quarta-feira, 21 de outubro de 2009

A NARRATIVA DO POETA EM PRAÇA PÚBLICA

Em Manaus, domingo (18), pelo dia do poeta celebrado na terça-feira passada, o escritor e poeta Zemaria Pinto, membro da Academia Amazonense de Letras do Amazonas, na Praça São Sebastião em frente ao magnífico Teatro Amazonas, prestou uma grande homenagem aos poetas do povo, narrando as belezas do Encontro das Águas, que historicamente tem sido admirado por todos e agora ameaçado por alguns espíritos de porco, endiabrados que pretendem construir o Terminal Portuário das Lajes na confluência do Rio Negro com o Solimões para satisfazer a volúpia do capitalismo predador. E assim, Zemaria passa a cantar a inestimável beleza do nosso cartão postal, ouçamos:

Ontem, estive no Careiro da Várzea (às margens direita do Encontro das Águas) , fazendo a palestra de encerramento do Flifloresta, sobre a importância da leitura na formação do escritor. Mas não é sobre isso que quero falar: é que, para chegar ao Careiro da Várzea, uma beleza de cidade, onde não há grades nas portas e janelas, é preciso cruzar o Encontro das Águas. E aí bateu aquela angústia – na ida, ainda com o dia claro, e na volta, mais de 11 da noite, tentando adivinhar o momento exato da passagem de um rio ao outro. Esse fenômeno de milhões de anos – muito, muito, muito antes que o Solimões e Negro, que se encontram para formar o Amazonas, fossem assim chamados – está para ser, senão destruído, modificado, pela ação e pela omissão criminosas – ação de uns poucos, omissão de todos nós. Estão prestes a iniciar a construção de um porto – o já maldito porto das lajes – que irá interferir naquela paisagem de milhões de anos, anterior a história, lendária, mitológica...

E eu me pergunto: o que fazemos nós? O que temos feito contra isso? O que o campeão da ecologia, que posa ao lado do exterminador do futuro, na Califórnia, como o grande campeão da ecologia, do desenvolvimento sustentável, da tecnologia verde etc., tem feito? Seria ele o verdadeiro exterminador do futuro, saído da ficção para destruir o Encontro das Águas?

A poesia – já disse isso milhões de vezes e estou ficando chato – não transforma o mundo, não promove revoluções... Mas pode mudar uma pessoa... E quando lida, ouvida por centenas de pessoas, como hoje, nesta praça, pode mudar muitas pessoas. Por isso, convido vocês a uma reflexão: esses caras não vão ficar impunes eternamente; nós,só nós, podemos mudar isso que está aí. Reflitam comigo:

Moto-contínuo

Tudo muda, tudo passa,
tudo está em movimento
sobre a terra e sob o céu,
inclusive o pensamento.
Lentamente a História muda,
lentamente muda o Homem,
tão lentamente que às vezes
pensamos que estagnou.

As longas noites da História
passam-se tão lentamente
que nem nos apercebemos
quando o dia, enfim, chegou.

Tudo muda, tudo passa,
tudo está em movimento
sobre a terra e sob o céu,
inclusive o pensamento.

Tudo está em movimento
sobre a terra e sob o céu:
os corpos e os vegetais,
a fé e a necessidade,
a volúpia e a vontade,
o desejo e o desalento.

Tudo o que é vivo apodrece,
o que é líquido evapora,
o sólido se deforma,
o fogo que queima apaga
e o ar, puro ou cinzento,
a cada instante renova-se,
e mesmo o pó se transporta
sob o trabalho dos ventos.

Tudo muda, tudo passa,
tudo está em movimento
sobre a terra e sob o céu,
inclusive o pensamento.

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