sexta-feira, 18 de setembro de 2009

BARRAGENS NA BACIA DO PARNAÍBA




Chico Mario Feitosa*

A vida dos rios brasileiros não está nada fácil atualmente. Na ânsia de ter mais e mais energia elétrica disponível, o governo brasileiro tem tido uma posição bastante dura e arbitrária a meu modo de ver, pois vários aspectos, inerentes a cada sistema hídrico, estão sendo deixados de lado pelo simples fato de só se gerar energia, e nada mais.

Digo simples fato porque a energia elétrica pode ser obtida de diversas formas além da originada da barragem de rios, - a chamada fonte hídrica. Existe ainda a solar, eólica (originada pelos ventos), térmica, nuclear, enfim, cada uma que se adéqua perfeitamente a cada realidade regional.

Nas regiões Nordeste e Norte do Brasil, por exemplo, a forte irradiação solar poderia muito bem ser aproveitada para esse fim, já que na maior parte do ano o céu fica completamente azul, sem nenhuma nuvem. No mínimo, poderia ser uma fonte secundária de produção de energia, desafogando assim o sistema hídrico já implantado em nosso país.
A linha do equador é sem dúvida a região do planeta que mais recebe energia em forma de raios solares, mas perde para outras na conversão da mesma em energia elétrica.

Como biólogo que estuda peixes, as pessoas poderiam argumentar que a minha desculpa por não entender a construção de barragens é mais do que bem explicada. Mas o fato é que são inúmeros os exemplos que demonstram a inviabilidade desse sistema, não somente para a ictiofauna. Um exemplo clássico é a da maior usina do mundo – Itaipu Binacional, instalada no rio Paraná, na divisa entre Brasil e Paraguai. Lá, os refúgios naturais dos peixes foram completamente comprometidos e como conseqüência, várias espécies estão se extinguindo por serem predadas logo após subirem as escadas, não completando seu trajeto para desova.

O que acontece lá pode sim acontecer no rio Parnaíba. Como já havia frisado em postagens anteriores, o tucunaré (Cichla sp.) que foi introduzido em suas águas é um perfeito predador de topo de cadeia, do tipo oportunista. Mesmo que uma escada seja feita para que os bichos subam e continuem sua trajetória reprodutiva (o que desde já acho muito difícil), lá estará o tucunaré para comê-los, assim que eles conseguirem alcançar o lago, pois estarão exaustos por conta dessa nova e gigantesca barreira.

Parece história de pescador, mas depois que Boa Esperança foi construída nunca mais se ouviu falar de um grande bagre do gênero Brachyplatystoma nativo da bacia, na região de Floriano. Eu mesmo, depois que me entendi por gente nunca vi tal bicho ao vivo, nem sequer morto. Não se tem muitas informações sobre ele, mas o que consta é que seu registro nunca mais foi feito, nem pelos mais antigos pescadores ribeirinhos que afirmam ser um animal que ultrapassava os 40 kg. De fato, um bicho com todo esse tamanho precisa sim de uma área muito grande, que infelizmente foi barrado pelo paredão de Boa Esperança. Por isso, necessitam-se ainda de muitas investigações já que seus parentes-irmãos amazônicos usam sempre a calha principal e se deslocam da foz à nascente dos grandes rios para se alimentar e reproduzir.

Um exemplo que vale a pena lembrar e tem sido bastante discutido atualmente é o caso do rio Madeira. Esse rio é rota principal de migração de grandes bagres, principalmente a dourada (Brachyplatystoma flavicans) que passa dos 40 kg e percorre mais de 6.000 km da foz do rio Amazonas aos Andes, se alimentando para desovar, perpetuando a espécie. Ainda não se sabe o estrago que será causado pelo empreendimento hidrelétrico que será construído, mas as perspectivas para essa espécie já são desde já muito assustadoras.

Outro aspecto importante que também deve ser lembrado é o regime hídrico da região do rio Parnaíba que será alterado. Assim como em Boa Esperança, grandes espelhos d’água serão formados, afetando diretamente a formação das chuvas, que já são irregulares em virtude dessa região estar inserida numa área de ecótono (área de transição entre ecossistemas). Na formação dos reservatórios também, grandes quantidades de árvores e matéria orgânica serão submersas, e a decomposição custará muito caro aos seres vivos (e não somente peixes) que dependem de oxigênio dissolvido no meio aquático.

Segundo Esteves (1998) o processo de decomposição da matéria orgânica, nessa situação, aumenta o processo de Eutrofização (excesso de nutrientes lançado de forma artificial), com alteração no pH da água além do surgimento de gases tóxicos, como o sulfídrico. Além disso, vários efeitos negativos podem ocorrer, transformando um ambiente natural num outro totalmente antropizado. Vejamos alguns importantes além dos já destacados:

• Possibilidade de deslizamento e tremores de terra, em virtude do peso da água;
• Elevação do lençol freático com efeitos diretos na agricultura, além de alagamento de áreas já destinadas a esse fim;
• Aumento de forma explosiva de macrófitas aquáticas como Eichhornia crassipes, Salvinia spp. e Pistia stratiotes (os famosos “aguapés”);
• Proliferação de mosquitos transmissores de doenças.

Além dos efeitos negativos de ordem biológica, vários outros de ordem social também sempre acompanham o processo de construção de uma barragem hidrelétrica. Imaginem: se Floriano passa por inúmeros problemas com uma população que não passa dos 65 mil habitantes, o que dirá o governo municipal se mais pessoas chegarem para o empreendimento? Elas precisarão de hospitais, mais escolas, enfim, serviços básicos que nossa região não está preparada para suportar. Eis o fim: será o caos.

Então, partindo dessas premissas eu pergunto: vale a pena construir tais empreendimentos, se o peso da balança não se equilibra?

Não se equilibra porque todos os estudos que foram feitos para mim não tem validade alguma. A começar pela empresa que fez, contratada pelo governo federal que tem toda
intenção política de tocar essa obra. Depois, pelos resultados mostrados em alguns seminários num hotel de Floriano que eu mesmo participei ao lado do então Secretário de Meio Ambiente, Sr. Ricardo Monteiro.

No estudo que durou poucas semanas, foram deixados de lado vários aspectos ecológicos da ictiofauna, como reprodução, refúgio e alimentação da grande maioria das espécies, ou seja, eles simplesmente passaram por cima e “maquiaram” o relatório que ficaram de apresentar nas audiências públicas. Se eu bem conheço o modo de ser do brasileiro, se fizeram isso, imagine quando começarem as obras. Será a mesma coisa que ocorreu em Boa Esperança: até hoje esperam por uma eclusa e uma escada de peixes (que como já provei, nunca funcionaria).

Um estudo de levantamento de fauna para um empreendimento hidrelétrico deve ser muito bem conduzido e demora meses a fio, pois além da ictiofauna, o restante da fauna (répteis, anfíbios, insetos e mamíferos) também precisa ser investigada, além da flora local. Por se tratar de um ecótono com influência direta da Amazônia, certamente nossa região tem inúmeras espécies não descritas nem sequer conhecidas pela ciência. Sem falar dos lugares históricos como a localidade Manga, que foi berço de origem de nossa gente, que pode ser completamente inundada. Assim inúmeros valores se perderão debaixo d’água por pura insensibilidade de quem nunca veio aqui e nem conhece nosso povo.

Literatura citada:
Esteves, F.A. 1998. Fundamentos de Limnologia. 2. Ed. Editora Interciência, Rio de Janeiro, RJ.


(*) Biólogo, pesquisador do INPA.

Nenhum comentário: