domingo, 27 de setembro de 2009

PERDÃO SEM JUSTIÇA É IMPUNIDADE


Ademir Ramos*

A Igreja Católica do Amazonas está no fundo do poço, não tendo a quem recorrer para assegurar a integridade física e moral dos sacerdotes, religiosas e do seu povo cristão, vítimas dessa crucificação e por isso gritam a Deus Pai, angustiado pelo abandono, clamando por Justiça. Nessa circunstância comparam-se ao Cristo crucificado, segundo Mc. 15,34, quando em seu momento de dor e angústia grita pelo amparo divino: “Deus meu, Deus meu porque me abandonaste?”.

Nos últimos dois meses, a Igreja no Amazonas foi estremecida com uma onda de assalto, perseguição, ameaça de morte, seqüestro e a execução do padre italiano Ruggero Ruvoleto, missionário da Diocese de Pádua e de Pesqueira, que há dois anos trabalhava na Zona Norte de Manaus, nos Bairros de Santa Etelvina, União da Vitória e no entorno.

Os crimes tiverem repercussões internacionais, contando com várias manifestações de solidariedade, destacando-se, sobretudo a mensagem do Papa Bento XVI, a condenar “este ato vil e cruel contra pacíficos servidores do Evangelho”. Na mensagem endereçada a Arquidiocese de Manaus, o Papa fala do perdão a ser concedido aos assassinos do missionário Ruggero Ruvoleto executado em Manaus, no dia 19 de setembro passado.

“Desse jeito não dá”, exclama Dom Luiz Soares Vieira, arcebispo de Manaus, em sua crônica semanal. Mas, por outro lado, explica o arcebispo, “sentimos que o mesmo acontece em dose amargas contra o povo de Manaus. Assaltos em ônibus, nas ruas, nas casas e por todo lado; assassinatos de todos os tipos e com sucessão alucinante; drogas a rodo”. Porquanto, “perdoamos de coração porque cremos num Deus que perdoa sempre. Mas, como acreditamos num Deus justo, exigimos que sejam presos para receberem reeducação (utopia no atual sistema prisional brasileiro?). E continuamos a luta pela paz”, conclui o arcebispo.

A exposição dos fatos chama atenção aos iniciados sobre atitude de perdão que recomenda tanto o Papa Bento XVI quanto o arcebispo de Manaus, Dom Luiz Soares Vieira, aos criminosos. No entanto, isso não significa passividade, mas determinação ética em defesa da vida, exaltando a Misericórdia divina tal como Cristo nos ensinou: “Sede misericordioso, como vosso Pai é misericordioso. Não julgueis, para não serdes julgados; não condeneis para não serdes condenados; perdoai, e vos será perdoado. Dai, e vos será dado; será derramada no vosso regaço (bolso) uma boa medida, calcada, sacudida, transbordante, pois com a medida com que medirdes sereis medidos também”

Com a mesma determinação, o Cristo se manifestou também pela expulsão dos vendedores do Templo, quando ensinava a todos, dizendo: “Não está escrito: A minha casa será chamada casa de oração para todos os povos? Vós, porém fizestes dela um covil de ladrões” (Mc. 11.17). Ademais, depois de proclamar As Bem-Aventuranças, Ele, o Cristo amaldiçoou os ricos, os saciados, os canalhas e alertava a todos: “Ai de vós, quando todos vos bendisserem, pois do mesmo modo seus pais tratavam os falsos profetas” ( Lc.6.26).

Além da verticalização dos estudos da Sagrada Escritura, a Igreja Católica fundamenta sua doutrina nos Ensinamentos dos padres, nas Declarações, Decretos, Encíclicas, Constituições e demais documentos das Conferências Episcopais. Nessa teia do saber da intelecção eclesiástica ressalta-se o valor do Concílio Vaticano II (1962/65), em particular, na Constituição Pastoral Gaudium Et Spes, quando categoricamente afirma que (444): “Para instaurar a vida política verdadeiramente humana nada melhor do que desenvolver o sentido de Justiça, de benevolência e de serviço de bem comum, reforçar as convicções fundamentais acerca da verdadeira índole e também do fim da comunidade política e corroborar o exercício reto e os limites da autoridade pública”.

À luz desses ensinamentos é que Dom Luiz Soares Vieira manifesta-se a favor do Perdão por acreditar num Deus Justo e Misericordioso, que perdoa sempre. Contudo, é necessário que se faça Justiça para que possamos construir uma cultura de paz. Em suma, a proclamação do perdão sem Justiça é sem dúvida incentivo a impunidade, ao crime organizado e a desqualificação do Estatuto de reconhecimento da autoridade pública, devendo esta se comportar de acordo com reto exercício da Justiça e Eqüidade tão reclamada pelos movimentos sociais.

(*) Professor, antropólogo e coordenador geral do NCPAM/UFAM.

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