sexta-feira, 9 de outubro de 2009

ÁGUA DE LASTRO: NO BRASIL E NA COMUNIDADE INTERNACIONAL (NO PAPEL)


WESLEY COLLYER *

Como se vê, os riscos provocados pela água de lastro nos ecossistemas aquáticos são de interesse de toda a comunidade internacional. São muitas as instituições que têm contribuído na discussão com a finalidade de encontrar solução para o problema.
Desde 1982, a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar já estabelecia que os Estados devessem tomar medidas com vistas à prevenção da introdução de espécies exóticas que pudessem causar danos ao ambiente marinho [35]. Dez anos depois, a Rio 92 [36], através da Agenda 21 ("um conjunto de princípios e programa de ação de desenvolvimento sustentável estabelecido para o século 21" [37]), recomendou que a IMO e outros órgãos internacionais tomassem providências com respeito à transferência de organismos por navios [38].

Em 2002, a Conferência sobre Desenvolvimento Sustentável [39], também chamada de "Cúpula da Terra" e "Rio+10", reafirmou o compromisso da Agenda 21 no sentido de buscar uma solução para impedir a invasão de espécies exóticas e a disseminação de microorganismos patogênicos trazidos pela água de lastro dos navios, e instou a IMO a apressar a aprovação de uma convenção internacional sobre o assunto. Por outro lado, diversos países decidiram estabelecer normas nacionais e até mesmo alguns portos já o fizeram em nível local [40]. Entende a IMO, contudo, que a forma mais eficaz de enfrentar o problema é através da adoção de medidas que sejam cumpridas internacionalmente. Aliás, esta tem sido a marca da Organização em todo o seu campo de atuação: evitar medidas ou respostas individuais [41]. E, nesse sentido, vem ela atuando como centralizadora e, ao mesmo tempo, difusora dos diversos projetos e ações que têm sido realizados em todo o mundo.

Meios totalmente seguros que eliminem espécies exóticas existentes na água do lastro ainda não estão disponíveis. A alternativa que teve melhor aceitação mundial foi a do aperfeiçoamento de um sistema para "gerenciar" a água de lastro dos navios antes de ser despejada nas proximidades dos portos de destino, embora outras idéias tenham sido apresentadas: descarga do lastro para estações de tratamento em terra – solução ainda muito cara e de difícil implementação em muitos portos; e troca de lastro em alto mar – o que pode resultar em risco de segurança ao navio e à tripulação, devido a possíveis problemas de esforço estrutural e de estabilidade.

Aliás, com referência à troca de lastro em alto mar, ou melhor, uma variante da mesma, foi apresentada em 1996, durante reunião do Comitê de Proteção ao Meio Ambiente Marinho da IMO: um método de diluição, desenvolvido por engenheiros da Petrobrás [42], em que a água de lastro é carregada durante a viagem pelo topo do tanque de lastro e, simultaneamente, descarregada pelo fundo do tanque com a mesma vazão, impedindo assim, que os navios carreguem organismos vivos de um ecossistema para outro.

Em 2000, após ter sido testado, o método foi considerado pela IMO referência internacional e aprovado; ainda assim, os testes mostraram que a renovação da água ficou por volta de 95% [43]. Outras possíveis soluções prevêem o tratamento da água de lastro antes de ser descarregada, como filtração, hidrociclone [44], aquecimento, choque elétrico, ondas sonoras, irradiação por raios ultravioleta, aplicação de biocidas e desoxigenação [45]. Também nenhum destes é, ao mesmo tempo, 100% eficiente e economicamente viável. O certo é que não existem ainda meios totalmente satisfatórios de prevenção para todos os navios, que, por sua vez, teriam que ser "adequados para a maioria das técnicas com tratamento físicos" [46]. Por isso, todos os métodos em utilização ao redor do mundo são considerados transitórios, até que novas tecnologias sejam aprovadas e implementadas.

Assim, a IMO, considerando as limitações já citadas, preferiu optar pela estratégia baseada na minimização do risco [47], e passou a recomendar medidas que podem ser seguidas pelos operadores de navios. Frise-se também que, em virtude da complexidade e da gravidade do problema, a solução definitiva certamente implicará em mudanças na concepção estrutural e possivelmente também na concepção funcional dos navios.
Em 1993, a IMO, buscando definir padrões tecnológicos globais, expediu sua primeira recomendação, a Resolução A.774(18), em que sugeria e recomendava a adoção de diversas medidas.

