terça-feira, 29 de setembro de 2009

VIDA RELIGIOSA DAS MULHERES SATERÉ-MAWÉ DA COMUNIDADE Y’APYREHYT

Liliane Costa de Oliveira*

A questão indígena abordada neste trabalho despertou o nosso interesse a partir da premissa de compreender o contexto religioso que os indígenas Sateré-Mawé estão inseridos na cidade de Manaus. Neste sentido, esta pesquisa se direcionou em abordar a relação que as mulheres Sateré-Mawé da comunidade Y’apyrehyt(1) possuem com a religião cristã, identificando, assim, a introdução de novos princípios religiosos.

Os índios Sateré-Mawé da comunidade Y’apyrehyt, estão localizados no conjunto Santos Dumont, Bairro da Redenção, Zona Oeste da Cidade de Manaus (AM), em uma área de 132.70 m². A organização da comunidade Y’apyrehyt em contexto urbano se consolida pelo empenho das mulheres indígenas Sateré-Mawé, que lutaram para constituir seu espaço na cidade, por isso, ligadas por um sentimento étnico, organizaram-se para enfrentar a nova realidade social pela qual passavam, visando assim, garantir seus direitos.

O contato com a religião cristã entre os Sateré-Mawé vem desde o século XVII, que no primeiro momento, foi realizado pelos católicos. No segundo momento, no século XX, os evangélicos começaram a evangelização, procurando converter os indígenas à sua religião, direcionado principalmente ao clã superior (PEREIRA, 2004).

A presença da religião cristã entre os índios Sateré-Mawé da comunidade Y’apyrehyt ocorre desde a aldeia, no rio Andirá, onde foram evangelizados por um missionário da Igreja Adventista do Sétimo Dia e assumiram-se como membros dessa religião, freqüentando a referida igreja mesmo após a vinda para a cidade. Durante a pesquisa de campo, observamos que esta religião é bastante forte na comunidade, com uma mistura de princípios cristãos e valores étnicos, por isso entendemos que a religião entre as mulheres Sateré-Mawé da comunidade Y’apyrehyt é parte vital da estrutura religiosa deste povo, ocasionando a “possibilidade” de conciliar suas tradições com as doutrinas da igreja.

Metodologia

Os procedimentos metodológicos desta pesquisa foram entendidos como os instrumentos necessários à constatação do objeto. Sendo nosso principal objetivo analisá-lo empiricamente esta pesquisa é de base qualitativa, estimulando os entrevistados a pensarem livremente.

Esta pesquisa utilizou o método descritivo e a pesquisa de campo, pois, se fez necessário descobrir e observar, descrever, classificar e interpretar o objeto da pesquisa. Para Geertz (2002), a etnografia e a pesquisa de campo fazem parte do processo que formam novas idéias e críticas, possibilitando o conhecimento, não só da cultura pesquisada, mas também sobre as diferenças e a realidade entre distintas culturas.

A observação foi um dos procedimentos primordiais no desenvolvimento da pesquisa, uma vez que para Oliveira (1998) o método formado pelas “faculdades do conhecimento” - o olhar, o ouvir e o escrever - consistem em garantir o melhor uso dos dados observados. Assim, estes procedimentos metodológicos contribuíram para compreendermos sobre as opiniões, fatos e testemunhos e nos fornecerá um amplo material a ser usado como base para o entendimento da questão em pauta.

Resultados

As mulheres Sateré-Mawé da comunidade Y’apyrehyt foram evangelizadas pela Igreja Adventista do Sétimo Dia, quando ainda estavam morando na aldeia de Ponta Alegre, localizada no município de Parintins. Ao virem para Manaus continuaram freqüentando a referida denominação, mas, a partir de outubro de 2006, os cultos adventistas passaram a serem celebrados na comunidade, por apresentar um bom número de pessoas que contribuem para formação de uma congregação.

Os cultos são realizados nas quartas-feiras, aos sábados e aos domingos. Além do culto, cada família é responsável pela realização da escola sabatina(2) . No período da tarde aos sábados, é realizado o “J. A” (Jovem Adventista) com estudos para os jovens e adolescentes. Os cultos são realizados no barracão, no mesmo lugar onde são realizados os rituais, os estudos, as reuniões, as exposições e as brincadeiras das crianças.

