sexta-feira, 7 de outubro de 2011

TUTELA CAUTELAR E TUTELA ANTECIPATÓRIA: ÂMBITO E DIFERENÇAS DOS INSTITUTOS



"A distância entre a mera proclamação e a tutela efetiva do direito, com meios eficazes e expeditos, constitui um dos problemas cruciais do processo civil de nossa época" (Carlos Alberto A. de Oliveira. Efetividade e processo cautelar in Revista de Processo, n. 76. P. 88.) , observou Carlos Alberto de Oliveira em 1993 no congresso Nacional de Processo Civil. Essa observação não é nova, porém está cada vez mais atual em vista dos problemas que o Judiciário vem enfrentando e que constituem aquilo que os meios de comunicação e mesmo os doutrinadores têm chamado de "crise do judiciário". Tal crise está centrada, como notou Carlos Oliveira, no atraso da entrega da prestação jurisdicional.

Não, entrando, nas questões da necessidade de ampliação dos quadros de juizes e do problema de verbas orçamentárias, fato é que a efetividade da tutela jurisdicional vem sofrendo graves prejuízos, que também é fruto de uma elaboração sistemática que pressupõe uma longa etapa de cognição para que, só após, se possa emitir o ato sentencial ou material de execução, que efetivará a tutela. Isto porque, pela teoria processual clássica, a execução ou satisfação do pedido somente poderia se dar mediante uma cognição exaurente, pois apenas está, pelo alto grau de certeza que fornece, legitimaria o Estado a proceder uma intervenção no patrimônio dos particulares, que por representar uma violência contra estes necessita ter base na certeza do direito a ser com isso satisfeito.

Contudo, muitas das situações que se apresentam exigindo a tutela jurisdicional envolvem direitos que necessitam de satisfação urgente, que não podem se sujeitar à demora normal que uma cognição profunda acerca dos fatos em questão necessita, sob pena de não poderem mais ser satisfeitos. "Acontece, todavia, que, qualquer que seja a prestação a cargo da jurisdição, o provimento definitivo não pode ser ministrado instantaneamente"( Humberto Theodoro Júnior. Curso de Direito Processual Civil, v. II. Rio de Janeiro: Forense, 1997. P. 359), posto que relegaria o valor certeza que o próprio Estado de Direito pressupõe, como organização que age sob os ditames das regras jurídicas, onde as normas só podem ser aplicadas mediante o perfeito conhecimento dos fatos. Mas é este mesmo Estado que garante a todos o acesso à Justiça ao dispor a Constituição Federal em seu art. 5º, XXXV, que "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de direito". No entanto, aqueles que possuem direitos que necessitam de uma tutela imediata ou pelo menos, mais célere que a comum, acabam de fora.

Foi enfrentando esse empasse que, a teoria processual procurando uma maior adequação das formas de prestação da tutela jurisdicional às variadas situações de direito material criou, ao lado dos processos de conhecimento e de execução, o processo cautelar, como um tertium genus capaz de assegurar o resultado útil da tutela jurisdicional mediante determinadas medidas adotadas provisoriamente por meio de um cognição sumária. Com isso, não obstante a necessária demora do processo, a lide poderia ser composta no mesmo estado em que se achava quando da sua propositura, pois os danos da demora eram evitados pelas medidas cautelares.

Porém, recentemente descobriu-se que o processo de conhecimento, mesmo aliado ao cautelar, não servia para a tutela efetiva de muitas situações, pois não concebia uma tutela sumária satisfativa, onde, mediante uma cognição sumária, se pudesse obter não apenas a preservação de bens ou provas como com a cautelar, mas a própria satisfação do direito material. Assim, percebendo que "por mais que se acelere o processo de conhecimento, executivo ou cautelar, sempre se verificará um defict; pois pelos meios normais, jamais a satisfação da pretensão poderá ser tempestiva se houver urgência"( Carlos Alberto A. de Oliveira. Ob. Cit. p. 88) foi que se introduziu o art. 273 do Código de Processo Civil com nova redação que trouxe a figura da tutela antecipada ou tutela antecipatória. Com esta, através de uma cognição sumária é concedida provisoriamente a satisfação do direito pleiteado.

Em razão dessa provisoriedade e do fato de se basear em uma cognição sumária, além da semelhança de pressupostos, a tutela antecipada foi por alguns identificada como uma espécie de tutela cautelar, o que gerou uma certa confusão acerca das hipóteses em que uma ou outra seriam cabíveis, inclusive porque ambas buscam contornar o problema da falta de efetividade da tutela jurisdicional e na prática possuem alguns pontos de contato.

A seguir veremos rapidamente cada uma dessas figuras de forma separada, para após podermos estabelecer as diferenças entre elas e consequentemente identificar os casos em que são cabíveis.

II. TUTELA CAUTELAR

A tutela cautelar se realiza mediante um processo cautelar, que, na lição de Humberto Theodoro Jr., constitui uma nova face da jurisdição, um tertium genus que "contém a um só tempo as funções do processo de conhecimento e de execução, e tem por elemento específico a prevenção"( Ob. Cit. p.360). Com isso se percebe que se há um processo cautelar deve haver também uma ação cautelar, pois processo e ação são noções indissociáveis. Essa atividade cautelar, no entanto, como se disse, difere do processo de conhecimento e do execução por ter características que lhe são próprias e exclusivas. Aliás, já foi dito que a ação cautelar busca apenas preservar o resultado útil do processo de conhecimento ou de execução, sendo a prevenção seu elemento específico. Assim, embora seja ela uma ação, com todas as características desta, incluindo a autonomia, mantém ela relação de subsidiariedade com a ação de conhecimento ou de execução, que é por isso chamada de principal. É nesse sentido o dispositivo contido no art. 796 do Código de Processo Civil que diz que "o procedimento cautelar pode ser instaurado antes ou no curso do processo principal e deste é sempre dependente".

Com esses dados já podemos chegar ao conceito fornecido por Humberto T. Jr. pelo qual a "Consiste, pois, ação cautelar no direito de provocar, o interessado, o órgão judicial a tomar providências que conservem e assegurem os elementos do processo (pessoas, provas e bens), eliminando a ameaça de perigo ou prejuízo iminente e irreparável ao interesse tutelado no processo principal; vale dizer: a ação cautelar consiste no direito de assegurar ´que o processo possa conseguir um resultado útil´"( Ob. Cit. p.362).

Sua função, portanto, é meramente auxiliar e subsidiária, de sorte que não busca a composição do litígio, não procura satisfazer o direito material dos litigantes, mas apenas garantir o direito a um resultado eficaz que será dado pelo processo principal. Para o atendimento dessa função possui as seguintes características peculiares:

a) Instrumentalidade - esta significa que a cautelar não tem um fim em si mesma, mas é apenas um meio para que se efetive o objetivo da prestação jurisdicional que é a justa e útil satisfação do direito material, por isso é que Humberto Theodoro diz que "enquanto o processo principal busca tutelar o direito, cabe ao processo cautelar tutelar o próprio processo principal"( Ob. Cit. p. 363), já que não declara o direito nem o realiza, mas apenas atende, de forma provisória e emergencial, uma necessidade de segurança que possui relevância para a futura solução do litígio.
b) Provisoriedade - indica que tem uma duração limitada no tempo, que pode ter seu marco final na entrega da tutela definitiva, na perda do prazo de ingresso para a ação principal, no caso de ser preventiva, ou mesmo na revogação ou modificação pelo juiz.
c) Revogabilidade - isto porque não faz coisa julgada material, já que não decide do mérito da lide, não gera uma situação estável para as partes, antes existe enquanto é necessária, podendo ser modificadas ou revogadas a qualquer tempo pelo juiz a requerimento da parte interessada.
Têm as cautelares dois requisitos específicos resumidos nos seguintes brocardos latinos: fumus boni juris e periculum in mora, que compreendem respectivamente a probabilidade do direito material alegado realmente existir e o fundado receio de que uma parte, antes do julgamento da lide, cause ao direito da outra lesão grave e de difícil reparação (art. 798, CPC), de modo que haja risco de ineficácia da futura tutela jurídica.

Com relação ao primeiro requisito Theodoro Jr. observa que a fumaça do bom direito, não implica na certeza do direito material, pois assim já se poderia ter o julgamento definitivo e não uma simples cautelar e que, essa plausibilidade do direito material não significa que os fatos que o fundamentam serão profundamente analisados, mas apenas e tão somente que o autor da cautelar tem direito ao processo de mérito com possível provimento favorável. Assim, uma vez demonstrado que o autor da cautelar possui todas as condições do direito de ação que lhe permitirão ingressar com o processo principal, ou seja, que este é viável e não lhe será claramente adverso, terá ele direito ao processo cautelar, pois o fumus boni juris consiste na existência do interesse que justifica o direito de ação, sendo que na prática só não existe quando a pretensão do requerente configurar caso de inépcia da Inicial.

Quanto ao perigo da demora Theodoro Jr. esclarece que se refere ao interesse processual na justa e eficaz composição do litígio, sendo que o dano corresponde a uma possível prejudicial alteração na situação de fato existente ao tempo da propositura da ação. Devendo o receio do autor da cautelar ser demonstrado por algum fato concreto (fundado) que possa gerar dano durante o processo principal (seja próximo) e que esse dano não permita uma reparação específica e nem uma indenização, inclusive por falta de condições econômicas da outra parte (Ob. Cit. p. 429).

As cautelares podem ser instauradas antes do processo principal, sendo que este deve ser proposto dentro de 30 dias (art. 808, I, CPC), quando, então, serão precedentes ou preparatória, ou podem ainda ser ajuizadas no curso deste, sendo então incidentes. Podem ainda ser inominadas, quando derivam do poder geral de cautela concedido ao juiz pelo art. 798 do Código de Processo Civil, ou nominadas, quando especificadas por este, sendo subdivididas estas nas que recaem sobre bens, sobre provas e sobre pessoas.

As medidas cautelares disciplinadas pelo art. 813 e ss., que são as nominadas, não oferecem dúvidas, pois são cabíveis nos casos específicamente determinados e seguem a disciplina desses artigos. Importa, porém ainda observar a possibilidade de tutela cautelar ex officio, prevista no art. 798 do CPC, pelo qual é permitido ao juiz "determinar as medidas provisórias que julgar adequadas", quando estiverem presentes os requisitos do periculum in mora e, apesar de não mencionar o artigo, também, é lógico, o fumus boni juris, pois a existência desses dois requisitos, de forma concomitante é que permite a concessão da cautelar.

Entretanto, em vista do princípio da inércia da jurisdição que informa nosso sistema processual, não se pode conceber que ao juiz seja permitido intentar qualquer ação. Porém, no campo da tutela cautelar tal princípio é abrandado, ou talvez adequado aos seus fins em nome da efetividade, de sorte que aquela possibilidade de tutela cautelar ex officio, não compreende a possibilidade de o juiz abrir um verdadeiro processo cautelar, mas apenas lhe permite tomar medidas cautelares avulsas dentro de um processo já existente, mas isso em situações de expressa permissão legal, como o caso do arresto na execução onde o devedor não é encontrado. Essas medidas são anômalas, não formam um novo processo em autos apartados, mas são procedimentos incidentais acessórios ao processo principal.

O poder geral de cautela também é algo de peculiar na tutela cautelar, por ele, pode o juiz criar providências de segurança fora dos casos típicos de cautelares determinados por lei, pois a tutela cautelar visa a evitar situações de perigo que possam prejudicar a eficácia do processo principal e, por vezes, demandam medidas específicas para o caso concreto. Essas medidas terão de ser requeridas pelo interessado que, como já dito, terá de demonstrar a existência daqueles dois requisitos típicos de todas as cautelares.

Essas medidas têm limites além dos comuns à qualquer ação, em vista de sua função altamente específica. Assim, a necessidade da medida vai estar presente no fumus boni juris e essa tutela nunca pode pretender ser definitiva ou satisfativa, pois, como o processo de liquidação, deve ser fiel ao seu fim específico que é a mera conservação de um estado de coisas. Por isso sua prestação não deve ter conteúdo igual ao da do processo principal, logo, não deve influir no julgamento da lide, conforme dispõe expressamente o art. 810 do CPC. Por ser processo, só pode se encerrar com uma sentença, mesmo que a medida cautelar seja conferida em liminar é a sentença quem entregará a tutela cautelar. Mas como se viu, a cautelar não decide sobre o mérito, por isso essa sentença não fará coisa julgada material, só formal, logo, poderá ser revogada ou modificada pelo juiz se depois ele a julgar inadequada ou inútil, por exemplo. Apenas no caso de se acolher prescrição ou decadência é que pode a cautelar fazer coisa julgada material.

