quarta-feira, 2 de setembro de 2009

PLANO DIRETOR: UMA QUESTÃO DE CIDADANIA



Luciana Verás


M
anaus, assim como outras cidades efervesceu na década de 60, onde muitos acontecimentos marcaram aquele decênio: a ditadura e suas intervenções na Amazônia, a crise econômica, o surgimento de uma nova ordem político-econômica, onde era necessário “integrar para não entregar.” Fato é que os militares pretendiam ‘socializar’ o solo urbano com a elite agropecuária.


O debate referente às políticas públicas de gerenciamento de cidades teve como precursor o Seminário “Habitação e Reforma Urbana” (1964), que na qual originou um anteprojeto da CNPU – Conselho Nacional de Política Urbana, órgão do Ministério do Interior, com ajuda e apoio de técnicos e consultores progressistas. Entretanto, essa questão de organização dos espaços é um pouco mais antiga, nos remete lá pelas épocas do surgimento das vacinas, quando Osvaldo de Andrade militava a saúde para todos, neste período, também se discutia para além da saúde, os aparelhos urbanos, como instrumento para a contenção de pragas e epidemias na manutenção de “lugares públicos limpos”, para a preservação da saúde pública. Todavia, este diálogo se acentua com o Anteprojeto que fora engavetado. E que, somente em 1980, é retomado o debate com uma proposta de Reforma Urbana, fundamentando uma nova Instituição de Políticas Públicas. No ano seguinte, se torna objeto da campanha eleitoral de Brizola, com a seguinte proposta: “Cada família, um lote”, desengavetando-o. Logo, essa especulação política, abre novos debates para alteração do mesmo, entrando em conflito com o “Poder Público e a Especulação Imobiliária”.

Contudo, com a Constituição de 1988, promulga-se em forma dos artigos 182 e 183, estabelecendo diretrizes gerais da política urbana, a Lei 10.257, alterada em 10 de julho de 2001, onde recomenda outros encaminhamentos. Conforme seu capítulo 1°, art. 1°, no parágrafo único, podemos ver, como adiante escrito:

Parágrafo único. Para todos os efeitos, esta Lei, denominada Estatuto das Cidades, estabelece normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade em prol do bem coletivo, bem como do equilíbrio ambiental.


O Estatuto da Cidade é filho intelectual e ideológico do Estado de Bem-Estar Social, e sob moldes da democracia emergente, trás consigo a diretriz de uma gestão assim intitulada “democrática”, por meio de consultas à população, de representatividades das associações de vários seguimentos, o acompanhamento de programas e projetos de desenvolvimento urbano para o atendimento ao interesse social. Sendo que, seus modelos de políticas públicas – dois -, são o primeiro Redistributivo, que pretende capturar renda para financiar a ação pública, de maneira que equalize as condições habitacionais e urbanas da cidade, e ainda Regulatório, pois pretende a valorização da terra aos imperativos das necessidades coletivas; e o segundo é o Distributivo, que regulariza a questão fundiária, a urbanização das favelas, usucapião especial urbano, entre outros.


Apesar disso, o sistema público de produção e gestão da infra-estrutura de Estado teve o papel no aumento na produtividade do trabalho, assim como na aceleração e acumulação de capitais (investimentos internacionais), ao mesmo tempo em que melhorou as condições de vida. E todo o planejamento público voltou-se para ser pautado pelo valor de mercado. Emergindo o ponto nefrálgico e até sulfrágico, que é a relação que se estabelece entre o privado e o público, a partir, precisamente, do governo de JK. Com a abertura das portas para investimentos estrangeiros, o Estado adotou técnicas para compatibilizar as despesas com as necessidades, com a análise de custo/benefício, discriminando a “produtividade” das despesas em detrimento aos investimentos, assim, o Estado de Bem-Estar social sai de cena para entrar o Estado Gerencial. Ainda que, no Estatuto das cidades, na Seção X, art. 32, § 1°, considera consorciada o conjunto de intervenções (participação do privado), objetivando transformações urbanísticas para melhorias sociais e a valorização ambiental. Por outro lado, no mesmo período os circuitos mercantis e imobiliários passam por um processo de internacionalização de capitais, com o qual o Estado não mais compatibiliza dos mecanismos de produção e distribuição de riqueza, e com o Estado Gerencial se estabelece o Neoliberalismo.

