quinta-feira, 1 de outubro de 2009

A GERAÇÃO DOS ANOS DE CHUMBO


Arnaldo Carpinteiro Péres*

Cheguei ao Rio de Janeiro no início dos anos 60, ainda adolescente, idade em que segundo Nelson Rodrigues, “ou se é um Rimbaud ou se é um besta”. A cidade era uma festa, onde a violência praticamente não existia. Pelo menos, não como a guerra de hoje. Pois foi nesse Rio dos anos dourados que pretendia morar durante alguns meses e acabei ficando por mais de dez anos.

Estudante pobre, com poucos recursos, junto com outros colegas do Restaurante Central dos Estudantes, o famoso Calabouço, resolvemos fundar uma “República” num imóvel cedido pela UNE. Era um casarão antigo de três andares, localizado na rua do Lavradio, no bairro da Lapa, meio em ruínas que aos poucos fomos recuperando.

Após o golpe de 64, por razões óbvias, todos os moradores eram considerados inimigos do regime por agentes do DOPS que ficava a menos de duzentos metros.

Recentemente, quando estive no Rio, resolvi visitar esse prédio, hoje ocupado por quatro ou cinco famílias de baixar renda. Pedi licença a um morador para entrar e enquanto caminhava, observando cada detalhe do seu interior, bastante emocionado, recordava um pouco os meus tempos e juventude.

As imagens chegavam nítidas com se ali ainda estivesse residindo naquela época com outros 80 estudantes, todos oriundos da vários Estados, principalmente do Norte e do Nordeste. A cada passo, as lembranças se sucedem num pulsar permanente de emoções, trazendo as presenças invisíveis de muitos daqueles colegas.

Olhando as dependências do imóvel ainda bem conservado, de repente me veio à mente a frase de Eça de Queiroz: “É curioso! Só vivi dois anos nesta casa, e é nela que me parece estar metida minha vida inteira!”. No meu caso, vivi mais seis e certamente foram os melhores anos da minha vida.

Ali, convivi com grandes figuras humanas, mas também com outras excêntricas e totalmente perturbadas. Afinal, éramos muito jovens, rebeldes e capazes de todas as loucuras próprias da idade. Muitos varavam as madrugadas nas boates da zona sul, onde não rato eram expulsos, algumas vezes por desordens e em outras por não pagar o consumo.

Mas também seria até injusto afirma que naquela casa existia apenas essa turma da pesada. Pelo contrário, na sua grande maioria, ali residiram muitos jovens que se bateram nas ruas contra a ditadura, levando a esperança de ver um dia este país mais igual e com menos injustiça social. Eles fizeram parte de uma geração de brasileiros que sofreu na carne as vicissitudes e as mazelas do autoritarismo.

Uma geração de idealista, dispersada à força e até pagando com sua própria vida o seu açodamento. Moças e rapazes que no verdor da sua mocidade, purgaram com o sofrimento de perseguições, prisões indevidas e até com a morte o seu pecado maior, o de querer uma pátria livre e dias melhores para o seu povo.

(*) É desembargador de Justiça do Amazonas e articulista do jornal “Diário do Amazonas”.

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