Essa possibilidade de modificação está inclusa na fungibilidade das medidas cautelares, pela qual pode o juiz determinar concretamente qual a medida mais adequada ao caso, de sorte que o requerente não pode exigir a que pediu se aquela diversa que o juiz determinou assegurar a eficácia do processo principal, pois o requerente não têm, como no processo principal, o direito subjetivo a uma prestação determinada, não há o direito à uma tutela específica. Esse princípio da fungibilidade está fundamentado no art. 805 do CPC, que prevê a possibilidade de substituição de ofício ou a requerimento da parte, da medida cautelar por outra menos gravosa para o requerido.

Por fim, a medida cautelar se extingue por revogação, falta de ajuizamento da ação principal em 30 dias, falta da execução da medida deferida em igual período, extinção do processo principal e por desistência do requerente.

III. TUTELA ANTECIPADA

Como já se disse de início, a existência da tutela cautelar não foi o bastante para a efetividade do processo nos casos em que o direito reclamado só pode ser satisfeito por uma prestação expedita, i. é, rápida, de forma que o legislador processual ante essa realidade, na qual, apesar da existência de uma hiperatividade do processo cautelar, os direitos urgentes não eram satisfeitos, trouxe, em 1994, a figura da tutela antecipada através do novo art. 273 do CPC.

Assim, buscando acelerar os resultados do processo se permitiu a antecipação dos efeitos da tutela definitiva por liminar satisfativa, que, diferente das liminares de feição satisfativa já existentes, p. ex. nas ações locatícias, tem caráter genérico, de sorte que é aplicável, em tese, a qualquer processo de conhecimento.

Como é satisfativa, por ela se concede o exercício, ainda que provisório, do próprio direito afirmado pelo autor, de maneira que a decisão que a concede terá o mesmo conteúdo da sentença definitiva(Cândido Rangel Dinamarco. As inovações no processo civil. São Paulo: Malheiros. 1995. P. 139), sendo que a diferença será a provisoriedade. Por ser provisória, não pode ser confundida com a antecipação da própria tutela, o que representaria um julgamento antecipado da lide. O que é antecipado são só os efeitos da tutela definitiva, por isso é que a decisão concessiva da tutela antecipada não faz coisa julgada material, podendo ser modificada depois em vista da própria provisoriedade que deriva de uma cognição sumária.

Há, desse modo, uma correlação com a demanda, conforme observa Cândido Dinamarco, de sorte que os limites objetivos e subjetivos desta serão os mesmos na tutela antecipada. Esta deve coincidir com o pedido do autor, porém, isso se for total, de vez que pode ser parcial, quando então o juiz, dentro de seu poder discricionário fixar-lhe-á os limites dentro do que entender possível ou necessário.

A tutela antecipada não é uma ação, mas a lei não especifica o modo de sua concessão, que poderá assim, se dar sob a forma de liminar, e conforme o caso poderá também se realizar através de provimentos executivos, inclusive o § 3º do art. 273 permite a aplicação dos procedimentos da execução provisória, no que couber. Note-se, entretanto, que tal não significa que a antecipação da tutela seja uma forma de execução, pois esta pressupõe o título executivo. Pode até mesmo ser necessária a prévia liquidação, dependendo da natureza da obrigação de direito material. Cândido Dinamarco ensina que, pelo princípio da adaptabilidade da tutela jurisdicional, dependendo da finalidade, a antecipação da tutela pode se dar por "declaração, constituição, condenação, comandos judiciais e atos de satisfação ou de asseguramento"( Ob. Cit. p. 143). Quanto ao âmbito da tutela antecipada o juiz João Batista Lopes analisa que esta não se coaduna com todos os tipos de processo de conhecimento; quanto às ações condenatórias não haveria dúvida em ser aplicável, mas nas ações declaratórias, não se poderia antecipar a própria declaração, no máximo poder-se-ia antecipar alguns de seus efeitos; nas constitutivas alega que não se pode constituir uma situação de forma provisória, mas apenas suspender seus efeitos, o que é sede das cautelares, pois essa suspensão é de natureza diversa da prestação definitiva, só é preventiva, não satisfativa como a tutela antecipada exige(O juiz e a tutela antecipada in Tribuna da magistratura, Caderno da doutrina - junho de 1996, p. 17). Acrescenta ainda que as ações executivas latu sensu, como a de despejo, possuem mecanismos próprios para garantir a efetividade da decisão, de maneira que dispensam a antecipação da tutela.

Seus pressupostos, de acordo com o artigo retro transcrito, são os seguintes: requerimento da parte; produção de prova inequívoca dos fatos arrolados na inicial; convencimento do juiz em torno da verossimilhança do alegado; fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação ou caracterização do abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu; e, possibilidade de reversão caso contrária à decisão final.

Com relação a exigência de prova inequívoca, Cândido Dinamarco observa que deve ser entendida juntamente com a necessidade de que o juiz se convença da verossimilhança da alegação, pois se entendida separadamente chergar-se-ia a uma contradição, já que o que é inequívoco é certo e não apenas verossímil, e, de outro lado, se o que é inequívoco é certo, deveria haver o julgamento antecipado e não apenas a antecipação dos efeitos desse julgamento. Assim, ensina o processualista que da junção desses dois pontos se obtém o conceito de probabilidade, que é mais que a verossimilhança e menos que a certeza; é "a situação decorrente da preponderância dos motivos convergentes à aceitação de determinada proposição, sobre os motivos divergentes"(Ob. Cit. p. 143).

