domingo, 4 de dezembro de 2011

INTÉ, MAGRÃO!

Yudi Oda (*)

Parceiro, sei que não querias ir agora. Sei até que preparavas umas composições futebolísticas pra gravar com Fagner e Zeca Baleiro, que tinhas altos planos e tal, mas parece até que tu tinhas tanta certeza do título do Coringão, que resolveste deixar o campo antes do fim do jogo.

É... sei como é que é. Comemorar título sem poder nem beber uma cervejinha, ninguém merece! Aliás, viver a vida inteira sem poder tomar mais nenhumazinha, não ia ser mole mesmo, hem? Bem, mano velho, de qualquer modo, ninguém vai poder te acusar de não ter vivido. Foste uma Janis Joplin, um Jim Morrison! Viveste sempre a plenitude! O pavio da sua vida se consumiu com exuberância, com intensidade! Claro, sempre vai ter um moralista a condenar-te por isso! Sobretudo os corruptos e gananciosos que prosperam no mundo do futebol brasileiro.

Até na hora da cirrose mostraste que é diferente deles. Quando noticiaram que talvez você precisasse de um transplante, me antecipei e disse: “se o Magrão precisar de um transplante, garanto que ele jamais vai furar a fila”. Foi exatamente o que anunciaste no dia seguinte.

Camarada, os cartolas continuam a descaracterizar o futebol brasileiro com esse modelo europeu, da força física e de “resultados”. Mas deixa estar que sempre há de acontecer, em dados momentos da história, de se encontrar gente como tu, o Telê e o Zico pra brincar de fazer este povo sorrir, pra fazer molecagem e jogar como quem dá mais valor à beleza, à alegria, ao companheirismo, do que propriamente à vitória.

Hoje de manhã, ao ler a notícia da sua morte, chorei copiosamente e, de imediato, lembrei de uma cena inesquecível. Meu pai, palmeirense, eufórico, voltando de Ribeirão Preto, com o sorriso até as orelhas, com uma camisa do Corinthians nas mãos. O velho palmeirense fanático lamenta até hoje, trinta anos depois, por não ter mais a velha camisa, o presente que ganhou do estimado Dotô!

Vai, Magrão, a Democracia Corintiana tá consolidada, é uma heterotopia, um momento destes que os cartolas gostariam de apagar da história, porque sempre vai alimentar o imaginário de inconformados, mesmo num meio como este que você escolheu. Aliás, parceiro, nem gosto muito dessa coisa de rasgação de seda e tal, mas um jogador de futebol filosofante é tão improvável que me faz lembrar do valor que os orientais dão à flor de lótus, que tão bela nasce entre o lodo e o mal cheiro do pântano.

Num mundo que preza muito a vitória e pouco as relações humanas, seu belo futebol encantou mais, sem ganhar a copa de 1982, do que a seleção “vitoriosa” de 1994, dentro e fora do campo.

Diferente destes “ídolos” fabricados pela TV e expostos, cotidianamente, na mídia, nunca precisaste fazer aliança com essa gente. Viveste decentemente num mundo onde a dignidade e a crítica são artigo de luxo!

Sentirei sua falta nos domingos à noite. O Cartão Verde ficará desfalcado de seu craque. Como diz seu parceiro Vitor Birner, hoje “o mundo fica menos bondoso, construtivo e inteligente!”

Inté, Magrão!

(*) É professor, pesquisador da UFAM e um cidadão do mundo comprometido com a cultura popular e seus imaginários míticohistóricos.

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