segunda-feira, 26 de outubro de 2009

UMA BIOGRAFIA DO PRIMEIRO DESAPARECIDO POLÍTICO BRASILEIRO


Edileuza Pimenta e Edson Teixeira (*)

Virgilio Gomes da Silva: De Retirante a Guerrilheiro dedica-se a recuperar a trajetória pessoal e política desse homem cuja biografia transcende sua morte porque sua história faz parte das lutas históricas do povo brasileiro contra a miséria e a opressão. Virgilio começou vencendo a miséria. Retirante, saiu do sertão do Rio Grande do Norte nos anos 50 para tentar a vida em São Paulo, onde, por meio das lutas sindicais, adquiriu consciência política e tomou contato com as ideias do Partido Comunista Brasileiro.

Após a institucionalização da ditadura, processo iniciado a partir do golpe civil-militar de 1964, Virgilio passou a assumir posição destacada na luta contra a opressão, tornando-se um guerrilheiro da Ação Libertadora Nacional, organização cujos fundadores e líderes foram Carlos Marighella e Joaquim Câmara Ferreira. Menos de um mês após ter comandado uma das ações mais espetaculares da luta de resistência contra a ditadura, o seqüestro do embaixador americano, Virgilio, o "Jonas" da ALN, foi brutalmente assassinado sob torturas na sede da famigerada Operação Bandeirantes, em 29 de setembro de 1969, e se tornou o primeiro desaparecido político brasileiro.

Esse livro surge em um contexto bastante significativo, em que se lembra os 30 anos da luta pela Anistia e os 40 anos da morte do biografado, e integra uma luta pela Memória, pela Verdade e pela Justiça, da qual fazem parte a abertura dos arquivos, a punição dos torturadores e a localização dos corpos dos desaparecidos.
A abertura dos arquivos permitirá a toda a sociedade conhecer o seu passado recente, a verdadeira dimensão do que foi a ditadura civil-militar inaugurada com o golpe de 1964 e que produziu milhares de perseguidos, entre presos, torturados, exilados, mortos e desaparecidos. A punição dos torturadores também deve estar na ordem do dia, principalmente se considerarmos que outros países da América Latina, como Chile e Argentina, estão avançados nesse aspecto, pois, além de terem revogado suas leis de auto-anistia, instituíram Comissões de Verdade a fim de esclarecerem seqüestros, torturas, mortes e desaparecimentos de opositores da ditadura.

A localização dos corpos dos desaparecidos é uma luta de décadas e, no caso de Virgilio, desde 2004 está comprovado que ele estava sob tutela do Estado e em suas dependências quando foi assassinado. Um laudo de pesquisa datiloscópica e um exame de corpo de delito foram encontrados pelo jornalista Mário Magalhães no Arquivo Público do Estado de São Paulo, acervo do DOPS, desmascarando a falsa versão dos torturadores de que Virgilio, nome de guerra Jonas, se encontrava foragido.

Mais recentemente, no último 30 de agosto, quando o livro já estava praticamente pronto, veio à tona uma nova informação, o que prolongou um pouco o nosso trabalho: o jornalista Bernardo Mello Franco divulgou material mantido sob sigilo há quarenta anos, de fonte não revelada, em que o Exército assume a responsabilidade pela morte de Jonas. Trata-se de uma informação circular em que é dito que Virgilio "reagiu violentamente desde o momento de sua prisão, vindo a falecer em conseqüência dos ferimentos recebidos, antes mesmo de prestar declarações".

A expressão "ferimentos recebidos" é um eufemismo de tortura. Diante de mais essa evidência, a família de Virgilio Gomes da Silva, no exato dia em que se completaram quarenta anos de seu assassinato, junto ao Grupo Tortura Nunca Mais e o Sindicato dos Químicos e Plásticos de São Paulo e Região, entre outras entidades, protocolou duas representações no Ministério Público Federal em São Paulo: uma na área criminal e outra na área cível, que possuem como objetivos a responsabilização da União na morte do militante, para que seja informada a localização do corpo e os restos mortais sejam entregues à família, e investigação que procurará verificar se alguns dos executores de Virgilio ainda hoje exercem cargo público.

Os autores de Virgilio Gomes da Silva: De retirante a guerrilheiro procuraram recuperar a trajetória de vida desse militante tendo em vista o fato de que é necessário interpretar a opção política de Virgilio pela luta armada considerando o contexto histórico e certas matrizes teóricas daquele mesmo período, que destacavam, entre outros temas, a legitimidade do uso da violência revolucionária do oprimido contra o opressor e o direito de resistência à tirania. Mesmo considerando que se tratam de uma mestra e de um doutor em história (que se conheceram há alguns anos, apresentados por seus respectivos orientadores por estudarem um tema em comum, a Ação Libertadora Nacional, evitaram resvalar no academicismo, por entenderem que é possível, sim, fazer um livro com rigor histórico e de pesquisa, mas que seja, ao mesmo tempo, popular.

A partir desse trabalho, o leitor saberá que “Jonas” não desceu de paraquedas para comandar a ação do seqüestro do embaixador americano (sobre a qual também fazemos uma reflexão teórica), como bem lembrou um dos companheiros de Virgilio na ALN, Manoel Cyrillo de Oliveira Netto, cuja apresentação, feita para o livro, reproduzimos abaixo:

"Soube da morte do Jonas de cabeça pra baixo, pendurado em um pau-de-arara, na Operação Bandeirantes. Diante de paredes e pisos manchados pelo seu sangue, entre dezenas e dezenas de perguntas e afirmações simultâneas, em meio a muita pancada, chutes e choques, registrei a triste notícia: - Tá vendo este sangue, é do Jonas, é o sangue de um brasileiro, o filho da puta tá morto! Na véspera de minha prisão, no dia 29 de setembro de 69, o Estado brasileiro havia assassinado o companheiro Virgílio naquela mesma câmera de tortura. Hoje, o Virgílio está mais vivo do que nunca. Cresceu. Perpetuou-se. Fez história. Diferentemente, os seus algozes, os vivos e os mortos, estão encurralados em uma câmera do inferno, sofrem, torturam-se - são uns pobres-diabos. Ao longo da narrativa, descobriremos a bela trajetória pessoal e política do Virgílio, um cidadão que não desceu de páraquedas para comandar a ação de captura do embaixador Elbrick. Também nos depararemos com capítulos e episódios duros e cruéis, retratos do que era a vida do país naquela época. E, no final, o resultado será gratificante e saberemos melhor prezar o esforço e a resistência do Virgílio, um brasileiro".

(*) São historiadores e autores de Virgilio Gomes da Silva: De Retirante a Guerrilheiro http://carosamigos.terra.com.br/

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