quinta-feira, 9 de junho de 2011

A CIÊNCIA NO BRASIL E O DESCOMPASSO DA PESQUISA NA AMAZÔNIA

A discussão sobre a Pesquisa na Amazônia ganhou corpo no meio acadêmico, Associação dos Docentes da Universidade Federal do Amazonas inseriu o debate em seu último Jornal, destacando o baixo número de pesquisadores na Amazônia. O mais importante do que conferir o número de mestres e doutores é se discutir a política de ciência, tecnologia e inovação como matriz de formulação de políticas públicas focadas no desenvolvimento, definindo, desta feita, a Amazônia no cenário nacional, não mais como fornecedora de matéria prima, mas como produção de bens, serviço e conhecimento em direção a sustentabilidade local. “A atual política de fixação de doutores baseado apenas em bolsas tem se mostrado pouco alentadora. Bolsa não fixa doutor em lugar nenhum, sobretudo numa perspectiva de médio e longo prazo”, explica professor Neliton Marques, da Faculdade de Ciências Agrárias da UFAM. Ele também considera vital a implantação de novas instituições de investigação científica, destacando as Fundações de Amparo à Pesquisa (FAP) como uma grande conquista para a Amazônia. “Mas isso não é suficiente. Há que se ampliar os investimentos em educação básica, no sentido de despertar nas crianças e nos jovens o senso crítico e o interesse pelas ciências e pelas artes”, frisou o professor. É dessa maneira que a Amazônia poderá estabelecer o que Neliton chama de Triângulo da Sustentabilidade Cientifica, calcado em fortes investimentos em Capacitação, Infraestrutura e Financiamento de programas e projetos estratégicos de interesse da sociedade. A união de forças também faria diferença no desenvolvimento da CT&I na Amazônia. Parcerias interinstitucionais entre as diversas universidades e centros de pesquisa na região seriam uma maneira de integrar e complementar as atividades tanto de pesquisadores acadêmicos quanto profissionais. A escassez dessas parcerias na região amazônica é encarada pelo professor Neliton como um equívoco gritante. “Considero um erro de visão estratégica o fato de as organizações empresariais dessa região terem dificuldade em reconhecer a imensa janela de oportunidades de construção de parcerias inovadoras junto às universidades e demais instituições de pesquisas. Vale ressaltar que a dificuldade de diálogo é recíproca. Isso tem que ser superado”, afirmou o professor. Abaixo a Carta de Boa Vista dos Pro-Reitores de Pesquisa e aproveite marque sua posição nos debates:

Os Pro‐Reitores de Pesquisa e Pos‐Graduação das Instituições de Ensino Superior e de Pesquisa da Região Norte (IES/IP‐N), reunidos em Boa Vista, Roraima, nos dias 09 a 11 de maio de 2011, considerando o papel fundamental de suas instituições para o desenvolvimento econômico e social da Amazônia e do Brasil, e atentos ao momento de definição das políticas que deverão conduzir o país para um novo patamar de desenvolvimento científico e tecnológico ao longo da próxima década, vêm manifestar o seu entendimento acerca das ações indispensáveis com vistas à inclusão da região nos projetos nacionais de desenvolvimento da pesquisa científica e da pos‐graduação brasileiras.

1. A superação das assimetrias regionais no desenvolvimento científico e tecnológico do Brasil permanece um dos maiores desafios nacionais, exigindo, para a próxima década, políticas públicas adicionais às que foram até hoje executadas. As IES/IP‐N reconhecem o enorme esforço realizado nos últimos anos com vistas à redução de tais assimetrias, por governos, instituições e grupos de pesquisa, com resultados expressivos, que impediram um maior distanciamento entre as regiões, no momento em que a ciência brasileira deu saltos extraordinários. São exemplos dos avanços alcançados nos últimos anos a criação de novas universidades, a abertura de cursos de doutorado e mestrado e a incorporação de algumas centenas de doutores às instituições da região. Tais resultados, porém, não foram suficientes para alterar substancialmente os indicadores relativos do Norte, cujas instituições continuam recebendo menos de 5% dos recursos de fomento e bolsas do CNPq, respondendo por apenas 4,26% dos cursos de pos‐graduação stricto sensu e, dentre esses, apenas 3,16% dos cursos de doutorado e apenas 0,3% dos cursos de excelência (um único curso, dentre os trezentos e vinte avaliados pela CAPES com o conceito 6 ou 7). Todos esses indicadores refletem um problema básico de escassez de recursos humanos para a pesquisa científica e tecnológica na Amazônia, representado pela participação da região com apenas 4,74% dos doutores no país. Esse problema há muito vem sendo discutido por pesquisadores, gestores, associações científicas e governos. Atravessar mais uma década sem resolve‐lo significaria comprometer a incorporação da região ao processo de desenvolvimento em curso no país, e, também, comprometer projetos nacionais diretamente dependentes do domínio de suas riquezas pelo conhecimento científico.

