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quarta-feira, 2 de setembro de 2009

PLANO DIRETOR: UMA QUESTÃO DE CIDADANIA



Luciana Verás


M
anaus, assim como outras cidades efervesceu na década de 60, onde muitos acontecimentos marcaram aquele decênio: a ditadura e suas intervenções na Amazônia, a crise econômica, o surgimento de uma nova ordem político-econômica, onde era necessário “integrar para não entregar.” Fato é que os militares pretendiam ‘socializar’ o solo urbano com a elite agropecuária.


O debate referente às políticas públicas de gerenciamento de cidades teve como precursor o Seminário “Habitação e Reforma Urbana” (1964), que na qual originou um anteprojeto da CNPU – Conselho Nacional de Política Urbana, órgão do Ministério do Interior, com ajuda e apoio de técnicos e consultores progressistas. Entretanto, essa questão de organização dos espaços é um pouco mais antiga, nos remete lá pelas épocas do surgimento das vacinas, quando Osvaldo de Andrade militava a saúde para todos, neste período, também se discutia para além da saúde, os aparelhos urbanos, como instrumento para a contenção de pragas e epidemias na manutenção de “lugares públicos limpos”, para a preservação da saúde pública. Todavia, este diálogo se acentua com o Anteprojeto que fora engavetado. E que, somente em 1980, é retomado o debate com uma proposta de Reforma Urbana, fundamentando uma nova Instituição de Políticas Públicas. No ano seguinte, se torna objeto da campanha eleitoral de Brizola, com a seguinte proposta: “Cada família, um lote”, desengavetando-o. Logo, essa especulação política, abre novos debates para alteração do mesmo, entrando em conflito com o “Poder Público e a Especulação Imobiliária”.

Contudo, com a Constituição de 1988, promulga-se em forma dos artigos 182 e 183, estabelecendo diretrizes gerais da política urbana, a Lei 10.257, alterada em 10 de julho de 2001, onde recomenda outros encaminhamentos. Conforme seu capítulo 1°, art. 1°, no parágrafo único, podemos ver, como adiante escrito:

Parágrafo único. Para todos os efeitos, esta Lei, denominada Estatuto das Cidades, estabelece normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade em prol do bem coletivo, bem como do equilíbrio ambiental.


O Estatuto da Cidade é filho intelectual e ideológico do Estado de Bem-Estar Social, e sob moldes da democracia emergente, trás consigo a diretriz de uma gestão assim intitulada “democrática”, por meio de consultas à população, de representatividades das associações de vários seguimentos, o acompanhamento de programas e projetos de desenvolvimento urbano para o atendimento ao interesse social. Sendo que, seus modelos de políticas públicas – dois -, são o primeiro Redistributivo, que pretende capturar renda para financiar a ação pública, de maneira que equalize as condições habitacionais e urbanas da cidade, e ainda Regulatório, pois pretende a valorização da terra aos imperativos das necessidades coletivas; e o segundo é o Distributivo, que regulariza a questão fundiária, a urbanização das favelas, usucapião especial urbano, entre outros.


Apesar disso, o sistema público de produção e gestão da infra-estrutura de Estado teve o papel no aumento na produtividade do trabalho, assim como na aceleração e acumulação de capitais (investimentos internacionais), ao mesmo tempo em que melhorou as condições de vida. E todo o planejamento público voltou-se para ser pautado pelo valor de mercado. Emergindo o ponto nefrálgico e até sulfrágico, que é a relação que se estabelece entre o privado e o público, a partir, precisamente, do governo de JK. Com a abertura das portas para investimentos estrangeiros, o Estado adotou técnicas para compatibilizar as despesas com as necessidades, com a análise de custo/benefício, discriminando a “produtividade” das despesas em detrimento aos investimentos, assim, o Estado de Bem-Estar social sai de cena para entrar o Estado Gerencial. Ainda que, no Estatuto das cidades, na Seção X, art. 32, § 1°, considera consorciada o conjunto de intervenções (participação do privado), objetivando transformações urbanísticas para melhorias sociais e a valorização ambiental. Por outro lado, no mesmo período os circuitos mercantis e imobiliários passam por um processo de internacionalização de capitais, com o qual o Estado não mais compatibiliza dos mecanismos de produção e distribuição de riqueza, e com o Estado Gerencial se estabelece o Neoliberalismo.

Destarte, como Maura Véras cita em seu artigo: Sociedade Urbana: Desigualdades e Exclusão Social, a gestão política econômica ganha um dualismo atrasado/moderno, não integrado, que o rural x urbano delibera novas demandas, onde as relações econômicas e sociais são vistas inerentes ao capitalismo. Conseqüentemente a cidade capitalista dificulta o consumo e o acesso do pobre aos mecanismos institucionais da democracia. Deste modo, parafraseando, o clássico dualismo entre civilis e polis se reintegra as novas regras do jogo, onde os meios chamados coletivos de consumo mais excluem, confirmando a desigualdade sócio-espacial de desagregação da população.

Milton Santos apud Véras, aborda em sua abrangente obra, que a ocupação espacial confronta-se com uma nova questão o lugar, o direito das diferenças étnicas ao seu lugar de origem, lugar este que ganha dimensão patrimonial histórica, emergindo assim as mais variadas lutas e movimentos sociais, nos quais reclamam o seu lugar no espaço da cidade. No caso de Manaus, por exemplo, seria necessário que emergisse a cidadania, para reclamar esse direito indentitário de espaço de memória, onde várias etnias como índios e negros, reivindicam a redemocratização da sociedade.

Portanto, a pobreza se resignifica e ganha novas dimensões e até moral, tornando remotas as possibilidade de ascensão social, onde o discurso não mais constrange, mas pelo contrário, por um lado se repele, e pelo outro esse debate ganha dimensões internacionais na cobrança de políticas públicas que possam minimizar no objetivo igualdade do homem moderno, que perpassa pelo caráter de dignidade do ponto de vista político de ser reincluindo. Essas cobranças internacionais visam diminuir a migração para países de primeiro mundo, pois percebem-se a busca dessas políticas pelos imigrantes. Estranho é perceber que em Manaus, em comparação com outros centros, a elite Manauara se conforma e convive pacificamente com a sujeira, esgoto a céu aberto, entre outras características que estariam ligadas a pobreza, sendo visto como normal e rotineiro em áreas consideradas nober. A cidade estaria assim muito parecida com a Manchester que descreve Engels em seu tempo, cercada de lixo e animais soltos por todos os lados, e o pior que até em lugares considerado o metro quadrado mais caro da cidade, como Djalma Batista, pode-se notar as deficiências de um plano diretor eficaz.

A organização espacial e economicamente é concebida como uma aglomeração, no urbana, que percorre três etapas e logo possui suas respectivas conseqüências: I – O urbano na colônia como lócus do controle da acumulação do capital mercantil através da exploração do trabalho escravo, ou semi-escravo divide e distancia a cidade do meio rural, ou ainda industrializa, com o agronegócio, redefinindo-o. Tendo como conseqüência a industrialização com a formação da raiz dos nossos problemas da modernidade; II – A cidade como sede de parte da acumulação do capital mercantil, quando se desenvolve uma economia urbana no interior da economia agrário-exportadora, tem como conseqüência o bloqueio da formação da moderna cidadania; e III - A cidade da indústria, com dois sub-períodos: a) fase do populismo que estrutura a produtividade e orienta à base de bens salariais de consumo; e b) desenvolvimento associado, orientado para a produção de bens de consumo de luxo. Acarretando a constituição de poderosos interesses mercantis ligados à acumulação urbana – poder corporativo. Veridicamente conferidos nas audiências de ‘caráter público’ para o Plano Diretor de Manaus, no qual não teve uma divulgação efetiva, as ausências da sociedade civil e do Ministério Público se fizeram notórios, e seu desfecho se concentra em atividades que irão maquiar a cidade até 2014, sem a possibilidade de uma projeção além deste evento.

Nestes termos, o direito do pobre passou a ser pesado pelo Estado, transformando-se em “Custo Brasil” ou ainda Custo em obras de projeção a curto prazo, remontando a situação de obstáculo ao desenvolvimento e efetivação da democracia, e configurando na ausência de proteção social e da cidadania. Conseguinte, suas origens nestes processos urbanos são a difusão do neoliberalismo, o surgimento da mercantilização dos espaços e das condições de produção e reprodução da vida, a universalização dos serviços e desafios da transição do autoritarismo e ‘coronealismo’, para a democracia na sociedade brasileira. Desaguando nos mais famosos problemas sociais de países terceiro mundistas como o Brasil, nos quais, o crescimento desordenado da cidade em virtude a industrialização e migração, surgindo as favelas (novos bairros), ou ainda favelização de zonas centrais sem os devidos aparelhos urbanos de infra-estrutura, na nova cisão entre incluídos x excluídos, na qual o público é [in]devidamente apropriado pelo privado.

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

OS SOCIÓLOGOS DO FUTURO



Carta aos participantes do XIV Congresso Brasileiro de Sociologia da SBS

A
Universidade forma profissionais. Divide-os tradicionalmente em bacharéis e licenciados. Os primeiros devem se ocupar nos empreendimentos públicos e privados que demandam trabalho qualificado de pesquisa social. Os licenciados seguem às salas de aula, hoje especialmente para o Ensino Médio. Isso significa que o rendimento nas avaliações e o tempo em horas-aulas são as medidas básicas da educação universitária para tornar alguém um profissional de nível superior, qualificado para atender demandas complexas e aprender autonomamente através de seus trabalhos. É da natureza do percurso formativo universitário que os anos de graduação confiram esta certificação ao estudante. Embora o Ensino Médio Técnico também capacite para o exercício profissional, promovendo, todavia, um número bem menor de competências.

Uma das profissões atestadas pela Universidade é a de sociólogo. Como qualquer outro curso de formação profissional superior, há de se esperar, obviamente, a profissionalizaçã o. Aquele que se graduou nas Engenharias é engenheiro. Quem cursou Direito está apto a prestar o exame de sua ordem profissional. O que optou por Física é físico. E assim sucessivamente. Ou pelo menos deveria ser assim. Este é o trajeto legitimamente reconhecido pelo MEC para garantir a reprodução qualificada da força de trabalho no Brasil. Porém, há um curso cuja classe de profissionais mais antigos insiste em fazer pouco caso da graduação. É justamente o curso de Sociologia. Surpreendentemente, concluir a formação superior em Sociologia não faz de alguém sociólogo. É complicado entender por que os graduados (bacharéis e licenciados) e até os mestrandos em Sociologia são simplesmente "sociólogos do futuro" para a Sociedade Brasileira de Sociologia (SBS).

Na prática, esse "futuro" equivale à conclusão de um curso de pós-graduação stricto sensu na área. O mestrado, portanto, é considerado curso de admissão à vida profissional, embora um aluno possa obter título de mestre sem jamais ter vivido uma experiência profissional sequer, caso ele tenha ingressado no mestrado logo após se graduar. Mas pior que constatar que a primeira pós-graduação stricto sensu foi rebaixada a curso de profissionalizaçã o, é observar que a graduação em Sociologia de nada vale. Fica clara, agora, a notória repulsão de muitos docentes da área com os graduandos. É possível ouvir de alguns notáveis a expressão "plebe" quando se referem aos graduados. Para eles, os mestres seriam o "baixo clero", e os doutores, o "alto clero". Os títulos de nobreza cabem a defuntos ilustres, e pouquíssimos contemporâneos famosos e idosos, próximos da hora da morte. Ademais, só resta a triste verificação da Sociologia como uma ciência menor e pouco prestigiada (por conseguinte, de remuneração minguada). De onde vem a necessidade de títulos que possam impor respeito e medo num debate muitas vezes vazio e narcísico.

Mas todos sabem que a Sociologia tem lá suas mil e uma utilidades. E que a produção científica não acontece apenas entre os muros da Universidade. Sabem principalmente aqueles que exercem a profissão. Os que, por mérito, incluíram-se no mercado das ciências aplicadas. O sociólogo profissional, que vive da sua competência empreendedora ou da capacidade de ser útil aos empreendimentos públicos e privados, é um agente orientado a produtos específicos e ao mesmo tempo um generalista portador de múltiplas habilidades. Tal perfil faz dele peça fundamental para as organizações contemporâneas. Uma vez comprovado seu condão, o sociólogo é requisitado para todas as espécies de atividades que envolvem formulação (soluções sucintas) e elaboração intelectual (desenvolvimento de problematizaçõ es), orientadas para o aspecto social da realidade. O leque é amplo. Vai desde a formulação de básica de instrumentais, passando pela sistematização de bancos de dados, desenvolvimento de capacitações para técnicos da área social, aperfeiçoamento de planos de intervenção pública, publicação de estudos, chegando até a elaboração de sistemas de M&A e de políticas públicas.

A bem da verdade, trata-se de um fenômeno recente no Brasil. Os que se formavam em Sociologia nos primeiros anos desta década avistavam um horizonte restrito ao mais do mesmo, à Academia. A Sociologia era como uma ilha. Toda água em volta, tudo ao redor, era apenas "objeto de estudo". O mercado de trabalho, idem. Este era como águas revoltas que tornam impraticável a navegação. À exceção de convites surgidos como consequência de boas amizades políticas ou empresariais. Acontece que, na visão dos dirigentes-soció logos, nada mudou. Preferem não enxergar que os novos sociólogos encontraram o caminho dos barcos. Conectaram-se com outras terras e foram bem recebidos. E ainda estão com a nau em curso! O destino agora é planejar novas rotas e gerar resultados. No mar não se faz necessário parecer inteligente ou agradar o notável almirante. O mar é grande demais para isso. Os novos sociólogos estão fazendo a hora, agora. Portanto, não é mais cabível o apodo "do futuro". Ainda mais quando é evidente que ele deriva da iniciativa de mentes vincadas. Urge abrir a SBS para o novo. Inclusive para estimular a profissionalizaçã o da área no Brasil, o que fortaleceria a própria Sociedade. Este é um debate que não pode ser ignorado. Todo cidadão graduado em Sociologia é profissional e produz ciência. É sociólogo e deve ser reconhecido como tal.

Assina esta carta:
grupo de três sociólogos profissionais, sendo dois deles portadores do título de mestre ("baixo clero"). Todos em pleno exercício de suas atribuições em cargos efetivos de sociólogos da Administração Pública. E todos cientes que a hierarquização por títulos, e não pelo valor do trabalho a ser apresentado, é uma prática comum, tanto na comunidade científica quanto na agremiação militar. Mas "do futuro" é um grande desconchavo.

Jul. 2009

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

RAÇA: MAIS IGUALDADE NA EDUCAÇÃO



Tatiane Leal

Mais igualdade na educação: Fator racial conta menos na determinação do caminho profissional dos jovens, sugere estudo

A interferência do governo no acesso ao ensino superior ajudaria a explicar a redução da desigualdade racial na educação, segundo a socióloga Danielle Fernandes, da UFMG (foto: Daniel F. Pigatto).

A desigualdade racial diminuiu no Brasil, pelo menos no âmbito da educação. É o que mostra um estudo da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) apresentado no 14º Congresso Brasileiro de Sociologia, realizado semana passada no Rio de Janeiro.

Os resultados apontam uma queda da influência do fator racial na determinação do caminho profissional e acadêmico dos jovens. Segundo a pesquisa, já não é mais válido o cenário em que os brancos estudam mais e os negros começam a trabalhar mais cedo, verificado até há pouco tempo.

Os pesquisadores utilizaram dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Foram avaliados dados sobre jovens com idade entre 19 e 25 anos – a faixa etária em que eles concluem o ensino médio ou já ingressaram no ensino superior.

A análise dos dados da PNAD mostrou que, em 2002, ser branco aumentava em 114% a chance de pertencer à categoria considerada a mais indicada para o jovem: estudar e não trabalhar. Três anos depois, esse percentual havia caído para 53%. As mudanças também foram observadas na proporção de jovens que precisam trabalhar além de estudar. Em 2002, ser negro aumentava em 112,9% a chance de um jovem pertencer a esse grupo. Em 2005, a taxa havia passado para 82%.

Para a autora do estudo, a socióloga Danielle Cireno Fernandes, da UFMG, o percentual ainda é alto, mas está havendo uma redução efetiva da desigualdade social. “Isso se deve à interferência do governo no acesso ao ensino superior”, explicou ela à CH On-line. “Além disso, o Brasil ingressou em um novo modelo de produção em que o ensino superior passou a ser mais valorizado.”

Mas não há razão para otimismo, segundo Rafael Guerreiro Osório, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Não houve queda nos níveis de desigualdade racial na avaliação do sociólogo, que participou da mesa-redonda com Danielle Fernandes. Osório afirma que o racismo incide no processo de mobilidade social e mantém a desigualdade de renda. “Relativamente, os negros ocupam o mesmo lugar social que seus pais ocupavam no contexto social em que viviam: uma posição inferior”, ressalta.

Demanda por qualificação

A educação também foi pauta do debate realizado no congresso entre Fernandes, Osório e Marcelo Medeiros, também do Ipea. Um estudo desenvolvido por Osório mostra que, na década de 1970, um diploma do ensino médio praticamente assegurava que o indivíduo estivesse fora da linha de pobreza. Nos dias de hoje, o mesmo nível de escolaridade não oferece garantia de boa posição econômica.

Para Medeiros, o investimento na qualificação da mão-de-obra é um dos passos urgentes para diminuir a desigualdade social. “No Brasil, a ênfase das políticas públicas costuma ser na educação primária”, afirma. “É preciso agora investir nos ensinos médio e superior, já que a qualificação é uma demanda do modelo de produção mais complexo no qual o Brasil ingressou”, afirma.

Ele acrescenta que são necessárias mudanças na estrutura de produção para que seja possível a absorção da massa da população adulta pouco qualificada pelo mercado de trabalho, além da realização de programas de distribuição de renda em larga escala.

Especial para a CH On-line

segunda-feira, 20 de julho de 2009

A ESCRAVIDÃO NOS SERINGAIS

Vim pro Amazonas ganhar dinheiro, e não ganhei foi nada... O negócio da seringa só dava pra gente se aviar... Vivia naquela ilusão... Se eu tivesse no Ceará não queria saber mais do Amazonas.

Relato de um Seringueiro do Rio Madeira

Ricardo Lima*

Michel Foucault, influenciado por Friedrich Nietzsche, afirmara que por detrás da pompa dos hinos nacionais cantando a glória do nascimento da pátria, se esconde milhares de vidas sacrificadas nas guerras de unificação; e por detrás do mito da criação do mundo, encenando a beleza do jardim do Éden e a ingênua harmonia entre Adão e Eva, se esconde, na verdade, o parentesco com o macaco e, por sua vez, o cinzento laço com o verme...

A história, segundo o pensador francês, está repleta destas lendas que escondem um lado obscuro no fundo dos seus épicos versos, criados em favor de uma determinada gama de interesses. Cabe ao sociólogo e ao historiador desvendá-los — efetuando a arqueologia dos períodos históricos e das relações sociais.

Um dos exemplos mais típicos no Amazonas de fatos históricos mascarados por interesses escusos são as propagandas e historiografias oficiais com relação ao período áureo da borracha, mostrando-o como um tempo de grandes realizações, tanto no terreno das obras públicas quanto no âmbito social, ressaltando a riqueza produzida neste período e o aperfeiçoamento cultural pelo qual Manaus passara (a belle epóque, que nosso governo teima em reproduzir, de forma caricatural, em festivais de opera) nos quase trinta anos de pulsação da economia gomífera, como um dos períodos dos mais interessantes que a Paris dos Tristes Trópicos já teve.

Tal forma de ver a historia e as sociedades, tão comum em historiadores a direita do espectro político e na propaganda de governos populistas, interessados em criar uma bandeira pela qual possam arrancar certos dividendos políticos, nada mais é do que uma forma de mascarar a verdadeira e perversa dinâmica da qual é regida os períodos históricos e, em questão, a economia extrativa. Longe de ser um período de requinte social e cultural, o fausto da economia gomífera foi caracterizada pela exploração compulsória de homens e mulheres sob o regime hediondo do aviamento, e pelo fato absurdo de que, como dissera Euclides da Cunha, o homem trabalhava para escravizar-se.

Muitos já foram os estudos efetuados sobre o período áureo da economia gomífera, principalmente do ponto de vista histórico — a Ilusão do Fausto de Edinea Mascarenhas Dias é um dos exemplos mais famosos. Faltava, entretanto, um estudo de precisões mais sociológicas que enfocasse o modo de produção extrativista a partir não de acontecimentos ou datas, mas a partir das suas relações sociais e de como estes homens se comportavam frente à dicotomia de uma floresta cheia de perigos e de um sistema de compra e troca tão impiedoso.

Servidão Humana na Selva: O Aviamento e o Barracão nos seringais na Amazônia, de Carlos Correia Teixeira, vem tapar este buraco na sociologia sobre o modo de produção extrativista e se juntar ao seleto hall de obras que pensam a Amazônia criticamente, em contraposição a forma linear e conservadora de pensadores convencionais como André Vidal de Araújo, Álvaro Maia ou Samuel Bechimol. Apesar de ser um estudo efetuado na década de setenta, foi tese de mestrado do escritor, Servidão Humana está longe de ser um estudo defasado, longe disso, é um ensaio que vai até o cerne do acontecimento histórico, achando as descontinuidades das relações do seringal, destrinchando seu lado cinzento, recompondo arqueologicamente suas contradições, os dramas do trabalhador da seringa, seus sofrimentos e mesmo seus raros momentos de felicidade, sentindo-se um verdadeiro artista ao defumar a borracha: “é o maior prazer do mundo!” era a frase de um trabalhador contida do livro.

Dialogando com varias vertentes da sociologia, como por exemplo com o esquema de dominação patrimonial de Max Weber, o autor, contudo, centra-se no legado teórico de Karl Marx para a sua análise de cada um dos aspectos das relações tecidas no seringal.

Muito interessante é a afirmação de que o barracão é a nossa versão dos engenhos, criando uma complexa rede de relações sociais que ainda não foram devidamente estudadas — pelo menos no que tange a sociologia.

O seringal, segundo Carlos Teixeira, mesmo depois de quase um século passado desde o fim da preponderância extrativista, sua organização persistiu e ultrapassou mais de um século.

Mais de trezentos mil nordestinos vieram para a região Amazônica a partir da década de setenta do século XIX. Boa parte destes pobres diabos provenientes do Ceará — iludidos com a promessa de enriquecimento fácil. Contudo, quando aqui chegavam, o véu de suas ilusões era brutalmente estraçalhado pela cruel realidade de ter estarem sujeitos a um regime que, já os fazendo endividados desde o momento em que ali chegavam, os fazia trabalhar mais de dezoito horas por dia.

Sozinhos nos seringais, sem uma legislação trabalhista ou qualquer autoridade que pudesse inferir por eles, os seringueiros eram largados aos próprios caprichos do seringalista, que os explorava desde a adulteração dos preços das mercadorias vendidas no barracão, até nos pesos da borracha quando de sua venda ao senhoril. Muitas eram os historias de abusos e crueldades contra o seringueiro que tentasse fugir ou cogitasse vender a borracha ao regatão — vale dizer que este era um fator de instabilidade ao poder tirânico do seringalista, travar negócios clandestinamente com o seringueiro. Teixeira menciona uma história, contada pelos seringueiros mais antigos, de um grande buraco cheio de cobras onde o patrão costumava jogar aqueles que fizessem frente ao seu poder.

Os seringalistas, verdadeiros senhores feudais na selva, nunca tiveram, de fato, uma mentalidade empreendedora. Sua forma de gerir seus negócios estava muito mais para um pré-capitalismo rudimentar de típico de nobrezas decadentes. Não se preocupavam em aperfeiçoar as técnicas de trabalho em seus seringais. A situação como estava já os satisfazia. Hauriam enormes lucros de suas propriedades, gozavam de enorme conforto, tinham ao redor de si esposas, servos e amantes. Seus filhos estudavam nas melhores escolas do país e do exterior. No final de cada fabrico iam gastar suas fortunas nos centros econômicos do Brasil ou da Europa. Tinham o poder de colocar seus apadrinhados nas esferas de poder para que defendessem seus interesses frente ao Estado. Eram na verdade, uma casta parasita que desfrutava os privilégios de uma economia predatória e de enclave, cujos resultados estavam voltados para fora — não é assim o mesmo com o nosso decadente pólo industrial?

Durante a época da pesquisa o escritor detectou que ocorria uma flagrante mudança nas relações produzidas no seringal. Outrora predominantemente as relações do toco: em que o seringueiro tinha uma casa disponibilizada pelo patrão, assim como as estradas, equipamento e mercadorias para consumo e de sua família, assim deveria fornecer determinada quantidade de borracha por fabrico ao senhoril; entretanto, o toco vinha a transmutar-se em regime de gleba, onde o seringueiro passa a arrendar uma faixa de terra com sua família e, além de extrair a borracha, desenvolve a agricultura, pagando ao seringalista o aluguel desta em víveres ou em dinheiro.

A servidão humana, infelizmente, não era uma característica típica nos seringais da Amazônia, estendendo-se também para outros ramos da atividade capitalista, como por exemplo, o grande latifúndio monocultor do sul do Pará e sul do Amazonas, onde milhares de vidas são reduzidas e reles condição de coisa.

Quem sabe para a próxima edição o autor providencia um capitulo sobre a situação atual dos seringais estudados no livro, Juma e Três Casas, e outro sobre formas de organização sindical dos seringueiros na região estudada — a região do Rio Madeira, onde também nascera Carlos Teixeira.

Servidão Humana na Selva torna-se, desde seu lançamento, uma referencia obrigatória para quem estiver interessado em estudar os seringais, suas contradições, desmandos e crueldades com que essa variante do modo capitalista de produção subordina o homem.

*Aluno de Ciências Sociais pela UFAM, Editor e Pesquisador do NCPAM

segunda-feira, 6 de julho de 2009

ENTRE MANAUS E BELÉM: SEMELHANÇAS E DIFERENÇAS

Benedito José de Carvalho Filho*

Imaginemos um viajante que se disponha conhecer hoje as duas maiores cidades amazônicas, Belém do Pará e Manaus, não como um simples turista, mas com um olhar mais informado sobre os universos que se escondem por detrás de suas aparências.

Ele, naturalmente, não deixaria de ser tentado a ensaiar algumas comparações, mas logo, silenciosamente, se indagaria: sob que olhar e de que ângulo observar as duas cidades amazônicas?

Através das narrativas postas à disposição do público pelo Estado, que, ao produzir seus coloridos folhetos, induz o leitor a acreditar que as duas cidades descritas são paradisíacas, com seus monumentos históricos, suas belezas naturais, sempre na tentativa de vender para esse público (e de fora) uma imagem da cidade que os seduza, principalmente nesses tempos onde a Amazônia ganha holofotes da mídia mundial?

Informado, ele logo perceberia, como os antigos viajantes que estiveram por aqui entre os séculos XIX e início do século XX, que olhar, ver, observar, e às vezes cheirar, são instrumentos fundamentais em determinados processos de investigação, pois as cidades são espaços vivos, segundo a expressão de um dos seus escritores, Milton Hatoum, onde cada objeto, coisa ou lugar, pode ser retratado a partir de um olhar daquele que observa que nunca é neutro e desprovido de emoção e sensibilidade.

Olhar as cidades no tempo, ler o que se escreveu sobre ela através da ficção, memórias, fotografias, ensaios sociológicos e etnográficos etc.é sempre uma forma de se aproximar de suas identidades, mesmo sabendo que a memória é sempre uma reconstrução imaginária, uma forma de simbolizar o passado. Por isso, torna-se impossível resgatar com precisão os tempos que já se foram, pois o importante é buscar seus restos mnemônicos presentes na sua arquitetura, no traçado de suas ruas, nos modos de vida de seus moradores, restos que sobrevivem ao tempo.

Se a cidade, como diz Ossame é morada concentrada de pessoas, com uma arquitetura e paisagens criadas a partir de um ideal de beleza ou imaginação, ou um lugar de circulação de pessoas, de mercadorias e capital (constituindo-se num conjunto de relações sociais, como diria Marx), como as compreender nas suas múltiplas perspectivas, nas suas polissemias e diferenças a partir do que experimentam seus moradores em pleno século XXI, no momento em que se intensifica o capitalismo, a modernidade, sob o qual dormita um passado constantemente criado e recriado pela força da tradição?

Certamente o nosso viajante logo perceberia que os diversos olhares não são inocentes, mas perpassados pelo poder, ou seja, pelos vencedores, que contam e recontam à sua maneira a história, que acaba por se constituir a história oficial. Perceberia, por exemplo, que a imagem da “cidade monumento” encontrada nos folhetos turísticos, faz parte “de um processo de representação simbólica” onde as narrativas estão permeadas de visões preconceituosas sobre os nativos e carregadas de hipérboles, como a construção da imagem da cidade de Belém, vista como uma cidade modelo da Amazônia, com seus povos autóctones de hábitos e costumes exóticos para quem vem de fora, os turistas viajantes, nacionais e estrangeiros, naturalistas e muitos outros personagens encantados pelo “país das Amazonas.
Além da nostalgia as “múltiplas cidades”

Belém, uma cidade que, como Manaus, teve seu apogeu na era do ciclo da borracha, que tornou o Pará um dos estados mais ricos do Brasil em fins do século XIX, (isso é questionado pelos amazonenses) guarda um patrimônio arquitetônico significativo, signos da belle époque. Muitos estão em mal estado de conservação e são observados à distância pelo nosso viajante, gerando nele uma sensação ambivalente de decadência e nostalgia.

Segundo observou um cartógrafo, estudioso da cidade, o discurso atual sobre um suposto passado glamoroso e as tentativas que os órgãos públicos fazem para cristalizar e transformar esse passado é um desejo de contrapor-se à finitude; desejo de congelar o tempo, de fugir à inexorabilidade do seu escoar. Como exemplo disso temos o belo álbum Belém da Saudade onde se percebe isso que ele chama de nostalgia imobilizadora, esse sentimento bem perceptível nos moradores mais velhos da cidade, sempre recordando a Belém que já teve, sem perceber que esse período não nos pertenceu e que esse desejo idealizado de paz, tranqüilidade e beleza da cidade que não é mais, na verdade, esconde um medo profundo do presente e do futuro que não aparece como muito promissor no momento.

Essa nostalgia evidenciada numa parcela dos cidadãos paraenses também é muito presente no cidadão amazonense. Ao folhear os jornais da cidade frequentemente deparamo-nos com as crônicas da cidade antiga, os seus velhos pontos de encontro, as brincadeiras de crianças, os jogos de futebol nos campos de várzeas, as ruas onde se encontravam para tomar a fresca em frentes das casas (hábito que perdura em alguns lugares) e tantas outras recordações. Todos esses fragmentos de lembranças trazem à tona essa nostalgia que, na maioria das vezes, idealiza o passado e teme o presente nessa era de acelerada modernidade com suas autodestruição criadora, mudando paisagens urbanas, criando e recriando novas formas de sociabilidade.

Como em Belém, aqui o patrimônio arquitetônico deixado pela époque belle também é exaltado e reverenciado, como o majestoso Teatro Amazônico, inaugurado em 1896, com seu auditório em forma de ferradura, com capacidade para 681 pessoas, incluindo três andares de camarote; o belo prédio da Alfândega inaugurado em 1906, todo executado com matéria prima da Inglaterra, um dos primeiros prédios do Brasil construído em blocos de pedra, como dizem orgulhosos os amazonenses; a Usina Chamiê, hoje um prédio que serve para exposição de arte, mas que, no passado era uma estação de tratamento de esgotos, mesmo que nunca tenha funcionado com essa finalidade; o seu Porto, construído pelos ingleses em 1902, onde se pode divisar da margem a passarela de passageiros, indo e vindo pela ponte de concreto, feita para oscilar com a subida e descida das águas do Rio Negro.

Em qualquer folheto para turistas nacionais e estrangeiros pode-se manusear e visitar esses prédios históricos. Por isso, nosso viajante não tem interesse em fazer o balanço detalhado de seu percurso ao visitar todos esses monumentos e se interroga: onde se escondem as “outras cidades”, aquelas que não aparecem nas narrativas do poder, que permanecem invisíveis, como as “cidades invisíveis” de Ítalo Calvino? De que forma a maioria de seus moradores vivem, amam e morrem nessas duas cidades tão rivais e provincianas em suas disputas?

Os turbilhões e abalos sísmicos por vir

Circulando na cidade de Manaus, por onde trafega no meio de um trânsito enlouquecido (descobre depois de ler um jornal local que a cidade de Manaus, possui o décimo oitavo transito pior do mundo), vê rapidamente as propagandas do governo dizendo que o povo amazonense tem orgulho de ser amazonense. Isso o fez recordar os outdoors espalhados pelas ruas de Belém, onde aparecia a foto da governadora e, ao lado, com letras bem visíveis, o dizeres sobre o Pará, terra de direitos, em um dia de muita chuva e calor, exatamente quando o jornal local divulgava a absolvição do assassino da irmã Dorothy, intrépida defensora do meio ambiente.

No meio daquele turbilhão, em plena Bola do Coroado, como o povo da cidade de Manaus batizou um retorno, onde atualmente está sendo construído um imenso viaduto para dar conta do imenso fluxo de veículos que vai em direção à Zona Leste ao centro da cidade, o nosso viajante tomou consciência de que a cidade, com seus 14.337 quilômetros quadrados de espaço territorial abriga mais de 2 milhões de pessoas que moram, trabalham, vivem e morrem em territórios distintos, com suas exclusões sociais, suas segregações, suas diversidades culturais e formas de sociabilidades. Nessa polissemia de vozes e estilos de vida, entre o luxo (de uma minoria fechada em seus carros climatizados) e a precariedade (dos que usam os transportes públicos) esse fosso que separa a cidade dos ricos e dos pobres, ele estava convicto da existência de muitas “cidades” que emergiam nessas duas urbes amazônicas, impossíveis de serem captadas e compreendidas sem um longo trabalho etnográfico, de observação e análise.

Mas o que estar por vir é um turbilhão infinitamente maior do que este e suas conseqüências são imprevisíveis, como os abalos sísmicos que ameaçam a vida de muitas cidades do Amazonas.

Manaus é a única capital do país que não tem acesso rodoviário. A reabertura da Rodovia BR-319, prevista pelo Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) vai provocar transformações ainda mais radicais na cidade de Manaus, que tem como carro chefe de sua economia o que se produz na Zona Franca, gerador de parte considerável dos empregos na cidade, juntamente com setor comercial, principalmente o mercado informal, os dois maiores geradores de emprego nos últimos anos, juntamente com o primitivo escambo extrativista, que funciona ainda nos moldes do começo do século passado.

Uma revista profetiza o que vem pela frente quando essa rodovia estiver concluída:

Como qualquer estrada, em qualquer país, em qualquer tempo, vai ser a ponta de lança de um processo de povoamento essencialmente hostil ao meio ambiente. Por outro lado, como artéria do desenvolvimento, ela é prioritária. A rodovia fará ligação por terra dos estados do Amazonas e Roraima com o resto do país. Ligaria também a Região Sudeste à malha da vizinha Venezuela.

A hostilidade já estava acontecendo desde quando ela começou a ser construída no princípio dos anos 70, quando por ali passaram linhas de ônibus regulares, até 1982. Mas por falta de manutenção, 400 quilômetros de asfalto se perderam, e o trecho ficou intransitável.

Como pano de fundo é evidente que o que está em questão é a maior inserção do Estado do Amazonas e de sua capital, Manaus, na dinâmica do capitalismo selvagem, já visto no Pará, sempre com sua lógica do desenvolvimento a qualquer custo e muito menos a preocupação com o homem e o meio ambiente, mesmo quando apresenta seus estudos de impacto ambiental prometendo conciliar conservação com desenvolvimento.

Como deixar intacta uma região que possuí a maior bacia hidrográfica do mundo em um país carente de energia limpa, boa parte delas localizadas na região Amazônica? Como deter um imenso fluxo migratório que virá numa avalanche quando a estrada estiver concluída? Como evitar os imensos desmatamentos já iniciados no sul do Estado do Amazonas com a introdução da cultura da soja e a disseminação das pragas que já é objeto de grandes preocupações no sul do Estado? As medidas propostas pelo DNIT no EIA/RIMA serão suficientes para impedir que a integridade física e territorial dos índios Palmiri, Apurinã, Parintintin,Thearim, Tora, Mura e tantos outros (são cerca de 10 tribos) seja mantida ? Ou vão se repetir os mesmos massacres que ocorreram durante a construção das grandes rodovias na Amazônia, onde impera as grilagens, a pistolagem e os grandes conflitos de terra?

As duas cidades, Manaus e Belém não podem ser pensadas fora desse contexto maior. Elas são produtos, como todas as cidades brasileiras, cada uma com a sua singularidade no processo de modernização conservadora brasileira, onde se desenvolve um capitalismo que foi capaz de gerar uma base produtiva e complexa e diversificada na região sudeste e que gera, ao mesmo tempo, a pobreza, a exclusão social, a desigualdade regional e a reprodução da relação entre o arcaico e o moderno, ambigüidade bem visível para qualquer viajante que se disponha a sair do litoral e conhecer o que acontece nos grotões do país. O que se chama de desenvolvimento e exclusão social, crescimento e pobreza é face de uma mesma moeda, mesmo nas regiões mais ricas do país, como São Paulo, por exemplo.

Os cidadãos da cidade de Belém conhecem muito bem o que ocorreu quando foram abertas as suas fronteiras, iniciando com a Belém-Brasília, quando possuía uma diminuta população. Manaus, já integrada nessa dinâmica, mas ainda não com a mesma intensidade da cidade de Belém, enfrentará os mesmos problemas de sua co-irmã, mas com um agravante: a explosão populacional, pois a cidade que hoje possuí mais de 2,5 milhões de pessoas espremida em seu sítio urbano, acolhendo uma população carente de todos os serviços urbanos necessário para sobreviver civilizadamente, verá os novos forasteiros chegando sem que a cidade ofereça as condições necessárias para viver uma vida digna na sociedade. Os serviços públicos, que hoje são precários, dificilmente serão capazes de responder a gigantesca demanda e a cidade explodirá com a violência – como acontece agudamente em Belém -, o caos urbano, com as especulações imobiliárias, o trânsito caótico e tantos outros problemas capazes de imobilizar qualquer administração pública. É isso que se chama progresso nessa imensa e rica região do país.

Para muitos cidadãos das duas cidades isso é visto com otimismo e isso é muito bem trabalhado pela farta publicidade governamental. O Pará realçando a riqueza de seu subsolo, onde se encontram as maiores reservas minerais do mundo, e o Amazonas a sua floresta, sua biodiversidade, seu potencial turístico e sua inesgotável riqueza florestal. Por isso, a cidade já estuda a localização de um novo porto (em Lajes, na confluência do rio Negro com o Solimões) e cria as condições para ampliação de novas zonas de ocupação em seu entorno que será possível quando a ponte sobre o rio Negro estiver concluída.

Por que me ufano de meu Estado?

Será mesmo que o amanuense se orgulha em viver numa cidade com tantos problemas dramáticos como existentes atualmente? Ele tem consciência do furacão que se aproxima? Quando o governo fala em povo amazonense de que povo está se referindo? Dos que vivem nas chamadas áreas nobres com alto poder de consumo, que freqüentam as zonas sofisticadas, uma parcela bem reduzida de sua população? Ou às populações de seus bairros pobres, das baixadas, como as de Belém do Pará, ou as chamadas ocupações da cidade de Manaus?

Muitas vezes quando se compara Manaus com Belém um dos indicadores apontados pelo senso comum é o tamanho da população das duas cidades, como se isso significasse um sinal de progresso e desenvolvimento. Certo provincianismo e uma rivalidade cega acirram uma antiga disputa para saber qual a cidade maior da Amazônia, sem uma reflexão sobre o significado dessa explosão demográfica verificada nessas duas regiões.

De fato, as duas cidades da Amazônia vêm experimentando nessas quase quatro décadas um crescimento demográfico simplesmente espantoso. Manaus, por exemplo, possuía em 1970 pouco mais de 300 mil habitantes em seu território urbano, no ano de 2000, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), saltou para 1,5 milhões de habitantes e hoje (2009) já passa de 2 milhões de pessoas (se incluirmos nessa contabilidade a população que reside na área metropolitana) ultrapassando Belém que não chegou a 1,4 milhões de habitantes.

Curioso, mas que revela uma das singularidades do desenvolvimento urbano da Amazônia é a forma de ocupação de seu território. O Estado do Amazonas é um desses casos singulares, talvez o único no país. Considerado o maior Estado do Brasil, possuí 1,5 milhão de quilômetros quadrados e ocupa mais de 18% do território brasileiro. Temos, portanto, um imenso território parcamente povoado (como toda a Amazônia onde vivem mais de 20 milhões de brasileiros, quase o dobro da existente na cidade de São Paulo), onde a maior parte de sua população vive nos seus 14.337 quilômetros quadrados, área que ocupa a cidade, fazendo de Manaus uma “ilha demográfica”.
Como diz o jornalista e sociólogo Lúcio Flávio Pinto ao comparar Belém e Manaus:
Mas enquanto Manaus concentra praticamente metade da população do Amazonas, que tem 300 mil quilômetros quadrados a mais do que o Pará (um terço a mais do território, portanto), Belém está restrita a praticamente 20% do Estado. No entanto, a capital nucleou o seu entorno, enquanto Manaus é uma “ilha demográfica”.
Mais adiante aponta uma outra característica:

A área metropolitana de Belém, com cinco municípios, já passou de dois milhões de habitantes, o que dá maior poder irradiador e retro alimentador à sua rede demográfica, uma capilaridade que poderá ser ainda mais importante no caso de uma nova divisão territorial do Pará. A fragilidade nesse aspecto é visível e grave.
É grave porque o que movimenta a cidade de Manaus é a Zona Franca, um instrumento de desenvolvimento baseado num tratamento tributário e alfandegário especial, à base de renúncia fiscal, e considerando a capital amazonense como se fora território estrangeiro.

Mas, pergunta o jornalista e sociólogo:

Mas o que acontecerá em 2013, quando – e se – a Zona Franca chegar ao fim? Manaus terá amadurecido o bastante para caminhar com as próprias pernas? O Amazonas terá sido modificado o bastante, por iniciativa como a Zona Franca Verde, do atual governo do Estado, para não submergir sob uma eventual crise da capital?

De fato, o gerador de todo esse processo de crescimento demográfico em Manaus teve como marco inicial o ano de 1967, quando foi implantado o modelo econômico Zona Franca de Manaus no âmbito da política regional de integração nacional dos governos militares.

As mudanças trazidas pelo processo de industrialização afetaram rapidamente a vida cotidiana dos amazonenses. A estrutura da cidade modifica-se com numa velocidade intensa, criando novas formas de sociabilidade e alterando as formas de viver, sentir e perceber a cidade. O espaço urbano ganha outra visibilidade com o crescimento populacional decorrente do processo migratório, que ocorre com a formação de inúmeros bairros. Eles passam a constituir a periferia da cidade.

A crise apontada pelo jornalista já é evidente, acelerada com outra crise bem maior: a crise econômica mundial, cujos efeitos já se fazem sentir na cidade, como a presença de uma grande massa de trabalhadores e trabalhadoras demitidos nesses últimos meses, aumentando e agravando os graves problemas de uma cidade que se transforma em uma velocidade estonteante e selvagem, onde logo se percebe as imensas desigualdades sociais no acesso a todos os serviços e na brutal demanda das classes populares, lotando hospitais, os transportes (precarissímos), a educação e todos os serviços públicos.

É preciso lembrar, que apesar do apelo ufanista dos administradores da cidade, recorrendo ao reforço da auto-estima dos amazonenses, como o slogan “o orgulho de ser amazonense”, não há tanta razão para o cidadão pobre, desempregado, se orgulhar tanto de sua terra.

Os últimos indicadores sociais não vão na direção desse otimismo governamental. Recentemente o IBGE divulgou, pela primeira vez, uma divisão do Produto Interno Bruto por municípios. Essa novidade estatística mostrou que Manaus possuí o quarto maior PIB municipal do Brasil, do tamanho de R$ 20,3 bilhões, superior ao de capitais mais populosas, como Belo Horizonte (em quinto lugar, com R$ 18 bilhões), e Curitiba (7%), com R$ 14 bilhões. Belém ficou 27 lugar.

Mas quando se verifica como está distribuída essa riqueza na cidade de Manaus e Belém os dados são assustadores e confirmam as impressões do viajante quando circula por ela:

Quarta em geração de riqueza, a capital amazonense ocupa o 1.194º lugar por um índice que mede a distribuição dessa riqueza, na forma de desenvolvimento econômico, o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), mais relevante atualmente que o PIB. (...) Por causa de Manaus, a Amazônia aparece como a segunda região do país que mais concentra a riqueza, abaixo do Sudeste que sofre o impacto de São Paulo, o município que mais desigualdade gera. No Norte, 10% dos Municípios com maiores PIBs produzem 14,7 vezes mais renda que 50% com menor PIB. A média nacional (de 19,9 vezes) é maior justamente por causa da desigualdade do Sudeste (29,8 vezes), devido a São Paulo.

Mas, continua o jornalista:

A concentração de riqueza no Norte bate todas as demais regiões. A menor concentração foi registrada justamente na outra fronteira, o Centro-Oeste (7,3 vezes, exatamente a metade da concentração amazônica).
Outro dado que desestabiliza a propaganda oficial do Governo é o Índice de Desenvolvimento Familiar (IDF), o mais recente indicador social criado no Brasil.
Ele mostra o brutal contraste entre a quantidade de riqueza extraída de um Estado, como o Pará, e a pobreza que fica a sua população.

O primeiro Estado mais pobre do Brasil é o Amazonas. Seu IDF é de 0,502 (numa escala que vai de 0 (a pior situação) até um (a melhor situação). O Pará é o segundo Estado mais pobre do Brasil (seu IDF é de 0,503). O terceiro Estado mais pobre é o Maranhão.

A pergunta que não podemos deixar de fazer é: por que um Estado, como o Pará, que possuí a nona maior população do país, o Estado que mais dólares líquidos proporcionam à federação nacional, o quarto Estado exportador, o terceiro maior transferidor de energia bruta, o segundo maior minerador possuí índices de desenvolvimento humano tão baixo? A mesma pergunta pode ser feita pelos cidadãos aos governantes do Estado do Amazonas.

As cidades “incham” e os mais pobres são segregados

Os dados até aqui divulgados nos permitem adquirir uma visão um pouco mais aproximado da realidade social das duas cidades amazônicas. Mas não substitui um conhecimento mais próximo da realidade de seus moradores.

Deslocando-se para as chamadas periferias da cidade de Manaus o cenário se assemelha mais com um acampamento humano do que um bairro. Não foi sem razão que foram chamadas de áreas de ocupação, ou invasões, que, depois de consolidadas passam a ser chamadas de bairros. São lugares (ou não lugares, como diz o antropólogo) onde reina a precariedade, a maioria deles sem infra-estrutura e sem planejamento,
Segundo dados da Secretaria de Estado de Terras e Habitação do Estado do Amazonas, nos anos de 2002 e 2003 ocorreram mais de 100 novas ocupações no perímetro urbano.

Tal fato demonstra, por um lado, a ausência ou equívocos de políticas públicas para o problema habitacional e urbano, mas por outro, evidencia uma forma de segregação espacial e social.

O crescimento populacional tem provocado um gigantesco êxodo rural e migrações inter e intra-regionais, onde enormes massas populacionais foram expulsas de seus locais ancestrais atraídas pelas promessas da Zona Franca de Manaus e outros meios de sobrevivência, no comércio especialmente, cada vez mais um dos problemas sérios, como podemos perceber ao percorrer pelo centro da cidade e os populosos bairros da Zona Leste, por onde a cidade está se expandindo nos últimos anos.
Um documento da Igreja Católica do Amazonas estima que o número de pessoas empregadas no chamado Distrito Industrial seja menos de 45 mil.

É evidente que o grande contingente de desempregados encontrou no mercado informal a saída para a busca de alguma renda. Hoje, a falta de emprego é o maior empecilho para a melhoria da qualidade de vida de milhares de pessoas. Em relação aos migrantes, a falta de oportunidades, associada à falta de qualificação técnica, faz com que milhares deles se vejam desesperançados quanto ao futuro. Diante desse quadro, Manaus assiste estarrecida, ao fenômeno da mobilidade humana: migrantes com rostos sofridos caminham constantemente em busca de moradia, educação e qualificação profissional, resultando em uma multidão de excluídos, que poderiam estar contribuindo para a melhoria das condições de vida de suas famílias e garantindo outra realidade, mais venturosa.

Da cidade de Belém temos dados mais precisos:
Segundo dados levantados pelo Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (IETS), do Rio de Janeiro, com base nas estatísticas do IBGE, entre 1996 e 2003 a renda média da população ocupada de Belém diminuiu quase a metade: 42%. Só de 2002 para 2003 a queda foi de 29,9%.

Outro dado surpreendente e assustador, que não deve ser muito diferente na cidade de Manaus: 150 mil famílias vivem no mercado informal, o que significa pelo menos 750 mil habitantes, ou mais da metade da população do município.

Em Belém, de cada três habitantes em idade de trabalhar, apenas um tem emprego. Os outros vivem de serviços ocasionais, ou na economia clandestina. A clandestinidade pode significar que ele é um vendedor ambulante, a transgredir suavemente as leis para exercer a sua função ou atua diretamente no crime, até mesmo como pistoleiro de aluguel em ação de extermínio já tornada rotineira.

Estes números atestam a pouca eficácia, quanto à geração de renda e emprego, tanto da administração estadual tucana (há 10 anos no poder) quanto da gestão municipal petista em Belém (durante oito anos iniciados em 1997). Eles não apenas não conseguiram inverter a tendência do empobrecimento das populações estadual e municipal como agravaram essa diretriz. Foram incapazes de decifrar o enigma da esfinge dos grandes projetos, que extraem enormes volumes de riquezas naturais do Pará se transforma-las em fontes de renda e emprego.

As ilhas de modernidade e suas metáforas

O cidadão que percorre os bairros, ruas, logradouros públicos e outros recantos da cidade percebe as grandes transformações da cidade nos últimos tempos.
Poderá perceber, também, as transformações físicas da cidade. Percorrendo suas ruas, o mesmo cidadão se depara com as ilhas de modernidade (onde estão as chamadas áreas nobres) com seus bairros como Ponta Negra, os novos shoppings centers, (são quatro, e, brevemente, terá mais um, o que está sendo construído no bairro luxuoso e cara de Ponta Negra).

As mudanças que a modernidade vem provocando na cidade esboçam-se diante dos olhos de seus moradores, quando acompanham a edificação de novos edifícios que diariamente surgem na paisagem da cidade, já movida por uma intensa e competitiva especulação imobiliária, com seus prédios e apartamentos caros e luxuosos. Não são como as torres que se erguem imponentemente em Belém do Pará, mas já se percebe que a especulação imobiliária vem progressivamente ocupando os vazios urbanos, muitas vezes destruindo velhos casarões e erguendo edifícios com mais de vinte andares, criando os mesmos problemas que ocorrem em Belém, como a diminuição da ventilação em uma cidade que tem um dos climas mais quentes do país.

Morar no bairro de Ponta Negra, onde está situado o famoso Hotel Ponta Negra, é um luxo para pouco, um sinal de status. O aluguel de um apartamento de três quartos não custa menos de três mil reais. É uma das poucas áreas de lazer da cidade e nos domingos é grande o número de moradores que correm para a pequena praia em frente do Rio Negro.

Um dos exemplos que não consigo observar sem me chocar quando vejo é um shopping em fase de construção localizado na Zona Leste, um dos mais populosos da cidade e que lidera o número de casos de malária, leishmaniose e dengue na cidade. O shopping (chamado de São José) é uma espécie de metáfora viva da cidade de Manaus, essa combinação de atraso e modernidade.

O prédio, inacabado, com seus imensos blocos de concreto à mostra, teve sua construção paralisada por razões que o público desconhece. Mesmo com os riscos, improvisou-se seu funcionamento. Lojas foram alugadas e uma multidão de pessoas com pequenas rendas freqüenta o lugar, circulando pelo seu reduzido espaço. É uma espécie de shopping dos pobres, onde as pessoas circulam pela praça de alimentação de forma bem simples, mas ávidas para entrar no mundo do consumo.

O Shopping São José é o inverso do seu primo rico, o Shopping Center Manaura com sua arquitetura moderna e imponente, suas luxuosas lojas, seus ambientes espaçosos que intimida a entrada de qualquer cidadão que não esteja minimamente bem trajado e disposto a consumir. Mas o primeiro é uma metáfora mais expressiva da realidade da cidade. É inacabado, está em construção, como a cidade e a própria modernidade. Aqui os que estão fora do consumo conspícuo e sofisticado podem consumir suas guloseimas, tomar seus canecos de chopes nas famosas torres, onde cabem cinco livros de cerveja, tudo a preços acessíveis ao bolso. O segundo é para emergente classe média e alta e pode ser visto como uma espécie de novo monumento representativo dos tempos em que a cidade se moderniza, como representou o Teatro Amazonas no começo do século passado.

Se os dois shoppings amazonenses revelam as contradições de sua modernidade, os edifícios torres em Belém do Pará são os símbolos mais evidentes dela. Belém cresce para cima porque não tem para onde crescer e as classes mais abastadas buscam os cumes de suas torres para refugiar-se da violência que assola a cidade, fazendo com que Belém seja uma das cidades mais violentas do país. Aqui os espigões já são expressivos, mas de uns anos para cá vem crescendo os chamados condomínios fechados, imitando os de São Paulo e Rio de Janeiro.

O atraso na política: “A raposa cuidando do galinheiro”

Aqui, como em Belém, a captura dos órgãos públicos pelas oligarquias, a corrupção desenfreada, adquirem as mesmas semelhanças. É duvidoso imaginar que as elites que detém o poder econômico e político nesses dois Estados abdicariam dele, permitindo que o governo federal amplie os seus poderes. O que se percebe é um entrelaçamento entre o governo federal e os poderes locais, através de acordos políticos que permitem que essa elite política esteja sempre se revezando no comando dos dois Estados. Como diz Lúcio Flávio, a federalização acaba proporcionando à raposa cuidar do galinheiro, com as vestes do bom pastor. Um galinheiro, diga-se de passagem, com paus muito sujos por sinal.

