reagindo uma sobre as outras, fundindo-se, dão origem a uma realidade nova que é a consciência da sociedade.

A revista, ainda por cima, sempre com aquele tom descabido, como se ela estivesse falando de meninos do maternal que de repente fazem uma travessura, criou uma cartilha para os dirigentes perguntarem-se a sim mesmos durante as discussões:

“O que EU fiz de errado que ajudou a nos colocar nessa encrenca.” Antes de voltar para casa, seria uma boa idéia cobrar deles um depoimento de despedida com o tema: “O que EU farei para que a crise seja menos cruel de que se anuncia e não mais se repita.” Como o eu sumiu de Davos, a visão sistêmica e coletivista do determinismo histórico marxista se instalou, mesmo que pouca gente tenha dado conta disso.

A matéria não poderia ter sido mais bizarra...

Considerar o processo histórico como algo natural, principalmente a constituição mais recente da sociedade como o estágio mais avançado e inevitável, é uma concepção típica dos segmentos sociais que dela se beneficiam, como já constatara Thoreau: O homem rico (...) é um ser vendido á instituição que o enriquece. Entretanto, é realmente grotesco um semanário se imbuir de uma certeza postiça e proclamar a invalidez de um pensador que, dentro das limitações teóricas do século XIX, conseguiu fazer uma das maiores analises do sistema capitalista.

Algum filósofo foi consultado? Algum economista? Algum sociólogo? Nenhuma menção, nenhuma referência... Apenas conjecturas vãs... Apenas o velho estilo venenoso e acusador...


Não é a toa que a “Qualidade Veja de fazer Jornalismo” é campeã de processos judiciais e amargou no ano passado a maior queda do número de assinantes entre as revistas semanais.

*Editor e pesquisador do NCPAM.

OAB EXAMINA SE INGRESSA EM AÇÃO PARA IMPEDIR A CONSTRUÇÃO DO PORTO DAS LAJES

O Ministério Público Federal, por meio de sua Procuradoria no Amazonas, enviou ofício à Comissão de Direito Ambiental do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), para consultar se há interesse de a OAB ingressar em ação civil pública a ser proposta para impedir a construção do Porto das Lajes, em Manaus (AM). O porto está localizado no encontro das águas do Rio Negro com o Rio Solimões.

O presidente da Comissão de Direito Ambiental do Conselho Federal da OAB, Oldeney Valente, informou que a solicitação do MPF será analisada por especialistas da Comissão. Caso a manifestação seja a favor da participação da OAB na ação civil pública - na qualidade de co-autora -, o parecer da Comissão será encaminhado a exame do Pleno do Conselho Federal da entidade para decidir.

A justificativa para a ação, segundo o MPF, é que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e que o empreendimento será construído no encontro das águas, que é símbolo de Manaus e do Estado do Amazonas. O Ministério Público Federal instaurou inquérito civil público para apurar a regularidade ambiental do empreendimento e determinou a análise técnica do Estudo Prévio de Impacto Ambiental e do Relatório de Impacto Ambiental (RIMA).

Segundo Oldeney Valente, o "encontro das águas" não é apenas um símbolo do Amazonas, mas "um singular patrimônio nacional", que deve ser resguardado de todo e qualquer risco de impacto ambiental. "Isso também pelas conseqüências nocivas que podem advir para o meio ambiente na área de influência do projeto", afirmou, defendendo a busca de outra localização possível para o empreendimento.
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OAB NA BRIGA CONTRA A CONSTRUÇÃO DO PORTO

Entrevistado pela editoria do NCPAM, o presidente da Comissão de Direito Ambiental do Conselho Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Oldeney Valente informou que, assim que recebeu o ofício seguido de toda documentação apensada do Ministério Público Federal do Amazonas “autuou a documentação e levou para Brasília, designando a Dra. Artemísia Hermas para relatar o processo, que deverá ser objeto de discussão e deliberação, possivelmente, na próxima reunião, no dia 08 de março”.

