segunda-feira, 29 de setembro de 2008

100 ANOS DA MORTE DE MACHADO DE ASSIS - AO VENCEDOR, AS BATATAS!

Ademir Ramos*


Senhor da ética, cumpridor dos seus deveres, respeitador das famílias e dos bons costumes. Assim, era Rubião, homem cândido, herdeiro de uma grande herança, a viver na capital da corte palaciana, na masmorra da solidão de sua existência reta e devota às leis, como bem queria o positivismo filosófico e o Partido Temporal do Império. Mas, um certo dia, Machado de Assis, em Quincas Borba, conta-nos que Rubião, deixando-se seduzir, delegou aos benfeitores a responsabilidade de administrar seus bens e valores – toda a sua fortuna - por acreditar que o homem, por mais vil que seja, principalmente aquele que vive na capital do império, é capaz de se redimir perante o povo, sem recorrer aos expedientes imorais, corruptos e extrapalaciano com denominações estranhas ao vocabulário político da época.

Firme em seus propósitos provincianos e ingênuos, Rubião delega poderes, votando na escolha do seu benfeitor para que respondesse pelo gerenciamento de seu patrimônio e, muito mais ainda, pela sua própria existência. Feito isto, sentia-se confiante que o mundo seria muito melhor porque os homens pactuavam ações de reciprocidades.

De pronto, seus benfeitores começaram a dilapidar seu patrimônio, apropriando-se de toda sua fortuna. Nada tendo mais para saquear, então resolveram, com referendo dos burocratas da saúde, interná-lo no sanatório palaciano, para protegê-lo dos insanos que ainda hoje circulam, assiduamente nos arraiais do poder central, apropriando-se indevidamente do patrimônio do povo, sobretudo, o erário público.

Rubião alienado de seus bens, do amor, da razão e da política desaparece da capital palaciana e, juntamente com o seu fiel escudeiro, Quincas Borba, alucinado e faminto, aparece nas ladeiras de Barbacena, formulando discursos obscuros, sem que sentido houvesse, segundo os tradutores plantonistas da corte.

Rubião dizia para os passantes – ao vencedor, as batatas! -, o que realmente nada entendiam porque não conheciam a trajetória deste provinciano, nascido na capital do país, enganado e desafortunado de seus bens e valores por não acreditar que os homens palacianos são ávidos para lucrar, principalmente, quando pensam que tudo podem e que todo homem tem o seu preço.

Rubião, depois de adormecer ao relento, como milhares de brasileiros sem teto, emprego, educação, saúde, cultura e segurança, a viver na rua da amargura por esse grande país, posiciona-se contra os transtornos políticos sofridos e grita sonoramente, por mais uma vez - Ao vencedor, as batatas! -, nesse momento, conforme Machado de Assis registra, “deu com olhos na rua, sem noite, sem água, beijada do sol”.

O pior de tudo é que o seu grito não tinha eco junto aos brasileiros porque muitos se encontravam surdos, cegos e mudos, até o dia em que acordaram do pesadelo e juntos gritaram com Rubião, reivindicando Direito, Participação e Voto. Nessa oportunidade, inaugura-se uma nova prática política promotora do desenvolvimento humano, sendo economicamente justa e socialmente sustentável. Desprendido de toda forma literária, afirma-se que a loucura de Rubião tornou-se a obsessão do povo brasileiro. Faça-se Justiça!



* Coordenador do NCPAM, antropólogo e professor da Universidade Federal do Amazonas.

sábado, 27 de setembro de 2008

EDUARDO BRAGA NO PAU-DE-ARARA


Não se trata de torturar o governador do Amazonas, Eduardo Braga (PMDB), para que ele desembuche toda verdade sobre as denúncias de corrupção em seu governo. Não é isso não, o pau-de-arara é uma referência ao caminhão que transporta os trabalhadores, em péssimas condições, sem nenhuma segurança e quando desce a ladeira, a vida desses homens fica a mercê da sorte e do acaso.

A alegoria serve para explicar a situação política de Eduardo Braga no Amazonas, que vem descendo ladeira abaixo rumo ao precipício. Os fatos, amplamente divulgados na imprensa, dão conta da trama em que o governador está envolvido, exigindo de imediato, explicações convincentes perante a justiça e, principalmente, ao povo do Amazonas.

Para o precipício, Eduardo Braga quer levar também outros agentes ativos que participam do seu modo de governar. No entanto, o cenário eleitoral dá conta que a disputa travada pela Prefeitura de Manaus serve também de trampolim para o senado e governo em 2010, quando o próprio governador será candidato a uma das vagas.

De ladeira abaixo, o governador do Amazonas pretende reordenar o governo, elegendo o seu candidato Omar Aziz para prefeitura de Manaus, designando para o mandato tampão, o secretário José Melo, seu atual escudeiro e confidente, contando com a subalternidade da Assembléia Legislativa do Estado. No entanto, a vontade de Eduardo Braga, não tem se convertido em voto, pelo contrário, vem dificultando, a cada dia, a eleição do Vice-governador Omar Aziz.

O fato é que todos os confidentes palacianos querem ver Omar Aziz pelas costas e a melhor maneira de se descarta-lo é elegendo para Prefeitura de Manaus, o que seria um prêmio de consolação para ele, libertando dessa feita, o Eduardo Braga dessa carga explosiva que se encontra abordo do pau-de-arara. Da mesma maneira, agradaria “por demais” o conselheiro José Melo, que reivindica ser governador tampão do Estado.

Omar Aziz, que não dorme de toca, acompanha toda essa jogada palaciana, sabendo que não tem nada a perder se o povo não referendar o seu nome nas urnas. O perdedor maior dessas eleições é Eduardo Braga, vindo futuramente a comer nas mãos de Omar Aziz, em busca de apoio para o senado em 2010, quando o Vice estará no exercício pleno de suas funções, após o afastamento de Eduardo Braga para concorrer ao senador da república.

Sem mandato, Eduardo Braga será um peixe fora d’água, será o bola murcha dessas eleições, vivendo no ostracismo, caracterizado pelo silêncio dos celulares e as ausências dos aduladores. É quando o povo entre em cena, fazendo justiça, julgando, historicamente nas urnas, sua conduta enquanto candidato, concedendo-lhe o direito de representá-lo ou quem sabe, por via expressa, seja imediatamente removido a pão - e- água ao confinamento do balatal, onde deve permanecer sob guarda para o bem do povo do Amazonas.

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

NOTA DE REPÚDIO DOS MORADORES DA REGIÃO DE JURUTI VELHO (PA)



Nós lideranças das Comunidades da Região de Juruti Velho, indignados com os constantes descasos de órgãos e funcionários públicos do governo municipal, estadual e federal, procedemos por meio desta nota manifestar nosso repúdio e expor nossa indignação.

A situação de irregularidades fundiárias, o descaso com a preservação da Amazônia, a falta de respeito para com os moradores tradicionais, a grilagem de terras públicas, o desmatamento ilegal e o apoio governamental aos grandes projetos, em nosso caso com o setor madeireiro, tem prejudicado todo o Estado do Pará e principalmente nossa região. Neste momento estamos com duas balsas retidas em frente à Vila Muirapinima e mais quatro entre as comunidades Pompom e Galileia, região de Juruti Velho-Juruti/Oeste do Pará. Este ato é para chamar atenção diante do desmatamento que continua acontecendo bem debaixo de nosso nariz onde centenas de hectares de floresta estão sendo derrubadas por meio de mais um projeto de manejo, onde não existe uma fiscalização séria e responsável, pois nas balsas retidas temos castanheiras que são protegidas por lei. Várias famílias tradicionais estão sendo ameaçadas de perderem suas posses tradicionais, sua sobrevivência encontra-se ameaçadas. Onde fica o Pará Terra de Direitos? Como sobreviver se dentro da mata está trabalhadores ou quem sabe pistoleiros armados impedindo os moradores de entrar nos lugares que costumeiramente caçavam, exploravam de formar sustentáveis os recursos florestais.

Exigimos do Poder Público Estadual e Federal a regularização imediatamente das terras das populações tradicionais das Comunidades de Prudente e Monte Sinai – Região de Juruti Velho e a Gleba Mamurú, onde foi licenciado o projeto de manejo, tem vários ninhos de filhotes de gavião real. Chega de descaso! Chega de enrola-enrola! Estamos cansados de sermos enganados.

É lamentável ver em cadeia nacional o governo federal receber apoio financeiro de paises estrangeiros para defender a Amazônia, se este mesmo governo continua com sua política de desmatamento desenfreado sem consultar as comunidades tradicionais que há milhares de anos cuidam dessa imensa riqueza que é a Amazônia com seus Povos, Rios e Florestas. É lastimável que o Estado do Pará continue sendo o estado brasileiro com o maior número de assassinatos no campo, conseqüência da não regularização fundiária justa, trabalho escravo, prostituição infanto-juvenil e que suas riquezas naturais continuem sendo levadas para outros países, as quais deixem sua população tradicional cada vez mais pobre e miserável, razão pela qual nos indignamos como filhos e filhas herdeiros dessa grande riqueza.


Diante disto o nosso sentimento é de repúdio e indignação. Junte-se a nós e divulgue nosso manifesto.


MOVIMENTO JURUTI VELHO EM AÇÃO


Vila Muirapinima, 18 de setembro de 2008.

terça-feira, 23 de setembro de 2008

COMO OS VEREADORES SÃO ELEITOS


* Fonte: Blog do Jairo Nicolau - http://veja.abril.uol.com.br/politica/blogs/eleicoes-2008/O Autor é Cientista Político e Professor do Iuperj.

Nos últimos dias fiz uma pesquisa informal. Perguntei a diferentes pessoas se elas sabiam qual era a regra utilizada para distribuir as cadeiras das Câmaras dos Vereadores entre os candidatos. Como existem bem mais candidatos do que vagas alguma norma há de ter para que alguns sejam eleitos e outros fiquem de fora. Nove entre dez pessoas disseram que os eleitos são aqueles candidatos mais votados (independentemente dos partidos ao qual pertencem) na cidade. Se uma Câmara tem nove vereadores, os nove mais votados se elegem.

Meus respondentes se surpreendem quando digo que esta não é a regra. Mas por que será que quase todos eles imaginam que seja assim? Minha impressão é que a lógica das eleições majoritárias para cargos do Executivo (prefeitos, governadores e presidente) acaba contaminando a visão dos eleitores. Se durante a campanha os vereadores pedem votos para si como os prefeitos, se no momento de votação na urna eletrônica os eleitores quase sempre votam em dois nomes (o do vereador e do prefeito) e assistem a seus retratos aparecerem na tela, é natural que tenhamos a impressão que o sistema é semelhante: o candidato mais votado para prefeito fica com a vaga; os mais votados para a Câmara dos Vereadores são eleitos.

O que poucos eleitores sabem é que o sistema eleitoral utilizado nas eleições para Câmara dos Vereadores é o proporcional. Neste sistema o mais importante é saber quantos votos cada partido (ou coligação) recebeu. Por isso, os votos de todos os candidatos que disputam por um partido (ou coligação) são somados e a eles são ainda acrescentados os votos de legenda.

Abaixo apresento um exemplo para que os leitores possam aprender como são eleitos os vereadores. O processo costuma confundir mesmo os que acompanham a política de perto, como jornalistas e militantes partidários. Sei que até políticos experientes às vezes se perdem nos seus detalhes. Por isso, para os que não tiverem paciência e interesse para ir adiante, o mais importante é entender que:

• Se você anula ou vota em branco seu voto não tem nenhuma serventia na distribuição das cadeiras.

• Se você vota em um determinado candidato, este será somado ao de outros candidatos do mesmo partido (ou coligação).

• Se você vota na legenda, seu voto é somado aos votos dos candidatos que pertencem àquela legenda. Caso o partido esteja coligado, entram na conta os votos dos candidatos e o voto de legenda de outros partidos.

• Se o partido que você votou não atingir um mínimo de voto (o quociente eleitoral) ele não pode receber nenhuma cadeira.

• Você pode votar em um candidato que recebeu muitos votos e ele pode não se eleger; enquanto outro com muito menos votos é eleito. E vice-versa.

As contas para a eleição de um vereador

Vou tentar mostrar como a distribuição das cadeiras da Câmara dos Vereadores é feita a partir de um exemplo hipotético. Imagine uma cidade com 60.000 eleitores que elege 10 vereadores. Cinco partidos apresentaram candidatos a vereador e tiveram as seguintes votações: PMDB (16.000 votos), PT (14.000 votos), DEM (11.000 votos) PSDB (7.500 votos), e PTB (1.500 votos). O número de eleitores que não foram votar é de 6.000 e dos que deixaram os votos em branco ou anularam é de 4.000.

Vou apresentar os passos para se calcular as cadeiras de cada partido. Os leitores (as) que desejarem podem obter os resultados de eleições de outras cidades e tentar seguir o mesmo roteiro:

1. Retire dos eleitores inscritos, aqueles que faltaram (abstenção). No nosso exemplo, faltaram 6.000 pessoas. Assim, ficamos com 54.000 eleitores que compareceram.

2. Retire dos que compareceram, os que votaram em branco e anularam o voto. No nosso exemplo o total de pessoas que votaram em branco ou anularam foi de 4.000. Ficamos com 50.000 votos válidos.

3. Divida os votos válidos (50.000) pelo número de cadeiras da Câmara dos Vereadores (10.000) e encontre o quociente eleitoral: 5.000 votos.

4. Observe que se um partido não atinge o quociente eleitoral ele não pode receber nenhuma cadeira. No nosso exemplo, o PTB obteve 1.500 votos, então ele não elegerá nenhum vereador.

5. Divida o total de votos de cada partido pelo quociente eleitoral. O resultado indicará o número de vereadores que cada partido elegerá:



6. Observe que após a divisão acima oito cadeiras foram alocadas para os partidos. Ficaram, portanto, faltando duas. Essas são distribuídas por um método bem complicado, conhecido como o de maiores médias: o total de votos de cada partido é dividido pelas cadeiras que ele obteve mais uma. Depois da divisão, os que ficarem com os maiores médias elegem a próxima cadeira:


As duas maiores médias foram do PMDB e do PT, por isso estes dois partidos receberam as duas cadeiras restantes.

7. O número final de vereadores eleitos pelos partidos é o seguinte: PMDB (4); PT (3); DEM (2); PSDB (1).

8. Os candidatos mais votados de cada partido ocupam as vagas obtidas.

domingo, 21 de setembro de 2008

LENDO FREUD PARA SE CONHECER


Ademir Ramos*


Alguns leitores deste trabalho** podem ainda ter a impressão de que já ouviram, de modo demasiado freqüente, a fórmula sobre a luta entre Eros e o instinto de morte. Ela foi não só empregada para caracterizar o processo de civilização que a humanidade sofre, mas também vinculada ao desenvolvimento do indivíduo, e, além disso, dela se disse que revelou o segredo da vida orgânica em geral.

Acho que não podemos deixar de penetrar nas relações existentes entre esses três processos. A repetição da mesma fórmula se justifica pela consideração de que tanto o processo da civilização humana quanto o do desenvolvimento do indivíduo são também processos vitais – o que equivale a dizer que devem partilhar a mesma característica mais geral da vida.

Por outro lado, as provas da presença dessa característica geral, pela razão mesma de sua natureza geral, fracassaram em nos ajudar a estabelecer diferenciação – entre os processos -, enquanto não for reduzida por limitações especiais.

Só podemos ficar satisfeitos, por tanto, afirmando que o processo civilizatório constitui uma modificação, que o processo vital experimenta sob a influência de uma tarefa que lhe é atribuída por Eros e incentivada por Ananké – pelas exigências da realidade -, e que essa tarefa é a de unir indivíduos isolados numa comunidade ligada por vínculos libidinais.

Quando, porém, examinamos a relação existente entre o processo desenvolvimental ou educativo dos seres humanos individuais, devemos concluir, sem muita hesitação, que os dois apresentam uma natureza muito semelhante, caso não sejam o mesmo processo aplicado a tipos deferentes de objeto.

O processo da civilização da espécie humana é, naturalmente, uma abstração de ordem mais elevada do que a do desenvolvimento do indivíduo, sendo, portanto, de mais difícil apreensão em termos concretos; tampouco devemos perseguir as analogias entre a um extremo obsessivo.