A segunda grande iniciativa da IMO, veio em 1997, com a adoção da Resolução A.868(20), intitulada "Diretrizes para o Controle e Gerenciamento da Água de Lastro dos Navios para Minimizar a Transferência de Organismos Aquáticos Nocivos e Agentes Patogênicos" [48]. Esta Resolução, um aperfeiçoamento daquela, trouxe recomendações como: limpar os tanques de lastro de modo a evitar que os organismos se acumulem nos sedimentos ou na ‘lama’ dos mesmos; evitar a descarga desnecessária de lastro; e, tanto quanto possível, fazer a troca da água de lastro em alto mar.

A Resolução A.868(20) é, ainda hoje, cumprida em todo o mundo e tem por base dois pressupostos: a concentração de organismos é, quase sempre, muito mais baixa em alto mar do que em áreas costeiras; e a probabilidade de sobrevivência de espécies oceânicas no ambiente de entorno dos portos, tanto na costa quanto em águas interiores, é muito pequena ou virtualmente nula [49]. Nessa Resolução, a IMO estabeleceu que todo navio que utilizar água como lastro deve ter um plano próprio de "gerenciamento" dessa água, com vistas a minimizar a transferência de organismos aquáticos nocivos e agentes patogênicos. Recomenda também que sejam disponibilizadas, nos portos e terminais, instalações adequadas para recebimento e tratamento da água utilizada como lastro – o que nem sempre é possível.

Em maio de 2000, com apoio financeiro do Fundo para o Meio Ambiente Global (sigla em inglês GEF), através do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD (em inglês: United Nations Development Programme, UNDP), a IMO iniciou o programa "Remoção de Barreiras para a Implementação Efetiva do Controle da Água de Lastro e Medidas de Gerenciamento em Países em Desenvolvimento" (Removal of Barriers to the Effective Implementation of Ballast Water Control and Management Measures in Developing Countries), também conhecido como Programa Global de Gerenciamento de Água de Lastro (Global Ballast Water Management Programme), ou, simplesmente GloBallast [50].

A iniciativa logo teve o apoio de todos os Estados-Membros da IMO e da indústria do transporte marítimo. O programa forneceu assistência técnica, capacitação e "encorajamento institucional" para os países participantes, de forma a realizarem um efetivo "gerenciamento" da água de lastro [51]. Como se deduz do seu longo título, o objetivo maior do GloBallast é assistir os países em desenvolvimento no trato do problema do lastro dos navios, de forma a reduzir a transferência de espécies marinhas não nativas indesejáveis que têm como vetor a água de lastro [52]. Também é escopo do GloBallast ajudá-los a implementar as recomendações da própria IMO sobre o tema, como as medidas de caráter voluntário previstas na Resolução A.868
(20) e prepará-los para a implementação da Convenção Internacional para o Controle e Gestão da Água de Lastro e Sedimentos de Navios, aprovada em fevereiro de 2004, mas ainda sem previsão de vigência em nível internacional.

O Plano de Implementação do Projeto considerou a vulnerabilidade de diversas regiões do globo e escolheu seis portos (ou áreas-piloto) em países em desenvolvimento: Sepetiba, no Rio de Janeiro; Dalian, na China; Bombaim, na Índia; Kharg Island, no Irã; Saldanha, na África do Sul; e Odessa, na Ucrânia. O GloBallast, em sua primeira fase, durou de 01 de março de 2000 a 31 de dezembro de 2004, com orçamento de 10,2 milhões de dólares, sendo 7,39 milhões de dólares do GEF e 2,80 milhões de dólares de um fundo comum entre os seis países participantes [53].

Em cada um desses países, o Programa contou com o suporte de uma "Força-Tarefa Nacional", composta por uma equipe multiinstitucional e multidisciplinar de especialistas [54]. Cada Força-Tarefa teve a responsabilidade de focalizar determinados organismos e avaliar os caminhos e processos requeridos para a sua introdução e fixação em águas nacionais, bem como identificar os recursos naturais mais sensíveis e potencialmente ameaçados pelos mesmos [55].

Os seis países participantes foram orientados a adotar o mesmo procedimento metodológico no levantamento preliminar da biota das áreas-pilotos [56], bem como a replicar para os demais portos tudo que fosse apurado em cada área. Em 01 de abril de 2005 iniciou-se a fase preparatória para a segunda etapa do projeto: o "Parcerias GloBallast" (GloBallast Partnerships ou, por extenso, Building Partnerships to Assist Developing Countries to Reduce the Transfer of Harmful Aquatic Organisms in Ships’ Ballast Water), que também terá a duração de cinco anos, conta com um orçamento de US$ 17 milhões [57] e será implantado a partir de 2007 [58].

Outra importante medida para o enfrentamento do problema ocorreu em 2004. A Conferência Diplomática para Adoção de Convenção Internacional para o Controle e Gestão da Água de Lastro e Sedimentos de Navios, ocorrida em Londres, na sede da IMO, no período de 09 a 13 de fevereiro, aprovou a adoção da "Convenção Internacional sobre Controle e Gestão da Água de Lastro e Sedimentos de Navios" [59].

A Espanha foi o primeiro país a ratificar a "Convenção de Água de Lastro"; o Brasil foi o segundo, em 25 de janeiro de 2005, passando a mesma a fazer parte de nosso sistema legal, como fonte secundária, a partir do dia 15 de outubro de 2005 [60] . Internacionalmente, a Convenção passará a viger doze meses após a data em que pelo menos trinta países que representem 35% da tonelagem da frota mundial a tiveram assinado, ratificado ou aderido a ela. Esses números, em janeiro/2007, correspondiam a apenas seis países, que representam 0,62% da tonelagem mundial [61]. Estima-se que poderão passar dez anos até que a mesma possa viger internacionalmente [62].

Com a assinatura, ratificação ou adesão, as partes contratantes se comprometem a prevenir, minimizar e, por fim, eliminar a transferência de organismos aquáticos nocivos e agentes patogênicos através do controle e gestão da água de lastro dos navios e dos sedimentos nela contidos, desenvolvendo políticas, estratégias ou programas nacionais para gestão de água de lastro em seus portos e águas sob a sua jurisdição. Cada Parte compromete-se a oferecer instalações adequadas para a recepção de sedimentos e, ao mesmo tempo, oferecer destinação segura para os mesmos. Também deve envidar esforços, individualmente ou em conjunto, para promover e facilitar a pesquisa científica e técnica sobre gestão de água de lastro. Devem realizar vistoria e certificação nos navios e, ao mesmo tempo, agir de forma a que os navios não sejam indevidamente detidos ou sofram atraso em sua programação comercial.

A Convenção obriga que cada navio tenha a bordo e implemente um plano específico e individual de gestão de água de lastro. Sempre que possível, a troca da água deve ser feita a pelo menos 200 milhas náuticas da terra mais próxima, em zonas com pelo menos 200 metros de profundidade e com eficiência de pelo menos 95% de troca volumétrica da água de lastro. Para navios que trocam o lastro pelo método de fluxo contínuo, deve ser feito o bombeamento de três vezes o volume de cada tanque. Lembre-se, contudo, que essas medidas só serão mandatórias quando a Convenção passar a viger internacionalmente. Aliás, a obrigatoriedade do cumprimento de alguns padrões aprovados pela Convenção, variará entre 2009 e 2016, dependendo do ano de construção da embarcação e da capacidade dos seus tanques de lastro.

O Brasil, porém, desde outubro de 2005 dispõe de um instrumento legal cujo cumprimento é obrigatório por parte de todos os navios que navegarem em águas jurisdicionais brasileiras [63]: a "Norma da Autoridade Marítima para o Gerenciamento da Água de Lastro de Navios" da Diretoria de Portos e Costas, (NORMAM-20/DPC).

A citada norma, além de incorporar as recomendações da Resolução A.868(20) da IMO, também atende a diversas exigências da própria Convenção, antes mesmo de sua vigência internacional, o que significa que o Brasil cumpre com as normas mais modernas de gerenciamento da água de lastro dos navios e, por conseqüência, com seu dever de cuidar do meio ambiente [64]. Na introdução e no corpo da citada Norma, a Autoridade Marítima se compromete a adaptá-la "na medida em que métodos mais avançados para o tratamento da Água de Lastro forem sendo desenvolvidos [...]" [65].

(*) Ex-encarregado dos cálculos de sobreestadia da Petrobrás, professor universitário, advogado em Florianópolis (SC) e Mestre em Ciência Jurídica na Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, co-autor,com Marco A. Collyer, do Dicionário de Comércio Marítimo, 3ª ed. Rio de Janeiro: Lutécia/Record, 2002, dentre outras obras.

NR.Essa é a segunda parte do artigo do professor Collyer que publicamos, em nossa próxima edição fecharemos com os resultados de suas análises, bem como as referências bibliográficas e as notas de rodapés com valiosas informações. Porquanto, pode-se perceber que embora se tenha uma extensa legislação reguladora sobre as Águas de Lastro falta-nos instrumentos de controles eficientes para o cumprimento das regras.

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