Na segunda-feira (16), a empresa Lajes Logística S/A sob o comando do executivo Sergio Gabizo, representante da Companhia Vale do Rio Doce, que é uma das principais acionista interessada na construção do Porto das Lajes, nas confluências do Encontro das Águas, esteve com o Presidente da Comissão, Oldeney Valente, comprometendo-se em sanar, em quinze dias, todas as dúvidas denunciadas nos termos do Estudo e do Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) relativo ao empreendimento das Lajes.

O Presidente da Comissão solicitou que os interessados apresentassem formalmente suas considerações. Para nós do NCPAM, são muito mais que dúvidas, são impropriedades que violam o direito ambiental e de justiça social dos moradores da Colônia Antonio Aleixo, na Zola Leste de Manaus, o que faremos em forma de representação junto à Presidência da Comissão de Direito Ambiental do Conselho Nacional da OAB.

Entre os empresários presentes, na audiência com o Presidente Oldeney Valente, encontrava-se também o professor Alfredo Lopes, que no domingo (15), fez diversas ligações a coordenação do Movimento Caravana “Encontro das Águas”, falando em nome da Superintendente da Zona Franca de Manaus, Flávia Grosso, com propósito de mediar encontro com o Comitê Gestor das Comunidades do Lago do Aleixo.

O NCPAM, que participa do Movimento SOS Encontro das Águas, louva a iniciativa do Ministério Publica Federal e do Conselho Federal da OAB, lembrando que no passado, essa Corte do Direito foi caixa de ressonância da nação brasileira, quando lutávamos pela Democratização do País. No momento, nós profissionais liberais, cientistas, jornalistas, indígenas, donas de casa, religiosas, estudantes, ambientalista, comunitários, somos contrários a construção do porto das Lajes e lutamos em defesa da integridade do ecossistema “Encontro das Águas”, ícone identitário do povo do Amazonas, que é também patrimônio nosso e da humanidade.

BRASIL, AMERICA LATINA E OBAMA

Os jornalões, revistonas e redes campeãs de audiência no Brasil ignoraram um artigo publicado, dia 7 de fevereiro, pelo Wall Street Journal. Nele, está escrito: "Embora a economia brasileira rica em commodities, 10ª maior do mundo, deva ser afetada pelo declínio mundial, espera-se que tenha conduta melhor do que a maioria, mantendo crescimento enquanto EUA, Europa e Japão contraem, conforme previsão de economistas (…). O poder penetrante da diplomacia do Brasil é desdobramento benvindo para os formuladores da política externa dos EUA".

Argemiro Ferreira

Blogs progressistas ou que confiam mais nos rumos da economia do país criticaram nos últimos dias o fato de ter nossa mídia golpista - sempre atenta na busca e diligente na amplificação dos textos de fora com previsões sombrias de efeitos terríveis da crise internacional que ainda vão golpear o Brasil - ignorou uma avaliação recente, feita no sábado, 7 de fevereiro, pelo Wall Street Journal.

A impaciência dos blogueiros é compreensível: enquanto nossos jornalões, revistonas e redes campeãs de audiência faziam questão de ignorar o artigo do Journal, até a Câmara de Comércio Brasileiro-Americana (Brazilian-American Chamber of Commerce), ao fazer a convocação em Nova York para sua "2009 Brazil Summit", a ser realizada a 27 de abril no Hotel Pierre, usou como epígrafe estas frases do jornal tido como a bíblia de Wall Street:

"Embora a economia brasileira rica em commodities, 10ª maior do mundo, deva ser afetada pelo declínio mundial, espera-se que tenha conduta melhor do que a maioria, mantendo crescimento enquanto EUA, Europa e Japão contraem, conforme previsão de economistas (…). O poder penetrante da diplomacia do Brasil é desdobramento benvindo para os formuladores da política externa dos EUA".

A força da economia - e as intrigas

Até o título do artigo pode matar de inveja os tecnocratas sobreviventes do "Brasil Grande" do ditador Médici e tucano-demo-pefelês de FHC: "Economia alimenta ambições do Brasil além da América do Sul". E embora o Journal o tenha publicado sob a rubrica "Negócios", a análise estava no contexto da política externa - o governo Obama e o salto do Brasil, a partir da economia, e seu novo papel no mundo.