Outra questão a ser considerada é a possibilidade de reversão da tutela pois, caso o requerido venha a sofrer com esta um prejuízo irreparável, ela não se justifica, de vez que se funda em uma cognição sumária, que não conhece a fundo os fatos e por isso não oferece a certeza que legitima a intervenção estatal definitiva. Nesse ponto, Marinoni ensina que o princípio da probabilidade, na tutela antecipada, indica que "deve ser possível o sacrifício, ainda que de forma irreversível, em benefício de um direito que pareça provável. Do contrário, o direito que tem maior probabilidade de ser definitivamente reconhecido poderá ser irreversivelmente prejudicado"( Luiz Guilherme Marinoni. Novidades sobre a tutela antecipatória in Revista de Processo, n. 69. P 107). Cândido Dinamarco, porém, contrapõe-se dizendo que "o direito não tolera sacrifício de direito algum e o máximo que se pode dizer é que algum risco de lesão pode-se legitimamente assumir"( Ob. cit. p. 144). Assim, não seria permitido ao juiz exigir sacrifícios irreversíveis do réu, mas ponderar as repercussões na vida e no patrimônio das partes para conceder a antecipação da tutela, o que realiza o chamado "juízo equilibrado". Contudo, admite que nem sempre poderão ser eliminados do mundo dos fatos os efeitos da antecipação da tutela, pois a reversibilidade é do provimento, nem sempre será dos fatos, por isso sugere a exigência de caução e, de todo modo, o requerente poderá ser responsabilizado civilmente por isso.

Há duas hipóteses de cabimento, conforme se vê dos dois incisos do art. 273, a primeira que equivale aos casos onde há perigo de dano a um direito plausível em virtude da demora da prestação definitiva, similar ao periculum in mora das cautelares, e o segundo é específico, que se relaciona à litigância de má-fé, dispensando a existência de perigo de dano. É uma forma de coibir a utilização do processo para fins contrários aos que são seus, quais sejam a pacificação com justiça e eficácia do litígio.

Como se disse de início, a antecipação da tutela não é uma ação, logo, não será concedida por sentença, mas por decisão interlocutória, que não forma um processo acessório ao principal, mas pode ser apenas um incidente processual, embora não seja sentença a decisão deve ser devidamente motivada.

IV. DIFERENÇAS

De posse das noções gerais acima expostas, pode-se traçar um quadro objetivo das diferenças dos dois institutos, nunca se perdendo de vista que o ponto central reside na diferença de função e de objetivos, que redunda na diferença de naturezas, de sorte que todos os outros pontos diferenciadores são decorrências destes e estão intrinsecamente relacionados.

a) De inicio se pode observar que a tutela cautelar é preventiva, tendo como função única e específica garantir o resultado útil do processo principal, de modo que não decide o mérito da lide, não podendo influir nessa decisão. Já a tutela antecipada realiza de imediato a pretensão, não se limita a assegurar a viabilidade da realização do direito afirmado como a cautelar, mas satisfaz esse direito.
b) A tutela cautelar tem como características a instrumentalidade, a referibilidade a um processo principal e a dependência, que não estão presentes na tutela antecipada.
c) A cautelar é uma ação, com todas as características desta, é autônoma, pressupõe a existência das condições da ação, possui custas, termina com uma sentença, da qual cabe recurso ordinário; pode ser intentada antes mesmo de existir um processo principal e forma novos autos. A antecipação da tutela se dá mediante uma simples decisão interlocutória que resolve um incidente processual, não se formando autos apartados e, dessa decisão cabe agravo.
d) A tutela cautelar tem como pressupostos específicos o fumus boni juris e o periculum in mora, enquanto que na tutela antecipatória a probabilidade de existência do direito material é mais forte que a mera plausibilidade desse direito, que na prática reside no próprio direito ao processo principal e na simples aparência de que poder-se-á dele sair vencedor. Além dessa, abriga ainda a hipótese de abuso de direito de defesa e de manifesto propósito protelatório do réu, independente da existência de perigo na demora da prestação definitiva. Assim, como ação autônoma, a cautelar pode ocorrer na execução, sob a forma de incidente ou mesmo de forma preparatória e a tutela antecipada só ocorre no processo de conhecimento.
e) A tutela cautelar pode ser concedida de ofício ou a requerimento de qualquer das partes e a antecipatória somente com requerimento do autor.
f) A tutela cautelar não deve ter a mesma natureza que a tutela do processo principal, não deve ter o mesmo objeto para não ter caráter satisfativo, concedendo justamente aquilo que se pede, inclusive não incide o direito à tutela específica. A antecipação da tutela tem a mesma natureza da decisão definitiva, incidindo sobre todo ou parte do objeto da lide, pois seu caráter é satisfativo, logo, incide o direito à tutela específica, sendo que o que ficará a cargo do juiz é apenas a "escolha" dos atos que se mostrem mais adequados, à semelhança do que permite o art. 620 do CPC com relação à execução.

V. CONCLUSÃO

Essas são as diferenças básicas, mas relevante é ter em vista que a cautelar visa a assegurar a efetividade do resultado final do processo principal, enquanto que a antecipação dos efeitos da tutela incide sobre o próprio direito pleiteado satisfazendo-o provisoriamente. Bastando isso para delimitar o campo de uma e de outra, pois nesta o que se busca não é a mera preservação da situação através da conservação de bens, provas e mesmo da proteção de pessoas, mas a satisfação do próprio direito pleiteado. As hipóteses das cautelares nominadas são sede pacífica, é com relação às inominadas que a percepção da função que se busca será determinante.

Porém, como vimos os dois institutos aqui tratados apresentam várias semelhanças, sendo que pudemos identificar um ponto claro de contato que são as chamadas medidas cautelares satisfativas, das quais é exemplo o pedido de busca e apreensão de menor quando este é mantido em poder do pai tendo sido concedida sua guarda pela mãe. Nesse exemplo a mãe não precisa de nenhuma ação de conhecimento, já que seu direito está certificado, por isso ela só pede uma medida cautelar satisfativa, que liminarmente ou apenas sumariamente restabelecerá o estado de coisas a que tem direito. Nessa situação, observa Calmon de Passos, a tutela cautelar "é satisfativa porque há tutela definitiva, insuscetível de ser posta como objeto de um processo de conhecimento, visto como a certificação já ocorreu"( Cautelares e Liminares - Catástrofe Nacional in Revista de Processo. N. 71. P. 230).

