quarta-feira, 5 de agosto de 2009

PERSEGUIÇÃO E INJUSTIÇA CONTRA A ETNIA XUKURU EM PERNANBUCO



*Rogério Lannes Rocha

No Brasil, a luta por direitos sempre foi tratada como crime. Que o digam índios, escravos, camponeses, trabalhadores das cidades, moradores de periferias e favelas, mulheres... Ainda hoje, para acumular terras e poder, velhas oligarquias usam jagunços, depois os capitães do mato — polícias —, e finalmente comparecem ou enviam os filhos — como prefeitos, legisladores, promotores e juízes — para assegurar impunidade. Nossa reportagem de capa sobre saúde indígena revelou-se um registro da impressionante perseguição e injustiça contra a etnia xukuru, em Pernambuco.

O assassinato de Xicão — lendário cacique que uniu o povo xukuru nos anos 1980 e 90, para resgatar a identidade cultural e demarcar e retomar suas terras conforme a Constituição — lembra o de tantos líderes de trabalhadores rurais e, particularmente, o de Chico Mendes, morto por unir seringueiros e ambientalistas no Acre. Só que a luta por justiça dos xukurus continua invisível para a maioria dos brasileiros. Enquanto isso, as perseguições por parte de latifundiários, especuladores e, vergonhosamente, das polícias (inclusive a Federal), do Ministério Público e da Justiça não cessam. Sem desvendar o crime ocorrido há 11 anos, policiais, procuradores e juízes tropeçam em ritos de inquérito e julgamento, céleres para indiciar, prender e sentenciar dezenas de homens e mulheres, selecionados entre as principais lideranças indígenas.

Ocorre neste momento um verdadeiro escândalo em Pernambuco. Dias depois desta reportagem, a Justiça Federal do estado condenou o atual cacique Marcos Araújo e mais 30 líderes, inclusive sua mãe, a até 10 anos de prisão, além de indenizações que somam mais de R$ 100 mil, num processo que deveria justamente investigar os envolvidos num atentado contra o jovem cacique, no qual dois índios morreram tentando defendê-lo. Em 5 de junho, dezenas de entidades e centenas de simpatizantes da causa indígena organizaram protesto nas ruas do Recife contra o processo sistemático de criminalização dos movimentos sociais, já denunciado à Organização dos Estados Americanos.

Ministério da Saúde e Fiocruz desenvolvem projetos com os xukurus que, como a maioria das etnias indígenas, não querem as ações e a gestão de saúde nas mãos das oligarquias municipais que os desprezam. A perseguição judicial, lembra o bem articulado cacique Marquinhos, tenta deixar seu povo na defensiva e enfraquecê-lo na caminhada para reconstruir a identidade, dar sustentabilidade ao cultivo das terras recuperadas e avançar no interessante processo de educação diferenciada nas 35 escolas das 24 aldeias nos municípios de Poção e Pesqueira.

Naquele agreste verde e chuvoso desponta a Serra do Ororubá, que presenciou o esquecimento das tradições, mas também a reunificação liderada por Xicão, agora “plantado” entre nascentes d’água e espécies vegetais usadas pelo pajé da tribo. Com essa inspiração, a cada ano surgem novos “guerreiros” xukurus. No forte ritmo e nas passadas do toré — dança sagrada e política silenciada por mais de um século —, os jovens entoam: “Pisa ligeiro, pisa ligeiro; quem não pode com a formiga não assanha o formigueiro...”

*Coordenador do Programa RADIS

Editorial da revista Radis nº 84 – Agosto de 2009

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