quarta-feira, 21 de outubro de 2009

O QUE ESTÁ POR TRAZ DAS MUDANÇAS CLIMÁTICAS


A convite do governo britânico, a colunista de O Globo, Miriam Leitão, na segunda semana de outubro, esteve na Inglaterra, entrevistando autoridades de Estado, especialistas, acadêmicos, organizações não-governamentais e empresariais envoltas com a questão das mudanças climáticas. As considerações, os informes e as análises da renomada articulista brasileira foram publicadas no Globo e no seu blog.

Na quarta-feira (7), ela explica que passou a tarde falando sobre imprevisibilidade. Foi quando esteve no Met Office (Meteorological Office), o que seria o Instituto Nacional de Pesquisa Espacial (INPE) da Inglaterra, conversando com climatologistas sobre mudanças climáticas. Com um computador capaz de fazer 125 trilhões de cálculos por segundo, mas mesmo assim, eles dizem que é difícil prever o futuro.

“Bem vindos a bordo”, disse o assessor de imprensa. O prédio do Met Office (foto) foi desenhado para lembrar, em alguns ângulos, um navio. Não qualquer navio, mas o Beagle, que levou Charles Darwin em sua viagem de estudos sobre a “Origem das espécies”. O capitão Robert FitzRoy, comandante do Beagle, foi o primeiro presidente do Met Office, fundado em 1854.

Dos estudos do órgão sobre o futuro do planeta que abriga a nossa espécie, o que mais espanto causou recentemente foi o que tem um título sugestivo: “Além de quatro graus Celsius”. Aprofunda o pior cenário e informa que ele pode ser superado.

Richard Betts, chefe do setor de Impactos do Clima, explicou que quatro graus de aumento de temperatura média não significa que o mundo inteiro terá o mesmo aquecimento. O fenômeno ocorreria de forma desigual. Poderia chegar a 15 graus de elevação no Ártico, apressando o derretimento das geleiras, o que elevaria mais rapidamente a temperatura dos oceanos. Tudo é interligado. A elevação da temperatura das águas do Atlântico Norte pode levar a seca na Amazônia como em 2005.

Climatologista é um ser cauteloso, segundo Miriam Leitão, quando se fala do futuro, teme qualquer afirmação peremptória. Diferente dos economistas que gostam de apresentar no máximo três cenários, eles têm inúmeros. Mesmo quando limita em 23 modelos de previsão, como o deste estudo, a conclusão é perturbadora.

Richard Betts e James Murphy, chefe do departamento de projeções de mudança climática, explicaram que os estudos estão ficando mais complexos, com novas variáveis. — Hoje parte das nossas emissões é capturada por florestas e pelo solo, então nós estamos sendo salvos dos seus efeitos. Mas o que acontecerá no futuro pode ser a exaustão dessa capacidade de absorção — disse Betts.

Isso realimentaria um círculo vicioso. Mais desmatamento, mais emissões, nos levaria a escalar os efeitos da mudança climática. Tornaria os piores cenários mais prováveis. Esse aumento de temperatura seria catastrófico. O que o mundo está tentando, através de difíceis negociações, como a de Copenhague, no fim do ano, é limitar a dois graus o aumento.

Os cientistas ingleses explicam que ninguém pode pôr limite ao aumento de temperatura. Esse exercício das autoridades é apenas a forma como o mundo político traduz para a prática dos seus compromissos o que a ciência está dizendo. O que se pode limitar são as emissões. Nisso podemos influir. Ainda que reduzindo emissões a partir de 2013, para levar à emissão zero em 2060, o aquecimento global continuará por um bom tempo.

Diante daqueles slides coloridos mostrando os cenários possíveis de aumento de temperatura e seus efeitos sobre o clima de todo o planeta, qualquer leigo fica em pânico. Por isso foi um alívio ouvir Betts dizer: “Ainda há tempo de evitar o pior”. Fora isso, não ouvi muitas palavras tranquilizadoras no navio do Met Office.


A INDÚSTRIA (TUDO NO CLIMA)

Miriam Leitão (*)

Cape Farewell faz eventos culturais ligados à mudança climática. Futerra é uma agência de marketing sobre o tema. IPPR é um centro de estudos com várias pesquisas sobre o problema. The Climate Group, criado por Tony Blair, identifica negócios na área. The Carbon Trust dá selo de qualidade de baixo carbono. Na casa do príncipe Charles se organiza um fundo de proteção de florestas tropicais.