Contudo, diante da semelhança entre os objetivos dos dois processos – num dos casos, a integração de um indivíduo isolado num grupo humano; no outro, a criação de um grupo unificado a partir de muitos indivíduos -, não podemos surpreender-nos com a similaridade entre os meios empregados e os fenômenos resultantes.

Em vista de sua excepcional importância, não devemos adiar mais a menção de determinado aspecto que estabelece a distinção entre os processos.

No processo de desenvolvimento do indivíduo, o programa do princípio do prazer, que consiste em encontrar a satisfação da felicidade, é mantido como objetivo principal. A integração numa comunidade humana, ou a adaptação a ela, aparece como uma condição dificilmente evitável, que tem de ser preenchida antes que esse objetivo de felicidade possa ser alcançado. Talvez fosse preferível que isso pudesse ser feito sem essa concepção.

Em outras palavras, o desenvolvimento do indivíduo nos parece ser um produto da interação entre duas premências, a premência no sentido da felicidade, que geralmente chamamos de “egoísta”, e a premência no sentido da união com os outros da comunidade, que chamamos de “altruísta”. Nenhuma dessas descrições desce muito abaixo da superfície.

No processo de desenvolvimento individual, como dissemos, a ênfase principal recai sobretudo na premência egoísta – ou a premência no sentido da felicidade - , ao passo que a outra premência, que pode ser descrita como “cultural”, geralmente se contenta com a função de impor restrições.

No processo civilizatório, porém, os eventos se passam de modo diferente. Aqui, de longe, o que mais importa é o objetivo de criar uma unidade a partir dos seres humanos individuais. É verdade que o objetivo da felicidade ainda se encontra aí, mas relegado ao segundo plano. Quase parece que a criação de uma grande comunidade humana seria mais bem sucedida se não se tivesse de prestar atenção à felicidade do indivíduo.

Assim pode-se esperar que o processo desenvolvimental do indivíduo apresente aspectos especiais, próprios dele, que não são reproduzidos no processo da civilização humana. É apenas na medida em que está em união com a comunidade como objetivo seu, que o primeiro desses processos precisa coincidir com o segundo.

Assim como um planeta gira em torno de um corpo central enquanto roda em torno de seu próprio eixo, assim também o indivíduo humano participa do curso do desenvolvimento da humanidade, ao mesmo tempo, que persegue o seu próprio caminho na vida.


* * O trabalho referente é “O Mal-Estar na Civilização” de Sigmund Freud, Rio de Janeiro: Imago editora, 1974. Publicada, originalmente, em Londres em 1930.

* Coordenador Geral do NCPAM, Antropólogo e professor da UFAM.

sábado, 20 de setembro de 2008

FÓRUM DA DIVERSIDADE CULTURAL NO AMAZONAS


A manifestação é uma expressão do movimento cultural do estado articulado e organizado pelo Ponto de Cultura Pé Na Taba (CEDECA), contando com o apoio do SEBRAE Amazonas, do NCPAM, do Ministério da Cultura e outras organizações parceiras.

O I Fórum da Diversidade Cultural do Amazonas foi realizado em Manaus, no plenário da Câmara Municipal, nesta sexta-feira (19), oportunidade em que o professor e antropólogo, coordenador do NCPAM, proferiu palestra, que publicamos na integra para as devidas considerações dos nossos leitores:

O momento é oportuno para se discutir propostas e confrontar as práticas culturais implementadas no Amazonas. O propósito é definir uma plataforma cultural propositiva para garantir nossa participação no Plano Nacional de Cultura assentada na diversidade e na valorização dos atores locais numa perspectiva da economia criativa.

Esse novo postulado decorre de uma nova prática, que requer participação efetiva na formulação e definição das políticas públicas, bem como na gestão dos negócios. Nesse contexto político, muito tem se falado sobre a relação Sociedade e Estado referente à Soberania popular como expressão orgânica das estruturas sociais, a imprimir na Constituição do Estado Democrático, conceitos identitário, étnico e tradicional, capazes de qualificar territórios e nações à luz das culturas.

Somado a essas práticas políticas respaldadas no fortalecimento das organizações sociais passamos a compreender a cultura como matriz de desenvolvimento humano, criadora de um sentimento pátrio, manifestando pertencimento à determinada comunidade, sociedade e nação.


Dessa feita, pela sua importância e pelo valor estratégico, as políticas culturais de Estado deveriam merecer prioridades dos governantes, não como ação concorrente, mas enquanto instrumento catalisador, visando o fortalecimento das organizações sociais, oferecendo os meios necessários para o desenvolvimento cognitivo e criador dos artistas, produtores e agentes culturais.


Essas conceituações são importantes para se definir com clareza a função da gestão pública de Estado das Secretarias de Governo, que muitas vezes por vício é reduzida a produtora cultural, importando espetáculos e eventos para um público restrito e seleto num determinado espaço urbano, desqualificando, dessa feita, os talentos e valores locais e principalmente a cultura popular.


Essas práticas culturais oportunistas bem que poderiam realizar mega produções com recurso privado, contudo sem desmerecer da função de promover a arte e a cultura local, como ação estruturante de políticas públicas e não como rompante de um projeto midiático, eventual e oportunista.

O que se reclama no Amazonas é uma gestão cultural participativa, descentralizada, mediada pelo Conselho Estadual de Cultura, a promover amplo investimento no campo das artes, fortalecendo as organizações culturais enquanto produtoras e agentes da nossa cultura.


Ademais, reclama-se também da SUFRAMA – do Governo Federal – (bem que o MinC poderia intermediar matéria dessa natureza) uma participação efetiva na Cultura Regional por meio de um Programa de Incentivo a Cultura ou quem sabe a efetivação de um CONSÓRCIO CULTURAL, como sustenta a Zona Franca de Barcelona, catalisando as demandas dos estados membros, seleção esta, que poderia ser feita por editais, com transparência e responsabilidade, assim como tem sido feito pelo banco do nordeste e outros agentes regionais responsáveis.

Essas demandas exigem do Estado, novos marcos legal, bem como o reordenamento das estruturas operacionais impulsionadas, não mais por interesse de grupos privados e paroquiais, mas sim por interesse público, agregando valor à produção local e promovendo o reconhecimento dos seus atores.


Esse trabalho exige também dos artistas, produtores e agentes, novas atitudes, qualificando-os a participar de concorrência local e nacional para captação de recurso, que possa ser investido na competência intelectual, despertando novos talentos e habilidades pertinentes a elaboração, formatação e negociação de projetos culturais.


Nesse processo de negociação tanto o Estado como as empresas privadas são interlocutores necessários para que possamos garantir a efetiva realização dos programas e projetos, por outro lado, requer também das organizações culturais o cumprimento das formalidades quanto à contabilidade dos recursos repassados, credenciando as organizações a participarem de outros certames.


O desafio requer participação de todos e, sobretudo, interlocução que possa definir e decidir sobre nossas propostas. Por isso, reclama-se no Estado uma representação do MinC para que juntos possamos vencer o obscurantismo cultural plantado em nosso meio, rompendo o populismo, o mandonismo e o centralismo oligárquico herdado dos barões da borracha.

Da parte do NCPAM estamos prontos a contribuir na vanguarda desses novos empreendimentos. Esta tem sido a nossa luta, junto com bravos companheiros, amantes do saber e da cultura.

Obrigado!!!!

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

A POLÍTICA COMO ESTRATÉGIA DA CIDADANIA


Breno Rodrigo de Messias Leite*

Defender a Política nos dias de hoje é um tanto complicado. Defender a arte do poder é simplesmente colocar na ordem do dia o mais do mesmo da boa e velha filosofia política tão bem compreendida por John Rawls na sua indagação: o que é uma sociedade justa? Não vou respondê-lo, mas vou parafraseá-lo: o que é uma política justa?

Seguramente é questionável atribuir à Política qualquer juízo de valor preestabelecido. De Maquiavel aos dias de hoje é difícil aproximar moralismo barato e poder, e fazer com que esta união se sustente por muito tempo. No meu entendimento, a POLÍTICA deve ser o exercício do possível, a práxis do entendimento comum e da construção do consenso.

