Quem diria, a Grã-Bretanha mergulhou de cabeça na discussão sobre o sistema de saúde público que o presidente americano, Barack Obama, quer implantar nos EUA.
Lá, debate-se se o país deve universalizar o sistema público e gratuito ou continuar com o atual, onde na prática quem não tem seguro-saúde se dá mal.
Lá, debate-se se o país deve universalizar o sistema público e gratuito ou continuar com o atual, onde na prática quem não tem seguro-saúde se dá mal.
Aqui, os jornais e a BBC não param de repercutir a declaração de um deputado do Partido Conservador britânico, Daniel Hannan, que durante um debate sobre o tema nos EUA criticou o sistema britânico, o NHS, para mostrar um exemplo que o governo americano não devia seguir.
Desde então, o NHS virou uma espécie de bode expiatório dos críticos de Obama. Spots publicitários contra a proposta de reforma retratam o NHS como um sistema de saúde sobrecarregado, combalido, incapaz de atender à demanda por serviços.
Uma reportagem da BBC mostrou uma jovem americana dizendo: "Não queremos um sistema de saúde como o britânico. Todo mundo diz que é horrível. Você já viu os dentes de um britânico?"
A questão é espinhosa, e tem tantos lados que um mísero post de blog, como este, mal dá conta do recado.
Primeiro, há as questões eleitorais:o estrago político que a polêmica pode causar à imagem do "super-Obama" nos EUA e que a impopular declaração do deputado conservador britânico pode causar ao seu partido, que disputará eleições no ano que vem.
Segundo, há o problema da eficiência das políticas de saúde de um país - qualquer país - tendo em vista as prioridades nacionais.
Ninguém aqui duvida de que o NHS está, sim, sobrecarregado. Pacientes que não requerem urgência são mandados para casa sem a menor cerimônia.
Por outro lado, quem usa ou usou o NHS para casos mais sérios - uma doença grave, o acompanhamento de uma gravidez, um tratamento longo -, mal ou bem tem suas necessidades atendidas pelo sistema.
Mais importante: de graça, enquanto nos EUA uma semana de internação pode chegar a centenas de milhares de dólares.
Seria apenas uma questão de política e números, se não tivesse efeitos na vida de muita gente.
Na semana passada esses efeitos bateram à minha porta, quando minha namorada, uma ex-funcionária de saúde mental do NHS, recebeu a notícia de que um de seus antigos pacientes havia morrido.
Ela havia deixado o NHS contrariada por uma reestruturação que afetou os serviços. Principalmente, como é de praxe nesses casos, os serviços aos mais vulneráveis.
Aos 60 anos, seu ex-paciente era negro e pobre, vivia sozinho e sofria de uma série de problemas de saúde mental e física, como esquizofrenia, pressão alta e doenças do coração.
Demorou muito pouco, um par de meses, entre esse vulnerável senhor deixar de ser atendido pelo serviço comunitário do NHS, passando a compor a grande massa sem rosto de pacientes atendidos por uma unidade maior, e morrer.
Quando a polícia finalmente arrombou a porta de sua casa, motivada talvez pela reclamação de algum vizinho sobre o cheiro vindo do apartamento, é possível que fizesse semanas que seu corpo se decompusesse no sofá da sala.
Longe de mim responsabilizar a mudança nos serviços pela morte deste homem que, com tantos problemas de saúde, talvez estivesse mesmo fadado a morrer naquele dia. Isso é objeto de uma investigação que está sendo conduzida pelo legista.
Mas é impossível não relacionar a prestação de um serviço de saúde gratuito, de qualidade, a pessoas vulneráveis e sua qualidade de vida.
E é assustador pensar no poder que líderes e burocratas - dos EUA, da Grã-Bretanha ou do Brasil - têm sobre algo tão importante quando decidem quem deve ser prioridade e quem não deve ser quando o assunto é saúde.
Fonte: BBC Brasil
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