sábado, 31 de outubro de 2009

A MULHER QUE VIRAVA PORCA


Ademir Ramos (*)

Tabular o universo das narrativas amazônicas é um grande desafio para o mais experiente dos pesquisadores da cultura popular. Várias tentativas foram feitas para dar visibilidade a esse universo fabular de fazer inveja a La Fontaine. No entanto, não nos interessa concorrer com os especialistas de valor universal como Nunes Pereira, Brandão de Amorim, José Veríssimo e tantos outros que enriqueceram as páginas da nossa literatura narrando o imaginário Amazônico.

Da nossa parte, queremos apenas documentar o que vimos e ouvimos em um dos vilarejos que estivemos à margem do Amazonas, confiando nos relatos e credos dos homens que ainda vivem sob o temor dos espíritos da floresta e dos encantados do rio. Nessa circunstância, as histórias contadas além de fazerem parte desse mundo vivo e representativo dessa cultura imaterial, servem também como regra moral capaz de balizar o comportamento desses homens tanto em relação à sociedade quanto à natureza.

Saibam todos que, nas imediações da antiga casa dos Machados, todos evitavam passar a noite pelas proximidades, principalmente pela madrugada da sexta-feira, porque era quando a mulher virava porca e passava atacar os homens para possuí-los em orgias tenebrosas que desfaleciam os afoitos e calavam os fanfarrões.

Dizem os contadores, que até hoje não se sabe o que acontecia com eles porque de imediato procuravam se mudar do lugar, levando para bem longe o segredo da noite em que foram consumidos pela mulher que virava porca.

O segredo e encanto desse fenômeno incomodavam a todos porque as famílias e principalmente as mulheres sentiam-se inseguras pelos seus homens, que a qualquer momento poderiam aparecer desfalecidos na beira do laguinho ou nas estradas mata à dentro.

Por essas razões resolveram em segredo de confessionário procurar o bispo do lugar para que tomasse as providências porque, segundo elas diziam, só podia ser coisa do demo. Por outro lado, os homens ribeirinhos quando se encontravam na taberna da Maria do pau de sebo, o assunto não era outro e todos queriam ser vitimados pela mulher que virava porca porque com eles a coisa seria bem diferente. E assim a história rolava até a cachaça pegar nos cornos e no outro dia sob prazer e medo viviam em busca do encontro tão renegado por suas mulheres.

E o bispo, cheio de responsabilidade, resolveu tomar para si o combate dos bacanais da mulher que virava porca. Para isso, começou a monitorar os comunitários com ajuda das mulheres para ver se identificava realmente quem era a dita cuja que se transformava nas madrugadas das sextas-feiras. Inventou romaria por todos os lados, mas nada de certo tinha sobre tal fenômeno que ameaçava a moral e os bons costumes das famílias de sua prelazia.

A única coisa que todos sabiam é que era numa sexta-feira que o fato ocorria no vilarejo. Quando e os motivos não se tinham conhecimento, por isso, é que procuraram o bispo para que decifrasse o enigma da mulher que virava porca.

Passaram-se semanas e mais semanas – chuva e sol – acabaram-se as procissões e romarias e quando foi num certo sábado, o vilarejo foi tomado de assalto pela notícia de que um homem foi encontrado nas mesmas condições anteriores, totalmente desfalecido e que depois de retomar as forças entrou floresta à dentro e até hoje não se sabe quem era.

No domingo pela manhã, as mulheres levaram os seus homens para receber a benção do prelado na Igreja, como proteção contra os males, e lá chegando encontraram a Matriz fechada, às escuras. Foi quando começaram a indagar sobre o bispo e a noticia que receberam das carolas é que ele havia sumido, possivelmente viajado sem previsão de retorno.

Coincidência ou não, os homens nunca voltaram ao vilarejo e a mulher que virava porca até hoje não sabem por onde anda, mas de vez em quando as lembranças dos mais velhos invadem o presente para amedrontar os jovens e os afoitos, alertando-os sobre os espíritos que moram na noite, a margem dos rios e no interior da densa floresta Amazônica e que assim seja.

(*) Professor, Antropólogo e Coordenador do NCPAM/UFAM.

2 comentários:

ISAIAS disse...

Gostei do texto, interessante que sou do piauí e na minha cidade tem uma lenda da mulher que virava porca o nome dela era nurica, gosto de fazer essas comparações como é possível essas historias surgirem na amazônia e no piauí ao mesmo tempo ?

Anônimo disse...

Kkk