Nos dias de hoje, é estranhíssimo políticos profissionais não defenderem a Política como saída para as dificuldades, pois assimilam que para o “povão”, política significa pilantragem, corrupção... Por isso, os políticos preferem direcionar as soluções dos problemas para o lado do gerenciamento, da administração para assim “despolitizar” os problemas. Os políticos profissionais dizem que o problema da segurança pública é “técnico, não político”; a questão da C&T é um problema científico e não político; os rumos da economia devem ser tomados “pelos técnicos e especialistas” à medida que não é um problema político, mas um problema de cálculo diferencial, estatística, curva de oferta/demanda...

Os políticos profissionais que fazem essas considerações são hipócritas. Não merecem respeito intelectual ou mesmo Político. Agem covardemente no sentido de ludibriar e afastar a maioria da população das esferas públicas de discussão e decisão. Para que o cidadão possa romper com tal paradigma é preciso que exista um contra-discurso que opere em direção a promoção da Política enquanto valor humano, social e cultural da sociedade.

Nas eleições deste ano, levando em conta as críticas à falta de propostas das candidaturas e a ausência de debates públicos, o que realmente está em jogo é, em última instância, o poder político. A possibilidade real de após o enfrentamento eleitoral, os políticos eleitos conduzirem as formulações das políticas sociais, do orçamento e da direção da convergência do poder político. A política, embora não pareça, é o centro da discussão eleitoral. As eleições se conformam em torno das estratégias dos partidos políticos e dos candidatos para a conquista do executivo e das cadeiras do legislativo.

Nesse sentido, o nosso convite é para que o eleitor tenha a oportunidade de VOTAR EM CAUSAS, PROJETOS E IDÉIAS. O voto nos indivíduos na verdade é o voto de dissuasão, descompromissado com idéias de projetos municipal-regional-nacional. O voto no individuo sem causa, sem projeto e sem idéia, portanto, representa o apartidarismo e a busca de interesses imediatos seja no parlamento, seja no executivo.

A Política, com certeza absoluta, não se conforma como uma técnica controlada pelos especialistas. Pelo contrário. O método político democrático é a plataforma de discussão dos políticos profissionais e dos cidadãos. Portanto, o Município, o Estado e a União não deveriam ser as casas dos “policrata”, como Roberto Campos defendia. As esferas públicas de discussão e decisão são espaços a serem ocupados pelo povo e pelos seus representantes diretos. Por isso, defendo a participação cidadã na forma de democracia direta e representativa. A democracia brasileira só tem a ganhar, e a cidadania também.

* Artigo reeditado; o autor é mestrando em Ciência Política (UFPA), bolsista da CAPES e colaborador do NCPAM.

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

CIBERCULTURA E A VIDA ON-LINE


João Fábio Braga*


O processo de modernização dos meios tecnológicos da informação e da comunicação relacionados com sociedade do conhecimento mudou e muito a vida das pessoas e a forma de interatividade entre elas. Quem no passado imaginou viver sem jornal, sem rádio ou sem televisão? Atualmente, o meio midiático da internet cumpre esta nova função de informação de forma imediata, seletiva, reprodutiva e criativa, a qual recorre-se aos sites e diários eletrônicos, conhecidos como blogs.

A internet vem revolucionando as formas de interação e comunicação social em escala global. É notável, há mais de 10 anos, os blogs terem dominado a rede e vêm se apresentando como um novo paradigma na forma de escrever, de pensar, de expressar idéias e de interagir socialmente, como parte da complexa relação tecida entre os atores sociais.

Desde a invenção da imprensa dos idos de Gutenberg, os Blogs representam revolucionariamente um modelo tendencioso no campo da comunicação, uma vez que, não é necessário ser o privilegiado especialista das letras, ciências e mídia como formadores de opinião.

Devido a essa facilidade de atualização de conteúdos na rede de internet, anônimos – sujeitos sem rostos - acessarem a rede de computadores sem conhecimento técnico de HTML (sigla inglesa, de significado Linguagem de Marcação de Hipertexto) para publicarem a todo o momento qualquer assunto de seu interesse, sem levar em conta a preocupação de escrever bem ou não, pois o mais importante é manifestar o seu pensamento tornando-o público, valendo-se da crítica ou não, num espaço virtual de discussão e diálogo.

No entanto, configura-se na sociedade em Rede um dinamismo social de relações intersubjetivas tanto entre blogueiros e comentaristas quanto nos sites de relacionamentos, os quais abordam diversos assuntos, que vão desde política, sexo, arte e tecnologia, até a exposição da vida privada de cidadãos comuns, por meio de publicação de fotos rotineiras em comunidades virtuais com este propósito, confidenciando suas intimidades ao atento público virtual.

Percebe-se que o fenômeno dos blogs proporciona neste espaço midiático de rede novos modelos de relações sociais, e efeitos que se desdobram numa velocidade inimaginável e sem controle algum, tendo conseqüências de âmbito jurídico, por causa de divulgações ilícitas na rede: racismo, pedofilia, neonazismo, invasão de privacidade, falseamento ideológico que comprometem inocentes etc. Tudo isso revela a preocupação e a seriedade que a sociedade deve encarar essa nova realidade, principalmente quando a internet é a extensão da vida social e cultural; nesse sentido, exige-se das instituições jurídicas e políticas aparatos legais para regrar tais comportamentos dúbios e de periculosidade evidenciada na rede.

Para além desses problemas, é inegável, que os blogs são, sem dúvida, um instrumento fantástico de manifestação social, onde pessoas quaisquer que sejam podem criar seu diário pessoal ou coletivo. Através desse novo meio de comunicar, notamos que os diários eletrônicos e outras formas de interação em rede, possibilitada pela globalização tecnológica, vêm transformando e construindo rede de relações e significados que poderíamos chamar de cibercultura.

As ferramentas da internet e o acesso a ela tornam-se cada vez mais um espaço de construção plural-democrático e sem censura para expor pensamentos. Por um lado, é positivo falar sobre idéias, política, literatura, notícias, mas por outro, é muito grave e assustador os crimes e apologias que depredam e desrespeitam a imagem humana. Portanto, são os riscos e desafios que deveremos nos atentar tanto nas possibilidades de democratizar o acesso à rede com responsabilidade de educar, quanto ao mesmo tempo vigiar o acesso para práticas duvidosas, depreciativas e ilegais, o que já ocorre por todo o mundo.

A vida on-line nem sempre será o que sonhamos, mas manterá sua diversidade na rede mundial de computadores. Hoje é difícil pensarmos a vida relacional sem recorrermos a estes instrumentos que revolucionam o mundo na sua totalidade, inaugurando novas práticas culturais, políticas e socioeconômicas.


* Coordenador Editorial do NCPAM e Cientista Social.

sábado, 13 de setembro de 2008

OFICINA LITERÁRIA - LEMBRANÇAS DE UM NORDESTINO



Pedro Braga*


O tinir da colher no prato de vidro já denunciava que acabara de fazer sua refeição das doze horas. Respira fundo; passada a língua no interior da boca, para retirar os últimos farelos de farinha de mandioca dos dentes e gengivas, empurra levemente o prato para um pouco menos do meio da mesa. Levanta, direciona-se até o jirau, logo lava mãos e bocas tomadas pelo cheiro peixe e banha de porco. O prato sujo, agora, não era mais objeto do Louro, porque estava usado, ensebado, e dependia da efêmera posse de Dona Maria para lavá-lo e, quem sabe no outro dia, servir novamente um neto, uma filha que a visita ou mesmo o próprio esposo.


Após daí, o velho se retirava da mesa. E em rumo à sua rede, pensava sobre tarefas seqüenciais as quais deveria exercer quando fosse tocar o comércio à tarde. Deitado, além das tarefas a resolver posteriormente, em freqüência se deleitava com imagens pretéritas de quando era criança e sua morada, no sertão nordestino. Soltava um sorriso tímido ao ser visitado pela imagem infantil de seus filhos quando estes eram pequeninos, e, mesmo com a atual circunstância de sua vida, não se importava, pois os meninos já estavam fortes, altos, outros casados e todos “bem de vida” – como dizia.


Seu Louro, às treze e quarenta e cinco, por seis dias semanais, pulava do cochilo de início de tarde. Apossava-se de seu valente chapéu de palha, sempre ao lado ou por perto, se vestia da blusinha social azul de botão, meio encardida e manga cortada. Repousava os óculos ao rosto, empunhava o facão; lá ia ele. Tronco e passo firmes, olhando quase para o chão; na verdade não olhava, mas sim meditava, talvez pensasse sobre algum assunto que devia ser vital para sua vida, que o desconheço. O barulho de seu velho chinelo de dedo ressoava naquele piso de terra batida – chap, chap, chap. Era assim, pois, que o via, figura interessante; um personagem importante na vida de muitos por ali.


Posterior ao quiosque aberto, projetava a mão destra no bolso, retirava um tipo de colar composto por um só símbolo, no qual não se encontra mais ninguém sob pena de crucificação. Anelava-o ao pescoço e continuava a trajetória mais do que confiante. Arrumava na vitrine imaginária do estabelecimento, formada por longos ganchos de metal, as frutas que existiam por ali – pencas de bananas maçãs, pratas ou pacovãs –. Enfileirava garrafas de méis – abelha ou de cana –. Jerimum, melancia, cheiro-verde, capim santo, maxixe, enfim. Embora miúdo que fosse o quiosque, diversas eram as especiarias oferecidas sob venda por aquele nobre senhor. O que a nós, colegas de rua e vizinhos do velhinho, instigava-nos enorme espanto, porque mal cabiam no reduzido espaço do local. A memória ainda me permite lembrar das palavras de um amigo quando se referia ao caso: “Como é que esse velho consegue guardar tudo isso aí num espaço tão pequeno hein, bicho?” E começávamos a rir...


E a cantoria iniciava; todos os modelos de versos passivos às regras musicais saíam da garganta do velho. Até em línguas desconhecidas para o povo brasileiro, estrofes eram entoadas, muitas das vezes, pois, harmonizadas pelo seu antigo violão. Vinha a clientela de diversas partes da cidade. Simultâneos a ela vendedores, amigos, parentes, cobradores, e, na chegada deste último, que justifica o apreço que seu Louro tinha em comprar mobília e objetos de ornamento interno para a casa, gritava: “FICA AQUI NO QUIOSQUE MARIA!” A senhora chegava correndo. Ele, qual sua esposa, também saia correndo na direção do ofuscado local onde se escondia a bagatela de dinheiro que guardava permeado por uma sacola plástica; escondido ora debaixo do colchão ou em algum dos basculantes do assoalho de sua casa de madeira. Voltava ao quiosque como um jato e pagava suas dívidas muito sorridente e satisfeito, apertando com sinceridade, após receber o recibo, a mão que o cobrava. O jovem cobrador se ia, e seu Louro o mirava até que dobrasse a esquina. Ficava feliz e pensativo, pois conseguira neste dito momento quitar as prestações de seu imponente guarda-roupas de madeira, coisa desconhecida para ele há algum tempo atrás.


Se o relógio marcava dezessete, fechava tudo na maior velocidade. Tomava banho, arrumava-se e marchava para as Pedreiras, pequeno bairro no qual fazia parte de vívido grupo de amigos que se encontravam para conversar, cantar, brincar, sorrir. O que admira é que ia a pé, e o dito bairro era longe, diga-se, do outro lado da cidade.


Era de se espantar a força que o velho senhor detinha; não a física, que também vale dizer, mas o desejo pela vontade de viver. Nada o incomodava; tudo era sinônimo de amor, paz, o que o fazia acreditar que tudo tinha jeito neste mundo; todos poderiam mudar, viver e ser felizes nesta vida.


Três de Abril de 1993, data trágica para os familiares do seu Louro. Que, anteriormente, já vinha se queixando de dores que se configuravam em problemas àqueles que estariam ao redor. O senhorzinho estava doente fazia algum tempo; triste! Contraiu degradante doença enquanto trabalhava, no tempo, em seringais da Amazônia brasileira. Por desconhecer que era doente, não se tratou medicamente e, na data discorrida, foi alvejado pelo dardo a que todos atinge, a morte.


Não esqueço o fim de tarde em que, chegando da escola, avistei de longe meus colegas ainda fardados tentando chamar-me atenção para algo não habitual que ocorria na rua neste exato instante. O nobre senhor “Louro Novo”, como era chamado, acabara de falecer. Perguntei aos colegas “como é que vocês sabem disso?”. Um deles, Jean, logo pulou na frente e disse que vira suas filhas e netas chorando e, logo após tal cena, o carro funerário da cidade em cujo banco carona assentava-se Dona Maria, também em prantos. Ficamos paralisados por longos minutos. Decidimos; entrar para nossas casas, tomar banho e voltar pra ver o que ocorreria; fomos, viemos e nada aconteceu ou apareceu. Exceto a casa de seu Louro de cujas janelas abertas enxergávamos, mesmo do outro lado da rua, alguns de seus amigos, filhas e netas. Agora tínhamos certeza; morreu!


No dia seguinte, sábado, todos já tínhamos plena certeza de que devíamos prestar nosso carinho para com o corpo daquele falecido senhor. Nenhuma das mães permitiria que fossemos ao velório, inclusive a minha. Porém, estrategistas que éramos, reunimo-nos e fomos mesmo assim. Chegando lá; que cena presenciei naquele quartinho simplório onde se encontrava o senhor Louro, estirado sobre o caixão! Boa parte do que vi naquele dia e lugar fora expelido de minha mente. Mas existe uma imagem que se consolidou em minha vida. A de um de seus netos, talvez o mais novo, caçula, que, divisando seu avô do colo de seu pai, choramingava pedindo: “vovô, quebra a janelinha dessa caixa e vem brincar comigo, vovô. Vem brincar de onça e gato do mato, vovô”. E o menino colocava-se em choro constante, ora repetindo tais palavras ora abraçando seu pai, bem como a lagrimar seus verdes olhos. Passei severas semanas refletindo sobre as palavras do garoto. Porventura desconhecesse ele a fatalidade da morte a qual se faz futuro de todos, e pensasse que seu avô estava apenas em sono profundo. Ou, se soubesse, não se interessasse pela atual imagem do velho, mas sim pelo que ele representava para si; o devotado velhinho de cujo sorriso amoroso sempre pronto para oferecer-lhe os mais ludibriantes momentos de lazer. Não um lazer econômico, desses que compreende a pobre ação de se levar o filho para um parque e entupi-lo de doces e tickets de brinquedos gigantes; mas o lazer romântico no qual não se emprega dinheiro, o lazer que surge de um olhar verdadeiro, dum sorriso sincero, do hilário panorama fatal que a vida nos apresenta, por conseqüência, atentamo-nos a sorrir.


Como disse, éramos meninos estrategistas e brechadores de raparigas quando seu Louro Novo morreu. Até podíamos possuir novata sensibilidade analítica para pensarmos sobre as possíveis causas naturais de sua morte, bem como as conseqüências que acarretariam na vida de muitos que, naquele instante, precisariam tocar seu cotidiano furtado da presença do senhorzinho. Mas ainda éramos incipientes no assunto, tanto que durante meus últimos anos em que morei naquela pequena cidade de pouco mais de dez mil habitantes, nunca sequer percebi o abstrato que me comprimia meio àquelas ruas sem asfalto. Só hoje me foi perceptível, vinte e cinco anos após minha partida.


Por motivos familiares, alguns de nós, colegas de infância e agora de trabalho, voltamos em visita à cidade. Caminhando por ruas já de concreto, em especifico as próximas de casa, senti algo anormal. Algo transcendente, talvez uma força, o vento, o chacoalhar das árvores me impulsionavam a pensar naquele querido senhor que há muito tempo não mais via. A sensação era como se não estivesse um dia falecido, mas se fora. Como se os rastros de seu chinelo ainda marcassem a terra logo por ali e, chegando em casa, olharia pela janela e de certo o veria dentro de seu quiosque exercendo com amor o seu ofício. O aperto sincero à mão de um homem que lhe cobra. O admiraria pelos seus firmes passos e amor pela vida. Certamente, sob as ordens de minha mãe, muito me honraria, ao comprar algo em seu comércio, contemplar pela última vez o seu olhar. Olhos e palavras dignos, incorruptíveis, sinceros de um homem cuja vida foi contemplada pela polidez perpétua da sabedoria.

*Editor de Redação do NCPAM e estudante de História da Universidade Federal do Amazonas.


sexta-feira, 12 de setembro de 2008

O AMAZONAS EXIGE RESPEITO


Ademir Ramos*

Certa vez, os homens e mulheres de uma aldeia insatisfeitos com as ordens imperiais resolveram tomar para si a responsabilidade de decidir sobre a sua vida e de sua floresta. Na noite marcada reuniram-se em volta da fogueira, cantando e dançando para decidir que não serviriam mais de mula para os aventureiros porque eram homens e não bestas.