Não é preciso ter vivido muito tempo aqui em Manaus para perceber que as práticas políticas não são diferentes do que se vê em outros estados da Federação. Quase todos os políticos estão comprometidos até o último fio de cabelo com o nepotismo, o compadrismo, o fisiologismo, o clientelismo, ou a troca de favores.

Um jornalista amazonense que reside no Rio de Janeiro expressa com ironia essa realidade sobre seu Estado, citando um exemplo representativo: o do deputado Belarmino Lins, atual presidente da Assembléia Legislativa, que contratou por baixo dos panos 33 parentes, entre os quais a própria mãe, que mora no Ceará. Dois filhos, um deles residindo em São Paulo, a mulher, todos em cargos comissionados, recebendo polpudos salários, a mulher, todos em cargos comissionados, recebendo polpudos salários, sem trabalhar, no valor anual de R$ 1,2milhão.

Aqui, como em Belém, tudo é paradoxal, como a realidade desse país. Os extremos convivem no mesmo espaço e ao mesmo tempo. Chega a ser hilário falar em público e privado e muito menos em ética no sentido moderno da palavra. A classe dominante aqui é uma das mais corruptas do mundo e se comporta como os velhos senhores de barracão da época da borracha, dominando os serviços públicos e todas as instituições, inclusive a universidade e a imprensa, cuja propriedade é dela mesma.

Aqui, por exemplo, o governo atual gasta R$ 237 milhões em propaganda, três vezes mais que o dinheiro gasto com as vítimas da enchente (80 milhões) e não se vê nenhuma reclamação, nenhum protesto, nem mesmo da intelectualidade da cidade, mesmo quando se revelam fatos como esses.

Os paradoxos e as contradições se expressam nas coisas mais elementares do cotidiano, como na sujeira e na incivilidade, na agressividade das pessoas no trânsito, no trato da coisa pública e em todas as esferas da vida.

Enquanto as cidades empobrecem futebol e festa
Manaus foi escolhida pela FIFA como uma das cidades que vai sediar a Copa de 2014. Segundo informações oficiais serão investidos R$ 6 bilhões de reais em obras de infra-estrutura, como a construção de arena poliesportivo na área do estádio do Vivaldão, também estão previstas construção de linha de trens monotrilhos e tantas outras obras. Mais um orgulho de ser Amazonense e um motivo para divulgar em larga escala o feito, atribuído, evidentemente ao Governo do Estado que articulou muito bem e soube vender Manaus, a Amazônia, hoje na crista da onda preservacionista mundial.

Uma parte da população está eufórica, com a esperança de que os serviços de transportes, comunicação, novos equipamentos urbanos e a circulação de dinheiro no Estado tragam melhoras substancias para sua zona urbana.

No dia em que foi anunciada a escolha o povo foi para as ruas comemorar a vitória e ironizar os paraenses por ter perdido a disputa. Nesse momento foi possível perceber o preconceito que têm os amazonenses do seu vizinho. Um fato que ainda não encontrei explicações razoáveis (o que corre é o jargão de que todo paraense é ladrão).


Mas a verdadeira razão da derrota foi explicada por um jornalista paraense que analisou o fato mostrando o empenho do governo do Estado do Amazonas que soube aproveitar as vantagens comparativas.

Se para os belenenses mais alertas e sensíveis viver aqui já é um martírio, imagine-se para aqueles que, mesmo por alguns dias, se apresenta a perspectiva de estar na cidade que sugere uma situação de risco permanente? Como podemos convencer as pessoas de fora sem atender os nativos? Como parecer que podemos hospedar visitantes se não damos condições decentes de vida aos moradores do lugar?

As mesmas perguntas deveriam fazer os manauaras sobre o significado desse evento. Uma minoria mais cética teme, com razão, que se repita aqui o que aconteceu com o PAM no Rio de Janeiro, onde os equipamentos utilizados estão num estado de semi-abandono. Também, não são inconsistentes os temores que uma parte considerável das verbas a ser alocada seja abocanhada por empresas que já demonstraram o que podem fazer com o dinheiro público.


*Benedito José de Carvalho Filho é sociólogo

terça-feira, 16 de junho de 2009

MUITA ÁGUA E POUCO PLANEJAMENTO



Sildete de S. Lima*

A questão da chuva é algo que não dá para esquecermos porque significa água disponível, pois elas necessitam ser captadas e armazenadas pelo solo, cisternas e similares. Quando chove a água se encontra com o solo impermeabilizado e vai escorrer e voltar rapidamente para o rio, o oceano e vai comprometer os períodos secos.

A água das chuvas pode ser retirada pela população e isso ajuda a reduzir ou evitar as enchentes. Concentrando “Enchente”, significa água que foi disponibilizada pela natureza, e que foi desperdiçada, e que vai faltar futuramente, agravando secas. As enchentes devem ser evitadas, evitando-se os solos impermeabilizados. Segundo a revista Mãe Terra, “Enchentes”, é um problema social, elas atingem principalmente a população urbana, porém grandes volumes de água também alagam florestas e áreas rurais às vezes causam prejuízos diretos ao homem.

Questiona-se que as enchentes podem ser naturais. Pequenas enchentes são normais em área de várzea no período das chuvas na região norte.

Contudo, as enchentes são mais graves que as inundações, o diferencial é que elas ocupam uma área bem maior. Já as inundações são transbordamentos de rios em área de várzea, quando ocorrem sempre.

Os registros apontam que as principais causas das enchentes, geralmente são os altos índices pluviométricos, o desmatamento, o assoreamento e retificação dos rios a impermebialização do solo, a ocupação desordenada e o crescimento populacional, o lixo em bueiros e geladeiras e a falta de saneamento básico.

É perceptível, que ao longo dos anos passam eleições e o que mais se ouve são promessas milagrosas para por fim aos problemas, porem mesmo com todos os esforços do poder público ainda se vê que o problema só tende aumentar, as pessoas perdem tudo ou quase tudo, em poucos minutos, às vezes a própria vida ou de seus familiares.
As conseqüências são diversas como desabrigados, desalojados, doenças que viram epidemias, mobiliarias que viram entulho e avenidas se tornam verdadeiros e grandes rios. Existem casos que uns são mais afetadas que outros, onde certas localidades no interior do Estado, que sofrem há décadas com o problema e em muitos casos, os moradores não têm condições financeiras para mudar de casa, ou perdendo o próprio valor por conta desses tipos de problemas.

Outro exemplo de problema clássico das grandes cidades e a retificação dos rios. Existem córregos e rios que tem forma sinuosa, isso possibilita a velocidade das águas serem diminuída. Quando canalizada ou adulterados seus cursos, a fim de facilitar a malha rodoviária e imobiliária, provocando a acumulação das águas correndo com grande velocidade, intensificando os alagamentos e as enchentes em áreas predeterminada.

Considera-se outro problema, o fato de a maioria das cidades serem construída próxima aos rios. Nos séculos passados, as vilas eram naturais por causa da dependência cotidiana dos povos, logo, foram virando cidades e metrópole, contudo, existem enchentes que nada tem a ver com rios, elas são causadas pela impermeabilização dos solos.

O asfalto o cimento e o paralelepípedo, impede a água das chuvas de serem absorvidas pelo solo e alcançarem os lençóis freáticos como em áreas urbanas sem ter por onde escapar as águas das chuvas que acumulam e empoçam causando alagamentos.

De forma errada e buscando a solução, o poder público constrói galerias e bueiros, essas ações apenas amenizam o problema, mas não há na verdade saneamento básico que agravam ainda mais a situação. Há ação para diminuir os efeitos das enchentes, e as famílias perdem seus patrimônios, e construindo barragens e reservatórios em áreas de maior risco, de forma que tenha uma abertura com proteção para impedir a entrada de resíduos sólidos e promover a conscientização da população pauta na “participação” para que não depositem lixo nas vias públicas nos leitos dos rios, lagos, represas etc.

A ação de regulamentação e a fiscalização por meio do poder publico quanto ao uso do solo, limitando a ocupação de áreas inundáveis a usos que não impeçam o armazenamento da água por infra-estrutura urbana.

Portanto, o Zoneamento pode ser utilizado de modo que promova a racionalidade dos meios urbanos, possibilitando, a manutenção de área de uso social, como praças, parque e áreas de reflorestamento. É importante uma ação convergente do município e estado em políticas sociais de saneamento, ocupação educação ambiental, contando sempre com a participação efetivo da população.

É necessário que haja um bom planejamento. Os municípios são os que mais sofrem com a situação agravante das enchentes, pois os rios são fontes de alimentos com sua diversidade pesqueira, lugar de trabalho para os pescadores, navegadores, artistas que se utilizam de barro, argila ou das paisagens como forte de sua arte.


Na várzea, os agricultores que cultivam seus produtos, sofrem também perdendo suas colheitas, assim como as escolas que foram paralisada, os homens sofrem com as doenças causadas pela enchente e pela vazante dos rios. Em contrapartida, o governo distribui em media 30 mil cartões de R$ 300,00 (trezentos reais) às famílias.

O planejamento, como afirma Betty Midllin, exige diversos graus de elaboração, abrangendo parte ou a totalidade da economia. Em fase inicial, não faz nenhum diagnostico econômicos geral, mas inicia com um programa de investimento públicos, que pode limitar-se a setores estratégicos da economia onde é perceptível um desequilíbrio entre oferta e demanda como investimento em infra — estrutura, transportes, energia, educação, saúde.

Esta política refere-se às regiões econômicas mesmo sem estar, inclusa num esquema voltado para o mercado como um todo. Por outro lado, a técnica do planejamento, assegura o equilíbrio entre os níveis de produção e a demanda de bens como de fatores de produção e desenvolvimento. O planejamento prevê o crescimento da demanda, assegura o crescimento da produção compatível com a demanda e usa dos recursos visando à eficácia das ações. Quanto às enchentes contata-se a ausência de planejamento e de políticas públicas que venham aplacar a resolução do problema.

Texto de “Sociologia do Planejamento” do curso de Ciências Sociais da UFA
M.

quinta-feira, 30 de abril de 2009

HOMENAGEM AO TRABALHADOR BRASILEIRO

É sabido que determinado indivíduo, dotado de perfil empreendedor, cria as condições necessárias para superá-la ou, no mínimo, atenuá-la, uma vez que, para o empreendedor a crise apresenta-se como oportunidade de negócio, momento em que este observa as potencialidades para isso. Seguindo a perspectiva de Peter Drucker, os empreendedores são aqueles que aproveitam as oportunidades para criar as mudanças, mobilizando recursos externos, valorizando a interdisciplinaridade do conhecimento e da experiência para alcançar seus objetivos.