Destarte, como Maura Véras cita em seu artigo: Sociedade Urbana: Desigualdades e Exclusão Social, a gestão política econômica ganha um dualismo atrasado/moderno, não integrado, que o rural x urbano delibera novas demandas, onde as relações econômicas e sociais são vistas inerentes ao capitalismo. Conseqüentemente a cidade capitalista dificulta o consumo e o acesso do pobre aos mecanismos institucionais da democracia. Deste modo, parafraseando, o clássico dualismo entre civilis e polis se reintegra as novas regras do jogo, onde os meios chamados coletivos de consumo mais excluem, confirmando a desigualdade sócio-espacial de desagregação da população.

Milton Santos apud Véras, aborda em sua abrangente obra, que a ocupação espacial confronta-se com uma nova questão o lugar, o direito das diferenças étnicas ao seu lugar de origem, lugar este que ganha dimensão patrimonial histórica, emergindo assim as mais variadas lutas e movimentos sociais, nos quais reclamam o seu lugar no espaço da cidade. No caso de Manaus, por exemplo, seria necessário que emergisse a cidadania, para reclamar esse direito indentitário de espaço de memória, onde várias etnias como índios e negros, reivindicam a redemocratização da sociedade.

Portanto, a pobreza se resignifica e ganha novas dimensões e até moral, tornando remotas as possibilidade de ascensão social, onde o discurso não mais constrange, mas pelo contrário, por um lado se repele, e pelo outro esse debate ganha dimensões internacionais na cobrança de políticas públicas que possam minimizar no objetivo igualdade do homem moderno, que perpassa pelo caráter de dignidade do ponto de vista político de ser reincluindo. Essas cobranças internacionais visam diminuir a migração para países de primeiro mundo, pois percebem-se a busca dessas políticas pelos imigrantes. Estranho é perceber que em Manaus, em comparação com outros centros, a elite Manauara se conforma e convive pacificamente com a sujeira, esgoto a céu aberto, entre outras características que estariam ligadas a pobreza, sendo visto como normal e rotineiro em áreas consideradas nober. A cidade estaria assim muito parecida com a Manchester que descreve Engels em seu tempo, cercada de lixo e animais soltos por todos os lados, e o pior que até em lugares considerado o metro quadrado mais caro da cidade, como Djalma Batista, pode-se notar as deficiências de um plano diretor eficaz.

A organização espacial e economicamente é concebida como uma aglomeração, no urbana, que percorre três etapas e logo possui suas respectivas conseqüências: I – O urbano na colônia como lócus do controle da acumulação do capital mercantil através da exploração do trabalho escravo, ou semi-escravo divide e distancia a cidade do meio rural, ou ainda industrializa, com o agronegócio, redefinindo-o. Tendo como conseqüência a industrialização com a formação da raiz dos nossos problemas da modernidade; II – A cidade como sede de parte da acumulação do capital mercantil, quando se desenvolve uma economia urbana no interior da economia agrário-exportadora, tem como conseqüência o bloqueio da formação da moderna cidadania; e III - A cidade da indústria, com dois sub-períodos: a) fase do populismo que estrutura a produtividade e orienta à base de bens salariais de consumo; e b) desenvolvimento associado, orientado para a produção de bens de consumo de luxo. Acarretando a constituição de poderosos interesses mercantis ligados à acumulação urbana – poder corporativo. Veridicamente conferidos nas audiências de ‘caráter público’ para o Plano Diretor de Manaus, no qual não teve uma divulgação efetiva, as ausências da sociedade civil e do Ministério Público se fizeram notórios, e seu desfecho se concentra em atividades que irão maquiar a cidade até 2014, sem a possibilidade de uma projeção além deste evento.

Nestes termos, o direito do pobre passou a ser pesado pelo Estado, transformando-se em “Custo Brasil” ou ainda Custo em obras de projeção a curto prazo, remontando a situação de obstáculo ao desenvolvimento e efetivação da democracia, e configurando na ausência de proteção social e da cidadania. Conseguinte, suas origens nestes processos urbanos são a difusão do neoliberalismo, o surgimento da mercantilização dos espaços e das condições de produção e reprodução da vida, a universalização dos serviços e desafios da transição do autoritarismo e ‘coronealismo’, para a democracia na sociedade brasileira. Desaguando nos mais famosos problemas sociais de países terceiro mundistas como o Brasil, nos quais, o crescimento desordenado da cidade em virtude a industrialização e migração, surgindo as favelas (novos bairros), ou ainda favelização de zonas centrais sem os devidos aparelhos urbanos de infra-estrutura, na nova cisão entre incluídos x excluídos, na qual o público é [in]devidamente apropriado pelo privado.

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