Essa gente sofrida que parecia não ter mais força para reagir contra seus malfeitores levantaram sua voz e firmaram posição contrarias as ordens palacianas, que excluíam o povo de participar diretamente da distribuição da riqueza e do poder gerado no seu próprio território.

Esse povo de fibra que se levanta indignado, bem que poderia ser os amazonenses e, em particular os manauaras, trabalhadores do Parque Industrial de Manaus, produtor de mais de 14 bilhões de dólares por ano, gerando um orçamento público governamental aproximado a 30 bilhões de reais para o governo e mais 7 bilhões para a prefeitura de Manaus por 04 anos de mandato. Esse povo é também o titular de um patrimônio natural incomensurável.

No entanto, vem sofrendo barbaridade tanto na capital quanto no interior do Estado, por ausência de políticas públicas que promovam estrutura de saneamento básico – água potável, esgoto, aterro sanitário... -; educação de qualidade, que permita as crianças e jovens desenvolverem suas aptidões cognitivas, bem como suas habilidades e competências; assistência integral a saúde e oportunidade de trabalho, emprego e renda, que garanta sustentabilidade as famílias e suas comunidades.

Bem que o Amazonas merecia um governo capaz de atender estas e outras demandas coletivas e sociais. No entanto, os seus mandatários não têm dado prioridades para estas ações. Pois, cada governo que assume inventa de criar a roda, priorizando outras ações em favor de interesses particulares, cavando cada vez mais a desgraça do povo de nossa terra. Eles se parecem com os ditadores do passado, que inventaram a construção da Transamazônica – uma grande estrada margeando o imenso rio das Amazonas – inflado pelo espírito do milagre ou pelo ufanismo surreal do pré-sal, exploração mineral e prospecção pretrolífera.

Certamente, o povo continuará sofrendo porque quando se reclama de assistência integral à saúde, educação de qualidade, valorização da cultura e outras prioridades fundamentais, os candidatos respondem de imediato, que vão construir hospitais, escolas e, não duvidem não, são capazes de afirmar cinicamente, que vão asfaltar o rio Negro para que a indústria automobilística venha implantar fabricas em nosso território, gerando trabalho para nossa gente... bando de cara - de - pau!

Contudo, a razão do sofrimento não está na dor que o povo sente, mas, no poder que esse povo tem e delegou por meio do voto aos lideres malfeitores. Essa reflexão deve ser feita por todos nós para que não erremos mais e possamos contribuir para a melhoria de nossa gente, exigindo dos prefeituráveis clareza nas propostas e compromisso firme com os interesses populares.

É como se fosse uma travessia que estamos fazendo em alto rio. Venha chuva ou temporal é preciso saber o que queremos e aonde vamos chegar. Se o temporal for forte, gerando grande banzeiro, temos que parar no porto mais próximo, mas, assim que passar - vamos juntos no mesmo barco em busca de um porto seguro, que dê abrigos para nossas crianças, jovens e idosos, despertando em nossos corações e mentes a confiança e a credibilidade que nos foi roubada.

Portanto, levantemos a cabeça e com toda força d’alma diremos a esses candidatos corruptos, que “não somos bestas, somos homens e por isso exigimos respeito”. Feito isso, começamos a vislumbrar novos horizontes, transformando o voto num instrumento de Direito e de Justiça Social.


* Coordenador do NCPAM; é antropólogo e professor da UFAM.

domingo, 7 de setembro de 2008

UM POUCO DA HISTÓRIA DA RAPOSA SERRA DO SOL


Maria Rachel Coelho*

A demarcação das Terras Indígenas da Raposa e da Serra do Sol tem sido inviabilizada reiteradamente por autoridades do Congresso Nacional e da Assembléia Legislativa do Estado de Roraima. As mesmas que apoiaram a invasão dos arrozeiros em 1994, que se instalaram na área, premiados com a isenção de impostos para respaldar um lucrativo negócio com ações na justiça contra os direitos indígenas.

As terras dos povos Macuxi, Wapixana, Ingaricó, Taurepang, Patamona da Raposa e da Serra do Sol foram invadidas na década de 70 e os índios submetidos à situação de escravos nas fazendas de gado, alvos de toda sorte de violência e discriminação. Muito parecido com a forma utilizada durante o período colonial, quando, para justificar a chamada “guerra justa”, se acusava os índios de praticarem delitos, toda vez que existia o interesse de avançar sobre suas terras e de buscar mão-de-obra escrava.

Em 1995, foi criado artificialmente o Município de Uiramutã totalmente situado dentro da Raposa, Município que o Estado só conseguiu criar baixando o quorum eleitoral no segundo plebiscito, com sede na aldeia Uiramutã, invadida por garimpeiros. Na tentativa de consolidar esse Município, os militares construíram um quartel inaugurado em 2002. Uma vez instalado o Município começaram a espalhar a notícia mentirosa de que a demarcação da Raposa criaria um grave problema social, pois milhares de pessoas seriam desalojadas da sede municipal quando não passavam de 115 não-índios, na maioria funcionários municipais.

Em 2004, o governo Lula, hesitou em homologar a portaria demarcatória de 1998. Desde os primeiros dias de seu governo, em Janeiro de 2003, o assassinato do Macuxi Aldo da Silva Mota ilustrara claramente a gravidade do conflito fundiário travado com os poderes político-econômicos de Roraima misturados a interesses oligárquico-coronel-clientelistas locais. O corpo foi enterrado numa fazenda de forma absurda, dentro da TI, e o laudo do IML de Boa Vista atestou “causa natural indeterminada”, mesmo depois do IML de Brasília ter confirmado que o Macuxi fora executado com tiros nas costas e braços erguidos. Mas nem mandantes e executores, nem o legista falsário sofreram conseqüências desses atos criminosos.

No final de 2003, frente à maciça mobilização indígena, Lula anunciou que iria homologar a TI. Ao mesmo tempo a operação “Praga do Egito” prendia vários políticos roraimenses pelo “escândalo dos gafanhotos”, um gigantesco desvio de recursos estaduais por funcionários fantasma. Ainda com “gafanhotos” atrás das grades, em Janeiro de 2004, ameaçado de morte, o administrador da FUNAI deixou o Estado poucas horas antes de um protesto dos arrozeiros da RSS contra declarações do Ministro da Justiça. Eles cercaram Boa Vista em estado de sítio por uma semana, aterrorizando aliados da causa indígena, invadindo a FUNAI e o INCRA e ameaçando a Diocese. O “movimento pró-Roraima” pichava carros e muros da capital com “Fora Funai”, “Xô Ong’s”, “Fora Diocese”. Enquanto isso, em pleno carnaval, o funcionário da FUNAI Valdes Xerente era morto por garimpeiros na TI Yanomami.

O Governo Federal negociava uma solução com representantes e aliados de interesses ilegais quando, então, o STF teve sua 1ª participação nessa história. Julgando uma ação popular contra a demarcação da TIRSS, movida pelo ex-presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB/RR, que, por sua vez, foi um dos réus (suspeito mandante), em 2000, do processo que ficou conhecido por “chacina do Cauamé”, mas que terminou com a absolvição de todos pela Justiça Estadual, que entendeu ter havido um “suicídio coletivo” de 7 jovens, e fundamentou como “fatos novos” a ocorrência de conflitos na TI, como a invasão da Escola Indígena de Surumu, o bloqueio de estradas e outros incidentes. O STF, então, na ação popular, suspendeu liminarmente a demarcação, abrindo espaço para novos atos de violência anti-indígena, seqüestro de religiosos e funcionários da FUNAI, destruição de aldeias próximas às frentes de expansão das lavouras de arroz.

Em Abril de 2005 um acordo entre Supremo e Governo viabiliza a homologação da TI em área contínua, mesmo que com alguns “ajustes” como a permanência do Município de Uiramutã e dupla afetação do PARNA Monte Roraima e recortes mínimos (sede do Município, estradas e linhas elétricas), marcando formalmente o fim provisório do conflito. Na homologação o governo sancionou um ano como prazo máximo para retirar os ocupantes não-índios. Depois de mais de duas décadas de luta, os índios imaginaram ter paz, apesar da violência dos invasores prosseguir. Queimaram pontes, incendiaram o Hospital e Centro Indígena de Formação de Surumu, entre outros atos e ameaças. A ação do governo federal, embora lenta, honrava o compromisso assumido: entre cerca de 350 ocupantes, a grande maioria era indenizada e deixava a área, e apenas meia dúzia de arrozeiros resistiam em cumprir as determinações da lei. 

