quarta-feira, 3 de setembro de 2008

O SOCIALISMO DE OSCAR WILDE


Posso compreender que um homem aceite as leis que protegem a propriedade privada e admita sua acumulação, desde estas circunstâncias ele próprio seja capaz de atingir alguma forma de existência harmoniosa e intelectual. Parece-me, porém, quase inacreditável que, um homem cuja existência se perdeu e abrutalhou por força dessas mesmas leis possa vir a concordar com sua vigência.” Oscar Wilde

Ricardo Lima*

O que faz de um autor é justamente densidade de sua obra, capaz de responder as questões mais angustiantes da sociedade ou as aspirações metafísicas dos homens.

No caso do irlandês Oscar Wilde (1854-1900) e da obra clássica em questão, “A alma do homem sob socialismo”, está exatamente nessa capacidade de o escritor ter identificado e dissertado com mestria sobre uma dos temas mais relevantes de seu tempo, e talvez até do nosso: a desigualdade social.

Com um estilo claro, conciso, quase jornalístico e repleto de frases de efeito, “A alma do homem sob socialismo” é uma obra que, apesar de escrita a mais de cem anos, possui uma atualidade ímpar ao identificar os principais problemas do capitalismo: a concentração de renda, a transformação dos trabalhadores em peças de trabalho...

Longe de ser uma obra panfletária, Wilde já alertava para um dos principais problemas que os movimentos de esquerda enfrentariam, o autoritarismo. A única saída para evitar que os movimentos contra hegemônicos não resvalassem numa ditadura da igualdade seria a preservação do individualismo, não o individualismo burguês, que para o autor não passava de uma forma mesquinha de egoísmo, mas um individualismo que, ao mesmo tempo que desse a consciência da responsabilidade pública ao homem, também lhe mostrasse o caminho para desenvolver de forma plena a sua personalidade: “Conhece-te a ti mesmo, estava escrito às portas do mundo antigo; Sê tu mesmo, deverá estar escrito ás portas do novo mundo.” A opinião do autor sobre a concepção do mundo socialista aproxima-se muito da visão da utopia comunista, proposta pelo velho Marx.

Mas como será possível o homem alcançar o desenvolvimento pleno do seu individualismo? Primeiramente seria necessário a supressão da propriedade privada, pois obscureceu a visão dos homens confundindo-os com o que eles possuem. Deve-se tornar toda propriedade um bem público, providenciando com que todos tenham o suficiente para suprir as suas necessidades, “então ninguém mais interferirá na vida de ninguém.” O segundo seria a adoção de todos os homens de sensibilidade artística, o único caminho para a expressão plena da individualidade.

Quanto ao Estado? Wilde tem uma noção helenística a respeito do homem, que para ele deveria se encarregar apenas da contemplação. As tarefas enfadonhas e desonrosas caberiam a esfera pública: “O Estado deve fazer o que é útil, o homem deve fazer o que e belo.”

Wilde atribui a maioria dos crimes à questão da pobreza, e diz ironicamente: “A fome, e não o pecado, é o autor do crime na sociedade moderna; Eis porque nossos criminosos são, enquanto classe, são tão desinteressantes do ponto de vista psicológico. Eles não são admiráveis Macbeths ou Vautrins terríveis. São apenas o que seriam pessoas comuns e respeitáveis se não tivessem o suficiente para comer.”

No entanto, se a pobreza e propriedade privada são as pérfidas senhoras da desgraça humana. Cabe aos pobres se rebelarem contra os ricos. Pode-se ter compaixão de um pobre pacato e parcimonioso, mas nunca admiração, um homem que não se revolta contra a sua condição inferior, não se rebela contra as suas correntes que o fazem viver como um animal é decerto um estúpido. Os humildes pacatos “fizeram um acordo secreto com inimigo e venderam seus direitos inatos em troca de um péssimo prato de comida.” Mas a razão dessa total incapacidade deve-se ao fato de que a pobreza é algo tão degradante que paralisa a natureza humana.

A alma do homem sob socialismo ainda pode responder a várias questões que assolam a sociedade. A sensibilidade aguçada de Wilde para os problemas sociais podem auxiliar a nova esquerda e aos movimentos contra hegemônicos neste século que inicia.

* Pesquisador do NCPAM e estudante de Ciências Sociais da Universidade Federal do Amazonas (UFAM).

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