Ao longo dos últimos anos, a Mostra Amazônica do Filme Etnográfico tem se mostrado com um espaço de exibição e discussão de documentários cujos temas dizem respeito ao homem amazônico e suas mais diferentes formas de representação do cotidiano. Neste ano, o evento, em sua quarta edição, tem como principal tema de discussão acadêmica a filmografia do documentarista britânico Adrian Cowell. Para compreender melhor este evento, o NCPAM entrevistou com exclusividade um dos organizadores da Mostra Etnográfica, o professor de comunicação social Antonio José Vale da Costa, o Tom Zé, pesquisador do NAVI (Núcleo de Antropologia Visual) e coordenador do projeto Cine & Vídeo Tarumã na Universidade Federal do Amazonas (UFAM). De forma sincera e corajosa, Tom Zé enumera nesta entrevista os principais pontos positivos e negativos do evento e nos explica sua percepção sobre a importância da Mostra.
NCPAM: Para o senhor, qual a importância da Mostra Amazônica do Filme Etnográfico e como essa experiência vem se refletindo nas produções locais?
TOM ZÉ: Penso que todo e qualquer incentivo à produção de audiovisuais no Amazonas tem importância. A Mostra nasceu com a possibilidade de ser mais um instrumento de exibição da produção amazônica de um determinado tipo (ou gênero?) de cinema, o etnográfico. Esse cinema, basicamente composto de documentários, não tem ainda uma unanimidade em sua concepção narrativa. Não há um consenso exato do que seja um filme etnográfico. O que a experiência está revelando é que ele é um cinema que fala o homem amazônico em suas relações sociais. E também uma certa construção diegética em sua realização, que deixa de lado o formato tradicional do documentário, aquele mais parecido com o institucional. O Regulamento da Mostra espelha um pouco essa caracterização. Mas a Mostra tem se revelado também como incentivadora de produções locais com esse formato. Ou seja, acredito que tenha sido a divulgação de obras pela Mostra que tenha alertado alguns realizadores locais para esse cinema mais respeitoso e valorativo com o homem amazônico.(Veja cartaz sobre uma das atividades do Tom ZÉ para promover a cultura cinematográfica no Amazonas).
NCPAM: Como se pensa todo o processo de mobilização e articulação de pesquisadores, realizadores, críticos e parceiros institucionais para a organização, divulgação e realização da Mostra Etnográfica e como ficam estes contatos pós-Mostra?
TOM ZÉ: Bom, aí a coisa complica um pouco. Não conseguimos, no NAVI, imprimir um padrão profissional de organização das mostras depois de quatro edições. Primeiro, pela inexistência de uma equipe verdadeiramente integrada para tal. Segundo, pelas dificuldades mesmas de apoio e parcerias institucionais em Manaus; de uma forma ou de outra, apenas a Secretaria de Estado da Cultura tem se mantido parceira fiel da Mostra. Terceiro, pela desorganização dos realizadores locais de cinema. Quarto, por uma incompreensível não participação de pesquisadores, antropólogos e representantes das etnias/população na concretização do evento, a não ser de forma esporádica; não há uma continuidade sistematizada. Então, as dificuldades são enormes e as edições só se efetivam pela determinação e a obstinação de alguns membros. Não sei até quando isto pode continuar assim... Após as Mostras, tentamos reativar os contatos iniciais, principalmente com os países/Estados que nos cercam, mas nem sempre as respostas ocorrem. Com os realizadores de Manaus, realizamos uma mostra no interior da Ufam/Uninorte/UEA, com a presença deles para interagir com a platéia universitária.
NCPAM: Em cada edição da Mostra, a organização do evento convida determinado cineasta cuja produção baseia-se ou no mínimo dialoga com a temática amazônica. Nesta perspectiva, ocorre uma aproximação deste realizador com o público local mediante Mostra Paralela, Fóruns e Palestras. Qual o balanço que o senhor faz desta experiência ao longo destas quatro edições?
TOM ZÉ: Creio que essa marca é positiva. Mas a cada edição essa possibilidade se reduz pelas características da própria Mostra: amazônica e etnográfica. Nesta última, tanto as dificuldades de apoio financeiro como as de se encontrar um cineasta com essas características, contribuiu para uma redução dos eventos paralelos; apenas a Mostra de Adrian Cowell será exibida e duas mesas-redondas estão programadas. Qualquer possibilidade de se trazer alguém que produza audiovisuais sobre a Amazônia ou ajude a pensar criticamente essa produção é importante. Por outro lado, percebo que quando isto foi viabilizado pelas mostras anteriores, ou os horários foram inibidores de maior fluxo de pessoas ou nosso público ainda se encontra tímido/não se apercebeu da importância de nós mesmos discutirmos esses olhares audiovisuais amazônicos.
NCPAM: A Mostra Etnográfica ao longo das suas últimas edições sempre traz uma discussão norteadora, paralelo à sua Mostra Competitiva. Neste sentido, várias concepções, estéticas e modelos foram discutidos e sistematizados das mais diferentes formas. Desta forma, como que estas discussões contribuem para a reflexão acerca da antropologia visual?
TOM ZÉ: Acho que deveriam contribuir bem mais do que efetivamente fazem, pelos motivos já expostos. Ainda não existiu uma oportunidade mais sistemática de fazer essa discussão acontecer sobre antropologia visual. São momentos esporádicos, sazonais, breves, em que isso ocorre.
NCPAM: Ao longo dos anos, a quantidade de filmes exibidos, além das produções paralelas que sempre são veiculadas no período da Mostra, só tem crescido. Assim, qual a sua perspectiva para este ano, não só em relação à qualidade dos filmes selecionados, mas também em relação às discussões acadêmicas que serão pautadas para este ano?
TOM ZÉ: Como já frisei, há um limitador para se exibir toda a produção que chega até o NAVI – o tempo da Mostra Competitiva e a qualidade estética e temática das obras. Este ano também não fugiu à regra e existem filmes produzidos por pessoas da região e de outros estados brasileiros. A ausência mais sentida foi de obras de países amazônicos, o que é lamentável e reflete uma necessidade de intensificar essa integração. Também teremos apenas duas mesas-redondas integradas à Mostra Adrian Cowell no Teatro Gebes Medeiros e Palácio da Justiça. Também no ICHL/Ufam e Uninorte acontecerão exibições e comentários de filmes realizados pelo cineasta britânico que filmou a Amazônia nas décadas de 70 e 80. Nesse sentido, esses são os espaços possíveis de troca de experiências e discussões acadêmicas durante a Mostra. Depois dessa data, no próximo período letivo da Ufam/Uninorte, serão proporcionados os eventos de exibição das obras amazonenses, com a presença dos diretores.
Nota da Redação: informamos aos nossos leitores que o NCPAM, com o objetivo de divulgar e contribuir para as discussões a respeito da antropologia visual fará a cobertura da IV Mostra Amazônica do Filme Etnográfico, que acontecerá entre os dias 27 a 31 de outubro deste ano. Para saber mais sobre a Mostra, acesse: www.mostraetnografica.ufam.edu.br
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