Khemerson de Melo Macedo*

Tempos atrás, escrevi um artigo para esta página falando sobre a importância do trabalhador para o protagonismo social, econômico, cultural e político de nossa sociedade. Naquele contexto, escrevi: “Os verdadeiros protagonistas da História (...); são anônimos, estão nos recônditos dos mais diferentes espaços geográficos, esquecidos pelos historiadores e lembrados apenas pela memória de seus pares; (...); são trabalhadores, as forças motrizes da História”. Retomo, pois, deste ponto, para mais uma vez homenagear o trabalhador brasileiro, incluindo outras perspectivas que contemplem o tema em questão.

Naquele momento específico, era meu interesse demonstrar o valor do trabalhador a partir de seu protagonismo histórico, muitas vezes esquecido pelos discursos oficiais. Agora, retomo esta tese analisando a importância do trabalhador para a sociedade, que, certamente é muito mais preciosa do que simples mão-de-obra para o grande capital. Evito, contudo, a armadilha de analisar o trabalhador a partir da sua força de trabalho para as grandes corporações (algo que os marxistas certamente fariam bem melhor e mais exaustivamente do que eu) e lanço luz a outro aspecto bastante interessante: o empreendedorismo.

Termo apropriado por Joseph Schumpeter desde os anos 1950 como sendo uma pessoa criativa capaz de fazer sucesso com inovações, o empreendedorismo que, mais tarde, foi designado por Robert Hirsch como sendo o processo de criar algo diferente e com valor, dedicando tempo e os esforços necessários, assumindo os riscos financeiros, psicológicos e sociais correspondentes e recebendo as consequentes recompensas da satisfação econômica e pessoal, o empreendedorismo entra em voga no cenário nacional, uma vez que o empreendedor surge como alternativa viável neste contexto de crise, onde o capital internacional rearticula-se e forja novos cenários.

É sabido que determinado indivíduo, dotado de perfil empreendedor, cria as condições necessárias para superá-la ou, no mínimo, atenuá-la, uma vez que, para o empreendedor a crise apresenta-se como oportunidade de negócio, momento em que este observa as potencialidades para isso. Seguindo a perspectiva de Peter Drucker, os empreendedores são aqueles que aproveitam as oportunidades para criar as mudanças, mobilizando recursos externos, valorizando a interdisciplinaridade do conhecimento e da experiência para alcançar seus objetivos.

Este aspecto no entanto não está restrito somente ao campo da economia ou da administração. Ser empreendedor é, de modo geral, ter atitude empreendedora, com habilidade para visualizar situações e determinar as melhores estratégias para alcançar seus objetivos, assumindo os riscos necessários para isso. Esta orientação, como consequência, vem sendo adotada cada vez mais no campo intelectual, a partir do momento em que os grupos de trabalho inseridos em instituições de ensino, pesquisa e extensão passam a adotar este novo modelo de organização, planejamento e gestão.

Desta forma, retomo a discussão inicial, acrescentando que o valor do trabalhador, assim como do intelectual ou do gestor, está na atitude que este adota em relação ao seu trabalho, a partir da concepção deste acerca dos caminhos a serem percorridos até os objetivos serem plenamente alcançados. Desta forma, a homenagem que faço reside justamente naquilo que o trabalhador tem de mais precioso: sua força de vontade e disposição para apreender e empreender, algo que deveria ser cultivado em todas as instâncias da sociedade moderna.


*Antropólogo e coodenador de pesquisa do NCPAM

terça-feira, 28 de abril de 2009

UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS-UFAM
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E LETRAS-ICHL
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS - DCIS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA - PPGS

O Programa de Pós-Graduação em Sociologia convida

Palestras

• 29 de abril (quarta-feira, 10 horas)
Palestra: Metodologia para estudos de grupos familiares: aspectos da sustentabilidade
Professora: Dulce Whitaker (UFPa)
Local: Mini-Auditório PPGS e PPGSS – ao lado da secretaria do PPGS.

• 30 de abril (quinta-feira, 10 horas)
Palestra: Gênero, meio ambiente e trabalho
Professora: Maria Ângela D’Incao (UFPa)
Local: Auditório Rio Solimões – Instituto de Ciências Humanas e Letras - ICHL

segunda-feira, 30 de março de 2009

EXALTAÇÃO AOS VALORES REPUBLICANOS



No Amazonas, pela prática dos governantes, a corrupção tornou-se regra, segundo afirmou recentemente, o Senador Artur Virgílio Neto (PSDB/AM), no seminário ambiental na Colônia Antonio Aleixo, fazendo crer que tudo é possível até mesmo privatizar o patrimônio público, quando não, se delega poderes aos apaniguados para explorar e saquear a riqueza do povo.

Ademir Ramos*

Na Democracia, o julgamento de um homem público faz-se referenciado nos valores republicanos. Nessa conjuntura, a liberdade deixa de ser apenas um princípio moral e se transforma no exercício da cidadania, sendo salvaguardada pela força do Direito para o cumprimento da Justiça distributiva. O processo formador dessa cultura política reclama de todos, responsabilidade compartilhada, principalmente dos Agentes Públicos que deveriam pautar sua conduta ética, não mais em suas convicções morais ou interesses privados, mas, sobretudo, na responsabilidade social e ambiental, primando pelo zelo da coisa pública e a defesa dos interesses coletivos.

Com a mesma determinação também se exalta a transparência como valor de Direito para informar aos cidadãos os procedimentos ocorridos quanto à legalidade e legitimidade da ação pública. Nesse contexto, faz-se necessário as garantias constitucionais para assegurar a liberdade de imprensa.

Nessa mesma perspectiva, há de se destacar a importância do Ministério Público, assim como a atuação das Organizações do Movimento Social, enquanto instrumento de controle inseridos no processo de governança. A cultura republicana não permite que os profissionais da política reduzam suas práticas aos interesses familiares ou de grupos econômicos, que buscam instrumentalizar o poder de Estado para satisfazer seus interesses privados ou caprichos familiares.

No Amazonas, pela prática dos governantes, a corrupção tornou-se regra, segundo afirmou recentemente, o Senador Artur Virgílio Neto (PSDB/AM), no seminário ambiental na Colônia Antonio Aleixo, fazendo crer que tudo é possível até mesmo privatizar o patrimônio público, quando não, se delega poderes aos apaniguados para explorar e saquear a riqueza do povo. É o caso da empresa Log-In Logística Intermodal S/A, que declara publicamente contar com o aval do governo federal e estadual para construir um complexo portuário no Encontro das Águas, confluência dos dois magníficos rios Solimões e Negro, formadores do majestoso rio Amazonas, enquanto representação da identidade cultural de nossa gente.

Além dessa afronta a população amazonense, o empreendimento pretende também destruir as Lajes, que concentra um conjunto de sítio antropológico e paleontológico de reconhecimento acadêmico internacional. Reclama o Senador Artur Neto, a falta de transparência do projeto, o que nos permite perguntar: quem será o beneficiário? Por que não pode ser construído esse porto em outro lugar da região metropolitana de Manaus? Por que não se respeita os argumentos técnicos da ciência? Por que o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (IBAMA) está ausente da análise do processo, em se tratando do Amazonas, um rio de água internacional? E o silêncio do governador do Estado frente a grita do povo do Amazonas deve ser interpretado como aceite ou como estratégia para se buscar uma “saída honrosa”, em atenção à reivindicação popular quanto à proteção do nosso patrimônio natural, cultural e histórico? Será que os parlamentares do Amazonas, em sua maioria também são cúmplice por silenciar frente ao problema ou como queira, a indiferença é uma manifestação de cooptação?

A respeito disso, temos a lamentar a atitude dos mandatários locais. No entanto, acredita-se que o bom senso prevalecerá seja por força política ou pelo imperativo da Justiça. Pois, tanto o Ministério Público Estadual como o Federal já instauraram inquérito civil público para apurar as irregularidades contra o meio ambiente e as condições de vida dos moradores locais, caso ocorra à construção do porto. O Ministério Público Federal chegou a oficializar a participação da Ordem dos Advogados do Brasil para compor no processo, bem como, também, o próprio Ministério Público Estadual do Amazonas.

Eleição na UFAM.




A exaltação aos valores republicanos deve converter-se em práticas culturais e no próprio exercício da cidadania universitária, em particular em nosso Estado, quando a comunidade acadêmica é convocada a escolher a nova gestão da Universidade Federal do Amazonas (UFAM).

Portanto, na próxima quinta-feira (2), alunos, professores e técnicos administrativos da UFAM irão sufragar nas urnas o nome da pessoa que irá assumir a reitoria da Universidade (2009/13). Para isso, é preciso recorrer ao julgamento das propostas dos reitoráveis e avaliar a viabilidade de seus programas à luz dos valores republicanos.

Aliás, qual foi o candidato ou candidata que submeteu a discussão da comunidade acadêmica um programa de gestão? Qual foi que submeteu a aprovação da comunidade os nomes de seus pró-reitores, em conformidade a regulação do pleito? Qual foi que equacionou as propostas, considerando a qualidade e a consolidação da UFAM no interior do Estado? Qual foi que resolveu desafiar os demais para transformar a pesquisa, extensão e o ensino na excelência acadêmica em beneficio do desenvolvimento local? Qual foi que, sem arrogância messiânica, priorizou investir na gestão de pessoas, valorizando, dessa feita a carreira dos técnicos administrativos? Qual foi que sem amarras partidárias declarou governar a UFAM para todos e não para um determinado partido político?

Se conseguirmos responder estas e outras perguntas, iremos votar com responsabilidade, reconhecendo nas urnas que a UFAM é o nosso patrimônio e que muito nos honra conservá-la livre e soberana para a presente e futuras gerações.

*Professor, Antropólogo da UFAM e Coordenador Geral do NCPAM

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

EM DISCUSSÃO O FUTURO DA UFAM


Em entrevista ao NCPAM, a professor Maria Izabel de Medeiros Valle, discutindo a Universidade Brasileira acredita que os dirigentes não conseguem superar o modelo tradicional em relação ”a implantação dos princípios empresariais”, que exige das instituições acadêmicas índices de produtividades, nos moldes que o mercado impõe. Quanto à presença da Universidade Federal do Amazonas (UFAM) no interior do Estado, a professora Izabel Valle como é conhecida no movimento docente, diz que “tem sido tímido, muito tido”.

Relativo às eleições para Reitoria, que será no dia 02 de abril próximo, a professora Izabel reclama por um congresso universitário, que promova as discussões das teses em função de se construir coletivamente a universidade que queremos. “Acho que nós devemos pensar no processo eleitoral para o segundo semestre para valorizar a participação da comunidade”, enquanto instrumento de controle acadêmico.

A professora Izabel Valle é doutora em sociologia e antropologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, foi fundadora do curso de Ciências Sociais, juntamente com o coordenador do NCPAM, professor Ademir Ramos, fundou também a pós-graduação em Sociologia, onde exerce atualmente a vice-coordenadoria do programa. Foi eleita Presidente da Associação dos Docentes da UFAM para o exercício 1989-1991, sendo posteriormente eleita também para Direção do Instituto de Ciências Humanas e Letras da UFAM (2002 a 2006). Izabel Valle é professora efetiva da UFAM lotada no Departamento de Ciências Sociais, onde exerce sua prática política pedagógica com competência e determinação. Confira a entrevista participando das discussões e formulando propostas que possam contribuir para consolidação da UFAM como instrumento indutor do Desenvolvimento na Amazônia.