Após o período que a igreja passou a realizar suas reuniões na comunidade, foram realizados batismos para torná-los membros da denonimação e para participarem da ceia(3) , realizada no primeiro sábado de cada mês. Para certas igrejas evangélicas, a união entre casais deve ser realizada diante da igreja (casamento religioso) e da sociedade (casamento civil), para que assim possam viver juntos e constituir suas famílias, por isso, celebraram matrimônio coletivo, tanto civil quanto religioso, de todos os casais que já estavam juntos, há algum tempo, possibilitando, a eles, o matrimônio tradicional da sociedade envolvente.

Este trabalho indicou claramente que as mulheres indígenas do povo Sateré-Mawé tornarem-se cristãs por causa do contato com os não indígenas que as evangelizaram, convertendo-as a novos princípios religiosos. Outro aspecto que as levou a continuar seguindo a nova religião foi constituição de caráter de seus filhos, uma vez que, para elas ensinar aos seus filhos os princípios da denominação se objetiva em torná-los pessoas de índole.

Desta forma, os Sateré-Mawé assimilaram a evangelização introduzindo conteúdos da doutrina cristã, conforme ratifica Uggé (1993) que a introdução de uma nova religião trouxe varias mudanças para as mulheres. Ainda nesta perspectiva de mudança de vida, as mulheres afirmaram que com a igreja descobriram outros mandamentos e evidencia que a “conversão” destas mulheres indígenas confirma a inclusão de características dos não indígenas e que passam a configurar sua cultura.

A relação das mulheres Sateré-Mawé com a religião cristã na comunidade se manifesta desta forma: não ocupam os mesmos cargos da hierarquia da igreja, são os homens que exercem o ministério sacerdotal, ministram a palavra da Bíblia durante os cultos e que compõem a mesa onde ficam o pastor e seus auxiliares. O papel das mulheres nos cultos, conforme nossa observação volta-se à transmissão dos ensinamentos da Bíblia às crianças e a condução dos louvores. Nos cultos, elas estão pintadas, arrumadas com seus colares e brincos por elas confeccionados, revelando o sentimento de ser mulher indígena Sateré-Mawé. A perspectiva espiritual das mulheres indígenas Sateré-Mawé, a partir de seus depoimentos está na esperança de estar no “paraíso”, onde tudo será diferente da vida que elas possuem hoje. Uma outra perspectiva espiritual é ter sempre condições de ajudar no trabalho da igreja, ser dizimistas e ofertantes fieis.

Esta pesquisa demonstrou também que as mulheres Sateré-Mawé ao se tornarem evangélicas preservaram suas representações simbólicas e suas ideologias, por isso, pode-se dizer que elas conseguiram conservar muitas de suas características originais, mesmo com a execução de novos princípios religiosos. Tal atitude foi benéfica não somente para as mulheres que hoje residem à comunidade, como também para outros índios Sateré-Mawé. Constatamos também que elas não possuem cargos tão importantes como os homens exercem, mas são elas que arrumam o local para os cultos, são elas que entoam os louvores, que ensinam a Bíblia as crianças e cuidam de todas as criancinhas durante os cultos.

Portanto, a religião cristã entre as mulheres indígenas Sateré-Mawé está impregnada na sua contribuição para com a igreja a qual fazem parte e na relação de sua cultura com os princípios cristãos, os quais são muito bem separados, uma vez que, todas entendem que elas não podem deixar totalmente de praticar suas crenças, rituais, comidas, danças, medicina natural, pois, fazem parte de sua cultura no qual no meio urbano é uma forma de sobrevivência.

Considerações Finais

Este trabalho apontou claramente que as mulheres indígenas moradoras da comunidade Y’apyrehyt ao se tornarem evangélicas aderiram valores espirituais que modificaram alguns procedimentos culturais, porem, não perderam em definitivo certos costumes tradicionais, representando o grupo social que pertencem por meio de seus conhecimentos, considerada, assim, uma guardiã de suas tradições e demonstrando que mesmo com a introdução dos costumes cristãos sua etnicidade continua sendo preservada.

