A VELHA QUESTÃO PALESTINA HOJE
O
NCPAM – Núcleo de Cultura Política da UFAM –, juntamente com o Projeto Jaraqui,
que na próxima terça-feira (29), estarão reunidos com os representantes da comunidade
Árabe do Amazonas para se definir estratégia de manifestação humanitária em
favor desta Comunidade da Faixa de Gaza, visto que, até a presente hora cerca
de 1.060 palestinos, a maioria civis, incluindo muitas crianças, foram mortos
durante os 20 dias de conflito. Israel diz que 43 dos seus soldados morreram,
assim como três civis mortos por mísseis e morteiros lançados do enclave no
Mediterrâneo. A certeza é que o tema do Estado palestino voltou ao centro das
preocupações mundiais, que as forças palestinas se fortalecem internamente e na
solidariedade internacional e que o governo Obama terá que colocar o tema na
sua agenda prioritária, como bem afirma o professor Emir Sader, especialista da
matéria abaixo. O fato é que os esforços diplomáticos liderados pelo secretário
de estado dos EUA, John Kerry, para acabar com o conflito de 20 dias, têm
mostrado poucos sinais de progresso. Israel e Hamas estabeleceram condições que
parecem inconciliáveis, sacrificando diretamente o povo Palestino. Por outro
lado, o texto do professor Sade, embora seja datado de 2009 orienta-nos a
entender e compreender a complexa matéria como tema recorrente na geopolítica
mundial, principalmente após o fim da Guerra Fria e depois dos atentados de 11
de novembro, criminalizando diretamente todo e qualquer manifestação deste povo
no cenário internacional. A reunião de pauta do Jaraqui está marcada para
terça-feira (29), às 18h, na Splash, ao lado do Teatro Amazonas, no Centro
Histórico de Manaus. A reunião é aberta aos convidados e demais militantes das
causas humanitárias que acreditam na cultura de Paz.
EMIR SADER (*)
São
Paulo, 20 de Março de 2009 - A questão palestina voltou a ocupar a atenção da
opinião pública internacional, depois de aparentemente ter sido relegada a um
segundo plano. Este aspecto talvez tenha sido um dos que fizeram com que Israel
realizasse o ataque a Gaza a partir do fim de dezembro de 2008.
Israel
contava com a unificação do país em torno de uma política agressiva contra os
palestinos, com o apoio bipartidarista nos Estados Unidos, com a relativa
marginalização da Palestina no marco de um mundo especialmente convulsionado
entre conflitos bélicos e crise econômica global, assim como contava com a
divisão dos palestinos entre o Hamas e o Fatah.
Parecia
que todas as condições estavam dadas para o que os dirigentes israelenses -
eles mesmos apontando diretamente para as eleições parlamentares algumas
semanas depois do começo do ataque - chamavam de "mudança dos termos do
problema", que consistiria na
eliminação da capacidade do Hamas de continuar enviando foguetes contra
território israelense, e ao mesmo tempo em castigar duramente a população de
Gaza, na pretensão de que assim deixassem de apoiar o Hamas.
A
frase atribuída a Tallerand foi plenamente confirmada pela ofensiva militar
israelense: "Pode-se fazer tudo com as baionetas, menos se sentar em cima
delas", isto é, a superioridade militar não garante automaticamente a
vitória. Quanto mais afirmava sua superioridade militar, mais se configurava a
derrota política de Israel.
Como
consequência da brutal agressão militar a Gaza, o movimento de solidariedade
com a Palestina voltou a ganhar repercussão internacional e Israel passou a
sofrer novas e mais fundamentadas acusações de genocídio. A Autoridade Palestina se enfraqueceu ainda mais, ao mesmo tempo em que
o prestígio do Hamas cresceu. O Egito foi obrigado a retroceder de sua
posição de conivência com a invasão de Gaza, na tentativa de substituir o Hamas
pelo Fatah, retomando o papel de
mediador entre as forças palestinas pela reconstrução de um governo unitário.
No
entanto, ninguém pode dizer que uma solução política que resolva de forma
minimamente estável o problema palestino está mais próxima. Se Israel se
enfraqueceu, se os palestinos retomaram seu processo unitário, se o governo de
Barack Obama reafirmou que deseja a retomada de negociações de Israel com os
palestinos - nem por isso as condições para a aplicação da Resolução das Nações
Unidas que garante aos palestinos o direito a ter seu Estado parecem próximas.
Por que isso acontece? Que condições
seriam necessárias para uma resolução da questão palestina que pudesse
pacificar a região? Qual o caráter explosivo do conflito?
O
primeiro dos fatores que explicam a natureza do conflito e a dificuldade de sua
resolução está no caráter de aliado estratégico que Israel tem em relação aos
Estados Unidos - a única superpotência. O peso do lobby judaico nos EUA garante
que esse vínculo estratégico se mantenha ao longo das mudanças de governo. A
Secretária de Estado, Hillary Clinton, mesmo na perspectiva de um governo
israelense dirigido por um representante de um partido que não reconhece o
direito ao Estado palestino, reafirmou que Israel terá sempre o apoio dos EUA, qualquer
que seja seu governo.
Este
elemento bastaria para explicar porque Israel conta com um imenso poderio
bélico, sendo o país destinatário do maior auxilio militar norte-americano no
mundo. Israel trata de fazer desta superioridade um fator de dissuasão contra
os palestinos. É de conhecimento público que Israel possui armas nucleares e
constantemente ameaça o Irã com ataques que destruiriam armas similares.