É, no entanto, o próprio Calmon de Passos quem observa que, na medida cautelar a satisfatividade é uma anomalia, de forma que a satisfatividade da cautelar é uma exceção que "só é admissível quando não exista outro meio de assegurar a efetividade da futura tutela fora da antecipação dessa tutela"( Ob. cit. p. 231). Com isso a questão se desfaz, pois em vista da característica genérica, "é inquestionável que a antecipação da tutela deverá cobrir extensa área, ocupada antes pelas impropriamente denominadas ´cautelares satisfativas´"( J. Batista Lopes. Ob. cit. p. 19). Com isso, em sendo cabível a tutela antecipada não será concedida a cautelar satisfativa mas aquela, logo essa cautelar excepcional perdeu sua razão de ser. Quanto as demais cautelares, restaram intangidas pelo novo instituto.

BIBLIOGRAFIA

DINAMARCO, Cândido Rangel. As inovações no processo civil. São Paulo: Malheiros. 1995. LOPES, J. Batista. O juiz e a tutela antecipada in Tribuna da magistratura, Caderno da doutrina - junho de 1996. MARINONI, Luiz Guilherme. Novidades sobre a tutela antecipatória in Revista de Processo, n. 69. OLIVEIRA, Carlos Alberto A. Efetividade e processo cautelar in Revista de Processo, n. 76. PASSOS, J. J. Calmon. Cautelares e Liminares - Catástrofe Nacional in Revista de Processo. N. 71. THEODORO Jr., Humberto. Curso de Direito Processual Civil, v. II. Rio de Janeiro: Forense, 1997.

(*) É advogado em Belém (PA), especialista em políticas públicas, mestranda e ex-professora da Universidade Federal do Pará.

Fonte: http://jus.com.br/revista/texto/871/tutela-cautelar-e-tutela-antecipatoria/1

Fotos: Valter Calheiros - sítio arqueológico das Lajes no em torno do Encontro das Águas.

DO ANALFABETISMO À "EDUCAÇÃO SENSUAL"

Os indicadores são tenebrosos quando se trata do cenário da Educação Pública no Brasil. No entanto, os agentes públicos e os governantes fazem cara de paisagem como se tivessem em outro País. Nos estados, os governantes promovem festas para celebrar inaugurações e condecorações de seus acólitos tentando desfocar os fatos, criando factoide para embasbacar a população. No Amazonas não é diferente, o analfabetismo é uma praga que se multiplica provocando severo danos a cidadania; a qualidade do ensino é um fiasco resultante de uma prática populista que se pauta pela propina da construção civil e pelo corporativismo político reinante nas paróquias eleitorais. Assim sendo, tanto o Brasil quanto o Amazonas perde em competitividade, o que está estampado nos indicadores educacionais. Péssimo para Nação, mas o que fazer se agrada a maioria dos políticos do planalto, bem como os seus xerimbabos das ribeiras dos sertões e veredas do Brasil. O novo Plano Nacional de Educação proposto pelo governo, que deve valer pelos próximos 10 anos, se não definir em suas estratégias competência dos entes federativos, não passará de uma lista de boas intenções. Luta-se por uma gestão democrática, participativa e de qualidade, assim como também pelos 10% do PIB a ser efetivado até 2014. Confira abaixo o texto do Novaes e participe desta discussão, que além de sedutora é sensual, mobilizando força para um Brasil justo e soberano:

Washington Novaes (*)

Voltam os jornais a povoar-se de notícias inquietantes sobre os dramas da educação no Brasil, sua repercussão sobre a economia e as taxas de pobreza e desigualdade. Segundo órgãos internacionais, o Brasil está em 88.º lugar nos índices de educação, entre 128 países pesquisados - em situação mais precária até que Paraguai, Peru, Colômbia, Equador, Bolívia e Honduras. Segundo a OCDE (Estado, 17/9), quem conclui curso superior tem renda média 156% maior que a dos que não passam pela universidade. Mas no Brasil só 12% das pessoas entre 25 e 34 anos têm curso superior. Uma das razões certamente está em que gastamos em educação (5,3% do PIB) menos que a média aferida pela OCDE (5,9% em 2008).

Não podem surpreender as consequências no mercado de trabalho, principalmente na oferta de mão de obra qualificada. Metade dos alunos do terceiro ano da escola fundamental pública e privada não aprendeu os conteúdos previstos; 44% não têm conhecimentos necessários para a leitura; 46%, para a escrita; 57%, para Matemática. Isso na média, no Nordeste os índices são ainda mais preocupantes (Estado, 26/8).

Com tantas dificuldades, 9,6% da população (18,43 milhões de pessoas) é ainda analfabeta, segundo o IBGE (42,6% entre maiores de 60 anos, 16,4% entre os pobres, 52,2% entre nordestinos). Mas a erradicação do analfabetismo não está no plano plurianual Brasil Maior, enviado pelo Executivo ao Congresso. O que pretende o Ministério da Educação é reduzir a porcentagem de analfabetos a 6,7% da população (12,86 milhões), segundo o respectivo ministro. Principalmente entre mulheres, habitantes da zona rural e afrodescendentes.

As deficiências educacionais repercutem com intensidade na área do conhecimento científico, em que o número anual de patentes solicitadas no País (previsão de 36 mil em 2011) é 17 vezes menor que o dos Estados Unidos (Estado, 4/7), embora pudesse ser um pouco maior, já que o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi), com restrita capacidade operacional, tem 154 mil pedidos "em tramitação" e a média de conclusão é de oito anos. De qualquer forma, a iniciativa de inovação científica em nossas empresas não passa de 38% do total, ante mais de 70% na Alemanha. E, para agravar, o Brasil só investe 1,09% de seu PIB em pesquisa e desenvolvimento, segundo o Ministério da Ciência e Tecnologia (Estado, 4/7).