Os negócios, empresas, instituições ligados à mudança climática em Londres estão em todas as áreas, e ao visitá-las, não ouvi falar em crise econômica. O diretor de Cape Farewell, David Buckland, me contou que sua agenda está lotada até 2011. O grupo se define como "um centro de resposta cultural" ao risco da mudança climática. Com um ar de rebelde eterno, usando pantufas cor de laranja, numa enorme sala de trabalho com paredes cobertas por cartazes de eventos, David conta que põe juntos para pensar, como numa expedição ao Ártico, cientistas e artistas. Desses encontros saem exposições, produções musicais, peças de teatros, programas de rádio, festival de filmes.
— Este não é um problema científico apenas. É político, econômico, social. É o maior problema que a humanidade enfrenta e eu convoco os artistas ao trabalho — diz.

Solitaire Towsand era atriz e traz a vivacidade do palco para o mundo dos negócios. Criou a Futerra em 2001, que hoje já é uma multinacional. É uma empresa especializada em comunicação da mudança climática. Tem negócios em vários países e ensina empresas, órgãos governamentais e instituições a passar de forma viva e convincente a mensagem da mudança climática. Em estudos com psicólogos e sociólogos em grupos focais, identificou resistências ao tema. Razão? Ninguém quer ouvir falar do fim do mundo: — Pode falar da tragédia, mas prometa o céu primeiro. Dê ao ouvinte a visão de como pode ser o futuro. Mostre que a Humanidade já mudou várias vezes, ela pode mudar.

A narrativa tem que ser diferente. Os especialistas falam em derretimento de gelo, elevação do nível do mar, e tragédias que vão acontecer em 30 anos. Ninguém quer saber. As pessoas não têm empatia por um bloco de gelo. Tem por pessoas, por animais. O sonho mobiliza. Por isso, é preciso primeiro mostrar o sonho e mostrar que o estilo de vida sustentável é mais elegante e desejável — explicou ela.

Dimitri Zenghelis chegou pedalando sua bicicleta, trocou o tênis por sapato, e veio para um almoço comigo. Ele é economista-chefe da Cisco Systems e foi contratado pelos trabalhos em mudança climática que desenvolve no grupo de Nicholas Stern e na London School of Economics. — Londres é a capital da mudança climática — me disse ele.

Se não é, parece. Na semana que passei em Londres, vi uma sucessão de negócios e iniciativas que estão surgindo debaixo do guarda-chuva da mudança climática. Para Dimitri, a mudança climática é uma questão econômica.

O Institute for Public Policy Research (IPPR) é considerado o melhor think tank (centro de estudos) do Reino Unido. Nos últimos tempos, ele tem se concentrado em estudos relacionados à área de mudança climática, como pesquisas com consumidores, projeções sobre criação de emprego verde, estudos de problemas sociais como migração em massa.

Andrew Pendletton, coordenador da Rede de Mudança Climática, contou que em suas pesquisas, tem sido detectado que o cidadão comum se preocupa com o tema, mas não apoia certas políticas para combatê-las. Uma é a transferência de recursos para outros países.

O Carbon Trust é uma instituição criada por fundos governamentais e privados e que presta uma série de serviços para acelerar a transição da economia para um padrão de baixo carbono. Se alguns desses serviços parecem abstratos, outros são bem concretos.

Um dos participantes da diretoria chegou com uma grande bolsa para a reunião. Abriu e foi tirando embalagens de leite, de suco de laranja, de batata frita e enfileirando em cima da mesa. O que elas tinham em comum? O selo do Carbon Trust que exibe o cálculo de quanto cada produto emitiu de carbono e como estava compensando. Essa é a nova informação que o consumidor procura nas embalagens.

No The Climate Group, criado por Tony Blair, fala-se de negócios. Eles identificam oportunidades que surgem na nova era do baixo carbono e fazem as ligações entre quem está interessado em negócios como eficiência energética, novas fontes de energia, construção de prédios sustentáveis. Eles montam as redes entre empresas, cidades e governos interessados nessas soluções.

Na Clarence House, casa do Príncipe Charles, funciona outro projeto de enorme dimensão. É o The Prince's Rainforests Project, projeto da Floresta Tropical que projeta transferir recursos em volumes gigantescos: de 15 a 25 bilhões de euros para países que preservem as matas. O fundo ainda está sendo formatado, mas o endereço não podia ser mais real. Uma escada em caracol leva ao terceiro andar onde conversei com o diretor executivo do projeto, Tony Juniper.

A ideia não é emprestar recursos, mas transferi-los para países por serviços prestados pela conservação, através de mecanismos financeiros que podem ser o REDD (Redução de Emissão por Desmatamento Evitado) ou outros. Recentemente, o príncipe Charles se reuniu com 35 países para avançar no projeto.

A Clarence House tem perto de 200 anos e é vizinha do Palácio St. James, de 500 anos. Com o sólido alicerce desse passado, se discute a proteção do futuro do Planeta. Tudo a partir do pedaço da Terra onde estamos. O Brasil tem a maior floresta tropical do mundo, como ouvi insistentemente por lá: pode e deve ter papel de liderança na luta contra a ameaça que paira sobre a Terra.

(*) É jornalista e articulista de O Globo.

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