Além
disso, Israel conta com apoio generalizado dos países europeus, seja por
mecanismos de culpabilidade pelo nazismo, pelo peso da dependência europeia em
relação aos EUA ou pelo alinhamento tradicional desses países contra o mundo
árabe. Completa-se um amplo arco de alianças com que Israel pode contar, mesmo
com as posições cada vez mais direitistas dos seus governos.
Por
outro lado, os palestinos foram grandes vítimas do fim do mundo bipolar, com a
desaparição da URSS, aliado que se contrapunha à ação norte-americana de apoio
a Israel. Isto contribuiu a aprofundar sua orfandade política internacional. Ao contrário de Israel, não contam com
nenhum apoio significativo interno nos EUA. Muito pelo contrário, especialmente
depois dos atentados de 11 de setembro, passaram a ser diretamente
criminalizados.
Além disso, a vitória do Hamas nas
eleições de janeiro de 2006 - democráticas conforme atestaram todas as
comissões internacionais de controle - não foi reconhecida pelos Estados
Unidos, por Israel e pelos governos europeus, que suspenderam todo tipo de
ajuda a uma região cercada e bloqueada militarmente pelo exército israelense,
apoiando ao mesmo tempo os perdedores - o Fatah - e o reconhecendo como Autoridade Palestina. Assim, induziram a divisão entre os
palestinos, o que os enfraquece nacional e internacionalmente.
A
política de criminalização de forças políticas populares do governo Bush,
mediante sua inclusão numa lista de supostos "movimentos
terroristas", aceita pelos aliados dos EUA e difundida pela imprensa
internacional como se fosse fundada na realidade e não apenas um ponto de vista
particular do governo norte-americano, ajuda ao isolamento de movimentos como o
Hamas.
O
conjunto desses fatores permitiu o massacre de Gaza e permite o bloqueio das
negociações de paz pelo cumprimento das resoluções das Nações Unidas, com o reconhecimento do direito de existência
do Estado palestino.
Em que marco se situa hoje a questão
palestina? Em um mundo sob hegemonia unipolar imperial
dos EUA que, mesmo enfraquecida pelas dificuldades vividas no Iraque e no
Afeganistão, se mantêm como a única superpotência política e militar. O mais
paradoxal é que, especialmente no caso palestino, mas não apenas nele, os EUA
são agentes das guerras - os epicentros das "guerras infinitas" de
Bush.
Os
EUA continuam a ser o único país que toma iniciativas nos conflitos
internacionais. (A exceção é a América Latina que, por meio da Unasul e do
Conselho Sul-americano de Defesa, tem desenvolvido intenso trabalho de
intermediação para a resolução pacífica dos conflitos regionais.) O novo
governo dos EUA pode representar tentativas de negociação de acordos de paz,
porém suas limitações já estão claras: o
surgimento de um governo abertamente direitista em Israel, liderado por um
partido que nem sequer reconhece o direito à existência do Estado palestino; a
reafirmação do apoio dos EUA a qualquer governo que tenha Israel; a negativa de
reconhecimento do Hamas como interlocutor político. A isso se soma o
antecedente dos acordos de Oslo, cujos objetivos não incluíam o Estado
palestino, o que impede uma visão otimista sobre os acordos de paz atualmente.
No entanto, é preciso reconhecer que a
heróica resistência da população de Gaza impôs uma derrota política a Israel,
forçando o reconhecimento de vários países europeus de que é necessário incluir
o Hamas nas negociações, que se isso não acontecer não terão nenhuma eficácia
ou legitimidade. Ao mesmo tempo, foram retomadas no Cairo
as negociações para a reunificação dos palestinos em torno de um governo comum
e a convocação de eleições gerais. Por outro lado, Israel votou por um bloco de
força direitista, que não facilita o apoio internacional ao novo primeiro
ministro, enquanto tem que se convencer que a superioridade militar não lhes
possibilita impor vitórias políticas e que perderam a batalha na opinião
pública em torno da ofensiva contra Gaza, reconhecida mundialmente como um
impiedoso massacre.
A certeza é que o tema do Estado
palestino voltou ao centro das preocupações mundiais, que as forças palestinas
se fortalecem internamente e na solidariedade internacional e que o governo
Obama terá que colocar o tema na sua agenda prioritária. O
ataque a Gaza fecha um período de relativo isolamento do tema palestino e
reabre nova fase na luta pelo reconhecimento do direito dos palestinos de disporem
de um Estado soberano.
(*) É Formado em Filosofia pela
Universidade de São Paulo, é cientista político e professor da Faculdade de
Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP).
Secretário-executivo do Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais (Clacso)
e coordenador-geral do Laboratório de Políticas Públicas da Universidade
Estadual do Rio de Janeiro (Uerj). Coordena a coleção Paulicéia, publicada pela
Boitempo, e é um dos organizadores da Latinoamericana - Enciclopédia
contemporânea da América Latina e do Caribe (São Paulo, Boitempo, 2006),
vencedora do 49 Prêmio Jabuti, na categoria Livro de não-ficção. Tem publicados
pela Boitempo os livros: A Vingança da História Poder, Cadê o Poder? - Ensaios
para uma Nova Esquerda e A Nova Toupeira, os Caminhos da Esquerda
Latino-americana (2009))
Fonte: http://www.boitempoeditorial.com.br/v3/news/view/600