Falta de recursos? Depende de como se olhe. O País - como foi dito aqui na semana passada - gasta em subsídios na economia, juros bancários da dívida e ajuda a mutuários mais de R$ 100 bilhões por ano, algumas vezes mais que no Bolsa-Família. Não sobra muito para investir em cada aluno no sistema educacional, quatro vezes menos que nos Estados Unidos, por exemplo. Aqui, o investimento médio é de R$ 1.221 por aluno no ensino fundamental, R$ 1,5 mil no ensino médio e R$ 11,8 mil no superior. E já não falta quem proponha até a supressão do ensino da escrita na escola. Quando há décadas se sabe, a partir da proposta do professor Darcy Ribeiro para os Centros Integrados de Educação Pública (Cieps), onde levada à prática com competência: só a escola de tempo integral - dois turnos, três refeições diárias, período de estudo acompanhado fora de classe, assistência psicológica, esporte dirigido - pode suprir as carências das crianças de famílias mais pobres, compensar o que elas não podem ter em casa.

A importância do acompanhamento, da assistência, foi comprovada em pesquisa da prefeitura de Nova York, que concluiu ser o melhor rendimento escolar nas escolas públicas o de crianças de famílias imigrantes (vietnamitas, sul-coreanas, chinesas), em que pais e mães dedicavam em média três horas e meia diárias ao acompanhamento das tarefas escolares - quando nas famílias das demais crianças era de uma hora por dia. Outra pesquisa da mesma prefeitura mostrou que parte do tempo que deveria ser dedicado ao ensino das matérias tradicionais nas escolas públicas era tomado pela educação para o trânsito, pelo acompanhamento e orientação da sexualidade dos pré-adolescentes, pelo ensino da relação com pessoas mais velhas, etc. - tarefas que deveriam caber às famílias. Mas como exigir delas, se os pais aqui mal têm tempo para cumprir sua jornada de trabalho fora, mais o tempo na condução?

Parece utópico trazer à discussão estudo feito pela Universidade de Michigan, há umas duas décadas, a pedido do governo de Israel, que queria orientação sobre como trabalhar nas escolas com crianças superdotadas. O estudo mostrou que essas crianças eram especialmente indicadas para uma formação especial, que partisse do princípio de que todo conhecimento, para chegar ao cérebro humano, tem de passar obrigatoriamente por um dos sentidos - visão, audição, tato, olfato, paladar. Por isso, seria preciso investir no que o estudo chamou de "educação sensual", que passe por um deles, já que "a ciência só florescerá na mente de pessoas sensíveis e emocionais".

Um dos exemplos citados era o de um grande pianista, que contava haver passado, quando pequeno, horas de cada dia debaixo da cauda de um piano tocado pela mãe pianista - acostumou-se, nessa prática, a sentir na pele cada nota do piano, como se fosse uma gota de água que caísse.

Outro cientista - um químico especializado em ligas metálicas - narrou que passava horas de olhos fechados imaginando-se atropelado por um trem em alta velocidade, ou um asteroide, para poder avaliar e imaginar a resistência da liga que buscava. Albert Einstein, quando pesquisava as relações entre gravidade, velocidade e tempo, imaginava-se dentro de um elevador que subia e descia, com um raio de luz pulando para a frente e para trás.

Há claras opções preferenciais a fazer: investimento maior e prioritário em educação, preferência para as faixas de menor renda, escolas de tempo integral como as sugeridas por Darcy Ribeiro, dotações maiores para a área científica. Se for possível, chegar também ao requinte da "educação sensual"...

(*) É jornalista e articulista do Estadão. E-mail: wlrnovaes@uol.com.br - O Estado de S.Paulo

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

PRESIDENTE DESEMBARGADOR DO TRF GARANTE O TOMBAMENTO DO ENCONTRO DAS ÁGUAS

O NCPAM teve aceso a decisão do desembargador federal Olinto Menezes, presidente do Tribunal Regional Federal da 1 (primeira) Região, em Brasília, em atenção a petição inicial do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - Iphan que requer a suspensão da execução da tutela concedida em sentença pelo juízo federal da 7ª Vara - AM, em 04/08/2011, nos autos da Ação Ordinária 780-89.2011.4.01.3200, nos termos apresentados (cf. peça de fls. 46-55).

Posto isto, a União Federal reclama suspensão dos efeitos da decisão em pauta, em vitude:" a) sua flagrante ilegitimidade em ter criado uma terceira lei para o procedimento de tombamento; b) do manifesto interesse público na preservação do "Encontro das Ágaus"; c) da desproporcionalidade da medida; e d) da lesão à ordem administrativa, quando impediu o devido exercício da função administrativa atribuída ao IPHAN".

Por dever de ofício, o desembargador confronta as teses e lavra sua decisão deferindo em parte a suspensão pleiteada, "tão somente quanto aos efeitos do tombamento provisório, que fica mantido para todos os efeitos legais. O restante da decisão terá a sua eficácia plena. Comunique-se, com urgência, ao juízo prolator da decisão. Preclusas as vias impugnatórias, arquivem-se os autos". Confira a decisão abaixo e participe dos fóruns de discussões na perspectiva de se garantir a homologação do Tombamento do Encontro das Águas como patrimônio do povo brasileiro:

"5. De tudo quanto foi pontuado, a impressão que exsurge é que há pressuposto suficiente para o deferimento, ao menos em parte, da medida pleiteada pelo Iphan, vistos os fatos pela vertente da lesão à ordem pública - "... a situação e o estado de legalidade normal, em que as autoridades exercem suas precípuas atribuições e os cidadãos as respeitam e acatam, sem constrangimento ou protestos." -, cujo conceito abrange a ordem administrativa em geral, caracterizada na hipótese como a normal execução do serviço público ou o devido exercício das funções da
Administração pelas autoridades constituídas.

A decisão de primeiro grau, mesmo bem intencionada, invade a esfera da Administração Pública, no exercício das suas regulares atividades, consubstanciada na opção pela suspensão do tombamento do fenômeno natural denominado "Águas Emendadas", a partir, inclusive, do seu tombamento provisório, sob o fundamento de que "o processo de tombamento deve passar pelas mesmas fases comuns a todo processo administrativo, ou seja, instrução, defesa, relatório e julgamento" (fl. 47). Segundo Celso Antônio Bandeira de Mello,

Induvidosamente, havendo litígio sobre a correta subsunção do caso concreto a um suposto legal descrito mediante conceito indeterminado, caberá ao Judiciário conferir se a Administração, ao aplicar a regra, se manteve no campo significativo de sua aplicação ou se o desconheceu.

Verificado, entretanto, que a Administração se firmou em uma intelecção perfeitamente cabível, ou seja, comportada pelo conceito ante o caso concreto - ainda que outra também pudesse sê-lo - desassistirá ao Judiciário assumir est'outra, substituindo o juízo administrativo pelo seu próprio.

É que aí haveria um contraste de intelecções, igualmente possíveis. Ora, se a intelecção administrativa não contrariava o direito - este é o pressuposto do tópico sub examine - faleceria título jurídico ao órgão controlador de legitimidade para rever o ato, conforme dantes se disse.
Na mesma senda - correta subsunção do caso concreto a um suposto legal descrito mediante conceito indeterminado - pontua Sônia Rabello de Castro:

Tão importante quanto a coerência de critérios técnicos para casos análogos é a explicitação dos motivos que levaram a autoridade a adotar este ou aquele critério. Não obstante a lei tenha dado à autoridade poder discricionário para decidir quanto à conveniência e oportunidade para adoção do critério que julgar mais adequado e pertinente, isto não significa a possibilidade de não se ter critérios, ou de não explicitá-los. Não se pode admitir, no ato administrativo, a ausência de motivo - falta do critério, no caso. E ainda que este exista, a falta de sua menção impossibilitaria ao administrado o controle de sua legitimidade, o que também não é de se admitir. O que não cabe, como é pacífico na doutrina e na jurisprudência é questionar o mérito do critério adotado.

Havendo várias possibilidades técnicas, está dentro do âmbito da discricionariedade do poder público, no caso, a escolha de qualquer dessas; a adoção de uma ou de outra é imponível pelo particular, bem como não cabe levá-la a apreciação do Judiciário.

Embora não se discuta a importância ou necessidade de audiências e consultas públicas para instruir o processo de tombamento - questão a ser analisada nos recursos ordinários -, o fato é que a realização desse procedimento não acarreta nenhuma lesão aos bens resguardados pelo instrumento jurídico processual em discussão.

No entanto, a suspensão do tombamento provisório - ato administrativo que não impede a materialização do direito à defesa e ao contraditório - pode acarretar severo prejuízo ao interesse público na preservação do monumento natural em tela, que, além da sua importância geomorfológica, arqueológica e cultural para a região, constitui fenômeno simbólico de toda a Região Amazônica, conhecido mundialmente.

Na esteira desses pontos, vislumbra-se a possibilidade de grave lesão à ordem pública, tão só no que se refere à suspensão do tombamento provisório, instituto criado pelo legislador para preservar, em nível cautelar, as características do bem que se quer proteger, até a inscrição definitiva do bem no livro do tombo, se esse for o caso, com os devidos procedimentos.

6. Pelo exposto, defiro em parte a suspensão pleiteada, tão somente quanto aos efeitos do tombamento provisório, que fica mantido para todos os efeitos legais. O restante da decisão terá a sua eficácia plena. Comunique-se, com urgência, ao juízo prolator da decisão. Preclusas as vias impugnatórias, arquivem-se os autos.

Brasília, 29 de setembro de 2011.

Desembargador Federal OLINDO MENEZES

[...] SUSPENSÃO DE LIMINAR OU ANTECIPAÇÃO DE TUTELA N. 0048866-88.2011.4.01.0000/AM
RELATOR : DESEMBARGADOR FEDERAL PRESIDENTE
REQUERENTE : INSTITUTO DO PATRIMONIO HISTORICO E ARTISTICO
NACIONAL - IPHAN
PROCURADOR : ADRIANA MAIA VENTURINI
REQUERIDO : JUIZO FEDERAL DA 7A VARA - AM
AUTOR : ESTADO DO AMAZONAS
PROCURADOR : SANDRA MARIA DO COUTO E SILVA
AUTOR : UNIAO FEDERAL
PROCURADOR : ANA LUISA FIGUEIREDO DE CARVALHO

Fonte:http://www.jusbrasil.com.br/diarios/31193687/trf1-05-10-2011-pg-15

MOVIMENTO INDÍGENA DENUNCIA CONTRATAÇÃO DE ONGS E CORRUPÇÃO NA SAÚDE

Lideranças indígenas do Amazonas estão insatisfeitas com o modelo de gestão implementado pela Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), criada em outubro de 2010 pelo Governo Federal e com sede em Brasília. Segundo representantes das povos Marubo, Miranha, Kambeba, Tukano e da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), a contratação de Organizações Não Governamentais (Ongs) para gerir a saúde, que já era praticada quando a administração da área estava sob a responsabilidade da Fundação Nacional de Saúde (Funasa), favorece o desvio de recursos destinados ao setor. Relatos apontam que as Ongs contratadas pela Funasa cooptavam indígenas, que acabavam envolvidos em desvio de combustíveis, alimentos e outros recursos.

A rejeição do modelo de administração terceirizada para gerir a saúde indígena foi tema do pronunciamento realizado nesta quarta-feira (5) pelo deputado Sidney Leite (DEM). O parlamentar divulgou na tribuna da Assembleia Legislativa (ALE-AM) os relatos das lideranças que participaram da audiência pública sobre saúde indígena, concluída na noite da última terça-feira (4).

“A saúde indígena está na UTI. A representante da Sesai em Manaus admitiu que atualmente não há médicos nas aldeias nem uma política de fornecimento de remédios para áreas indígenas. A Sesai está sendo irresponsável ao reproduzir o modelo de contratação de Ongs, que já não dava certo. Enquanto isso, 90% dos índios do Vale do Javari estão com hepatite B ou C e muitos estão com o vírus HIV”, denunciou o deputado, que é membro da Comissão de Direitos Humanos, Cidadania e Assuntos Indígenas da ALE-AM.

Na opinião do antropólogo e professor da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), Ademir Ramos, que participou da audiência, a omissão do Governo brasileiro quanto à saúde dos índios acelera o processo de morte desses povos, contribuindo para que seja feita uma limpeza étnica no território nacional. “O genocídio é, na verdade, um crime histórico, devendo o Brasil, por meio de seus governantes, ser julgado no Fórum das Nações”, destacou.