É sintomático esse reconhecimento vir do Journal, publicado pela Dow Jones, hoje parte do império Murdoch de mídia. Até porque grupos de reflexão mais à esquerda que debatem questões latino-americanas, como o COHA (Council on Hemispheric Affairs), há muito dizem a mesma coisa e insistem em escancarar o erro da ênfase dos EUA ao usar a Colômbia como ponta de lança na América do Sul.

O texto do Journal (assinado por John Lyons, de São Paulo; e com colaboração de Peter Millard, do México) começou assim: "Nos anos seguintes aos ataques terroristas, com o foco da política externa dos EUA desviado para o Oriente Médio, o Brasil e a Venezuela disputavam a posição de substituto dos EUA como principal negociador nos assuntos do hemisfério. Agora a queda dos preços do petróleo aponta o vencedor: Brasil".

Provavelmente não foi coincidência John Lyons ter passado pela Venezuela, onde acompanhou a eleição de novembro, antes de viajar a São Paulo e escrever aquele texto. Desnecessário reconhecer que ele escorregou, para variar, na imagem habitual disseminada pela imprensa dos EUA: reduziu o papel de Hugo Chávez no continente apenas à "diplomacia do talão do cheque praticada pela Venezuela".

Contrapeso à influência de Chávez?

Mas Lyons pareceu preciso ao assinalar que "as fontes da influência brasileira são mais diversificadas e menos vulneráveis às intempéries econômicas". Daí a observação de que os formuladores da política externa dos EUA deviam dar as boas vindas ao poder diplomático "penetrante" do Brasil. Também o governo Bush já via o Brasil como contrapeso relevante à influência venezuelana, ainda que incapaz de ousar alguma proposta a partir disso.

Nesse quadro, como deixar de admirar a competência da diplomacia brasileira, a cargo do chanceler Celso Amorim, ao usar o prestígio e a imagem do presidente Lula e, paralelamente, os êxitos inegáveis de nossa economia? Note-se que aí aparecem os alvos obsessivos da mídia golpista do país, tanto nos destemperados ataques cotidianos, como na obstinação da escolha daquilo que publica e daquilo que esconde.

Citando Michael Shifter, do Diálogo Latino-Americano, o Journal destacou que a cooperação com o Brasil é crucial para qualquer progresso na agenda hemisférica. "Maior exportador mundial de minério, carne, galinha, açúcar e café, o Brasil e seu carismático presidente Luiz Inácio Lula da Silva podem ajudar os EUA a reparar na região sua imagem gravemente danificada pelo governo Bush".

A diplomacia brasileira deixou claro, em episódios como o do ataque da Colômbia (apoiada por Bush) ao Equador, que repudia o velho jogo americano no continente. Ao mesmo tempo, o presidente Lula tem feito questão de ignorar as pressões e provocações dos EUA, com o respaldo de nossa mídia golpista, para intrigá-lo com Chávez e envolver o Brasil na aventura de Álvaro Uribe e seu sonho maluco de ser Israel na América do Sul.

A herança de Bush e Otto Reich

Muita gente queixou-se de que durante a campanha presidencial Obama ignorou o continente. A escolha da secretária de Estado, uma Hillary Clinton voltada para outras áreas, pouco ajuda representou em favor de uma mudança no quadro deixado por Bush, da versão americana da ALCA às escaramuças com Chávez - posições que, não por acaso, encantam a mídia. Mesmo assim o Brasil está agora em melhor posição para defender um diálogo franco.

O que Shifter disse pode parecer óbvio, até em razão da descoberta recente dos novos campos de petróleo pela Petrobrás num momento em que declinavam na Venezuela os investimentos no setor petrolífero. Mas estará o Departamento de Estado preparado? Permanece no cargo o secretário Assistente para o Hemisfério Ocidental, Thomas A. Shannon, agora subordinado ao novo sub-secretário para Assuntos Políticos, William J. Burns - ambos diplomatas de carreira.

Para a América Latina, soa como continuidade, não mudança. Shannon serviu nas embaixadas do Brasil (1989-92) e da Venezuela (1996-99), depois integrou o Conselho de Segurança Nacional na Casa Branca (governo Clinton), como diretor de Assuntos Interamericanos (1999-2000), foi embaixador alterno na OEA (2000-2001) e era adjunto do infame Otto Reich, secretário Assistente que encorajou e gerenciou para Bush o fracassado golpe contra Chávez na Venezuela em 2003.

Como o ideológico Reich viera do lobby cubano (nomeação política de Bush, no recesso do Congresso, para fugir do voto no Senado, onde havia o risco de rejeição), há razoável diferença entre os dois. Mesmo levando em conta que a mudança terá de ser decisão de cima e não da burocracia, ainda é um início pouco alentador para o continente. O telefonema do próprio Obama a Lula seria o fato positivo, mas até isso ainda espera versão definitiva, capaz de alimentar esperanças.

(*) Como jornalista, desde a década de 1980, Argemiro Ferreira escreve para o diário Tribuna da Imprensa, do Rio de Janeiro. É autor dos livros "Informação e Dominação" (edição do Sindicato de Jornalistas do Rio de Janeiro, 1982 - esgotado), "Caça às Bruxas - Macartismo: Uma Tragédia Americana" (L&PM, Porto Alegre, 1989), "O Império Contra-Ataca - As guerras de George W. Bush antes e depois do 11 de setembro" (Paz e Terra, São Paulo, 2004). Foi colaborador de Rede Imaginária - TV e Democracia (org. por Adauto Novaes, Companhia das Letras, São Paulo, 1991), Mídia & Violência Urbana (Faperj, Rio de Janeiro, 1994).

Blog do Argemiro Ferreira

UMA QUESTÃO PÚBLICA

A Crítica, uma das maiores empresas de comunicação do Estado do Amazonas, Rádio, TV e Jornal, em editorial datado do dia 17 de fevereiro, expressa seu apoio as manifestações contra a construção do porto das Lajes à margem do Encontro das Águas e faz chamamento para que se ampliem as discussões e se dê relevância ao posicionamento do poder público, primando pela transparência e comunicação direta com os comunitários. O Porto das Lajes é uma dessas obras, afirma o editorialista, “está no centro de um questionamento sobre o futuro da terra e mexe com umas das paisagens mais simbólicas dos amazonenses: O Encontro das Águas. Para agravar, foi minimizada a importância de colocar essa proposta como uma questão pública, dando-se a ela um caráter privado, quando na verdade não o é”.

O projeto de construção do Porto das Lajes se constitui em um problema sob todos os aspectos. O primeiro deles é a escassez de informações e a ausência de debates abertos sobre a obra à margem do Encontro das Águas envolvendo todos os segmentos interessados nesse tema. É bem vinda a manifestação de setores da sociedade civil organizada a respeito dessa iniciativa, pois ela faz nascer o espaço das discussões, dos posicionamentos públicos e, assim, permite à sociedade avançar na sua compreensão e no seu conhecimento sobre o que está sendo proposto.

Informações divulgadas por A Crítica, com base em pareceres técnicos, apontam para impactos profundamente negativos à paisagem da região. Uma série de indicadores também coloca sob suspeição e acena para uma situação de temeridade quanto às repercussões do empreendimento no Lago do Aleixo. Eis uma pauta oportuna e urgente para pesquisadores, usuários, governos, empresariado e a sociedade civil debaterem.

O porto é uma necessidade antiga. Não há um posicionamento contrário à obra. O que provoca inquietações e mobilização de setores sociais é o local escolhido para abrigá-lo. O processo em torno dessa questão gera incômodo porque ignorou uma condição cada vez mais estratégica nesse tipo de atividade que é envolver a comunidade o mais amplamente possível, promover audiências de caráter público e não sonegar informações. A comunicação torta provoca prejuízos e tem o mérito de apenas tumultuar o processo. Ruim para todos. Até mesmo para aqueles defensores do projeto no local ora em discussão.

A crise ambiental atinge o mundo todo e exige do setor produtivo, da população e dos gestores públicos atitudes responsáveis e extremamente cuidadosas. Há questionamentos crescentes por parte de segmentos sociais que antes sequer eram notados ou inseridos com força suficiente para produzir pressão com repercussão.

O Porto das Lajes é uma dessas obras. Está no centro de um questionamento sobre o futuro da terra e mexe com umas das paisagens mais simbólicas dos amazonenses: O Encontro das Águas. Para agravar, foi minimizada a importância de colocar essa proposta como uma questão pública, dando-se a ela um caráter privado, quando na verdade não o é.

UM DESAFIO PARA O FUTURO


O resultado do referendo abre uma pergunta e um desafio para o futuro da Venezuela, num contexto de crise internacional aguda e de baixa substantiva do preço de sua principal receita, o petróleo. Esta conjuntura pode alimentar a dependência do Partido Socialista Unido da Venezuela, de Chávez, ou pode, ao contrário, fortalecer o laço com as bases sociais que sustentam o governo, acentuando-se assim o processo de democratização e de redistribuição social, e tornando as mudanças que o país vive hoje menos reversíveis.

Gabriel Puricelli e Lucia Alvarez*

Desde que soube da convocatória para este novo referendo, a imprensa internacional insistiu em dizer que estávamos frente a uma eleição entre democracia e autoritarismo. A fórmula é conhecida e falaciosa. Há reeleições indefinidas em sistemas com altíssima concentração de poder no primeiro ministro e férrea disciplina de partido como Canadá, Reino Unido ou Austrália. Também funciona em regimes verdadeiramente autoritários e repressivos, alguns dos quais aliados estratégicos dos EUA, como o Egito, e esses se mantêm no poder por anos, sem que isso leve a um questionamento de sua classe dirigente.

Uma recontagem dos dez anos do governo bolivariano dá, ao contrário, um indício de sua vocação democrática. Chávez lidou com os embates e resistências da direita mantendo-se sempre dentro dos marcos institucionais e sua única derrota eleitoral foi reconhecida imediatamente, apesar da ínfima diferença que existiu entre o Sim e o Não à proposta de reforma constitucional, que significou um enorme reforço a sua legitimidade em nível nacional e internacional. Em troca, a oposição optou, até a reeleição presidencial de dezembro de 2006 apenas pelo caminho da violência e do enfrentamento. O golpe de estado de 2002, o "paro" petroleiro que deixou o país desabastecido por três meses e a abstenção na eleição parlamentar em 2005 são apenas alguns exemplos.

É certo, contudo, que hoje as condições já não são essas. A situação na Venezuela é muito diferente da da Bolívia e do Equador, países onde também estão sendo impulsionadas refundações políticas mediante reformas constitucionais. Chávez já não lida com a falta de base parlamentar própria, como Rafael Correa, ou com o desafio de uma direita golpista e secessionista, como Evo Morales. Nada o condiciona suficientemente senão para destinar energias em outro sentido que não seja o processo de mudança. A ênfase em manter Chávez para continuar a epopéia transformadora se trata talvez de uma subestimação do próprio processo.

O problema parece ser, então, que este novo intento de impulsionar a reeleição indefinida não faz mais do que reforçar um modelo de planificação estatal contrário ao que a revolução bolivariana determina em suas premissas. Em vez de buscar e armar possíveis candidatos que permitam alternativa, aposta-se numa crescente centralização. Em vez de outorgar ferramentas para o bom funcionamento dos conselhos comunais, as mesas técnicas de água e todas aquelas “instituições” da democratização que hoje têm problemas por conta das travas da burocracia ineficiente – e muitas vezes corrupta -, robustece os mecanismos de um Estado que não se alterou tanto e que permanece contudo um pouco imune ao processo de mudança.

O resultado desta eleição abre por isso uma pergunta e um desafio para o futuro da Venezuela, num contexto de crise internacional aguda e de baixa substantiva do preço de sua principal receita, o petróleo. Esta conjuntura hoje pode alimentar a dependência do Partido Socialista Unido da Venezuela de Chávez, com o risco de desgaste frente a um eleitorado que já mostrou em 2007 não ser incondicional. Ou pode, ao contrário, fortalecer o laço com as bases sociais que a sustentam, acentuando-se assim o processo de democratização e de redistribuição social, e tornando as mudanças que o país vive hoje menos reversíveis.

* Membros do Programa de Política Internacional e do Laboratório de Políticas Públicas

Publicado em CartaMaior

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

O BANZEIRO DO ENCONTRO DAS ÁGUAS


A partida. A Caravana “Encontro das águas” realizada nesse domingo(15) contou com a participação de dezenas de representantes dos diversos segmentos da sociedade manauara. Os participantes sairam em ônibus com destinho às Lajes, mirante do Encontro das Águas, na zona Leste de Manaus. O objetivo do Ato era dar continuidade aos trabalhos de campo, fazendo análise de solo, levantamento faunístico e dos sítios arqueólogicos, bem como a documentação paisagística do suntuoso Encontro das Águas formado pelo Rio Negro e Solimões, ícone da identidade manaura, que por ora vem sendo ameaçado de destruição pela construção do Porto da Laje, que cinicamente, seus dirigentes por meio da mídia passaram a chamar de “porto verde”. A direção do movimento SOS Encontro das Águas constatou que os pescadores do Lago não foram ouvidos como parte do EIA/RIMA (Relatório de Impacto Ambiental) e que “ se deve ter cuidado porque a construtura Laje está monitorando os nossos passos, tentando esvaziar as ações do Movimento”, concluem os líderes.

O Encontro. Nas Lajes, encontramos as lideranças, onde fizemos um Ato Público para ouvir os comunitários do Lago do Aleixo, que são os principais prejudicados se realmente a construção do mega-projeto do porto vier a ser construído. Os comunitários denunciaram as várias formas de agressão que estão sofrendo pela empresa Lajes Logística S/A, que vem tentando comprar o aceite da comunidade em troca de promessas de empregos e outras “armações que eles estão fazendo”. Os comunitários fizeram questão de informar: “estamos reunidos em um Comitê de Gestão da Comunidade, que reuni nossas associações”. Com isso explicaram que “somente esse Comitê tem autoridade de falar em nome das Comunidades do Lago do Aleixo” e, em caso de dúvida convocarão a Assembléia Comunitária para decidir “soberanamente sobre o nosso futuro”. O agravante de tudo, segundo os representante do Comitê é que “a empresa construtora com apoio da Superintendência da Zona Franca de Manaus estão promovendo a guerra santa, jogando evangélicos protestantes contra os católicos para nos dividir”, afirmam.

Foto: NCPAM

FERNANDO SABINO NO ENCONTRO DAS ÁGUAS

A crônica do renomado escritor brasileiro é parte de sua obra: Encontro das Águas – Crônica irreverente de uma cidade tropical – (1977), com prefácio de Márcio Souza. O realismo do texto denuncia a barbárie, como expressão do capitalismo neocolonial na Amazônia. Se no passado falava de ”integração”, hoje mascara sua prática falando em “sustentabilidade”. Fernando Sabino, em sua crônica, discute a política de desenvolvimento regional centrada na “exploração predatória”, que busca transformar as nossas florestas e rios em um “centro produtor de valores, integrados na economia nacional”. No entanto, futuramente, afirma o autor: “talvez amanhã a riqueza de um povo seja medida pelos seus esforços a favor da conservação da Natureza, do seu ambiente natural, ou seja pela capacidade de conseguir preservar a sua própria alma”. Nivaldo Santiago, citado pelo cronista, foi um dos primeiros maestros à frente do nosso Conservatório de Música e, juntamente como sua mulher, Socorro Santiago, contribuiu para a criação do Curso de Educação Artística na Universidade Federal do Amazonas. Finalmente, deixe-se seduzir pelo saudoso Fernando Sabino, mergulhando na leitura do Encontro das Águas.

Estamos no hotel, arrumando as malas. É o nosso último dia de Manaus. Como despedida, fomos ver hoje o encontro das águas.

Dois rios que se juntam, que tem isso de tão extraordinário? Um escuro como mate, cheio de matéria orgânica em suspensão; outro, claro e de águas barrentas, da cor de café-com-leite: o Negro e o Solimões, que se encontram para formar o Amazonas.

Que se encontram e não se misturam ao seguir o mesmo curso. Eis tudo que há para ver: uma grande extensão de água, aqui de uma cor, ali de outra – e a barca cruzando de cá para lá a fim de que possamos ver de perto a junção dos dois fluxos distintos. Seria apenas uma curiosidade a mais, se de súbito não assumisse aos meus olhos as proporções de um símbolo.

Tudo aqui parece encerrar um sentido simbólico; os rios, a florestas, os animais e as plantas, os próprios homens. Aqui a natureza nos dá a sensação vertiginosa de que um dia fomos deuses. Aqui a alma se expande até perder-se no vazio onde o espaço e o tempo se confundem, para reencontrar-se numa vida além da vida, em que tudo se harmoniza – tempo e espaço, civilização e natureza, homens e deuses – numa perfeita integração.

Integração. É preciso integrar a Amazônia. Colocá-la sob nossa soberania, captar a sua força, usufruir de sua riqueza, incorporar seu território ao nosso destino de nação civilizada. E Manaus é o posto avançado de uma nação civilizada. Cabeça-de-ponte, como se diz nas guerras de conquista. A Amazônia tem de ser conquistada.

Mas há conquistas e conquistas – as da guerra e as da paz. Houve um tempo em que se procurou conquistá-la pela força – e os desbravadores só fizeram violentá-la pela barbárie, deixando em seu rastro o vilipêndio e a morte. Abandonada à sua própria sorte durante anos, voltou a ser vitima da cobiça, desta vez através da exploração predatória. As água e os tempos rolam, e se vê novamente ocupada – agora pelos que lhe oferecem o ensejo redentor da integração.

O que significa que a Amazônia deixará de ser no mapa apenas aquela região enorme por onde corre o maior rio do mundo – em volume dágua – de que nos falava a professora. De fornecedora de matérias-primas, passará a ser ela própria um centro produtor de valores, integrados na economia nacional.

Mas há valores e valores – os da Amazônia não serão apenas os produtos industriais e os bens de consumo, mas aqueles que constituem a sua maior riqueza, a integrar-se também na cultura brasileira.

Que valores são esses? Talvez seja os mesmos de um pequeno país africano como o Zaire, na palavra do seu Presidente:

“A herança que nos legaram nossos antepassados é a beleza natural de nosso país. São os nossos caudais, nossos rios, nossas florestas, nossas montanhas, nossos animais, nossos lagos, nossos vulcões e nossas planícies. Em uma palavra: a Natureza é parte integrante, inseparável e real da nossa essência peculiar.”

“Aqueles que se encontram na fase de industrialização estão correndo constantemente o perigo de empobrecimento de se desnortearem em vários rumos. Talvez amanhã a riqueza de um povo seja medida pelos seus esforços a favor da conservação da Natureza, do seu ambiente natural, ou seja, pela capacidade de conseguir preservar a sua própria alma.”

Esta, a consciência já despertada em sociólogos, artistas, escritores, poetas, jornalistas, arquitetos, paisagistas de nosso país: a de que a integração da Amazônia tem de significar uma harmonia de valores distintos, uma relação da coexistência sem predomínios, que não afete a integridade de sua natureza e suas tradições. Um encontro como o das águas de seus grandes rios.

Arrumadas as malas, ficamos aguardando a hora de partir. Seguiremos de volta ao Rio num avião que fará escala em Manaus à meia-noite, procedente do México. No último instante Nivaldo Santiago e sua mulher aparecem para se despedir. O maestro não esconde sua alegria

– conseguimos – anuncia, os olhos brilhando.

- Conseguiram o que?

Conta-nos que em breve irá ao Rio para contratar músicos: o governador assinou o ato criando a orquestra sinfônica de Manaus. É uma boa notícia: para celebrar, consumimos o resto de uísque que sobrou de meu primeiro dia. E eles se vão, deixando-nos a sós – integrados, nós próprios, em terna harmonia. Já nos despedimos dos outros amigos que fizemos aqui. E já dissemos adeus a Manaus. Agora vamos partir. Manaus, Manaus! Em breve estaremos lá em cima e esta cidade que durante alguns dias me desnorteou com suas contradições, me entusiasmou com sua grandeza, me deprimiu com seus problemas, me seduziu com seus encantos não será mais do que um ponto de luz cercado pela escuridão. De luz e de esperança.