2. São exemplos de iniciativas que cumpriram papel importante para o crescimento da pesquisa e da pos‐graduação na Amazônia o programa Novas Fronteiras da CAPES e a Lei 11.540/2007 relativa às aplicações do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT). A manutenção dessas iniciativas constitui o ponto de partida indispensável para qualquer avanço no processo de edificação de um sistema abrangente e competitivo de pesquisa e pos‐graduação na Amazônia. As políticas adicionais que se mostram necessárias dizem respeito, essencialmente, a três questões inter‐relacionadas: a formação de recursos humanos para a pesquisa científica e tecnológica, a atração e fixação de doutores e a expansão do sistema de pesquisa e pos‐graduação.
3. Um número elevado de docentes das IES‐N não possui o título de doutor, em parte pela ausência, no passado recente, de políticas eficazes para recrutar candidatos titulados às vagas abertas por meio de concursos públicos. Qualificar esses quadros é parte do esforço que precisa ser feito para dotar a região dos recursos humanos para a pesquisa científica e tecnológica. São fundamentais, para tanto, políticas que garantam a oferta de um número muito maior de doutorados interinstitucionais, recuperando a vocação original desses cursos para a redução de assimetrias regionais e flexibilizando a oferta, em casos específicos, por cursos com o conceito 4; a concessão de bolsas (pelo período de pelo menos três anos) aos docentes que buscam a qualificação em instituições de outras regiões do país (com ou sem estágio no exterior) e do exterior, alocando essas bolsas nas instituições de origem dos docentes ou nos Programas de Pos‐Graduação que os recebem; flexibilizar a qualificação docente durante o estágio probatório, respeitada a autonomia das instituições; a viabilização econômica dos programas de pos‐graduação em rede, que potencializam as competências distribuídas nas diferentes IES/IP‐N; e a indução da abertura de doutorados em áreas estratégicas para o desenvolvimento regional.

4) O esforço que puder ser feito para formar pesquisadores da e na Amazônia será ainda insuficiente para suprir a região dos recursos humanos necessários ao seu desenvolvimento econômico e social, daí a necessidade de associar àqueles esforços políticas especificamente dirigidas à atração de doutores formados ou residentes em outras regiões e em outros países, assim como políticas de fixação de todos os doutores em suas instituições regionais de vínculo. Para a atração e fixação de doutores, são necessárias políticas que sinalizem a real oportunidade de uma carreira científica bem sucedida na Amazônia e a garantia de permanente interação com os centros de pesquisa concentrados em outras regiões do país e no exterior. Podem cumprir essa função a concessão de Bolsas de Produtividade em Pesquisa e Bolsas de Produtividade em Desenvolvimento Tecnológico e Extensão Inovadora com taxa de bancada (“Grant”) a todos os doutores com projetos aprovados quanto ao mérito e pelo prazo mínimo de quatro anos, a partir de quando passariam a ser avaliados também por sua produtividade científica; a associação às bolsas de apoio financeiro das Fundações Estaduais de Apoio à Pesquisa (FAPs) para a infraestrutura de pesquisa; a concessão de bolsas de Professor Visitante Nacional Sênior para atuação em todos os campi de todas as IES (não apenas para os campi ou instituições mais jovens). Políticas adicionais precisam ser formuladas para a atração de pesquisadores estrangeiros bem qualificados e interessados nos temas amazônicos. A disponibilidade de candidatos com esse perfil no ambiente acadêmico internacional é concreta e tem sido pouco ou nada aproveitada pelas IES/IP‐N em razão da ausência dos instrumentos que tornem atrativas as oportunidades locais.
5) A expansão do sistema de pos‐graduação da região, indispensável para romper o ciclo de dependência na formação de recursos humanos depende fortemente da efetividade das políticas de qualificação e atração de doutores. Mas também requer ações específicas adicionais, dentre as quais destacamos: a criação de um programa especial de apoio à infraestrutura de pesquisa nas IES/IP‐N, visto que para essas não se trata apenas de atualizar a infraestrutura existente, mas muito frequentemente de criar as condições iniciais para a pesquisa em muitas áreas de conhecimento; um forte incremento da Iniciação Científica com vistas à qualificação dos candidatos aos cursos de mestrado e doutorado, garantindo‐se pelo menos uma bolsa por doutor nas IES/IP‐N; o atendimento pleno da demanda por bolsas para doutorandos e mestrandos sem vínculo empregatício; a intensificação do intercâmbio com os programas consolidados no país e no exterior; o fomento à realização de estágio pos‐doutoral por docentes com e sem vínculo aos atuais programas de pos‐graduação; o diálogo mais sistemático com as agências acerca dos requisitos para a abertura de cursos de mestrado e doutorado em cada área de conhecimento; a introdução na matriz orçamentária das IES/IP‐N de verbas e de vagas para docentes e técnicos especificamente destinadas à indução da criação de novos programas de pósgraduação; a contratação de pessoal para o apoio técnico à pesquisa científica.

6) As políticas referidas, dentre outras, podem ter como meta triplicar o número de doutores na Amazônia até 2020. Com o crescimento projetado para a pesquisa e pos‐graduação brasileiras de 2011 a 2020, essa meta garantiria uma aproximação considerável, embora ainda insuficiente, dos indicadores nacionais. Do cumprimento dessa meta, por outro lado, dependerá o necessário crescimento do sistema de pos‐graduação, de modo a alimentar os ciclos seguintes de formação de recursos humanos para a pesquisa científica e tecnológica na região.

7) O sucesso das políticas que vierem a ser executadas nas direções apontadas dependerá em grande medida do conhecimento e da ponderação da realidade regional, de suas distâncias geográficas, da diversidade de seus ambientes culturais e naturais, da peculiaridade de seus desafios e da heterogeneidade de suas instituições, daí também a necessidade da interlocução intensa com os atores locais. As diretrizes aqui sintetizadas merecem atenção não apenas pelo que podem representar para as instituições da região Amazônica, mas, também, por sua relevância para o país, para um projeto de desenvolvimento baseado na conservação e aproveitamento sustentável de suas mais expressivas riquezas naturais, para a extensão das conquistas econômicas, sociais, do conhecimento e da cultura às populações que ocupam mais da metade do território nacional.

Boa Vista, 11 de maio de 2011.

Emmanuel Zagury Tourinho (Coordenador do FOPROP Norte / Universidade Federal do Pará)
Luiz Alberto Pessoni (Universidade Federal de Roraima)
Creso Machado Lopes (Universidade Federal do Acre)
Adelma das Neves Nunes Barros (Universidade Federal do Amapá)
Selma Suely Baçal de Oliveira (Universidade Federal do Amazonas)
Leny Caselli Anzai (Universidade Federal de Mato Grosso)
Adnauer Tarquínio Daltro ((Universidade Federal de Mato Grosso)
Márcio Antônio da Silveira (Universidade Federal do Tocantins)
Maria Ivonete Barbosa Tamboril (Universidade Federal de Rondônia)
Izildinha de Souza Miranda (Universidade Federal Rural da Amazônia)
Beatriz Ronchi Teles (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia)
Maria das Graças Vale Barbosa (Universidade do Estado do Amazonas)
Aurea Regina Alves Ignácio (Universidade do Estado de Mato Grosso)
Jofre Jacob da Silva Freitas (Universidade do Estado do Pará)
Núbia Maria de Vasconcelos Maciel (Universidade da Amazônia)
João Paulo Mendes Filho (Centro Universitário do Estado do Pará)

Nenhum comentário: