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quinta-feira, 3 de setembro de 2009

GRINGOS NO CATALÃO



Chico Mário Feitosa


Há tempo, muito tempo se fala que existem vários “Brasis” dentro do Brasil. Do ponto de vista da diversidade cultural e étnica que é inerente ao nosso país tal conceito tem tido uma enorme importância, devido ao respeito e igualdade com o qual todo cidadão brasileiro pode e deve ser tratado por seus pares.

Mas será mesmo que existe igualdade entre os brasileiros e entre estes e o resto do mundo? Parece ser uma pergunta boba, ou ridícula até, mas justiça e igualdade de direitos não parecem ser o forte da nossa nação - como assim exclamam os respectivos poderes que tratam do assunto. Tomando posse de parte de um verso de Zé Geraldo “Eu já não sei o que mata mais, se o trânsito, a fome ou a guerra” eu me arrisco dizer que a indiferença faz tudo isso acontecer e toda forma de violência se traduz, ao fim em nosso país, em injustiça aos menos favorecidos.

Não deveria nem posso entrar no mérito da questão do que é justiça de fato; se existe igualdade de direito para o povo e o porquê de tanta gente passando necessidade em nosso país. Entretanto a busca por ser um ser humano melhor me fez perder algumas horas de descanso para refletir um pouco sobre tal situação, não que essa seja uma prerrogativa brasileira.

Como pode alguém pagar pra registrar a miséria alheia? Foi o que me perguntei ao ver um gringo fotografar em sua pomposa máquina digital o casebre flutuante no qual eu fazia coleta de bagres (Pisces, Siluriformes) para uma pesquisa do instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia – Inpa no lago Catalão, Amazonas. Alguém pode até refutar minha indagação afirmando que o contrário disso não mudaria em nada a vida daquelas pessoas ou de milhares delas na Amazônia e no Brasil e por isso, eu lançaria mão de outra pergunta: O turismo em nosso país é um negócio sustentável a ponto de ao menos melhorar a qualidade de vida do seu povo?

Digo isso por que o Brasil é considerado em todo mundo como um pólo mundial no setor do turismo. É aqui que se encontram as mais belas e diversificadas paisagens naturais, fauna e flora atraindo milhões de pessoas de todo o globo. E o mais legal da história: essas pessoas não vêm de graça.

Assim como a indústria do turismo, até o setor primário (que é mais explorado no Brasil) para mim não é sustentável. É algo mentiroso e medíocre que os politiqueiros lançam mão de falar com garbo e elegância, para que sua falácia e retórica sejam engolidas a seco pelo povo que há tanto espera deles: que a democracia seja algo concreto e palpável.

Eu seria uma pessoa ridícula se perguntasse por onde anda esse dinheiro todo e o que ele está financiando. Sinceramente falando, parece que a época do Brasil Colônia ainda não acabou e pelo visto, vários imperadores não querem de jeito maneira alforriar nosso povo. Como disse Eça de Queiroz, “Os políticos e as fraudas devem ser mudadas freqüentemente e pela mesma razão”.

Pesquisador do INPA

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

NASCIMENTO ADIADO

Mais do que crescer, o Brasil precisa se renovar. Se insistir em apenas crescer, o Brasil vai se estagnar como sociedade e civilização. Continuará desigual, não republicano, com corrupção, violência, cidades degradadas, rico para poucos e não civilizado.

*Cristovam Buarque

O Brasil de hoje é a continuidade do país que surgiu a partir de 1930. O país industrial, urbano, com infra-estrutura e mercado interno superou o agrícola, rural, sem infra-estrutura, exportador de bens primários. Nesses últimos 80 anos, aquele Brasil, então novo, envelheceu. Seu crescimento depredou a natureza, exigiu ditadura e concentração da renda, criou uma sociedade desigual e violenta, com corrupção endêmica e manteve, por anos, uma moeda desvalorizada. A indústria mecânica ficou desatualizada para a realidade da economia do conhecimento.

Mais uma vez, um novo Brasil quer e precisa nascer: com economia baseada no conhecimento, em equilíbrio com a natureza, distribuidor de sua renda, e sem pobreza, sem violência, sem corrupção, mantendo o equilíbrio monetário conquistado nas últimas duas décadas. Paira no ar a necessidade de um novo Brasil e precisamos de líderes que o façam nascer. Foi com esperança nesse parteiro que os eleitores elegeram os dois últimos presidentes.

Ambos conseguiram o fim da inflação e criaram uma rede mínima de proteção, mas não mudaram a realidade social: mantiveram o mesmo padrão de crescimento baseado no modelo industrial do século XX, que exige concentração dos benefícios. Conservaram privilégios, conviveram com a corrupção e a política do passado. No máximo, buscaram acelerar o crescimento do modelo hoje totalmente ultrapassado, sem orientação em direção ao novo.

Mais do que crescer, o Brasil precisa se renovar. Se insistir em apenas crescer, o Brasil vai se estagnar como sociedade e civilização. Continuará desigual, não republicano, com corrupção, violência, cidades degradadas, rico para poucos e não civilizado. A história recente já mostrou que nenhum país se civiliza apenas com o crescimento da economia, sem renovação. E que, daqui para frente, não crescerá sustentavelmente sem reorientar sua maneira de produzir. Mostrou também que a redução da desigualdade social e a construção de uma sociedade republicana, pacífica e livre de corrupção, passam pela educação de qualidade para todos. O Brasil velho dispõe do potencial econômico e financeiro que permite a mudança de rumo para a construção de uma república democrática. Temos uma renda nacional de quase R$ 3 trilhões, dos quais quase 40% estão nas mãos do setor público. Mesmo assim, caminhamos para a degradação urbana, desassistência na saúde, educação vergonhosa.

Apesar disso, em breve teremos novas eleições presidenciais, que elevarão para 20 ou 24 os atuais 16 anos de mandatos durante os quais o Brasil não perde a esperança de uma renovação. Isso porque o debate que se prevê entre os dois pré-candidatos - aparentemente já escolhidos para o segundo turno - será sobre como acelerar o velho Brasil, e não como renová-lo. Ambos discutem e discutirão apenas quem oferece maior taxa de crescimento da mesma antiquada, perversa e depredadora economia em direção ao abismo social, moral e ecológico, e não quem oferece um ângulo de inflexão para dobrar outra esquina da história em direção à modernidade que o século XXI exige: economia do conhecimento, distributiva socialmente e equilibrada ecologicamente. Caminhamos para eleger qual será o melhor mecânico para consertar e acelerar o velho Brasil, e não qual será o parteiro para concertar e reorientar um novo Brasil.

Tudo indica que em 2010 o parteiro vai ficar ausente até mesmo na própria eleição. Como se já estivéssemos tão acostumados com o velho Brasil que não percebêssemos a necessidade de um novo querendo nascer.

*Senador da Republica pelo PDT

Fonte: Artigo do senador Cristovam Buarque publicado pelo Jornal do Commercio (PE) em 7 de agosto.

terça-feira, 11 de agosto de 2009

FREI TITO E A SUBVERSÃO COMO ESTRATÉGIA PARA DEMOCRACIA

O Brasil democrático não deixou passar em branco o dia de ontem, 10 de agosto, quando se completaram 35 anos da morte de um dos maiores exemplos de luta pelos direitos humanos no Brasil, o cearense Frei Tito de Alencar Lima, OP.

A Escola Dominicana de Teologia, sediada em São Paulo, homenageou o religioso com o Colóquio “Homenagem a Frei Tito - 35 anos depois”; antes, cerca de 100 pessoas estiveram presentes na celebração eucarística e na abertura do simpósio. No final do dia, uma mesa redonda debateu o tema “Memória do cárcere no tempo da repressão”.


Em depoimento, Frei Oswaldo Rezende, diretor da Escola Dominicana, disse que Frei Tito foi símbolo de denúncia da cruel e desumana tortura que os presos políticos sofriam nas mãos dos militares do país, durante a repressão: “Através dele, o mundo ficou sabendo o que acontecia nas masmorras da ditadura brasileira”.

Hoje (11), está previsto o painel “Frei Tito e a memória nacional”, com a presença de Frei Oswaldo e também Frei Betto, companheiro de luta de Frei Tito. O mundo político também está presente: no encerramento do evento, Paulo Vanucchi, ministro da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, fará palestra sobre “Frei Tito e os direitos humanos no Brasil”.

Sua terra natal, Fortaleza, o homenageia criando a Semana de Direitos Humanos Frei Tito de Alencar na rede municipal de ensino. O presidente da Câmara Municipal de Fortaleza, vereador Salmito Filho (PT), promulgou ontem a Semana Frei Tito de Alencar em todas as escolas do município.

A Semana prevê debates e atividades sobre os direitos da pessoa humana, a serem desenvolvidos na semana do dia 10 de agosto. “É um reconhecimento da conquista pedagógica, que cultivará nas crianças o papel de cidadania” - destacou Salmito Filho, que contou à Câmara relatos do pai sobre a época da ditadura, quando o frade dominicano foi hóspede em sua casa. “É importante que a novas gerações tenham consciência do que foi aquele momento, para que se possa construir uma cidade cada vez mais democrática” - evidenciou.

Após a aprovação, foi apresentado o filme “Batismo de Sangue”, de Helvécio Ratton, que relata a participação dos dominicanos na resistência à ditadura militar e o martírio de Frei Tito. O sobrinho de Frei Tito, Carlos Alencar Lima, participou da sessão, representando toda a família do religioso.

Quem foi Frei Tito

O cearense Tito de Alencar Lima ingressou ainda jovem em manifestos políticos. Aos 18anos de idade, já era destaque da Juventude Estudantil Católica; aos 19 anos participava de manifestações estudantis contra a ditadura militar. Em 1968, aos 23 anos, foi preso pela primeira vez durante o Congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE), em Ibiúna, SP. Fichado pela polícia, tornou-se alvo de perseguição da repressão militar.

No ano seguinte, juntamente com outros religiosos como Frei Betto, foi torturado durante três dias, continuamente. Nos porões da chamada “Operação Bandeirantes”, escreveu sobre a sua tortura e o documento correu pelo mundo. Em 1971, foi deportado para o Chile e, sob a ameaça de ser novamente preso, fugiu para a Itália. De Roma, foi para Paris, onde recebeu apoio dos dominicanos.

Traumatizado pela tortura que sofreu, Frei Tito submeteu-se a um tratamento psiquiátrico. Seu estado era instável, vivia uma agoniada alternância entre prisão e liberdade diante do passado. Via o espectro de seus algozes em todos os lugares. As torturas lhe cindiram a alma.

Sem jamais ter recuperado sua harmonia interior, em 10 de agosto de 1974. Frei Tito foi encontrado suspenso por uma corda, sob uma árvore, no jardim do convento de Lyon.



Foi enterrado no cemitério dominicano Sainte Marie de La Tourette, em Éveux. Em março de 1983, os restos mortais de Frei Tito chegaram ao Brasil. Mas, antes de ir para Fortaleza, passou por São Paulo quando foi celebrada uma missa, acompanhada por mais de quatro mil pessoas, com a participação dos bispos e por um grupo de sacerdotes, mais o arcebispo, Cardeal Paulo Evaristo Arns e demais lideranças sociais, repudiando a tragédia da tortura. A missa foi celebrada em trajes vermelhos, que é a cor usada em celebrações dos mártires.
(CM)

Fonte: São Paulo/Fortaleza, 11 ago (RV)

NOTA SOBRE A RESSOCIALIZAÇÃO PENAL

Luciano Oliveira

Uma velha mensagem bíblica diz que a fé remove montanhas. Trata-se de uma afirmação que o filósofo Karl Popper chamaria de não-científica, na medida em que não pode ser ─ utilizando ainda os seus termos ─ “falsificada”. O que vem a ser isso? É simples. A afirmação: “a maçã cai sempre para baixo”, que segundo a anedota permitiu a Sir Isaac Newton formular a lei da gravidade, é científica, na medida em que, se um dia a maçã “cair” para cima, a teoria newtoniana terá sido “falsificada”, e então teremos de revê-la. Pois bem: voltando às Santas Escrituras, a afirmação sobre as montanhas que podem mudar de lugar por força da nossa fé não se presta a esse exercício, pois o crente sempre poderá dizer que a fé não foi bastante para fazê-la mudar de lugar!

Essa reflexão pouco ortodoxa ocorre-me às vezes quando participo de discussões acadêmicas envolvendo pessoas com perfil militante, e elas, ao terem de encarar repetidas vezes a frustração de não verem seus objetivos realizados, em vez de se debruçarem sobre a hipótese da irrazoabilidade dos objetivos ou dos caminhos para atingi-los, reafirmam os mesmos termos objetivos e caminhos, e se põem a tarefa de persegui-los com mais ardor ainda ─ nos termos da metáfora, com mais fé... Pois bem: ao ser convidado para participar de uma mesa-redonda sobre violência prisional, onde falaria sobre a questão da ressocialização dos presos, a reflexão herética ocorreu-me mais uma vez, e me pus a refletir de maneira provocadora sobre a seguinte interpelação que faço em primeiro lugar a mim mesmo: e se deixássemos de pensar nisso ─ na ideia de ressocialização? O que se segue é o resultado do que li dos outros, mas também do que pensei por conta própria.

Antes de qualquer dedução antecipada, deixem-me alertar para o fato de que a sugestão de deixar de lado a ideia de ressocialização não implica de modo algum a sugestão de que abandonemos de vez os presos brasileiros à sua própria sorte, vivendo a vida de bichos que levam nas nossas cadeias! Ao contrário, na sua origem está a disposição de levar a sério e assumir todas as consequências de uma constatação que é antiga e conhecida de todo mundo, faltando-nos apenas a coragem de dizer publicamente o que reconhecemos todos na hora do cafezinho: a prisão é um mal irremediável. Certamente necessária em alguns casos e para certas pessoas, mas nem por isso deixando de ser um mal que só produz exatamente o que a sua essência secreta: males! Falarei mais longamente disso adiante. Por ora apenas concluo a advertência com que iniciei este parágrafo: se é assim, não faz nenhum sentido continuarmos reafirmando o artigo de fé segundo o qual ela pode uma dia recuperar delinquentes, desde que funcione como nossa ideia iluminista de uma cadeia pedagógica diz que ela deveria funcionar ─ o que nunca se viu. Nesse caso, a reafirmação do discurso só legitima uma instituição que simplesmente não presta, cuja única função “positiva” ─ se posso assim falar ─ é pôr fora de circulação alguns indivíduos socialmente nocivos. Isso dito, desenvolvo o argumento.

O senso comum, pródigo em produzir equívocos, em alguns casos parece estar certo. Quando, por exemplo, nomeia as prisões como “universidades do crime”, que todos aceitamos como uma evidência. Segundo esse princípio, elas seriam cursos de especialização em bandidagem: o sujeito entra na prisão por ter cometido um furto, e sai disposto a praticar um roubo; ou entra por ter cometido um roubo, e sai disposto a praticar um latrocínio. Seja dito que o princípio, rigorosamente falando, precisaria de demonstração empírica para se sustentar. Para isso seriam necessários estudos reiterados com os reincidentes, mostrando como a segunda condenação é ─ ou pelo menos tende a ser ─ por um crime mais grave do que o primeiro. Desconheço se tais estudos existem. Na verdade, como lembra Fernando Salla, “faltam estudos consistentes sobre as taxas de reincidência criminal no Brasil”. Não obstante, ele mesmo informa que “todos os levantamentos parciais feitos pela polícia, pelo poder judiciário ou pelo sistema penitenciário apontam que elas estão sempre acima de 50%” [1]. Trata-se, muito provavelmente, de uma taxa subestimada, porque o “teste crucial de ressocialização” que existe no Brasil é “a taxa de reincidência” [2], que representa apenas aqueles que reincidiram e foram pegos, não a totalidade dos que voltaram a delinquir, fenômeno idêntico ao que também ocorre com a taxa geral de crimes, onde a população carcerária não reflete a população de criminosos, mas apenas aquela parte que foi pega ─ e que é sempre inferior àquela.

Ora, se faltam informações mais confiáveis sobre os números da reincidência, o seu conteúdo é também nebuloso. Na verdade, para ter informações mais precisas sobre essa realidade, seria necessária uma espécie de follow up dos que deixaram a prisão, para saber que rumo deram à sua vida. E, ainda assim, seria bastante discutível se o que operou no caso dos que não reincidiram foi efetivamente um processo de ressocialização. O que estou sugerindo, ao menos como hipótese de trabalho, é que isso se deve principalmente não ao que a prisão operou neles, mas à natureza do crime que cometeram e à vida ─ familiar, ocupacional, social, etc. ─ que já tinham antes da prisão, e que bem ou mal puderam retomar depois que de lá saíram. Ou seja: é bastante razoável supor que não existe uma taxa geral de reincidência aplicável aos criminosos independentemente do crime que cometeram. O autor ocasional de um homicídio, por exemplo, é um caso bem diferente de um assaltante cuja ação se insere numa carreira criminosa ─ cuja estada na prisão é apenas um acidente num percurso que começou bem antes e que muito provavelmente continuará depois de sua saída. Dando exemplos bem simples: um homicida passional não é um serial killer. Vejam-se casos famosos como os de Doca Street, Lindomar Castilho, etc. Depois de cumprir pena ─ e malgrado ela, ousaria dizer ─, nenhum dos dois voltou a matar. Nesse caso, estariam ambos ressocializados.

Como quer que seja, excepcionando-se casos como esses, “uma das principais atribuições legais do sistema, que é a reinserção do indivíduo na sociedade, não está sendo cumprida”, conclui Salla [3]. Ou, sendo muito generoso, o sistema carcerário ressocializa apenas um pequeno percentual dos que por ele passaram. Voltando ao senso comum, vê-se assim que é sustentável ─ é verdade que com as nuances e ajustes acima ─ o lugar-comum da prisão como “universidade do crime”. Pois bem, se assim é, torna-se insensato um outro lugar-comum de livre curso na mídia e na opinião pública de um modo geral: “lugar de bandido é na cadeia!”. Dos apresentadores dos nefastos “programas policiais” que poluem a paisagem audiovisual brasileira, aos engravatados comentaristas da Rede Globo e GloboNews, o refrão aparece aplicável a todo tipo de malfeitor e de malfeitoria. As duas coisas são incompatíveis [4]. Afinal, como podemos pretender, sem zonzear o bom senso, que bandidos sejam enviados a um lugar onde farão pós-graduação em bandidagem? Não faz sentido. A menos que a prisão não fosse o que é! É aqui onde entra a perspectiva voluntarista dos bem intencionados militantes da ressocialização, criticando o horror que ela é, mas mantendo intacta a fé em que ela pode ser diferente ─ um lugar que produza o bem da ressocialização. O problema é que, malgrado essa fé, que já dura 200 anos, a montanha continua no mesmo lugar! É tempo de começar a demoli-la.

Experiências históricas reiteradas, mesmo sem fundamento, tendem a se “naturalizar”. As mulheres como seres inferiores, o homossexualismo como doença, etc. sempre pareceram, nas sociedades patriarcais, evidências que ninguém discutia ou punha em xeque. Hoje já não se sustentam. O famoso “lugar de bandido é na cadeia” é também uma dessas verdades sólidas, indiscutíveis ─ até que saltemos o muro de giz da inércia e perguntemos: por quê? Quem se faz essa pergunta a sério constata que a prisão, pelo menos como lugar de ressocialização, é uma ideia às voltas com uma incongruência fundamental: como seria possível reinserir alguém na sociedade segregando-o dela? Há algum sentido nessa ideia aparentemente sem pé nem cabeça? No começo, sim, parecia haver. É bom lembrar que a ideia de confinamento como método de redenção é de origem eclesiástica, “tendo sempre sentido de penitência, meditação e oração, a fim de provocar o arrependimento e a emenda” [5]. Penitenciária, é bom sempre prestar atenção às palavras, designa um lugar de penitência... Em 1779, isso foi dito com todas as letras por um dos fundadores da prisão como pena, o filantropo inglês John Howard, para quem as prisões seriam “regiões de culpa, sofrimento e remorso”. O trabalho, a disciplina monástica, o silêncio e o isolamento seriam os seus instrumentos. Como bom puritano, a sua receita não continha nenhuma doçura: “acrescentar o peso da monotonia ao terror da solidão” [6]. A prescrição nunca funcionou. Compreende-se. Trata-se, afinal, de uma típica ideia fora de lugar. E como! Uma coisa é um pecador, no mundo medieval ─ onde a Igreja é a maior autoridade e a salvação da alma o maior bem ─, ser confinado em nome de valores que, muito provavelmente, são legítimos junto à sua própria consciência; outra, bem diferente, é um criminoso numa sociedade moderna, dentro da qual as autoridades tradicionais esgarçaram-se e onde o maior bem é o consumo, ser encarcerado por uma justiça que ele odeia e despreza. Isso não quer dizer que a ideia, por mais estapafúrdia que seja, não tenha produzido resultados ─ no caso, o oposto de qualquer ideia de ressocialização. É, aliás, o que indicam estudos contemporâneos sobre os efeitos deletérios de longos períodos de confinamento total em presídios de segurança máxima, para onde vão, nos Estados Unidos, serial killers e, entre nós, chefões do crime organizado submetidos ao Regime Disciplinar Diferenciado: alucinação e até mesmo loucura [7].

A prisão é, assim, o lugar onde naufragam as boas intenções (algumas bem cruéis...) dos reformadores penais. Sempre foi. Michel Foucault, um autor lidíssimo no Brasil ─ mas que talvez deva ser lido com mais atenção ─, lembra no famoso Vigiar e punir que a crítica à instituição veio praticamente junto à sua fundação, “pois logo a seguir a prisão, em sua realidade e seus efeitos visíveis, foi denunciada como o grande fracasso da justiça penal”. Ele mesmo lembra que essa crítica “se fixa num certo número de formulações que ─ a não ser pelos números ─ se repetem hoje sem quase mudança nenhuma”: as prisões não diminuem as taxas de criminalidade, provocam a reincidência, favorecem a organização de um meio delinquente, penaliza a família dos presos, etc. [8] E isso já dura quase duzentos anos! Já não será o momento de termos coragem de nada de grandioso esperar dela?

À sua incongruência fundamental ─ ressocializar alguém retirando-o da sociedade ─ junta-se uma outra questão incontornável e que chega a ser uma ironia: a prisão termina por constituir, inevitavelmente, uma nova forma de sociedade! ─ a chamada “sociedade dos cativos” [9]. E aqui o paradoxo é total: “como pode pretender a prisão ressocializar o criminoso quando ela o isola do convívio da sociedade e o incapacita, por essa forma, para as práticas da sociabilidade? Como pode pretender reintegrá-lo ao convívio social quando é a própria prisão que o impele para a ‘sociedade dos cativos’, onde a prática do crime valoriza o indivíduo e o torna respeitável para a massa carcerária?” [10]. Apesar de toda a torrente de críticas, antigas e reiteradas, a prisão permanece. Por quê? É também uma pergunta inúmeras vezes feitas. Conhece-se a resposta de Foucault: ela permitiria gerir a ilegalidade, criando um meio delinquente fechado e útil, seja em termos policiais ─ porque nele a polícia recrutaria seus alcaguetes ─, seja em termos políticos ─ porque a existência de um “meio delinquente” serve de álibi para a manutenção e incremento da repressão que mantém o sistema em funcionamento. A resposta, tipicamente funcionalista (ainda que “de esquerda”...) é brilhante. Mas talvez seja muito especiosa. Talvez, como lembra com bom senso Antonio Luiz Paixão, a prisão permaneça simplesmente por sua função mais óbvia ─ “e, talvez por isso mesmo, menos enfatizada nos relatos convencionais”: a de retirar criminosos de circulação [11]. Fico com ele.

Resumindo e assumindo as consequências lógicas de tudo o que foi dito, acho que é mais do que tempo de abandonar os discursos legitimadores da prisão, salvo no que diz respeito a essa utilidade bem tangível, ainda assim a ser utilizada com moderação ─ mas efetivamente! O que só será possível se promovermos uma reviravolta no princípio do “lugar de bandido é na cadeia”, irresponsavelmente divulgado pela mídia a propósito de tudo, e encararmos a realidade com um mínimo de serenidade que os números proporcionam. Em 2005 havia mais de 360 mil pessoas cumprindo pena no Brasil [12]. Em sua grande parte, nas condições endêmicas de superpopulação e desumanidade que todos conhecemos. Mas já dois anos antes, em 2003, havia, segundo dados do Ministério da Justiça, cerca de 300 mandados de prisão sem serem cumpridos [13]. O impacto do mero cumprimento da lei, nessas condições, é simplesmente impensável. Haverá ainda alguém suficientemente inocente para acreditar que num país com os déficits em educação e saúde que são os nossos, socialmente mais “legítimos” dos que os déficits em direitos humanos dos presos, algum governo vai investir no sistema prisional recursos, pessoal e meios capazes de torná-lo apto a cumprir pelo menos a “obrigação moral” [14] de garantir a existência do prisioneiro em condições humanamente dignas? Pensar assim significa resignar-se e concluir que não há nada a fazer? Não. Há muito o que fazer.

A primeira tarefa, porque ela é condição de todas as outras, é promover uma mudança drástica na nossa cultura punitiva, destronando o encarceramento da condição de rainha das penas. Esse, aliás, já é um trabalho em curso. Atualmente, mesmo operadores jurídicos não se sentem mais inibidos em reconhecer que a ressocialização através da prisão é uma ideia em “decadência”; que as prisões aparecem hoje “como o que efetivamente sempre foram: aberrantes instituições de repressão” [15]. Quanto a serem instituições repressivas, não há nisso nada de escandaloso. Não há sociedade sem interditos, sem infrações a eles e, portanto, sem castigo. É a tese da normalidade do crime, tão cara a Durkheim, e, ipso facto ─ embora com frequência nos esqueçamos disso ─, da normalidade da repressão. O problema é o seu lado aberrante. Isso, independentemente de conveniências sociológicas, nunca deverá ser eticamente aceito como normal.

Definitivamente, só deve ir para a prisão o criminoso violento e perigoso, cuja liberdade seja uma ameaça à vida e à integridade física das pessoas. Obviamente que em alguns casos, mesmo esse perigo não se apresentando como uma virtualidade real ─ como são em geral os casos de homicídio por motivos pessoais, por exemplo ─, a “consciência coletiva”, como diria ainda Durkheim, não se satisfaria em ver o assassino flanando por aí e prestando serviços comunitários ─ de ralo controle, aliás ─ à guisa de pena. Tirante esses casos, entretanto, boa parte ─ se não a grande maioria ─ dos que estão no sistema carcerário poderia ser apenada com medidas que evitem o confinamento. A cultura das penas alternativas, ainda balbuciante e já um tanto desmoralizada por falta das condições institucionais e materiais de verificação ─ hoje, aliás, em boa parte já pervertidas pela jurisprudência fácil das condenações ao mero pagamento de “cestas básicas” ─, precisa ser levada a sério e seriamente investida. Em termos utilitários, o único argumento realmente válido para justificar a prisão ─ o de que ela, pelo confinamento, controla o comportamento de criminosos ─, compreensível até pouco tempo atrás, já não se sustenta com tanta força num mundo em que, pelas tecnologias disponíveis, é possível ao proprietário de um carro roubado, graças a um minúsculo chip, saber onde o seu veículo se encontra. Se isso é possível com o produto do roubo, também é possível com o ladrão!

Não disponho de informações e dados mais precisos ─ noutros termos: suficiente competência empírica ─ para aprofundar e sustentar melhor esses argumentos. De toda forma, minha intenção foi simplesmente a de animar um debate que precisa ser encarado sem a boa consciência do voluntarismo que nada pode contra montanhas reais. Mas há montanhas e montanhas. As simbólicas, por exemplo. A ideia de prisão como local de ressocialização de infratores é uma delas, e dessa podemos nos livrar.

Luciano Oliveira é professor do Deptº de Ciências Sociais da UFPE. Este texto é a versão escrita, e portanto mais elaborada, de intervenção oral no painel Violência e sistema prisional realizado na Universidade Católica de Pernambuco em 29/05/08.

Notas

[*] Sou grato à professora Valéria Cavalcanti Lins, coordenadora do evento, pelo convite para participar do mesmo; bem como à minha “pibiquiana”, Camila Albuquerque, pelo suporte bibliográfico. Acho que ambas não esperavam que o resultado de sua generosidade fosse tão desencantado...

[1] Fernando Salla. “Os impasses da democracia brasileira – o balanço de uma década de políticas para as prisões no Brasil”. Lusotopie, Bordeaux, França, 2003, p. 427.

[2] Antônio Luiz Paixão. Recuperar ou punir?. São Paulo: Editora Cortez / Autores Associados, 1991, p. 69.

[3] Fernando Salla, op. cit., p. 427.

[4] Quem primeiro me chamou a atenção para essa incongruência foi a pesquisadora Ronidalva de Andrade Melo, da Fundação Joaquim Nabuco (Recife).

[5] Cláudio Luiz Frazão Ribeiro. O mito da função ressocializadora da pena. São Luís: Ampem Editora, 2006, p. 56.

[6] Citado por Edmundo Campos Coelho. A oficina do diabo e outros estudos. Rio de Janeiro/ São Paulo: Editora Record, 2005, p. 30-1.

[7] Rogério Nogueira. “Confinamento – O castigo que vai ao fundo da alma”. Ciência Criminal, ago. 2006.

[8] Michel Foucault. Vigiar e punir. Petrópolis: Vozes, 1977, p. 234-6.

[9] Citado por Edmundo Campos Coelho, op. cit., p. 83.

[10] Id., p. 32.

[11] Antônio Luiz Paixão, op. cit., p. 20.

[12] Cf. Sérgio Adorno. “Crimen, punición y prisiones en Brasil: um retrato sin retoques”. Quorum, Alcará de Henares, Espanha, v. 16, 2006, p. 46.

[13] Cf. Fernando Salla, op. cit., p. 426.

[14] Antônio Luiz Paixão, op. cit., p. 85.

[15] Cláudio Luiz Frazão Ribeiro, op. cit., p. 163.

terça-feira, 4 de agosto de 2009

O PODER POLÍTICO DAS EMPRESAS DE ÔNIBUS

Andre Araujo*

Os transportes coletivos urbanos no Brasil poderiam ser um ramo moderno, eficiente e lucrativo, administrado racionalmente por empresas de capital aberto, como as estradas paulistas. O setor é dos mais atrativos porque tem uma receita previsível, à vista.

Porque isso não acontece? Porque há uma parceria corrupta entre empresas mafiosas e o poder publica municipal de todo os Pais, aonde as concessionárias são as maiores financiadoras da política municipal. Para operar dessa forma, os concessionários são empresas com contabilidade suspeita, alaranjadas, costumam não pagar impostos e previdência, são campeões de infrações trabalhistas, os donos são empresários-bacalhaus, indivíduos espertíssimos, semi-analfabetos, ousados, o que faz do setor nacionalmente um ramo fronteiriço, faz mais parte da economia informal do que da formal.

O setor é dominado por cinco grandes grupos e uma dezena de grupos intermediários.

Um mesmo grupo tem concessões de Belém ao ABC, as práticas são iguais, a chave do negócio é a associação com a banda podre da política municipal, que se beneficia do esquema e é por isso que não interessa mudar nada, o caos é lucrativo.

Grandes empresas bem estruturadas, sérias e modernas nem sonham em entrar nesse ramo que teria tudo para ser interessante para grupos que investem em concessões. Porque? Porque é preciso operar no esquema da política municipal e os grupos empresariais mais eficientes dos Pais não querem entrar nesse lamaçal.

Enquanto isso, o cidadão passageiro é pessimamente servido, não há realmente competição, o setor inteiro é um grande cartel, as linhas são acertadas em mesas de restaurantes entre bacalhoadas e vinhos verdes, não há nenhum interesse em melhorar.

A mão de obra não é incentivada a evoluir, é explorada ao máximo, as pessoas jurídicas no negocio são meras fachadas, os grupos ficaram tão poderosos que também tem as revendas que abastecem as frotas, a chave de tudo é a barganha com o poder municipal. É uma cosa nostra nacional e o Brasil das cidades grandes e médias paga um pesado preço por esse arreglo politico-empresarial, que vem de longe.

Em tempo, o transporte coletivo nas grandes cidades do mundo em geral é, estatal, como em Nova York, Paris e Londres.

Como resolver, se o Governo quiser? Montar um sistema nacional de regulação desse setor, como há no transporte interurbano de passageiros. Poderia ser no Ministério das Cidades. Montar um sistema nacional de autorização e licitação para as empresas concessionárias, exigindo capital mínimo, direção profissional, identificação do controle, padrões de ônibus e carrocerias. A habilitação nacional de empresas vedará o esquema de “alaranjamento”, que vai deixando pelo caminho mega dividas com a Previdência, com os empregados e com o fisco.

Limitar a presença de grupos a um numera máximo de cidades.

Exigir a presença dos controladores nas diretorias e folha corrida desses diretores, vetando a presença de laranjas.

Não precisa diagnostico, todo mundo sabe o raio X do setor, basta à vontade política de reformá-lo.

Um bom sistema de transportes coletivos é fundamental para a melhoria do transito e da qualidade de vida nas grandes e médias cidades brasileiras, aonde vive 80% da população do Pais.

Fonte: Blog do Luiz Nassif

quarta-feira, 29 de julho de 2009

UM GAROTO DE SUCESSO

Filho do ministro dos Transportes, Gustavo de Morais Pereira construiu um patrimônio de R$ 1,28 milhão em apenas quatro anos.

Claudio Dantas Sequeira

O Estado do Amazonas é representado na bandeira do Brasil pela estrela Prócion, nome de origem grega que significa "antes do cão" e inspirou Gustavo de Morais Pereira (foto ao lado) a batizar a agência de publicidade que abriu em 2003, aos 18 anos. Começava ali a trajetória do jovem calouro universitário, filho do ministro dos Transportes, Alfredo Nascimento, que, em seis anos, se tornou um dos empresários mais ricos do Amazonas. Sua ascensão meteórica, no entanto, não tem sido impulsionada por peças publicitárias de sucesso. Aos 25 anos, o brilhantismo de Pereira está mesmo na capacidade de convencer seus parceiros a aceitar negócios milionários, sobretudo no setor imobiliário. Em 2007, Pereira declarou à Receita Federal um patrimônio de R$ 1,28 milhão, mais que o dobro dos R$ 595 mil declarados por Alfredo Nascimento à Justiça Eleitoral em 2006.

No mapa das constelações, Prócion é um sistema binário, ou seja, por trás da estrela principal há outra menos visível que a acompanha de perto. Assim como no céu do firmamento, o filho do ministro também não está sozinho em suas atividades empresariais. Ele conta com o apoio do advogado Antonio Adalberto Magalhães Martins, amigo da família Nascimento. Os dois fundaram uma agência de propaganda, a G de M Pereira & Cia. Ltda., que nunca chegou a operar. Depois se tornaram sócios numa construtora e numa escola que possui vários terrenos em Manaus, onde agora são erguidos dois empreendimentos de luxo. A empreitada já rendeu a ambos quase R$ 16 milhões.

Em 2006, com apenas R$ 20 mil, Pereira virou sócio da empreiteira Forma Construção Ltda. Dois meses depois, pagou R$ 300 mil pela sociedade no Centro de Estudos Amazônicos. Três anos antes, essa escola foi usada por Magalhães Martins para adquirir quatro terrenos. Duas áreas estão situadas na exclusiva Estrada da Ponta Negra, às margens do Rio Negro. Com calçadão, bares e boates, o local é comparado na região à orla da zona sul carioca. Só esses dois terrenos somam 6.500 metros quadrados, que, segundo corretores, valeria pelo menos R$ 5 milhões. Mas o valor da compra declarado pelo sócio de Pereira foi de irrisórios R$ 300 mil, exatamente o que o filho do ministro pagou ao sócio. O desembolso, de acordo com Pereira, foi feito em três parcelas anuais de R$ 100 mil, a partir de 2005, dois anos antes de a sociedade ser registrada formalmente em cartório.

No mesmo ano em que Pereira virou sócio da Forma, a construtora incorporou um terreno de 50 mil metros quadrados, de propriedade da escola amazônica, onde foi erguido um condomínio de luxo chamado Atlantis.

O complexo arquitetônico tem 86 casas duplex e um shopping center. De acordo com corretores, uma casa ali não custa menos de R$ 400 mil. Em outro terreno do centro de ensino, a empreiteira está construindo o edifício Atlantic Tower, torre comercial de 18 andares, 300 salas e spa. "O prédio mais moderno e inteligente do Norte do País", segundo o folder publicitário do empreendimento. Na declaração de renda de 2007, Pereira informou que obteve R$ 320 mil de "lucros e dividendos" de sua agência de publicidade. O valor é idêntico ao que ele pagou para se tornar sócio de duas empresas para lá de lucrativas.

Numa outra transação, Pereira recebeu R$ 450 mil da transportadora Socorro Carvalho Cia., que embolsou R$ 12 milhões do Fundo da Marinha Mercante, ligado ao gabinete do ministro, de acordo com o Portal da Transparência. A empresa é de Marcílio Carvalho, marido da superintendente do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) do Amazonas, Maria Auxiliadora Carvalho. Pereira diz que o dinheiro veio da venda de um apartamento herdado da mãe, Francisca Leonia. Mas certidões negativas dos cartórios de Manaus indicam que o imóvel nunca esteve em nome dele, da superintendente do DNIT ou da transportadora. Claudomiro Carvalho, irmão e sócio de Marcílio, doou R$ 100 mil para a campanha de Nascimento ao Senado, em 2006.
R$ 595 mil é o patrimônio declarado do ministro, menos da metade da soma dos bens de seu filho, Gustavo Pereira

Procurado por ISTOÉ, Pereira informou, por meio da assessoria de imprensa do ministério que não ia comentar os negócios com a Socorro Carvalho Cia. Nascimento também não atendeu ao pedido de entrevista. O assessor de imprensa do ministro, Jefferson Coronel, diz que Pereira é um economista inteligente, estudou arquitetura, fala inglês e tem pós-graduação na Fundação Getulio Vargas - qualificações que, segundo Coronel, dariam ao jovem empresário condições de amealhar seu patrimônio milionário. "Todas as empresas de Pereira atuam exclusivamente no mercado privado.

Não há nenhuma interferência do pai", afirma Coronel. Talvez o sucesso empresarial do filho do ministro estivesse mesmo escrito nas estrelas.

Fonte: Revista ISTOÉ

segunda-feira, 27 de julho de 2009

ANORMAL E IMORAL



Cristovam Buarque*

No Brasil, é normal seus dirigentes serem vistos e sentirem-se como casta, com privilégios muito além dos direitos aos quais o povo tem acesso. Os serviços de saúde e educação à disposição das famílias dos eleitos são completamente diferentes daqueles dos seus eleitores. Ninguém se espanta com o fato de o teto do salário no setor público ser 25 vezes maior que o piso salarial do professor - cujo valor, apesar de tão pequeno, até hoje, um ano depois de sancionado, ainda é contestado na Justiça, como inconstitucional.

É visto como natural que a parcela rica do Brasil tenha o maior índice de cirurgias plásticas de rejuvenescimento em todo o mundo e a parcela pobre não tenha acesso nem mesmo às mais fundamentais operações; que os 10% mais ricos tenham esperança de vida de 72 anos e os 10% mais pobres de apenas 45 anos. Todos aceitam que milhares peçam esmolas para comprar comida e remédios que enchem as prateleiras de farmácias e supermercados.

Considera-se normal que os 1% mais ricos da população recebam 20,5% da renda nacional e os 50% mais pobres recebam apenas 13,2%; que 19% das casas não tenham água encanada e 51% não tenham saneamento ou esgoto. Aceitamos que 50 milhões dependam de ajuda no valor de R$182 por mês para a sobrevivência de toda a família, R$6 por dia, sem chance de trabalho com salário digno.

É natural que crianças vivam nas ruas, sejam mendigos, pivetes, prostitutas, trabalhadores, e não estudantes; que 11% delas cheguem aos 10 anos sem saber ler; e 60 abandonem a escola a cada minuto do ano letivo, antes da conclusão do Ensino Médio; e que entre as que permanecem, muitas vejam a escola como um restaurante-mirim que fornece merenda. É aceito que os professores tenham a menor remuneração entre os profissionais com formação equivalente; que deem aulas em escolas sem água nem luz, raras com computadores e sistemas de vídeo. Ficou normal que as escolas tenham se transformado em campos de batalha, os professores sejam agredidos, as aulas viraram balbúrdia.

Mesmo sem guerra, nos acostumamos com 125 mil pessoas mortas por ano em conseqüência da violência. Aceita-se que o país com um dos cinco maiores territórios do mundo - além de litoral e espaço aéreo - não apoie suficientemente suas Forças Armadas para defenderem esse patrimônio.

Não discutimos sequer o fato de conviverem 4,5 milhões de universitários ao lado de 14 milhões de analfabetos adultos e 40 milhões de analfabetos funcionais; de que, 121 anos depois da abolição da escravatura, a cor da elite seja tão predominante branca quanto era durante a escravidão; é aceito como normal que as universidades sejam ocupadas, na imensa maioria, por jovens brancos e as prisões, por jovens negros; que em 120 anos da República, o Brasil tenha uma escola diferente para os ricos, na qualidade, da escola para os pobres; e que, depois de 20 anos de democracia, a corrupção seja vista como uma prática comum em todos os níveis da sociedade, especialmente entre os políticos.

É normal que nossas reservas florestais sejam devastadas sistematicamente; e que apesar de todas as evidências da catástrofe do aquecimento global, abramos mão de bilhões de reais em impostos para viabilizar o aumento na venda de automóveis privados, sem buscar uma reorientação dessa indústria, como forma de manter o emprego do trabalhador, o bem-estar do consumidor e o equilíbrio ecológico, a serviço das próximas gerações.

É normal prender quem rouba comida ou remédio para os filhos e deixar solto quem rouba bilhões mas pode pagar bons advogados.

E é normal, nos dias de hoje, que os partidos que lutavam contra as injustiças tenham optado pelo abandono dos sonhos, entregado-se às mesmas práticas do passado e esquecendo-se de suas promessas. Na República, que comemora 120 anos, é normal que a justiça, a escola, a saúde, o transporte, a moradia, a cultura sejam tão diferenciadas, conforme a classe social, que as pessoas não pareçam compatriotas.

No Brasil, o anormal é normal; por isso, o normal é anormal. E imoral.

*Senador da Republica pelo PDT

Fonte: Artigo do senador Cristovam Buarque publicado no jornal O Globo de sábado, 18 de julho.

quinta-feira, 23 de julho de 2009

PENSAM QUE SOMOS PALHAÇOS

"Não dá mais para aguentar tanto desprezo pelos milhões de usuários."

O Sindicato das Empresas de Transportes Urbanos de Manaus (Sinetram), na pessoa de seu presidente, Acir Gurgacz, pensa e age levando em conta que a população de Manaus é palhaça. Primeiro descumpre sistematicamente o contrato com o poder concedente, deixa de pagar os funcionários que fazem rodar o sistema, desfruta de isenção fiscal milionária. E para arrematar, no momento em que é cobrado pela Prefeitura, vem o senhor Gurgacz pedir menos gratuidade e tarifa maior. Tenha paciência senhor Gurgacz!

Como o senhor tem a desfaçatez de pedir aumento de tarifa com o péssimo serviço que as empresas que o senhor representa prestam a quase um milhão de manauenses? Como o senhor quer diminuir o número de gratuidades menos de dois meses após ter arrancado do Poder Público uma significativa diminuição no número de meias-passagens estudantis? Como o senhor vem falar em aumento de tarifa quando em cidades de porte semelhante a nossa as tarifas são menores? Tenha paciência senhor Gurgacz! Manaus não merece tanto descaramento!

A prefeitura, que hora age com o bom senso e no interesse do público usuário do sistema, precisa ser firme nos propósitos anunciados ontem e cobrar desse “pseudo-consórcio” Transmanaus soluções rápidas. Eles estão aqui há anos ganhando dinheiro, fazendo fortunas e pouca atenção dando aos anseios dos usuários. Onde estão os aparelhos de ar-condicionado? Onde estão os ônibus confortáveis? Onde estão os ônibus novos prometidos? A única alternativa que se apresenta, não é de hoje, é o poder concedente intervir no sistema. Não dá mais para aguentar tanto desprezo pelos milhões de usuários.

Por fim cabe também cobrar ação enérgica de órgãos como INSS e Receita Federal, tão pródigos na hora de fiscalizar e cobrar aqueles que mantêm seus pequenos negócios em dia, pois como revela sem a menor ruga no rosto o diretor executivo do mesmo Sinetram, senhor César Tadeu Teixeira, as empresas de ônibus não pagam INSS, PIS e COFINS há 14 meses, num montante que chega a R$ 30 milhões. Cabe também, com base nas palavras deste “césar” do transporte coletivo manauense, que a exemplo dos antigos imperadores romanos faz o que bem quer no sistema, cobrar dos órgãos de saúde pública uma postura dura, pois este reconhece que não faz a manutenção correta dos ônibus no que diz respeito à higiene e conservação.


Fonte: Editorial do Jornal A Crítica do dia 23 de julho.

PLANETANIA

*Cristovam Buarque

Deve-se ao ex-governador do Acre, Jorge Viana, a criação da palavra “florestania”, em contraposição a “cidadania”. À palavra diferente corresponde um conceito diferente. Cidadania se refere a direitos e responsabilidades dos moradores das cidades democráticas. O termo está vinculado aos direitos e deveres dos cidadãos-urbanos, distantes dos moradores das florestas e ainda mais da própria floresta. Florestania significa a cidadania adaptada aos moradores da floresta e a responsabilidade deles com o meio ambiente natural onde vivem. Apesar de um enorme avanço, esse novo conceito ainda ficou restrito ao local.

No entanto, a civilização de hoje exige um salto que vá além da cidadania e da florestania locais, que nos dê uma visão de cidadania e florestania em escala mundial: a “planetania”.

A planetania deve ter cinco características essenciais. Primeiro, diferentemente da cidadania e da florestania, ela deve ser global. Mesmo agindo nos limites de cada país, a cidadania não permitirá ações que tenham influência nos assuntos de toda a civilização. Os problemas de hoje exigem enfrentamentos globais. A cidadania não pode mais se limitar às eleições dentro de um país ou cidade, ela deve levar em conta a responsabilidade e os direitos de cada cidadão para com o mundo todo. O meio ambiente, o terrorismo, a economia, a migração, a ilicitude, o tráfico, as drogas, qualquer problema da vida social, está vinculado ao resto do mundo. Cada país faz parte do condomínio Terra, cada pessoa já não é somente cidadão de um país: faz parte de toda humanidade.

Segundo, a planetania precisa estar relacionada com a natureza. Não há cidadania moderna que não leve em conta o rural, as florestas, a água, a terra arável. Além de global, a nova cidadania deve ser ecológica. A simples relação política entre os seres humanos, independentes da natureza, não permite a construção do mundo melhor que a cidadania busca. A planetania tem de levar em conta os aspectos ambientais com a mesma preocupação que tem com os aspectos da economia e da sociedade.

Terceiro, a planetania deve ser socialmente solidária em escala global. Em um tempo em que as informações são globais e instantâneas, qualquer lugar do mundo está dentro de qualquer sala em qualquer outra parte do mundo e o sofrimento de qualquer pessoa deve ser um sentimento global. Ninguém deve assistir em silêncio às tragédias das doenças na África, do desemprego na Europa. Da mesma forma como a globalização já permite o sofrimento e a solidariedade com os passageiros do acidente de um avião, é preciso que fome, doença e todo sofrimento que acontece no mundo sejam capaz de sensibilizar cada pessoa do mundo. Eticamente, não se justifica o abandono dos problemas sociais de países e regiões distantes.

Quarto, a planetania, diferentemente da cidadania, tem uma percepção de longo prazo dos assuntos do mundo. A cidadania busca defender os cidadãos de hoje nos seus interesses imediatos e pessoais; no máximo, os interesses de curto e médio prazos das cidades ou do país. A planetania olha com responsabilidade para o longo prazo e para todo o planeta.

Quinto, a planetania significa um compromisso global com a educação no mundo inteiro: com a garantia de igualdade de oportunidade a cada indivíduo e criação de uma mentalidade planetária. Em vez de centrar o processo civilizatório e o desenvolvimento no avanço e no crescimento econômico, a planetania defende uma revolução global pela educação de qualidade igual para todos.

*Senador da Republica pelo PDT

Publicado no Jornal do Commercio.

sexta-feira, 17 de julho de 2009

PELA PRESERVAÇÂO DO ENCONTRO DAS ÁGUAS



Moção apresentada pelo Movimento Social e Ambiental S.O.S. Encontro das Águas aos participantes da 61º Reunião da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, em Manaus, realizada nos dias 12 a 17 de julho, considerando que o Encontro das Águas dos rios Negro e Solimões, formadores do rio Amazonas, é uma das maravilhas naturais da Amazônia e do mundo, devendo ser preservado para que os povos no presente e no futuro desfrutem das riquezas naturais e culturais dessa paisagem que é o símbolo maior da natureza dos povos do Amazonas.

Apesar da importância ecológica e cultural do Encontro das Águas, a empresa Log-In Intermodal pretende construir nesta região o super-terminal portuário intitulado “Porto das Lajes” que causará imensos impactos socioambientais à região. Este Terminal Portuário irá degradar paisagisticamente o principal cenário turístico que é o Encontro das Águas. Se construído destruirá também os sítios arqueológicos e históricos do Encontro das Águas, onde se instalou os primeiros povoados indígenas na região, dando origem a cidade.

O empreendimento, sem dúvida alguma, degradará o belíssimo sítio geológico Ponta das Lajes, constituído por uma raríssima falésia e um imenso afloramento de laje arenítica situado nas margens do Encontro das Águas, e que foi submetido a UNESCO como Patrimônio Natural da Humanidade.

O Porto das Lajes irá provocar assoreamento e poluir quimicamente e biologicamente os recursos hídricos locais, afetando diretamente a qualidade da água na estação de captação que está sendo construída pelo governo do Estado do Amazonas para abastecer 500 mil pessoas da zona leste de Manaus. Colocará, ainda, em risco a grande biodiversidade e grande centro de reprodução aquática que é o Encontro das Águas, impactando os recursos pesqueiros. A construção do terminal portuário poderá poluir e assorear o lago do Aleixo e a bela área de pesca e lazer da população manauara e da histórica Colônia Antônio Aleixo.

Pelas razões apresentadas, recomenda-se aos órgãos ambientais que não licenciem a instalação do Porto das Lajes na região do Encontro das Águas e do Lago do Aleixo por ser insustentável e que só licenciem a instalação de empreendimento portuário em área situada externamente a região do Encontro das Águas, quando forem definidas de forma clara e concreta as medidas de mitigação e compensação dos impactos socioambientais expressos no EIA/RIMA, com o consentimento dos comunitários envolvidos.

Reivindica-se, que por racionalidade sustentável a região do Encontro das Águas, incluindo as duas margens, ilhas e lagos, desde a foz do Rio Negro até pelo menos 12 km a jusante, sejam transformadas em Unidade de Conservação de Uso Sustentável e que seja desenvolvido um programa de recuperação das áreas já degradadas com fins paisagísticos, conservacionistas, lazer e uso sustentável dos recursos ambientais pelas comunidades locais, garantindo assim esse bem coletivo aos povos do Amazonas e do mundo.

Recorre-se também ao Ministério da Cultura para que providencias sejam tomadas em favor da homologação do Tombamento do Encontro das Águas e do Sítio Geológico Ponta das Lajes, solicitando ainda, que o Governo Brasileiro encaminhe junto à UNESCO a declaração desse Bem como Patrimônio Natural da Humanidade.


Foto: Rolegio Casado

quinta-feira, 16 de julho de 2009

MINISTRO SE POSICIONA A FAVOR DO ENCONTRO DAS AGUAS



Assim que chegou ao Campus da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), o ministro do meio ambiente Carlos Minc, às 14h, foi abordado pelo coordenador do NCPAM, professor Ademir Ramos, entregando em mãos o manifesto do IV Mutirão Em defesa da Amazônia, protestando contra a construção do Porto das Lajes nas mediações do Encontro das Águas, na zona leste de Manaus. Minc veio a Manaus participar da Reunião Anual da SBPC para expor sobre a “Biodiversidade e a Sustentabilidade”.



A Conferência do Ministro do Meio Ambiente se deu no Auditório Solimões do Instituto de Ciências Humanas e Letras da UFAM com “casa cheia”. Assim que terminou sua exposição, o Ministro passou a responder as perguntas formuladas pelos participantes das SBPC.



O Coordenador do NCPAM foi o terceiro a perguntar ao Ministro sobre de que forma o IBAMA poderia somar com o Movimento S.O.S. Encontro Águas para proteger esse patrimônio contra a perversão de se construir um Porto nessas mediações. O ministro foi incisivo em sua resposta, fazendo referência ao manifesto que lhe foi entregue e afirmando categoricamente que “vai apurar os fatos e a qualquer momento o IBAMA pode participar desse processo, envolvendo a Agência Nacional das Águas (ANA) para avaliar o curso das ações”. O Ministrou finalizou chamando atenção de se definir o Plano de Bacia Hidrográfica fundamentado numa “visão integrada contrariando as visões eventuais e pontuais”.

O Ministro se comprometeu em dar uma resposta assim que se inteirar melhor do processo. Entre os participantes encontravam-se no auditório da SBPC os comunitários da Colônia Antonio Aleixo, que durante a coletiva de imprensa se manifestaram com faixas e cartazes. Para o líder comunitário Isaque Dantas “esse momento foi oportuno para se dar mais visibilidade á nossa luta em defesa de um patrimônio que local e mundial, contrariando a gana do capital que pretende privatizar por meio da construção do Porto das Lajes”.

terça-feira, 14 de julho de 2009

UMA BREVE ANÁLISE SOBRE RIQUEZA E PODER




Lena Andréa Muniz*

Para fundamentar os estudos recorre-se a uma breve análise dos capítulos do livro de Leo Huberman – História da Riqueza do Homem e Sacerdotes, Guerreiros e Trabalhadores, Ouro, Riqueza e Glória do qual se utilizou para retratar as várias manifestações do poder, tais quais: o poder do Estado, do Rei, da Igreja e das demais classes dominadoras, onde manda quem pode e obedece quem quer ir para o céu.

No entanto, para se dar continuidade se faz necessário conceituar a palavra poder. De acordo com Corssetti.

“a palavra poder designa a capacidade ou possibilidade de agir, produzir efeitos. Esta designação pode ser referida tanto a uma dimensão social envolvendo indivíduos ou grupos humanos como a fenômenos de ordem física natural”.

Sacerdotes, guerreiros e trabalhadores.

Ao logo desse primeiro capítulo do livro supracitado, o autor faz uma exposição de como se davam as relações entre as classes servis, nobre e clero, tomando como pano de fundo o sistema econômico denominado feudalismo.

De acordo com HUBERMAN (1997) as terras agrícolas em grande parte da Europa Ocidental e Central, dividiam-se em feudos.

Como característica principal do feudalismo, ressalta-se que as terras eram dividas em duas partes, uma pertencente ao senhor do feudo e a outra parte era dividida entre os arrendatários (mansos).

As condições em que viviam os camponeses eram de extrema miséria, trabalhando arduamente nas faixas de terras espalhadas. Existiam vários graus de servidão: os servos de domínio viviam permanentemente ligados à casa do senhor; os fronteiriços camponeses paupérrimos mantinham pequenos arrendamentos de um hectare; os aldeões que possuíam só uma cabana e deviam para o senhor em troca de comida, não possuíam arrendamento.

A riqueza era determinada por um único fator – a terra, ou seja, quanto mais se possuía terra mais poder se possuíam, mais servos se tinha.

Uma das maiores proprietárias de terras do período feudal foi à igreja. A maior, mais poderosa e mais duradoura que qualquer outra coroa. Algum nobre em suas conquistas se apoderava das terras de seus inimigos e doavam parte à igreja que detinha esse poder sobre os nobres, às vezes o poder do clero superava o poder da coroa visto que a igreja era a possuidora das chaves do céu, que de certa forma vendia àqueles que podiam pagar, em dinheiro, pelo purgamento de seus pecados, inclusive poderiam pagar de forma antecipada por algum tipo de pecado que haveriam de cometer.

Tanto o senhor quanto o servo contribuíam para o enriquecimento da igreja, aumentando assim o controle e o patrimônio da igreja, tornando-a a maior senhora feudal, ou seja, o clero e a nobreza nesse período constituíam as classes dominantes.

Portanto, observa-se que os servos não tinham direitos e eram dominados tanto pelo senhor quanto pela igreja. Os camponeses trabalham dias a fio para o senhor e em nas suas terras, plantavam, colhiam, e viviam em função do senhor da terra, e sempre continuavam devendo a ele.

A igreja por sua vez incentiva de certa forma esse tipo de escravidão, pois prestava ajuda espiritual tanto para o senhor quanto para o servo. Uma das formas de manter o poder do senhor sobre o servo era levando o servo a pensar que a sua situação de escravo era uma dádiva do céu, ou seja, usava-se uma passagem bíblica que diz: é mais fácil um camelo passar pelo buraco de agulha que um rico entrar no reino do céu, e assim o servo não se rebelava contra o senhor, pois de acordo com seu entendimento a sua condição de pobreza era a vontade de Deus.

Outra forma de a igreja manter seu poderio era impedindo que se fizessem empréstimos a juros, ou seja, a igreja proibia a usura, alegando que a usura era pecado, e que quem enriquecesse através dessa pratica seria excomungado e não herdaria o reino dos céus. Porém, a própria igreja emprestava, para os comerciantes, arrendatários, para o senhor, inclusive, valores a juros, ou seja, ela usava daquela máxima que diz; faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço. A proibição era uma forma de diminuir a concorrência e ela continuar mantendo o controle de ambos os lados.

Por fim, não havia um governo forte na idade Média capaz de se encarregar de tudo. A organização, no todo, baseava-se num sistema de deveres e obrigações do principio ao fim. A posse da terra não significa que se pudesse fazer dela o que agradasse.

O que se pode acrescentar sobre a narrativa acima é o que cita Eduardo Corssetti, em seu texto, Poder e Poder Político:

“... de que o poder é constituído por uma situação processual em que um dos atores impõe um comportamento ou atitudes, que contrariam interesse, para, em virtude disso, realizar os seus próprios, buscando assim, determinados benefícios.”

Ou seja, utilizando a máxima de Maquiavel, em sua obra “O Príncipe” que afirma que “os fins justificam os meios”, ou seja, para que tanto os senhores quanto a igreja detivessem o poder não importava a situação em se encontrava o servo, ou que deturpação haveria de se fazer sobre o que rege a bíblia, pois a interpretação desta varia de acordo com o interesse de quem dela se utiliza.

De acordo com Corsseti, o efeito sobre o subordinado é o de torná-lo disciplinado por adesão, através do convencimento de que tal situação deve ser determinada modo e não de outro. A ideologia do dominante frente ao subordinado funciona na pratica em dois planos simultâneos : A racionalização do dominante e a motivação do dominado.

A racionalização do dominante e a motivação do dominado é contemplado na questão do clero quando mantêm o poder sobre o senhor que diante de suas conquistas divide com esta dando-lhes boa parte de sua riqueza como forma de alcançar seus objetivos, incluindo alcançar o reino dos céus.

O dominado na figura do servo, ao aceitar sua condição de escravo mantendo sua servidão sem revolta contra seu escravizador, mesmo sendo o senhor nessa relação o maior dependente, na questão da sobrevivência diária, pois sem o servo o senhor teria que fazer tudo àquilo que eles faziam para manter a reserva senhorial funcionando, sendo eles responsáveis pela manutenção do senhor, quando produzem tudo que o senhor precisar desde alimentos até vestuários, e por muitas vezes sentindo-se gratos àqueles (opressores) por se acharem dadivosos quando se sentem esperançosos de ter descanso eterno, acreditando na vida aos a morte, situação essa mantida através dos dogmas da igreja.

“Ouro, riqueza e glória”

Leo Huberman, analisa e discute no capítulo XI e XII – Ouro, Grandeza e Glória, onde a preocupação girava em torna das riquezas de um país. Os governos ambicionavam riqueza e poder, assim interferiam na vida de seus tributários (súditos), moldando e regulamentando em prol desses objetivos, essa interferência na vida da sociedade, encaixou-se nos moldes do sistema mercantil.

O princípio de todo o sistema mercantilista se dava pela exploração das colônias em busca de metais preciosos, a sua posse, ou seja, o total de metais preciosos que um país possuía era o índice de riqueza e poder.

Assim, muitos paises proibiram a exportação de metais para que fosse preservado em seus paises e fossem vistos como paises ricos e poderosos.

Eduardo Corsseti, em seu livro Poder e Poder Político cita que:

“O alcance dos processos de poder dependem da recorrência aos recursos que sustentam a relação e que se constituem nos meios pelos quais se realiza tanto a possibilidade da assimetria como a das sanções”.

(...)

“O subordinado age de acordo com que presumidamente desejaria o dominante , com receios das punições”.

(...)

As relações de mando e obediência que emergem da política , estão baseadas , além das coisas materiais, em hábitos, sobretudo na obediência...,”

Os mercantilistas afirmavam positivamente sobre o fomento da indústria, pois o seu crescimento não representava somente um aumento nas exportações e no favorecimento da balança comercial, porém aumentava, também, o índice de emprego. Este pensamento surgia em uma época em que existia um grande número de mendigos e desempregados, o que corroborava a tese de que consolidar o poder e as riquezas nacionais era uma necessidade, pois consequentemente manteria a boa forma dos súditos.

Os comerciantes almejavam grande parte dos lucros das companhias monopolizadoras privilegiadas, quando tentaram participar, foram excluídos, por esses motivos ansiavam pelo comércio livre. Os governos por sua vez queriam incentivar a indústria, porém, não poderiam fazer, pois ao ajudar uma classe automaticamente prejudica a outra, e como não poderia ser diferente a classe prejudicada protestavam.

Os constantes protestos devidos às políticas protecionistas. Os mercados estavam insatisfeitos com as restrições mercantilistas, queriam modificações que melhorassem seus negócios, então, defendiam a política que melhor traria riqueza e prosperidade ao país.

O que se pode observar é que em suma todos ambicionavam pelo poder, e a partir do momento que se sentissem acuados ou prejudicados em algum tipo de medida protestavam, o que deixa bem claro que o que Corssetti ressalta em Poder e o Poder Político que:

... deve-se saber que a força constitui um dos dados do poder, mesmo que possa vir a se constituir num dos mais canhestros de serem alcançados aos objetivos.

Economista e professora da UFAM


Referência:

CORSSETTI, Eduardo. Poder e Poder Político In., Marcelino, Nelson (ORG.) Introdução às Ciências Sociais. São Paulo (Campinas): papirus, 1987.

HUBERMAN, Leo. A Historia da Riqueza do Homem. 21 ed. LTC. Rio de Janeiro, 2009.

MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. Tradução Maria Lucia Cumo. Rio de Janeiro: paz e Terra, 1996 –

segunda-feira, 6 de julho de 2009

ENTRE MANAUS E BELÉM: SEMELHANÇAS E DIFERENÇAS

Benedito José de Carvalho Filho*

Imaginemos um viajante que se disponha conhecer hoje as duas maiores cidades amazônicas, Belém do Pará e Manaus, não como um simples turista, mas com um olhar mais informado sobre os universos que se escondem por detrás de suas aparências.

Ele, naturalmente, não deixaria de ser tentado a ensaiar algumas comparações, mas logo, silenciosamente, se indagaria: sob que olhar e de que ângulo observar as duas cidades amazônicas?

Através das narrativas postas à disposição do público pelo Estado, que, ao produzir seus coloridos folhetos, induz o leitor a acreditar que as duas cidades descritas são paradisíacas, com seus monumentos históricos, suas belezas naturais, sempre na tentativa de vender para esse público (e de fora) uma imagem da cidade que os seduza, principalmente nesses tempos onde a Amazônia ganha holofotes da mídia mundial?

Informado, ele logo perceberia, como os antigos viajantes que estiveram por aqui entre os séculos XIX e início do século XX, que olhar, ver, observar, e às vezes cheirar, são instrumentos fundamentais em determinados processos de investigação, pois as cidades são espaços vivos, segundo a expressão de um dos seus escritores, Milton Hatoum, onde cada objeto, coisa ou lugar, pode ser retratado a partir de um olhar daquele que observa que nunca é neutro e desprovido de emoção e sensibilidade.

Olhar as cidades no tempo, ler o que se escreveu sobre ela através da ficção, memórias, fotografias, ensaios sociológicos e etnográficos etc.é sempre uma forma de se aproximar de suas identidades, mesmo sabendo que a memória é sempre uma reconstrução imaginária, uma forma de simbolizar o passado. Por isso, torna-se impossível resgatar com precisão os tempos que já se foram, pois o importante é buscar seus restos mnemônicos presentes na sua arquitetura, no traçado de suas ruas, nos modos de vida de seus moradores, restos que sobrevivem ao tempo.

Se a cidade, como diz Ossame é morada concentrada de pessoas, com uma arquitetura e paisagens criadas a partir de um ideal de beleza ou imaginação, ou um lugar de circulação de pessoas, de mercadorias e capital (constituindo-se num conjunto de relações sociais, como diria Marx), como as compreender nas suas múltiplas perspectivas, nas suas polissemias e diferenças a partir do que experimentam seus moradores em pleno século XXI, no momento em que se intensifica o capitalismo, a modernidade, sob o qual dormita um passado constantemente criado e recriado pela força da tradição?

Certamente o nosso viajante logo perceberia que os diversos olhares não são inocentes, mas perpassados pelo poder, ou seja, pelos vencedores, que contam e recontam à sua maneira a história, que acaba por se constituir a história oficial. Perceberia, por exemplo, que a imagem da “cidade monumento” encontrada nos folhetos turísticos, faz parte “de um processo de representação simbólica” onde as narrativas estão permeadas de visões preconceituosas sobre os nativos e carregadas de hipérboles, como a construção da imagem da cidade de Belém, vista como uma cidade modelo da Amazônia, com seus povos autóctones de hábitos e costumes exóticos para quem vem de fora, os turistas viajantes, nacionais e estrangeiros, naturalistas e muitos outros personagens encantados pelo “país das Amazonas.
Além da nostalgia as “múltiplas cidades”

Belém, uma cidade que, como Manaus, teve seu apogeu na era do ciclo da borracha, que tornou o Pará um dos estados mais ricos do Brasil em fins do século XIX, (isso é questionado pelos amazonenses) guarda um patrimônio arquitetônico significativo, signos da belle époque. Muitos estão em mal estado de conservação e são observados à distância pelo nosso viajante, gerando nele uma sensação ambivalente de decadência e nostalgia.

Segundo observou um cartógrafo, estudioso da cidade, o discurso atual sobre um suposto passado glamoroso e as tentativas que os órgãos públicos fazem para cristalizar e transformar esse passado é um desejo de contrapor-se à finitude; desejo de congelar o tempo, de fugir à inexorabilidade do seu escoar. Como exemplo disso temos o belo álbum Belém da Saudade onde se percebe isso que ele chama de nostalgia imobilizadora, esse sentimento bem perceptível nos moradores mais velhos da cidade, sempre recordando a Belém que já teve, sem perceber que esse período não nos pertenceu e que esse desejo idealizado de paz, tranqüilidade e beleza da cidade que não é mais, na verdade, esconde um medo profundo do presente e do futuro que não aparece como muito promissor no momento.

Essa nostalgia evidenciada numa parcela dos cidadãos paraenses também é muito presente no cidadão amazonense. Ao folhear os jornais da cidade frequentemente deparamo-nos com as crônicas da cidade antiga, os seus velhos pontos de encontro, as brincadeiras de crianças, os jogos de futebol nos campos de várzeas, as ruas onde se encontravam para tomar a fresca em frentes das casas (hábito que perdura em alguns lugares) e tantas outras recordações. Todos esses fragmentos de lembranças trazem à tona essa nostalgia que, na maioria das vezes, idealiza o passado e teme o presente nessa era de acelerada modernidade com suas autodestruição criadora, mudando paisagens urbanas, criando e recriando novas formas de sociabilidade.

Como em Belém, aqui o patrimônio arquitetônico deixado pela époque belle também é exaltado e reverenciado, como o majestoso Teatro Amazônico, inaugurado em 1896, com seu auditório em forma de ferradura, com capacidade para 681 pessoas, incluindo três andares de camarote; o belo prédio da Alfândega inaugurado em 1906, todo executado com matéria prima da Inglaterra, um dos primeiros prédios do Brasil construído em blocos de pedra, como dizem orgulhosos os amazonenses; a Usina Chamiê, hoje um prédio que serve para exposição de arte, mas que, no passado era uma estação de tratamento de esgotos, mesmo que nunca tenha funcionado com essa finalidade; o seu Porto, construído pelos ingleses em 1902, onde se pode divisar da margem a passarela de passageiros, indo e vindo pela ponte de concreto, feita para oscilar com a subida e descida das águas do Rio Negro.

Em qualquer folheto para turistas nacionais e estrangeiros pode-se manusear e visitar esses prédios históricos. Por isso, nosso viajante não tem interesse em fazer o balanço detalhado de seu percurso ao visitar todos esses monumentos e se interroga: onde se escondem as “outras cidades”, aquelas que não aparecem nas narrativas do poder, que permanecem invisíveis, como as “cidades invisíveis” de Ítalo Calvino? De que forma a maioria de seus moradores vivem, amam e morrem nessas duas cidades tão rivais e provincianas em suas disputas?

Os turbilhões e abalos sísmicos por vir

Circulando na cidade de Manaus, por onde trafega no meio de um trânsito enlouquecido (descobre depois de ler um jornal local que a cidade de Manaus, possui o décimo oitavo transito pior do mundo), vê rapidamente as propagandas do governo dizendo que o povo amazonense tem orgulho de ser amazonense. Isso o fez recordar os outdoors espalhados pelas ruas de Belém, onde aparecia a foto da governadora e, ao lado, com letras bem visíveis, o dizeres sobre o Pará, terra de direitos, em um dia de muita chuva e calor, exatamente quando o jornal local divulgava a absolvição do assassino da irmã Dorothy, intrépida defensora do meio ambiente.

No meio daquele turbilhão, em plena Bola do Coroado, como o povo da cidade de Manaus batizou um retorno, onde atualmente está sendo construído um imenso viaduto para dar conta do imenso fluxo de veículos que vai em direção à Zona Leste ao centro da cidade, o nosso viajante tomou consciência de que a cidade, com seus 14.337 quilômetros quadrados de espaço territorial abriga mais de 2 milhões de pessoas que moram, trabalham, vivem e morrem em territórios distintos, com suas exclusões sociais, suas segregações, suas diversidades culturais e formas de sociabilidades. Nessa polissemia de vozes e estilos de vida, entre o luxo (de uma minoria fechada em seus carros climatizados) e a precariedade (dos que usam os transportes públicos) esse fosso que separa a cidade dos ricos e dos pobres, ele estava convicto da existência de muitas “cidades” que emergiam nessas duas urbes amazônicas, impossíveis de serem captadas e compreendidas sem um longo trabalho etnográfico, de observação e análise.

Mas o que estar por vir é um turbilhão infinitamente maior do que este e suas conseqüências são imprevisíveis, como os abalos sísmicos que ameaçam a vida de muitas cidades do Amazonas.

Manaus é a única capital do país que não tem acesso rodoviário. A reabertura da Rodovia BR-319, prevista pelo Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) vai provocar transformações ainda mais radicais na cidade de Manaus, que tem como carro chefe de sua economia o que se produz na Zona Franca, gerador de parte considerável dos empregos na cidade, juntamente com setor comercial, principalmente o mercado informal, os dois maiores geradores de emprego nos últimos anos, juntamente com o primitivo escambo extrativista, que funciona ainda nos moldes do começo do século passado.

Uma revista profetiza o que vem pela frente quando essa rodovia estiver concluída:

Como qualquer estrada, em qualquer país, em qualquer tempo, vai ser a ponta de lança de um processo de povoamento essencialmente hostil ao meio ambiente. Por outro lado, como artéria do desenvolvimento, ela é prioritária. A rodovia fará ligação por terra dos estados do Amazonas e Roraima com o resto do país. Ligaria também a Região Sudeste à malha da vizinha Venezuela.

A hostilidade já estava acontecendo desde quando ela começou a ser construída no princípio dos anos 70, quando por ali passaram linhas de ônibus regulares, até 1982. Mas por falta de manutenção, 400 quilômetros de asfalto se perderam, e o trecho ficou intransitável.

Como pano de fundo é evidente que o que está em questão é a maior inserção do Estado do Amazonas e de sua capital, Manaus, na dinâmica do capitalismo selvagem, já visto no Pará, sempre com sua lógica do desenvolvimento a qualquer custo e muito menos a preocupação com o homem e o meio ambiente, mesmo quando apresenta seus estudos de impacto ambiental prometendo conciliar conservação com desenvolvimento.

Como deixar intacta uma região que possuí a maior bacia hidrográfica do mundo em um país carente de energia limpa, boa parte delas localizadas na região Amazônica? Como deter um imenso fluxo migratório que virá numa avalanche quando a estrada estiver concluída? Como evitar os imensos desmatamentos já iniciados no sul do Estado do Amazonas com a introdução da cultura da soja e a disseminação das pragas que já é objeto de grandes preocupações no sul do Estado? As medidas propostas pelo DNIT no EIA/RIMA serão suficientes para impedir que a integridade física e territorial dos índios Palmiri, Apurinã, Parintintin,Thearim, Tora, Mura e tantos outros (são cerca de 10 tribos) seja mantida ? Ou vão se repetir os mesmos massacres que ocorreram durante a construção das grandes rodovias na Amazônia, onde impera as grilagens, a pistolagem e os grandes conflitos de terra?

As duas cidades, Manaus e Belém não podem ser pensadas fora desse contexto maior. Elas são produtos, como todas as cidades brasileiras, cada uma com a sua singularidade no processo de modernização conservadora brasileira, onde se desenvolve um capitalismo que foi capaz de gerar uma base produtiva e complexa e diversificada na região sudeste e que gera, ao mesmo tempo, a pobreza, a exclusão social, a desigualdade regional e a reprodução da relação entre o arcaico e o moderno, ambigüidade bem visível para qualquer viajante que se disponha a sair do litoral e conhecer o que acontece nos grotões do país. O que se chama de desenvolvimento e exclusão social, crescimento e pobreza é face de uma mesma moeda, mesmo nas regiões mais ricas do país, como São Paulo, por exemplo.

Os cidadãos da cidade de Belém conhecem muito bem o que ocorreu quando foram abertas as suas fronteiras, iniciando com a Belém-Brasília, quando possuía uma diminuta população. Manaus, já integrada nessa dinâmica, mas ainda não com a mesma intensidade da cidade de Belém, enfrentará os mesmos problemas de sua co-irmã, mas com um agravante: a explosão populacional, pois a cidade que hoje possuí mais de 2,5 milhões de pessoas espremida em seu sítio urbano, acolhendo uma população carente de todos os serviços urbanos necessário para sobreviver civilizadamente, verá os novos forasteiros chegando sem que a cidade ofereça as condições necessárias para viver uma vida digna na sociedade. Os serviços públicos, que hoje são precários, dificilmente serão capazes de responder a gigantesca demanda e a cidade explodirá com a violência – como acontece agudamente em Belém -, o caos urbano, com as especulações imobiliárias, o trânsito caótico e tantos outros problemas capazes de imobilizar qualquer administração pública. É isso que se chama progresso nessa imensa e rica região do país.

Para muitos cidadãos das duas cidades isso é visto com otimismo e isso é muito bem trabalhado pela farta publicidade governamental. O Pará realçando a riqueza de seu subsolo, onde se encontram as maiores reservas minerais do mundo, e o Amazonas a sua floresta, sua biodiversidade, seu potencial turístico e sua inesgotável riqueza florestal. Por isso, a cidade já estuda a localização de um novo porto (em Lajes, na confluência do rio Negro com o Solimões) e cria as condições para ampliação de novas zonas de ocupação em seu entorno que será possível quando a ponte sobre o rio Negro estiver concluída.

Por que me ufano de meu Estado?

Será mesmo que o amanuense se orgulha em viver numa cidade com tantos problemas dramáticos como existentes atualmente? Ele tem consciência do furacão que se aproxima? Quando o governo fala em povo amazonense de que povo está se referindo? Dos que vivem nas chamadas áreas nobres com alto poder de consumo, que freqüentam as zonas sofisticadas, uma parcela bem reduzida de sua população? Ou às populações de seus bairros pobres, das baixadas, como as de Belém do Pará, ou as chamadas ocupações da cidade de Manaus?

Muitas vezes quando se compara Manaus com Belém um dos indicadores apontados pelo senso comum é o tamanho da população das duas cidades, como se isso significasse um sinal de progresso e desenvolvimento. Certo provincianismo e uma rivalidade cega acirram uma antiga disputa para saber qual a cidade maior da Amazônia, sem uma reflexão sobre o significado dessa explosão demográfica verificada nessas duas regiões.

De fato, as duas cidades da Amazônia vêm experimentando nessas quase quatro décadas um crescimento demográfico simplesmente espantoso. Manaus, por exemplo, possuía em 1970 pouco mais de 300 mil habitantes em seu território urbano, no ano de 2000, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), saltou para 1,5 milhões de habitantes e hoje (2009) já passa de 2 milhões de pessoas (se incluirmos nessa contabilidade a população que reside na área metropolitana) ultrapassando Belém que não chegou a 1,4 milhões de habitantes.

Curioso, mas que revela uma das singularidades do desenvolvimento urbano da Amazônia é a forma de ocupação de seu território. O Estado do Amazonas é um desses casos singulares, talvez o único no país. Considerado o maior Estado do Brasil, possuí 1,5 milhão de quilômetros quadrados e ocupa mais de 18% do território brasileiro. Temos, portanto, um imenso território parcamente povoado (como toda a Amazônia onde vivem mais de 20 milhões de brasileiros, quase o dobro da existente na cidade de São Paulo), onde a maior parte de sua população vive nos seus 14.337 quilômetros quadrados, área que ocupa a cidade, fazendo de Manaus uma “ilha demográfica”.
Como diz o jornalista e sociólogo Lúcio Flávio Pinto ao comparar Belém e Manaus:
Mas enquanto Manaus concentra praticamente metade da população do Amazonas, que tem 300 mil quilômetros quadrados a mais do que o Pará (um terço a mais do território, portanto), Belém está restrita a praticamente 20% do Estado. No entanto, a capital nucleou o seu entorno, enquanto Manaus é uma “ilha demográfica”.
Mais adiante aponta uma outra característica:

A área metropolitana de Belém, com cinco municípios, já passou de dois milhões de habitantes, o que dá maior poder irradiador e retro alimentador à sua rede demográfica, uma capilaridade que poderá ser ainda mais importante no caso de uma nova divisão territorial do Pará. A fragilidade nesse aspecto é visível e grave.
É grave porque o que movimenta a cidade de Manaus é a Zona Franca, um instrumento de desenvolvimento baseado num tratamento tributário e alfandegário especial, à base de renúncia fiscal, e considerando a capital amazonense como se fora território estrangeiro.

Mas, pergunta o jornalista e sociólogo:

Mas o que acontecerá em 2013, quando – e se – a Zona Franca chegar ao fim? Manaus terá amadurecido o bastante para caminhar com as próprias pernas? O Amazonas terá sido modificado o bastante, por iniciativa como a Zona Franca Verde, do atual governo do Estado, para não submergir sob uma eventual crise da capital?

De fato, o gerador de todo esse processo de crescimento demográfico em Manaus teve como marco inicial o ano de 1967, quando foi implantado o modelo econômico Zona Franca de Manaus no âmbito da política regional de integração nacional dos governos militares.

As mudanças trazidas pelo processo de industrialização afetaram rapidamente a vida cotidiana dos amazonenses. A estrutura da cidade modifica-se com numa velocidade intensa, criando novas formas de sociabilidade e alterando as formas de viver, sentir e perceber a cidade. O espaço urbano ganha outra visibilidade com o crescimento populacional decorrente do processo migratório, que ocorre com a formação de inúmeros bairros. Eles passam a constituir a periferia da cidade.

A crise apontada pelo jornalista já é evidente, acelerada com outra crise bem maior: a crise econômica mundial, cujos efeitos já se fazem sentir na cidade, como a presença de uma grande massa de trabalhadores e trabalhadoras demitidos nesses últimos meses, aumentando e agravando os graves problemas de uma cidade que se transforma em uma velocidade estonteante e selvagem, onde logo se percebe as imensas desigualdades sociais no acesso a todos os serviços e na brutal demanda das classes populares, lotando hospitais, os transportes (precarissímos), a educação e todos os serviços públicos.

É preciso lembrar, que apesar do apelo ufanista dos administradores da cidade, recorrendo ao reforço da auto-estima dos amazonenses, como o slogan “o orgulho de ser amazonense”, não há tanta razão para o cidadão pobre, desempregado, se orgulhar tanto de sua terra.

Os últimos indicadores sociais não vão na direção desse otimismo governamental. Recentemente o IBGE divulgou, pela primeira vez, uma divisão do Produto Interno Bruto por municípios. Essa novidade estatística mostrou que Manaus possuí o quarto maior PIB municipal do Brasil, do tamanho de R$ 20,3 bilhões, superior ao de capitais mais populosas, como Belo Horizonte (em quinto lugar, com R$ 18 bilhões), e Curitiba (7%), com R$ 14 bilhões. Belém ficou 27 lugar.

Mas quando se verifica como está distribuída essa riqueza na cidade de Manaus e Belém os dados são assustadores e confirmam as impressões do viajante quando circula por ela:

Quarta em geração de riqueza, a capital amazonense ocupa o 1.194º lugar por um índice que mede a distribuição dessa riqueza, na forma de desenvolvimento econômico, o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), mais relevante atualmente que o PIB. (...) Por causa de Manaus, a Amazônia aparece como a segunda região do país que mais concentra a riqueza, abaixo do Sudeste que sofre o impacto de São Paulo, o município que mais desigualdade gera. No Norte, 10% dos Municípios com maiores PIBs produzem 14,7 vezes mais renda que 50% com menor PIB. A média nacional (de 19,9 vezes) é maior justamente por causa da desigualdade do Sudeste (29,8 vezes), devido a São Paulo.

Mas, continua o jornalista:

A concentração de riqueza no Norte bate todas as demais regiões. A menor concentração foi registrada justamente na outra fronteira, o Centro-Oeste (7,3 vezes, exatamente a metade da concentração amazônica).
Outro dado que desestabiliza a propaganda oficial do Governo é o Índice de Desenvolvimento Familiar (IDF), o mais recente indicador social criado no Brasil.
Ele mostra o brutal contraste entre a quantidade de riqueza extraída de um Estado, como o Pará, e a pobreza que fica a sua população.

O primeiro Estado mais pobre do Brasil é o Amazonas. Seu IDF é de 0,502 (numa escala que vai de 0 (a pior situação) até um (a melhor situação). O Pará é o segundo Estado mais pobre do Brasil (seu IDF é de 0,503). O terceiro Estado mais pobre é o Maranhão.

A pergunta que não podemos deixar de fazer é: por que um Estado, como o Pará, que possuí a nona maior população do país, o Estado que mais dólares líquidos proporcionam à federação nacional, o quarto Estado exportador, o terceiro maior transferidor de energia bruta, o segundo maior minerador possuí índices de desenvolvimento humano tão baixo? A mesma pergunta pode ser feita pelos cidadãos aos governantes do Estado do Amazonas.

