quinta-feira, 29 de outubro de 2009

MOSTRA AMAZÔNICA EM SUA SEGUNDA NOITE

Khemerson Macedo*

A IV Mostra Etnográfica, na segunda noite iniciou-se com a Mostra Competitiva, com a apresentação de temas que variam desde a questão agrária no Brasil, passando pela migração, desemprego e representações culturais e religiosas. Em termos de nível, os filmes oscilaram bastante, contudo, o poder das temáticas apresentadas contribuíra bastante para posteriores debates acerca das representações simbólicas e culturais postas em tela. Para fins de aprofundamento, segue abaixo resenhas dos filmes reproduzidos neste primeiro dia de Mostra Competitiva.

1. Expedito em Busca de Outros Nortes, 75 min – Brasil/ RJ, 2006.

Este documentário em questão insere-se a temática da reforma agrária a partir da vida e obra do poeta e sindicalista Expedito Ribeiro de Souza que, em meados da década de 1990, foi vítima de pistoleiros justamente por lutar por melhores condições de vida e trabalho na pequena vila onde residia localizada ao sul do Pará. Mesclando depoimentos de familiares e admiradores que ressaltam o caráter poético deste personagem, ao mesmo tempo em que narram o engajamento político assumido por Expedito, o filme (muito parecido em tom e tema com outra produção, o contundente Nas Terras do Bem-Virá, que discutia também a questão da reforma agrária), constitui-se como um importante retrato sobre como o Governo Ditatorial lidou com a Amazônia, mostrando, aqui, as conseqüências práticas desta ocupação desordenada e desigual.

Em termos técnicos, Expedito em Busca de Outros Nortes não foge muito à estrutura burocrática exigida para este tipo de tema, mesclado, entre um depoimento e outro, imagens de arquivo que ajudam a contar a história. Contudo, neste caso, é impossível que uma abordagem contendo uma estética mais diferenciada ocorra, pois, como filme-denúncia, cumpre perfeitamente a função a que se propõe a fazer. No final, Seu Benedito, irmão de Expedito, diz a frase: “Essa é a nossa história. Do meu tempo pra cá”, encerrando o documentário de uma forma poética e incisiva, rimando, assim, com a própria vida de Expedito Ribeiro de Souza.

2. A Era do Ouro, 13min18’- Brasil/ RJ, 2008.

A Era do Ouro é um daqueles filmes cujo tema, riquíssimo em potencial, acaba desperdiçado por uma abordagem precária onde os realizadores parecem não ter a mínima noção de luz e enquadramento, ou mesmo estrutura narrativa. É como se um grupo de realizadores inexperientes fosse jogado no campo sem qualquer planejamento e fossem entrevistando os informantes aleatoriamente sem nenhuma preocupação estética e sem um mínimo de noção de como seria um filme com um tema destes. Ou seja, é mais um trabalho acadêmico de fim-de-semana e menos um trabalho feito por realizadores profissionais. Ao menos a temática – exploração de ouro em alguma localidade próximo ao Rio Madeira ou no Rio Madeira (o filme não nos informa o local exato onde ocorre a filmagem), nos prendem a atenção justamente por apresentar as precárias condições de vida daqueles garimpeiros, numa interessante relação entre modus vivendi x modus operandi. Pena que a experiência de se discutir um tema como estes, além de sermos apresentados a pessoas que sofrem na pele as condições precárias deste referido garimpo, acabe sendo boicotado pelas escolhas erradas dos realizadores.

3. Migrantes e Indígenas em Busca da Cidadania, 16min15’ – Brasil/ SC, 2006.

Migrantes e Indígenas em Busca da Cidadania é um filme que, como bem explicita em sua sinopse, é “um documentário sobre a caminhada de brasileiras e brasileiros na luta contra a exclusão de uma nova sociedade”. Neste caso específico, o Estado de Roraima em plena expansão. Infelizmente, esta premissa acaba prejudicada em parte pelas escolhas dos realizadores, visto que as perguntas direcionadas aos entrevistados pouco contribuíam para o aprofundamento da discussão posta. Em alguns casos, o próprio posicionamento da câmera parecia inibir o entrevistado, prejudicando, assim, o andamento da entrevista. Mesmo assim, é inegável o potencial crítico do filme.

Além disso, muitas das informações passadas no filme são dadas por uma narração in off que, em alguns filmes, são excessivamente deselegantes e intrusivas, o que não é o caso aqui, já que, como elemento de síntese, amarra bem as questões que este filme levanta. O ponto negativo mais sentido diz respeito a uma das últimas entrevistadas que aparece, já que, jogada sem mais nem menos no terceiro ato, soa mais como “alívio cômico” do que como uma informante com algo relevante a dizer. O enquadramento deselegante de seu perfil aliado a uma trilha sonora propositalmente “cômica” confirma esta tese.

4. Serviços Gerais, 20 min – Brasil/ AM, 2009.

Em Serviços Gerais, boa parte de seus 20 minutos dedica-se a imagens de anônimos(as) em entrevistas de emprego (homenagem disfarçada à introdução de Central do Brasil, será?). Sinceramente não consegui descobrir o propósito dos diretores envolvidos nesta “produção”, tampouco não sei em que sentido este filme contribui com o debate acerca da antropologia visual e do filme etnográfico. Há momentos, inclusive, que o filme força a barra, com perguntas que variam de drogas à crise internacional, chegando por vezes levar seus “entrevistados” ao ridículo, na medida em que expunha sua ignorância frente a estes temas, o que compromete a abordagem (ou possível abordagem) do realizador e levando o público apenas a rir de tais cenas. Rivalizando com A Era do Ouro como o pior filme da Mostra deste ano (perdendo apenas para Aconteceu na Baixa da União, produção exibida na ocasião da 1ª Mostra), Serviços Gerais é um filme fraco e pouco inspirado e que, repito, desperdiça uma boa premissa.

5. O Glorioso – São Sebastião de Cachoeira do Arari, 51 min – Brasil/ AP, 2007.

Gavin Andrews é figurinha carimbada na Mostra Etnográfica. Há dois anos, seu filme Alô, Alô Amazônia levou uns dos prêmios oficiais do evento. Justiça seja feita: seus filmes invariavelmente são bons e cumprem o que prometem. Neste O Glorioso, apesar de diversas vezes o filme sentir a necessidade de narrar o passo-a-passo da tradicional festa de São Sebastião de Cachoeira do Arari a partir de burocráticas narrações in off (o que compromete um pouco o impacto das belíssimas imagens captadas por Andrews), o diretor segue à risca um planejamento cuidadoso e, de forma cronológica, etnografa visualmente todo o evento, graças a um belo trabalho de montagem que traz cada personagem apresentando sua função no contexto daquela tradição. No final, ficamos íntimos daquelas pessoas justamente por entendermos e compreendermos aquilo que elas estão fazendo e qual a importância daquilo para aquelas pessoas. O Glorioso é, desde hoje (28/10), sério candidato ao troféu Muiraquitã, seja do júri popular ou do júri oficial.

A Mostra Amazônica do Filme Etnográfico continua hoje com a mesma temática. Para saber mais, acesse: www.mostraetnografica.ufam.edu.br.

* É Coordenador de Pesquisa do NCPAM/UFAM.

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