Estes valores espirituais e materiais que estas mulheres indígenas desempenham no interior de sua comunidade na cidade de Manaus não são reconhecidos perante os não-índios, mais é necessário ouvir sua voz para que a partir de uma nova perspectiva elas possam ser reconhecidas na comunidade e dentro de sua religião evangélica.

Portanto, os papéis que as mulheres indígenas Sateré-Mawé na comunidade Y’apyrehyt centra-se no seu poder de estabelecer e articular a organização da comunidade, de educadora, de transmissora da cultura de seu povo aos seus filhos, mãe, esposa, religiosa, empreendedora e lutadora que visam imediatamente mecanismos de melhorias no seu espaço social.

1 Terceira Luva da Tucandeira.
2 A escola sabatina é um culto que se realiza todos os sábados pela manhã. É um culto tradicional da Igreja Adventista do Sétimo Dia.
3 A ceia é o momento em que os fiéis trazem a memória a morte de Cristo, é uma forma de demonstrar comunhão com os irmão e com Deus. Neste culto os louvores e a palavra que é ministrada falam sobre o acontecimento. Antes de tomarem o vinho e comerem o pão que representam o sangue e o corpo de Cristo lavam os pés da mesma forma com que o evangelho (livro sagrado para os cristãos) relata na ultima ceia que Jesus realizou com seus discípulos antes de sua morte.


REFERÊNCIAS

GEERTZ, Clifford. Observando o Islã: O desenvolvimento religioso no Marrocos e na Indonésia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004.

________________. Obras e vidas: o antropólogo como autor. Tradução Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: UFRJ, 2002.

LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Marina de Andrade. Fundamentos de metodologia científica. São Paulo: Atlas, 1986.

LORENZ, Sônia da Silva. Sateré-Mawé: os filhos do guaraná. São Paulo: Centro de Trabalho Indígenista, 1992.

OLIVEIRA, Roberto Cardoso de. O trabalho do Antropólogo: olhar, ouvir, escrever. In: O trabalho do antropólogo. São Paulo: UNESP/ Paralelo, 1998.

PEREIRA, Clóvis Farias. Sociedade e Política: As Relações Sociais e a Construção da autonomia dos Sateré-Mawé. Monografia, Universidade Federal do Amazonas. Manaus, 2004.

ROMANO, Jorge Osvaldo. Índios Citadinos: O caso dos Sateré-Mawé proletariado. Brasília – DF. 1982. Dissertação de Mestrado, Universidade de Brasília, 1982.

SENA, Raylene Rodrigues de. TEIXEIRA, Pery. Movimentos Migratórios da População Sateré-Mawé: Povo Indígena da Amazônia Brasileira.Artigo do trabalho apresentado no XV Encontro Nacional de Estudos Populacionais, ABEP, realizado em Caxambu/MG-Brasil, de 18 a 22 de setembro de 2006. UFAM/FAPEAM.

UGGÉ, Henrique. As bonitas Histórias Sateré-Mawé. 1° edição. Imprensa Oficial do Estado, 1993.

(*) Graduada em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM). Email: lilioliveira123@yahoo.com.br

NR: O artigo condensa parte da pesquisa monográfica da Cientista Social, Liliane Costa de Oliveira, quando com profundo conhecimento de causa apresenta à comunidade Y’apyrehyt da etnia Sateré-Mawé, localizada na Zona Oeste de Manaus. Em análise, a vida religiosa das mulheres indígenas dessa comunidade e suas formas de organização socioculturais. Em tempo, o texto busca refletir sobre a diversidade cultural presente na capital do Estado do Amazonas e nos alerta o quão complexo será a discussão presente sobre o novo Plano Diretor da cidade, uma vez que o Poder Público terá que lidar obrigatoriamente com tais manifestações culturais sem prejuízo econômico, político e cultural desses povos, que ocupam efetivamente parte do território de Manaus. A foto em tela tem assinatura do laureado Luis Vanconselos.

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