segunda-feira, 10 de agosto de 2009

OS SOCIÓLOGOS DO FUTURO



Carta aos participantes do XIV Congresso Brasileiro de Sociologia da SBS

A
Universidade forma profissionais. Divide-os tradicionalmente em bacharéis e licenciados. Os primeiros devem se ocupar nos empreendimentos públicos e privados que demandam trabalho qualificado de pesquisa social. Os licenciados seguem às salas de aula, hoje especialmente para o Ensino Médio. Isso significa que o rendimento nas avaliações e o tempo em horas-aulas são as medidas básicas da educação universitária para tornar alguém um profissional de nível superior, qualificado para atender demandas complexas e aprender autonomamente através de seus trabalhos. É da natureza do percurso formativo universitário que os anos de graduação confiram esta certificação ao estudante. Embora o Ensino Médio Técnico também capacite para o exercício profissional, promovendo, todavia, um número bem menor de competências.

Uma das profissões atestadas pela Universidade é a de sociólogo. Como qualquer outro curso de formação profissional superior, há de se esperar, obviamente, a profissionalizaçã o. Aquele que se graduou nas Engenharias é engenheiro. Quem cursou Direito está apto a prestar o exame de sua ordem profissional. O que optou por Física é físico. E assim sucessivamente. Ou pelo menos deveria ser assim. Este é o trajeto legitimamente reconhecido pelo MEC para garantir a reprodução qualificada da força de trabalho no Brasil. Porém, há um curso cuja classe de profissionais mais antigos insiste em fazer pouco caso da graduação. É justamente o curso de Sociologia. Surpreendentemente, concluir a formação superior em Sociologia não faz de alguém sociólogo. É complicado entender por que os graduados (bacharéis e licenciados) e até os mestrandos em Sociologia são simplesmente "sociólogos do futuro" para a Sociedade Brasileira de Sociologia (SBS).

Na prática, esse "futuro" equivale à conclusão de um curso de pós-graduação stricto sensu na área. O mestrado, portanto, é considerado curso de admissão à vida profissional, embora um aluno possa obter título de mestre sem jamais ter vivido uma experiência profissional sequer, caso ele tenha ingressado no mestrado logo após se graduar. Mas pior que constatar que a primeira pós-graduação stricto sensu foi rebaixada a curso de profissionalizaçã o, é observar que a graduação em Sociologia de nada vale. Fica clara, agora, a notória repulsão de muitos docentes da área com os graduandos. É possível ouvir de alguns notáveis a expressão "plebe" quando se referem aos graduados. Para eles, os mestres seriam o "baixo clero", e os doutores, o "alto clero". Os títulos de nobreza cabem a defuntos ilustres, e pouquíssimos contemporâneos famosos e idosos, próximos da hora da morte. Ademais, só resta a triste verificação da Sociologia como uma ciência menor e pouco prestigiada (por conseguinte, de remuneração minguada). De onde vem a necessidade de títulos que possam impor respeito e medo num debate muitas vezes vazio e narcísico.

Mas todos sabem que a Sociologia tem lá suas mil e uma utilidades. E que a produção científica não acontece apenas entre os muros da Universidade. Sabem principalmente aqueles que exercem a profissão. Os que, por mérito, incluíram-se no mercado das ciências aplicadas. O sociólogo profissional, que vive da sua competência empreendedora ou da capacidade de ser útil aos empreendimentos públicos e privados, é um agente orientado a produtos específicos e ao mesmo tempo um generalista portador de múltiplas habilidades. Tal perfil faz dele peça fundamental para as organizações contemporâneas. Uma vez comprovado seu condão, o sociólogo é requisitado para todas as espécies de atividades que envolvem formulação (soluções sucintas) e elaboração intelectual (desenvolvimento de problematizaçõ es), orientadas para o aspecto social da realidade. O leque é amplo. Vai desde a formulação de básica de instrumentais, passando pela sistematização de bancos de dados, desenvolvimento de capacitações para técnicos da área social, aperfeiçoamento de planos de intervenção pública, publicação de estudos, chegando até a elaboração de sistemas de M&A e de políticas públicas.

A bem da verdade, trata-se de um fenômeno recente no Brasil. Os que se formavam em Sociologia nos primeiros anos desta década avistavam um horizonte restrito ao mais do mesmo, à Academia. A Sociologia era como uma ilha. Toda água em volta, tudo ao redor, era apenas "objeto de estudo". O mercado de trabalho, idem. Este era como águas revoltas que tornam impraticável a navegação. À exceção de convites surgidos como consequência de boas amizades políticas ou empresariais. Acontece que, na visão dos dirigentes-soció logos, nada mudou. Preferem não enxergar que os novos sociólogos encontraram o caminho dos barcos. Conectaram-se com outras terras e foram bem recebidos. E ainda estão com a nau em curso! O destino agora é planejar novas rotas e gerar resultados. No mar não se faz necessário parecer inteligente ou agradar o notável almirante. O mar é grande demais para isso. Os novos sociólogos estão fazendo a hora, agora. Portanto, não é mais cabível o apodo "do futuro". Ainda mais quando é evidente que ele deriva da iniciativa de mentes vincadas. Urge abrir a SBS para o novo. Inclusive para estimular a profissionalizaçã o da área no Brasil, o que fortaleceria a própria Sociedade. Este é um debate que não pode ser ignorado. Todo cidadão graduado em Sociologia é profissional e produz ciência. É sociólogo e deve ser reconhecido como tal.

Assina esta carta:
grupo de três sociólogos profissionais, sendo dois deles portadores do título de mestre ("baixo clero"). Todos em pleno exercício de suas atribuições em cargos efetivos de sociólogos da Administração Pública. E todos cientes que a hierarquização por títulos, e não pelo valor do trabalho a ser apresentado, é uma prática comum, tanto na comunidade científica quanto na agremiação militar. Mas "do futuro" é um grande desconchavo.

Jul. 2009

4 comentários:

Mari Ribeiro disse...

Concordo plenamente com a discussão e espero que nossas "legitimadas" organizações de classe escutem e reflitam sobre o assunto. Divulgarei no meu blog, embora um pouco atrasado. Mas é que a discussão de fato vale para além da SBS. Abraço

john kennedy ferreira disse...

Gostaria apenas de saber os nomes dos três colegas para com mais gosto cumprimentá-los
abç
Kennedy Ferreira
diretor do SINSESP
mestre (baixo clero) em ciência política

Julio disse...

Belíssimo texto, problematiza muitas questoes que já deveriamos ter superado.

Postei este texto no meu blog

Até logo!

Michel Ribeiro disse...

Excelente texto e excelente argumento. Só senti falta dos nomes dos companheiros que assinam.

Sou graduando em C. Sociais pela UFPA. E estou praticamente sobrevivendo ao curso.

Eu já não vejo Cientistas Sociais como uma classe Unida. Pior ainda é ver que não se reconhecem.