O governo se obstinava em buscar negociar uma saída pacífica, passavam dois anos do prazo determinado, e diminuía a confiança dos índios na vontade ou capacidade do governo em retirar os últimos invasores. Após o adiamento das duas primeiras operações de retirada (Upatakón I e II), no início de Março de 2008 os índios voltavam a pressionar o governo para levar realmente a frente a anunciada operação Upatakón III.

Os arrozeiros, cujo líder, Prefeito de Pacaraima cassado por crimes eleitorais, reassume entretanto o cargo por decisão judicial. Com a certeza do apoio do Prefeito Quartiero para reconstruir com recursos públicos, em ações de resistência armada à Policia Federal o arrozeiro Quartiero destrói novamente pontes e estradas.  

Este ano,, em pleno Abril, mês dos índios, o Governo de RR, desta vez, representado por um procurador, hoje preso pela “Operação Arcanjo”, suspeito de envolvimento com redes de pedofilia, junto a um deputado federal, candidato a prefeito em Boa Vista, pleiteia perante o STF a suspensão da Upatakón III. A decisão do STF, em conceder liminar em favor de criminosos comuns, políticos e ambientais, impedindo o cumprimento de uma ação da polícia federal, deixa a todos surpresos e perplexos.

Em 5 de maio, o arrozeiro-prefeito Quartiero manda jagunços atirarem bombas em indígenas que pacificamente construiram malocas de madeira e palha em suas terras. A versão que Quartiero divulga à imprensa, é a de que seus funcionários teriam reagido às flechadas dos índios, o que só se desmente graças às únicas armas em mãos dos índios: máquinas fotográficas e filmadoras. Com as imagens do ataque no youtube e na mídia, e o Ministro da Justiça em RR, Quartiero é preso (temporariamente) pela PF, um arsenal de guerrilha flagrado no meio de seus maquinários agrícolas, e os arrozeiros multados pelo IBAMA. 

Apesar das barbaridades éticas e políticas do conflito, alimentadas por uma desinformação sensacionalista e declarações subversivas de alguns militares, um “surto anti-indígena” se espalha pelo país. Pior, voltam a tona, em declarações de intelectuais, políticos e até de Ministros, inclusive do STF, afetando totalmente a imparcialidade exigida para o julgamento da causa. Teses absurdas como a ameaça à soberania nacional para que grileiros continuem engordando seus patrimônios, destruindo a Amazônia com subsídios governamentais, resistindo armados à polícia federal, assessorados por militares bolivarianos, e hasteando a bandeira da Venezuela na área.

Argumentos antigos continuam sendo usados como a “falta de terras” para o Estado. Com 224.300 km2, 90% do Estado de São Paulo, Roraima tem 419.000 habitantes, menos que um bairro da capital São Paulo e 76% da população é urbana. A que vive do campo soma apenas 100.000, com mais da metade (55.000) indígena. Não há diferenças na densidade rural média entre áreas indígenas (0,43 hab./ km2) e não indígenas (0,46 hab./ km2). Com 1,09 hab./ km2 a RSS é entre as áreas rurais mais povoadas, desmentindo a tese do vazio demográfico em faixa de fronteira, a não ser que a tese considere os índios não-humanos. Fora das áreas indígenas, 28.000 km2 aptos para agricultura estão inutilizados. O que não falta em Roraima é terra para não-índios, o Governo Estadual se queixa da falta de terras, mas não desenvolve as áreas disponíveis.

O que também não falta é representação política. Como 40 milhões de paulistas, 400.000 roraimenses elegem 3 senadores: o voto de 1 roraimense vale o de 10.000 paulistas, pois em São Paulo um senador é eleito com 1 milhão de votos, em Roraima com 10.000, a compra é mais fácil. Talvez isso explique a política ser a principal fonte de renda do Estado, e as verbas federais a de quase 90% das estaduais. Pelo “pacto federativo” que os políticos roraimenses denunciam estar sendo violado pela demarcação da TIRSS, os contribuintes brasileiros financiam clientelismo da administração estadual (o primeiro concurso público foi em 2004), corrupção, desvio de dinheiro público e compra de votos (como mostram o escândalo dos gafanhotos, governadores e prefeitos cassados), assim como subsídios e isenções de impostos concedidos a meia dúzia de arrozeiros, invasores de terras indígenas e destruidores do meio ambiente.

Quando defende a produção de arroz na economia estadual, o governo de RR omite dados como estes, que reduzem o mérito empreendedor de quem produz em terras da União, sem pagar impostos, com insumos subsidiados, e descumprindo normas ambientais.

As evidências da sistemática aliança entre abusos de poder político-econômico e impunidade em torno da causa anti-indígena, já abundantes no passado, parece continuar ainda hoje. No dia 27 de agosto passado ao sairmos do STF fomos surpreendidos com um boato de que o julgamento seria estrategicamente “empurrado” para o final de 2009.

Está nas mãos do STF o poder de decidir a favor ou contra os povos indígenas; a favor da maioria da população que vive em Roraima e desta vez o julgamento assume proporções politicamente históricas, porque está legitimando implicitamente formas, violentas e não-violentas, de luta social além das conseqüências futuras que terá, em reafirmar ou reverter um rumo civilizatório de expansão dos direitos humanos, entre eles o direito à diferença, como alicerces da democracia e do Estado de Direito.

Até aqui só se viu métodos violentos subversivos, de desafio ao estado de direito, que não só ficaram impunes, mas que foram politicamente legitimados e fortalecidos pelo Judiciário.

O recado que, ao suspender a Upatakón III frente à reação violenta dos arrozeiros, o STF enviou às partes sociais em conflito, contradiz a posse de sua nova presidência, que declarou não admitir o conflito social sem o respeito às leis. A não ser que o atual Presidente do STF tivesse como alvo só algumas partes, como por exemplo banqueiros. Os arrozeiros de Roraima mostram ter entendido o recado exatamente neste sentido, pois levaram produtores do Mato Grosso do Sul que compartilham sua paixão anti-indígena, para preparar a próxima operação de guerra por lá, e continuam o monocultivo do arroz a custa do envenenamento dos rios por agrotóxicos.

O desfecho também pode ser trágico para o conjunto de direitos, humanos e territoriais, dos demais povos indígenas do Brasil. Não é difícil imaginar o efeito dominó, e a multiplicação dos conflitos fundiários, que uma decisão contrária à manutenção da demarcação contínua da TIRSS desencadearia no resto do País, onde, de olho nesse julgamento, os que cobiçam Terras Indígenas já regularizadas já estão se armando, juridicamente e com outros meios, para suas próximas ações de invasão e grilagem.

Mas o que mais surpreende e preocupa, é que enquanto descaracterizam e desqualificam a identidade indígena dos povos da RSS, para negar-lhe os direitos reconhecidos pela Constituição Federal, direito originário às suas terras porque a presença dos povos indígenas é anterior à criação do próprio Estado Brasileiro, estando essas terras localizadas no centro ou nas fronteiras do país, reforçam um preconceito racista e intolerante, na contramão de processos histórico-sociais, culturais e jurídicos de crescente respeito e valorização de todas as formas de diferença que caracterizam o ser humano, ameaçando, em última análise, o direito de todos nós à diferença. Isso representa uma ameaça grave, que nos atinge a todos, individual e coletivamente, porque não reconhece que só com pleno respeito e valorização das diferenças individuais e coletivas dos seres humanos podem realizar-se mais plenamente os ideais e direitos humanos de igualdade.

Neste sentido esse julgamento representa um divisor de águas nos futuros rumos não apenas dos direitos indígenas, mas dos direitos humanos em geral.

* Professora da Universidade Estácio de Sá e da Universidade Federal do Rio de Janeiro; e colaboradora do NCPAM.

sexta-feira, 5 de setembro de 2008

ACORDO ORTOGRÁFICO DA LÍNGUA PORTUGUESA PODE INCLUIR O "EDUCACIONISMO"



Maria Rachel Coelho*


Entrará em vigor, a partir de janeiro de 2009, o Acordo Ortográfico que vai envolver cerca de 220 milhões falantes da língua portuguesa em sete países: Brasil, Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor leste.