As cidades “incham” e os mais pobres são segregados

Os dados até aqui divulgados nos permitem adquirir uma visão um pouco mais aproximado da realidade social das duas cidades amazônicas. Mas não substitui um conhecimento mais próximo da realidade de seus moradores.

Deslocando-se para as chamadas periferias da cidade de Manaus o cenário se assemelha mais com um acampamento humano do que um bairro. Não foi sem razão que foram chamadas de áreas de ocupação, ou invasões, que, depois de consolidadas passam a ser chamadas de bairros. São lugares (ou não lugares, como diz o antropólogo) onde reina a precariedade, a maioria deles sem infra-estrutura e sem planejamento,
Segundo dados da Secretaria de Estado de Terras e Habitação do Estado do Amazonas, nos anos de 2002 e 2003 ocorreram mais de 100 novas ocupações no perímetro urbano.

Tal fato demonstra, por um lado, a ausência ou equívocos de políticas públicas para o problema habitacional e urbano, mas por outro, evidencia uma forma de segregação espacial e social.

O crescimento populacional tem provocado um gigantesco êxodo rural e migrações inter e intra-regionais, onde enormes massas populacionais foram expulsas de seus locais ancestrais atraídas pelas promessas da Zona Franca de Manaus e outros meios de sobrevivência, no comércio especialmente, cada vez mais um dos problemas sérios, como podemos perceber ao percorrer pelo centro da cidade e os populosos bairros da Zona Leste, por onde a cidade está se expandindo nos últimos anos.
Um documento da Igreja Católica do Amazonas estima que o número de pessoas empregadas no chamado Distrito Industrial seja menos de 45 mil.

É evidente que o grande contingente de desempregados encontrou no mercado informal a saída para a busca de alguma renda. Hoje, a falta de emprego é o maior empecilho para a melhoria da qualidade de vida de milhares de pessoas. Em relação aos migrantes, a falta de oportunidades, associada à falta de qualificação técnica, faz com que milhares deles se vejam desesperançados quanto ao futuro. Diante desse quadro, Manaus assiste estarrecida, ao fenômeno da mobilidade humana: migrantes com rostos sofridos caminham constantemente em busca de moradia, educação e qualificação profissional, resultando em uma multidão de excluídos, que poderiam estar contribuindo para a melhoria das condições de vida de suas famílias e garantindo outra realidade, mais venturosa.

Da cidade de Belém temos dados mais precisos:
Segundo dados levantados pelo Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (IETS), do Rio de Janeiro, com base nas estatísticas do IBGE, entre 1996 e 2003 a renda média da população ocupada de Belém diminuiu quase a metade: 42%. Só de 2002 para 2003 a queda foi de 29,9%.

Outro dado surpreendente e assustador, que não deve ser muito diferente na cidade de Manaus: 150 mil famílias vivem no mercado informal, o que significa pelo menos 750 mil habitantes, ou mais da metade da população do município.

Em Belém, de cada três habitantes em idade de trabalhar, apenas um tem emprego. Os outros vivem de serviços ocasionais, ou na economia clandestina. A clandestinidade pode significar que ele é um vendedor ambulante, a transgredir suavemente as leis para exercer a sua função ou atua diretamente no crime, até mesmo como pistoleiro de aluguel em ação de extermínio já tornada rotineira.

Estes números atestam a pouca eficácia, quanto à geração de renda e emprego, tanto da administração estadual tucana (há 10 anos no poder) quanto da gestão municipal petista em Belém (durante oito anos iniciados em 1997). Eles não apenas não conseguiram inverter a tendência do empobrecimento das populações estadual e municipal como agravaram essa diretriz. Foram incapazes de decifrar o enigma da esfinge dos grandes projetos, que extraem enormes volumes de riquezas naturais do Pará se transforma-las em fontes de renda e emprego.

As ilhas de modernidade e suas metáforas

O cidadão que percorre os bairros, ruas, logradouros públicos e outros recantos da cidade percebe as grandes transformações da cidade nos últimos tempos.
Poderá perceber, também, as transformações físicas da cidade. Percorrendo suas ruas, o mesmo cidadão se depara com as ilhas de modernidade (onde estão as chamadas áreas nobres) com seus bairros como Ponta Negra, os novos shoppings centers, (são quatro, e, brevemente, terá mais um, o que está sendo construído no bairro luxuoso e cara de Ponta Negra).

As mudanças que a modernidade vem provocando na cidade esboçam-se diante dos olhos de seus moradores, quando acompanham a edificação de novos edifícios que diariamente surgem na paisagem da cidade, já movida por uma intensa e competitiva especulação imobiliária, com seus prédios e apartamentos caros e luxuosos. Não são como as torres que se erguem imponentemente em Belém do Pará, mas já se percebe que a especulação imobiliária vem progressivamente ocupando os vazios urbanos, muitas vezes destruindo velhos casarões e erguendo edifícios com mais de vinte andares, criando os mesmos problemas que ocorrem em Belém, como a diminuição da ventilação em uma cidade que tem um dos climas mais quentes do país.

Morar no bairro de Ponta Negra, onde está situado o famoso Hotel Ponta Negra, é um luxo para pouco, um sinal de status. O aluguel de um apartamento de três quartos não custa menos de três mil reais. É uma das poucas áreas de lazer da cidade e nos domingos é grande o número de moradores que correm para a pequena praia em frente do Rio Negro.

Um dos exemplos que não consigo observar sem me chocar quando vejo é um shopping em fase de construção localizado na Zona Leste, um dos mais populosos da cidade e que lidera o número de casos de malária, leishmaniose e dengue na cidade. O shopping (chamado de São José) é uma espécie de metáfora viva da cidade de Manaus, essa combinação de atraso e modernidade.

O prédio, inacabado, com seus imensos blocos de concreto à mostra, teve sua construção paralisada por razões que o público desconhece. Mesmo com os riscos, improvisou-se seu funcionamento. Lojas foram alugadas e uma multidão de pessoas com pequenas rendas freqüenta o lugar, circulando pelo seu reduzido espaço. É uma espécie de shopping dos pobres, onde as pessoas circulam pela praça de alimentação de forma bem simples, mas ávidas para entrar no mundo do consumo.

O Shopping São José é o inverso do seu primo rico, o Shopping Center Manaura com sua arquitetura moderna e imponente, suas luxuosas lojas, seus ambientes espaçosos que intimida a entrada de qualquer cidadão que não esteja minimamente bem trajado e disposto a consumir. Mas o primeiro é uma metáfora mais expressiva da realidade da cidade. É inacabado, está em construção, como a cidade e a própria modernidade. Aqui os que estão fora do consumo conspícuo e sofisticado podem consumir suas guloseimas, tomar seus canecos de chopes nas famosas torres, onde cabem cinco livros de cerveja, tudo a preços acessíveis ao bolso. O segundo é para emergente classe média e alta e pode ser visto como uma espécie de novo monumento representativo dos tempos em que a cidade se moderniza, como representou o Teatro Amazonas no começo do século passado.

Se os dois shoppings amazonenses revelam as contradições de sua modernidade, os edifícios torres em Belém do Pará são os símbolos mais evidentes dela. Belém cresce para cima porque não tem para onde crescer e as classes mais abastadas buscam os cumes de suas torres para refugiar-se da violência que assola a cidade, fazendo com que Belém seja uma das cidades mais violentas do país. Aqui os espigões já são expressivos, mas de uns anos para cá vem crescendo os chamados condomínios fechados, imitando os de São Paulo e Rio de Janeiro.

O atraso na política: “A raposa cuidando do galinheiro”

Aqui, como em Belém, a captura dos órgãos públicos pelas oligarquias, a corrupção desenfreada, adquirem as mesmas semelhanças. É duvidoso imaginar que as elites que detém o poder econômico e político nesses dois Estados abdicariam dele, permitindo que o governo federal amplie os seus poderes. O que se percebe é um entrelaçamento entre o governo federal e os poderes locais, através de acordos políticos que permitem que essa elite política esteja sempre se revezando no comando dos dois Estados. Como diz Lúcio Flávio, a federalização acaba proporcionando à raposa cuidar do galinheiro, com as vestes do bom pastor. Um galinheiro, diga-se de passagem, com paus muito sujos por sinal.

Não é preciso ter vivido muito tempo aqui em Manaus para perceber que as práticas políticas não são diferentes do que se vê em outros estados da Federação. Quase todos os políticos estão comprometidos até o último fio de cabelo com o nepotismo, o compadrismo, o fisiologismo, o clientelismo, ou a troca de favores.

Um jornalista amazonense que reside no Rio de Janeiro expressa com ironia essa realidade sobre seu Estado, citando um exemplo representativo: o do deputado Belarmino Lins, atual presidente da Assembléia Legislativa, que contratou por baixo dos panos 33 parentes, entre os quais a própria mãe, que mora no Ceará. Dois filhos, um deles residindo em São Paulo, a mulher, todos em cargos comissionados, recebendo polpudos salários, a mulher, todos em cargos comissionados, recebendo polpudos salários, sem trabalhar, no valor anual de R$ 1,2milhão.

Aqui, como em Belém, tudo é paradoxal, como a realidade desse país. Os extremos convivem no mesmo espaço e ao mesmo tempo. Chega a ser hilário falar em público e privado e muito menos em ética no sentido moderno da palavra. A classe dominante aqui é uma das mais corruptas do mundo e se comporta como os velhos senhores de barracão da época da borracha, dominando os serviços públicos e todas as instituições, inclusive a universidade e a imprensa, cuja propriedade é dela mesma.

Aqui, por exemplo, o governo atual gasta R$ 237 milhões em propaganda, três vezes mais que o dinheiro gasto com as vítimas da enchente (80 milhões) e não se vê nenhuma reclamação, nenhum protesto, nem mesmo da intelectualidade da cidade, mesmo quando se revelam fatos como esses.

Os paradoxos e as contradições se expressam nas coisas mais elementares do cotidiano, como na sujeira e na incivilidade, na agressividade das pessoas no trânsito, no trato da coisa pública e em todas as esferas da vida.

Enquanto as cidades empobrecem futebol e festa
Manaus foi escolhida pela FIFA como uma das cidades que vai sediar a Copa de 2014. Segundo informações oficiais serão investidos R$ 6 bilhões de reais em obras de infra-estrutura, como a construção de arena poliesportivo na área do estádio do Vivaldão, também estão previstas construção de linha de trens monotrilhos e tantas outras obras. Mais um orgulho de ser Amazonense e um motivo para divulgar em larga escala o feito, atribuído, evidentemente ao Governo do Estado que articulou muito bem e soube vender Manaus, a Amazônia, hoje na crista da onda preservacionista mundial.

Uma parte da população está eufórica, com a esperança de que os serviços de transportes, comunicação, novos equipamentos urbanos e a circulação de dinheiro no Estado tragam melhoras substancias para sua zona urbana.

No dia em que foi anunciada a escolha o povo foi para as ruas comemorar a vitória e ironizar os paraenses por ter perdido a disputa. Nesse momento foi possível perceber o preconceito que têm os amazonenses do seu vizinho. Um fato que ainda não encontrei explicações razoáveis (o que corre é o jargão de que todo paraense é ladrão).


Mas a verdadeira razão da derrota foi explicada por um jornalista paraense que analisou o fato mostrando o empenho do governo do Estado do Amazonas que soube aproveitar as vantagens comparativas.

Se para os belenenses mais alertas e sensíveis viver aqui já é um martírio, imagine-se para aqueles que, mesmo por alguns dias, se apresenta a perspectiva de estar na cidade que sugere uma situação de risco permanente? Como podemos convencer as pessoas de fora sem atender os nativos? Como parecer que podemos hospedar visitantes se não damos condições decentes de vida aos moradores do lugar?

As mesmas perguntas deveriam fazer os manauaras sobre o significado desse evento. Uma minoria mais cética teme, com razão, que se repita aqui o que aconteceu com o PAM no Rio de Janeiro, onde os equipamentos utilizados estão num estado de semi-abandono. Também, não são inconsistentes os temores que uma parte considerável das verbas a ser alocada seja abocanhada por empresas que já demonstraram o que podem fazer com o dinheiro público.


*Benedito José de Carvalho Filho é sociólogo