quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

MÁRCIO SOUZA: A NATUREZA É NOSSA CULTURA

*Ademir Ramos

Considerado maldito pela ditadura militar na década de 70, Márcio Souza ganhou reconhecimento internacional pela originalidade de suas obras, que passaram a ser traduzidas em diversos países do mundo. Nascido no ano de 1946, em Manaus, na Amazônia brasileira, quando desde jovem passou a trabalhar no jornalismo cultural, como crítico de cinema. Na década de 60, Márcio Souza deixou Manaus para estudar Ciências Sociais na Universidade de São Paulo, onde foi perseguido e preso pelos “meganhas” do regime militar, buscando exílio na Europa.

Mas, como ele mesmo lembra, em sua obra, Teatro Indígena do Amazonas, escrito para o Teatro Experimental do Sesc (Tesc), desde 1973 vem trabalhando com este grupo e praticamente toda sua dramaturgia tem sido escrita para o Tesc no Amazonas, destacando: A Paixão de Ajuricaba; A Maravilhosa Estória do Sapo Tarô-Bequê; Jurupari, a Guerra dos Sexos, entre outras.

Para o autor de Galvez, Imperador do Acre “entende-se como autêntica a defesa de nossa identidade expressada pelas culturas indígenas relegadas ao abandono e ao extermínio no confronto com a exploração colonialista. Neste sentido, nós nos colocamos na perspectiva dos oprimidos e consideramos a luta geral dos povos contra a opressão como uma marca permanente de nossa identidade.”

Destemido, o autor de Mad Maria tem sido um obstinado, quando trabalha em seus romances e folhetins o cenário Amazônico, desenvolvendo a complexidade das relações sociais na perspectiva da reinvenção das tradições culturais e históricas desse território. Em cena, a tetralogia - Crônica do Grão-Pará e Rio Negro, um denso trabalho editado recentemente.

A prática literária de Márcio Souza funda-se na construção da pesquisa, primando pelo debate, muitas vezes áspero, mas sempre vivo e atual, dando prova, segundo Norberto Bobbio (Os Intelectuais e o Poder) “da presença da cultura na sociedade contemporânea”. Nessa perspectiva é que se compreende a manifestação do autor de A Expressão Amazonense, contrário a construção do Porto das Lajes, em sua crônica dominical (22/2/09), publicada no jornal A Crítica de Manaus, afirmando que: “não nos enganemos e é preciso falar português claro: quem quer construir este porto não tem nenhuma ligação com Manaus ou com o Amazonas. Essa gente enxerga apenas a oportunidade do lucro e está pouco se lixando para a destruição definitiva de um de nossos monumentos paisagísticos.”

A manifestação de Márcio Souza adensa o posicionamento contra a voracidade do lucro, em conluio com o poder público, convocando homens e mulheres, cidadãos do Amazonas e do mundo, a lutarem pelo tombamento das Lajes e do nosso monumental Encontro das Águas como patrimônio da humanidade junto ao Ministério da Cultura.


Dessa forma, cumpre com sua responsabilidade intelectual, quando transforma sua indignação em gesto concreto, porque a função do escritor, conforme Edward W. Said (Cultura e Política) “é dizer a verdade diante do poder, ser testemunha de perseguição e de sofrimento, além daquele de dar a voz à oposição em disputas contra a autoridade.”

Ora, se para o mundo é impossível conceber a Grécia sem sua mitologia, imagine o Amazonas sem as Lajes e o Encontro das Águas tabulado com o universo mítico e o imaginário social de sua gente. Os povos da Amazônia, segundo Márcio Souza, somente se libertarão, “quando reconhecerem definitivamente que essa natureza é a nossa cultura, onde uma árvore derrubada é como uma palavra censurada e, um rio poluído é como uma página rasurada. A luta pela Amazônia está no processo geral de libertação dos povos oprimidos,” porque todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, impondo ao poder público e as organizações sociais, o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

*Professor da UFAM, Antropólogo e cordenador geral do NCPAM.

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