O Brasil será o primeiro país entre os que integram a Comunidade de Países de Língua Portuguesa a adotar oficialmente a nova regra ortográfica a partir do ano que vem. Em janeiro de 2009 as editoras terão de adequar gradativamente suas publicações às novas regras. Do início do ano que vem até 31 de dezembro de 2012 se estenderá um período de transição, enquanto valerão tanto as normas atuais quanto as novas.

As mudanças mais significativas estão na alteração na acentuação de algumas palavras, na extinção da trema e da utilização do hífen. No Brasil, as mudanças atingem aproximadamente 0,5% das palavras. Nos demais países, que adotam a ortografia de Portugal, o percentual é de 1,6%.

Este acordo altera 0,43% dos verbetes brasileiros. Dentre as principais alterações teremos o Alfabeto contando com 26 letras, incorporando K, W e Y; O trema deixa de existir, permanecendo somente em nomes próprios; Cai o acento agudo em ditongos abertos "ei" e "oi" (como idéia e jibóia), e nas palavras paroxítonas com "i" e "u" tônicos, precedidos de ditongo (como feiúra); Palavras com duplo "o" (como vôo) e conjugação verbal com duplo "e" (como vêem) não levam mais acento circunflexo; O acento deixa de existir para diferenciar palavras como pára (verbo) e para (preposição); O hífen deixa de existir em palavras compostas, em que o segundo elemento começa com "r" ou "s" (como anti-rábico, que passa a ser antirrábico). Mantém-se apenas quando o primeiro elemento terminar também em "r", como "inter-racial".

O Ministério da Educação abriu uma consulta pública para receber sugestões sobre as normas no período de transição.

Educacionismo e Educacionista são dois neologismos lançados pelo pensador, professor e senador Cristovam Buarque há menos de dois anos. Já existem na internet 90.300 citações para o termo Educacionismo e 68.700 para Educacionista. Números sem precisão científica, mas que mostram uma incorporação das palavras ainda inexistentes nos dicionários da língua portuguesa.

O Educacionismo é uma proposta de nova utopia para preencher o vazio deixado pelo fracasso do capitalismo, socialismo ou desenvolvimentismo. O Educacionista busca uma sociedade equilibrada, defendendo a reorientação do projeto civilizatório para assegurar a mesma chance entre classes, pela igualdade na educação.

A doutrina Educacionista centra o progresso e a utopia em uma revolução pela educação, que assegure a cada ser humano os instrumentos necessários para sua libertação intelectual e material, por meio da educação.

Na visão tradicional, a educação é um serviço, no Educacionismo, é o instrumento de construção e transformação social: é o vetor civilizatório. Na visão economicista, desigualdade ou igualdade são corrigidas ou criadas pela economia; no educacionismo, o berço da igualdade ou da desigualdade está no berço social: a escola.

Somente pela igualdade plena no acesso à educação, independente da renda familiar, da raça dos pais, do lugar onde vive. Só assim será possível a emancipação de cada ser humano, por meio da educação. A civilização industrial caminha para uma catástrofe, pois desiguala seus indivíduos e degrada o Meio Ambiente. E o caminho para interromper esta marcha ao colapso ético, social e ecológico é o Educacionismo.

A solução política para essa reorientação não virá da revolução de uma classe sobre outra, não será obtida pela economia ou na evolução na produção como defendem os capitalistas, ou revolução na propriedade, como defendem os socialistas mas por uma revolução na educação.

Isso é o Educacionismo. E se espalham cada vez mais rápido por todo mundo os seguidores dessa nova doutrina ideológica, os educacionistas.

Fica, então, como sugestão incluirmos as palavras Educacionismo e Educacionista no nosso dicionário. Melhor oportunidade não há.

*Professora de Direito da Universidade Estácio de Sá e da Universidade Federal do Rio de Janeiro e colaboradora do NCPAM.


As sugestões podem ser enviados para o e-mail acordoortografico@mec.gov.br .

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

O SOCIALISMO DE OSCAR WILDE


Posso compreender que um homem aceite as leis que protegem a propriedade privada e admita sua acumulação, desde estas circunstâncias ele próprio seja capaz de atingir alguma forma de existência harmoniosa e intelectual. Parece-me, porém, quase inacreditável que, um homem cuja existência se perdeu e abrutalhou por força dessas mesmas leis possa vir a concordar com sua vigência.” Oscar Wilde

Ricardo Lima*

O que faz de um autor é justamente densidade de sua obra, capaz de responder as questões mais angustiantes da sociedade ou as aspirações metafísicas dos homens.

No caso do irlandês Oscar Wilde (1854-1900) e da obra clássica em questão, “A alma do homem sob socialismo”, está exatamente nessa capacidade de o escritor ter identificado e dissertado com mestria sobre uma dos temas mais relevantes de seu tempo, e talvez até do nosso: a desigualdade social.

Com um estilo claro, conciso, quase jornalístico e repleto de frases de efeito, “A alma do homem sob socialismo” é uma obra que, apesar de escrita a mais de cem anos, possui uma atualidade ímpar ao identificar os principais problemas do capitalismo: a concentração de renda, a transformação dos trabalhadores em peças de trabalho...

Longe de ser uma obra panfletária, Wilde já alertava para um dos principais problemas que os movimentos de esquerda enfrentariam, o autoritarismo. A única saída para evitar que os movimentos contra hegemônicos não resvalassem numa ditadura da igualdade seria a preservação do individualismo, não o individualismo burguês, que para o autor não passava de uma forma mesquinha de egoísmo, mas um individualismo que, ao mesmo tempo que desse a consciência da responsabilidade pública ao homem, também lhe mostrasse o caminho para desenvolver de forma plena a sua personalidade: “Conhece-te a ti mesmo, estava escrito às portas do mundo antigo; Sê tu mesmo, deverá estar escrito ás portas do novo mundo.” A opinião do autor sobre a concepção do mundo socialista aproxima-se muito da visão da utopia comunista, proposta pelo velho Marx.

Mas como será possível o homem alcançar o desenvolvimento pleno do seu individualismo? Primeiramente seria necessário a supressão da propriedade privada, pois obscureceu a visão dos homens confundindo-os com o que eles possuem. Deve-se tornar toda propriedade um bem público, providenciando com que todos tenham o suficiente para suprir as suas necessidades, “então ninguém mais interferirá na vida de ninguém.” O segundo seria a adoção de todos os homens de sensibilidade artística, o único caminho para a expressão plena da individualidade.

Quanto ao Estado? Wilde tem uma noção helenística a respeito do homem, que para ele deveria se encarregar apenas da contemplação. As tarefas enfadonhas e desonrosas caberiam a esfera pública: “O Estado deve fazer o que é útil, o homem deve fazer o que e belo.”

Wilde atribui a maioria dos crimes à questão da pobreza, e diz ironicamente: “A fome, e não o pecado, é o autor do crime na sociedade moderna; Eis porque nossos criminosos são, enquanto classe, são tão desinteressantes do ponto de vista psicológico. Eles não são admiráveis Macbeths ou Vautrins terríveis. São apenas o que seriam pessoas comuns e respeitáveis se não tivessem o suficiente para comer.”

No entanto, se a pobreza e propriedade privada são as pérfidas senhoras da desgraça humana. Cabe aos pobres se rebelarem contra os ricos. Pode-se ter compaixão de um pobre pacato e parcimonioso, mas nunca admiração, um homem que não se revolta contra a sua condição inferior, não se rebela contra as suas correntes que o fazem viver como um animal é decerto um estúpido. Os humildes pacatos “fizeram um acordo secreto com inimigo e venderam seus direitos inatos em troca de um péssimo prato de comida.” Mas a razão dessa total incapacidade deve-se ao fato de que a pobreza é algo tão degradante que paralisa a natureza humana.

A alma do homem sob socialismo ainda pode responder a várias questões que assolam a sociedade. A sensibilidade aguçada de Wilde para os problemas sociais podem auxiliar a nova esquerda e aos movimentos contra hegemônicos neste século que inicia.

* Pesquisador do NCPAM e estudante de Ciências Sociais da Universidade Federal do Amazonas (UFAM).