Professora nós queríamos saber se é verdade que a universidade brasileira realmente está na UTI?

Acho que essa pergunta é bastante instigante e provocadora também, como é seu estilo, mas o que eu penso é que a universidade brasileira, na verdade, teve toda uma perspectiva a partir do governo militar de aumentar a produtividade, quer dizer, essa idéia de aumentar a produtividade é uma coisa que vem desde a ditadura e que foi ao longo do tempo, se afirmando dentro da universidade de tal sorte que hoje, o que nós temos é a idéia que vigora com muita força, da implantação dos princípios administrativos e empresariais no âmbito da própria universidade. Isso obviamente tem gerado situações de conflito em função de que se passa a pensar o que é próprio da universidade, aumentando a competição em seu interior e ao mesmo tempo a universidade sofre em razão de que ela não detém as razões do trabalho necessários pra que essa competição efetivamente vigore nos termos das universidades européias e americanas.

Então, trata-se de uma discussão sobre modelo de gestão?

Sim, sobre o modelo de gestão. Eu penso que nós estamos vivendo uma crise bastante profunda que vai se refletir na sala de aula, nas condições de trabalho, na segurança e outros setores. Exatamente porque se passa a ter a universidade como uma instituição prestadora de serviço, enquanto tal, obviamente, como uma mercadoria, se passa a perceber o estudante como um cliente Ora, então a verdadeira função da universidade, enquanto formadora e produtora de conhecimento se dá simultaneamente numa luta para a implementação de princípios administrativos empresariais, objetivando, sobretudo a produtividade e, em alguns momentos a lucratividade também. Daí a explosão que se viu em determinados momentos dos cursos de especialização pagos, implantados na Universidade Federal do Amazonas (UFAM), bem como outros cursos conveniados. A forma como foram implementados gerou uma cunha imensa entre os professores porque na verdade não se sabia lidar com aquele tipo de programas e, em face dos baixos salários, o que se via era na verdade uma disputa por quem haveria de ministrar as disciplinas para determinadas áreas.

Pois bem, diante dessas circunstancias, como explicar o nosso desenvolvimento em termos de UFAM, quer dizer, em termos regionais?

Eu penso que nós temos dado uma contribuição enorme em que pesem essas diretrizes porque nós fomos, assim como a universidade brasileira como um todo, avançando muito significativo no momento em que o movimento docente, organizado, local, nacionalmente; como também, os próprios servidores e estudantes engendraram toda uma luta no processo de democratização da instituição, promovendo as mudanças substantivas no seu interior, no sentido de buscar melhoria na graduação e fundar os cursos de pós-graduação. Veja como é recente a pós-graduação no Brasil e na Universidade Federal do Amazonas ela está em processo de construção porque também é muito recente. A universidade enquanto tal, pensada como articulação do ensino de graduação, de pós-graduação, juntamente coma pesquisa e a extensão é um fato muito recente na universidade brasileira, sobretudo na região norte, em função de que esses processos foram se dando muito lentamente mesmo. Avançamos em determinadas áreas, mas nós não avançamos em outras importantes também. Se nós formos pegar, por exemplo, a nossa regulamentação, ela ainda é oriunda do período militar. Nós pouco avançamos em termos da normatização. A universidade é uma burocracia pesada, ela é extremamente lenta, ela não responde as exigências da sociedade de uma forma mais imediata.

E nessa situação, como é que podemos definir o processo eleitoral? Representa um avanço quanto à gestão ou é uma prática demagógica que favorece e fortalece cada vez mais o corporativismo?

Eu tenho pensado muito nesse processo eleitoral dentro da universidade brasileira. Penso que nós avançamos muito quando nós dissemos: “nós queremos eleger os nossos dirigentes!”. Mas pouco se avançou quanto à cobrança dos nossos dirigentes referente aquilo que deveria pautar a política institucional. Então nós avançamos pouco, em termos propriamente ditos, da participação da comunidade, nos fóruns e nos processos decisórios. A comunidade, por sua vez, só é chamada no momento da eleição e no caso da nossa universidade eu acho que é um problema ainda maior porque essas eleições ocorrendo no primeiro semestre dão muito pouca margem de tempo para que se possa refletir e estar em contato com os candidatos. Veja, a nossa eleição é em abril, nosso período começa em março. Nesse sentido qual é o avanço efetivo que a comunidade pode ter em termos de participação, de cobrança na gestão e de participação no processo decisório. É muito pequeno, muito pequeno. Eu tenho criticado isso, acho que nós deveríamos começar a pensar no processo eleitoral para o segundo semestre, não obviamente nessa eleição de 2009, porque o quadro já está posto.

Nesse contexto, como se explica o papel das organizações representativas, dos estudantes, dos servidores e dos professores?

De uma maneira geral nós temos visto o enfraquecimento das nossas entidades representativas. Elas tiveram um papel extremamente importante na direção do movimento, na crítica, mas de alguns anos pra cá, elas foram incorporadas a própria prática institucional. Então você veja que há inclusive ex-dirigentes de associações que são objetos de medalhas. Na verdade, quem deveria reconhecer o seu papel era o movimento e não a instituição dirigente, que passa a reconhecer e a atribuir medalha, ou seja, é claramente um sinal de cooptação de nossas lideranças. Tudo está se resumindo hoje a uma definição dentro do Conselho Universitário e nesse sentido ode ter ade do a de mproblema çcultura em todo o Brasil. cho que deu uma boa contribuiç vamos dizer assim, sobra pouca margem para uma oposição efetiva e para a formulação de novas propostas em direção as próprias eleições. Nós não temos, por exemplo, um congresso universitário, que poderia e deveria preceder as eleições no sentido da comunidade apontar quais seriam as suas expectativas com relação às próximas eleições. Foram cooptados e o movimento esvaziado. Do ponto de vista político, creio que nós não avançamos. Principalmente, em se tratando da influência da comunidade organizada sobre a política institucional. Nesse ponto nós estamos devendo.

O Amazonas é um grande território, temos que ocupá-lo, desenvolve-lo. Qual tem sido o papel da nossa universidade nesse processo de interiorização? Como tem sido essa interlocução com as instituições públicas e privadas?

Sem dúvida, eu creio, vamos dizer assim, que os dirigentes têm o dever de promover as parcerias e as articulações Interinstitucionais. É fundamental, que a Universidade Federal do Amazonas tenha um papel extremamente importante, porque veja, em toda a região aqui do Amazonas, é a única Universidade Federal, num Estado da nossa dimensão. Em vez de se implantar várias Universidades Federais, qual foi a opção do governo brasileiro que atual gestão da UFAM obedeceu: expandir via campi ao invés de buscar a criação de novas Universidade Federais à exemplo de outros Estados infinitamente menores que o nosso e que hoje tem diversas Universidades Federais em seu território. Aqui nós só temos uma Universidade Federal e a estratégia adotada foi via campi vinculados a essa estrutura central de Manaus, num Estado que tem a dimensão de um país, pela sua grandiosidade. Então veja, hoje, quem cumpre, no meu entendimento, o melhor papel em termos de interiorização, da educação voltada à preparação do corpo docente e outras demandas, é a Universidade Estadual do Amazonas porque tem muito mais agilidade, tem muito mais recursos e meios.

Então, o futuro da UFAM a senhora não vê com muitas luzes?

Em termos, vamos dizer assim, relativo à sua presença no interior dificilmente nós iremos conseguir ir mais do que já fomos. É tímido, é muito tímido. Vejo que o futuro da Universidade Federal do Amazonas deveria apostar, efetivamente, no que seria o seu diferencial, porque temos hoje no Amazonas mais de vinte instituições de ensino superior criadas num período muito curto de dez a quinze anos no máximo, o diferencial da UFAM além da graduação dos cursos, estaria na ampliação de novos cursos tais como dança e música, no campo das artes, onde somos muito deficientes. Avançar também em áreas estratégicas com curso de graduação e apostar, sobretudo, na pós-graduação, na pesquisa porque as outras instituições estão muito aquém daquilo que a UFAM tem de melhor. Agora a nossa universidade deveria, no meu entendimento, ter uma política de graduação bastante sólida, criando, portanto, no seu interior todo um projeto para que o estudante se prepare para a pós-graduação e pesquisa, possibilitando que esses profissionais possam prestar serviços nas demais instituições e na própria UFAM.

Quanto ao desenvolvimento regional, a universidade continua de costas para esse desafio?

Eu penso que pouco se discuti o desenvolvimento regional e isso, no meu entendimento, tem haver com a fragilidade da pós-graduação e da pesquisa. Então, quando você observa outros grandes centros, como é feito esta articulação, percebemos que há institutos extremamente vinculados com essa preocupação de articulação com setores da sociedade, objetivando a promoção do desenvolvimento regional, por exemplo, relativos à moradia, saneamento e outros. A coordenação de Pós-Graduação em Engenharia de Produção da UFRJ (COPE) é um grande exemplo disso, há projetos vinculados a saneamentos e outras demandas sociais. Nós aqui ainda não temos esses meios. Qual é a nossa articulação com o interior do Estado? Muito pouca. Qual é a nossa articulação com o Pólo Industrial de Manaus? Quase nenhuma. Qual é a nossa articulação com os trabalhadores que precisam de educação? Quase nenhuma. O quê nós oferecemos concretamente? Acho que nós precisaríamos dar um salto pensando além de nós. Hoje se pretende que a UFAM tenha cem anos. Mas, que cem anos são esses? O que é que nós acumulamos nesses cem anos? Houve um interregno muito grande, quase sessenta anos entre a criação da UFAM e a universidade de Manaus. Ora! Então nós temos hoje mais tempo como UFAM do que cem anos propriamente dito. O que quero dizer com isso: que se nós temos cem anos nós estamos devendo muito a sociedade do Amazonas.

As aulas estão começando em março, qual a sua mensagem, como educadora e pesquisadora aos alunos que estão ingressando na UFAM e em particular aos alunos do Curso de Ciências Sociais?

Creio que eles ingressam numa universidade que tem de mais relevante é o seu quadro docente e a sua estrutura física em termos de espaço, creio também que esses estudantes têm de aproveitar o máximo da sua estada aqui para aprender, em que pese toda dificuldade, como a ausência de bibliografia, que tem sido uma coisa extremamente reclamada por todos nós, ausências de uma convivência acadêmica mais profunda. Em que pese tudo isso, eu creio que eles estão entrando numa universidade que tem no seu quadro docente, aquilo que melhor pode expressar em termos de conhecimento e de possibilidade de relações propriamente acadêmicas. Então eu quero que todos os estudantes, professores e os técnicos tenham como perspectiva sempre a melhoria da Universidade Federal do Amazonas porque como instituição de ensino superior ela tem uma função extremamente importante que é formar, sobretudo para a cidadania, profissionais capazes de uma atuação responsável e conseqüente no âmbito da sociedade. . .

Foto: Elaine Alves.