Para Darci Marubo, uma das lideranças do Vale do Javari, no município de Atalaia do Norte, “a contratação de Ongs é um absurdo”. Ele conta que as Ongs contratadas pela Funasa nos últimos anos cooptavam indígenas da região, que acabavam entrando em esquemas de desvio de combustíveis, alimentos e outros recursos.

Outro problema, segundo Darci, é a contratação de médicos, enfermeiros e técnicos que não conhecem a realidade e a cultura dos povos indígenas. “Precisamos de profissionais comprometidos, que cuidem da gente e não façam só a remoção de mortos e doentes, mas façam a prevenção. Pensávamos que, com a Sesai, as coisas iriam melhorar, mas as mesmas pessoas continuam na administração. São funcionários do Ministério que não vão sair do cargo porque já sabem manobrar direitinho o Governo Federal. Eles fazem de tudo para se livrar dos índios”, afirmou.

A seleção das entidades privadas que vão executar ações complementares de atenção à saúde indígena no Amazonas foi divulgada pelo Ministério da Saúde no fim de setembro. As duas organizações que passaram nos critérios para atuar no Estado foram a Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina (SPDM), sediada em São Paulo, que atenderá aos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (Dseis) do Alto Rio Juruá e do Alto Rio Purus, e a Missão Evangélica Caiuá, com sede em Dourados (Mato Grosso do Sul). A Missão Caiuá será responsável pelo Vale do Javari, Alto Rio Negro, Alto Solimões, Médio Solimões, Manaus, Médio Purus, Parintins e Dsei Yanomami - AM/RR. As entidades terão que apresentar plano de trabalho para atuar no Dsei escolhido no ato da inscrição. O plano deverá detalhar ações para atenção integral à saúde da mulher indígena, da criança e do adolescente, saúde bucal, apoio ao funcionamento das Casas de Saúde do Índio (Casais) e outros campos de atuação.

Segundo dados do Ministério da Saúde, existem 4,9 mil índios de sete etnias que habitam 105 aldeias no Vale do Javari, sendo a etnia Marubo a mais populosa (24,7% da população total). No entanto, Darci Marubo questiona a previsão de escassa contratação de profissionais de saúde para a região. “Serão contratados dois médicos, 33 técnicos de enfermagem e três enfermeiros para o Dsei do Vale do Javari, que tem 8 milhões de hectares”, lamentou.

Falta de gestão é consenso entre os povos

Para o presidente da Organização Indígena de Responsabilidade Sustentável da Amazônia, Jair Miranha (município de Uarini), a gestão feita por Ongs não é a melhor alternativa porque já resultou em corrupção. “Está faltando administração na saúde indígena”, disse.

Já a coordenadora do Instituto Centro de Referência de Apoio à Saúde Indígena em Manaus, Mara Kambeba, é contrária à contratação de profissionais que não possuem qualificação para atender às especificidades das populações. “Temos odontólogos, enfermeiros e técnicos de enfermagem nas bases, que conhecem a realidade do povo indígena. Por que não contratá-los? Ficamos gastando com a capacitação de profissionais sem compromisso. É dinheiro entrando pelo ralo”, frisou.

O coordenador da Coiab, Marcos Apurinã, afirmou que as decisões da Sesai estão frustrando a expectativa que havia sido criada pelas lideranças, durante o processo de construção da secretaria. “Pensávamos que a nossa cultura iria prevalecer. Não imaginávamos que as decisões seriam tomadas de cima para baixo. Estamos indignados com essa gestão que mal começou”.

Ele criticou ainda a ausência do titular da Sesai, Antônio Alves de Souza, que não compareceu à audiência pública. “Essa transição entre a Funasa e a Sesai vai completar um ano e não termina. Será que cada um está querendo pegar sua canoa e remar sozinho?”, questionou.

Grupo de Trabalho

Como resultado da audiência pública promovida na ALE-AM, os parlamentares, lideranças indígenas e instituições convidadas para o debate formaram um Grupo de Trabalho (GT), que será coordenado pela Secretaria de Estado para os Povos Indígenas (Seind), para adotar ações imediatas neste processo de transição e discutir diretrizes estratégicas para um novo modelo de gestão da saúde indígena no Estado.

De acordo com o deputado Sidney Leite, o GT será formado pela Secretaria de Estado da Saúde (Susam), Funasa, Sesai, Fundação Nacional do Índio (Funai), Comissões de Saúde e de Direitos Humanos da ALE-AM, universidades e lideranças indígenas.

“Precisamos ampliar a discussão porque as dificuldades não estão restritas à assistência à saúde. Há falta de peixe em alguns rios, há consumo de drogas lícitas e ilícitas nas aldeias e aumento da violência”, explicou o parlamentar.

TOMBAMENTO DO ENCONTRO DAS ÁGUAS: VITÓRIA DA CIDADANIA

"A manifestação do desembargador representa uma vitória da cidadania ambiental. Pena que o Governo do Estado insista em continuar na contramão da história", afirmou o deputado Luiz Castro. A mudança de postura estadual, segundo o deputado, deve partir da Secretaria de Desenvolvimento Sustentável (SDS), que precisa rever a posição de apoiar o empreendimento empresarial no maior símbolo ecológico e turístico do Amazonas.

A decisão do desembargador presidente do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), Olindo Menezes, de restaurar o tombamento doEncontro das Águas reforça a necessidade de se buscar alternativas para construção de um novo porto para atender, principalmente as demandas logísticas do Pólo Industrial de Manaus. A análise é do deputado Luiz Castro que hoje, da tribuna da Assembléia Legislativa elogiou a decisão do desembargador que impede temporariamente qualquer tipo de construção no local.

A proposta do deputado Luiz Castro para sanar o impasse que se arrasta há três anos, é o levantamento por parte do Governo do Estado, das condições técnicas para a construção do porto na área do Puraquequara se os estudos permitirem, onde já foi feito análise para a implementação do Pólo Naval do Estado. "Se há condição para efetivação de um Polo Naval, porque não deixar espaço para um porto no local?", questionou. O deputado propõe que o Governo do Estado faça a desapropriação da área das Lajes para a criação de um parque estadual que valorize o turismo no local e para ceder, via permuta, uma outra área no Puraquequara, para viabilizar o projeto do porto. "É preciso uma solução que garanta o patrimônio ambiental e turístico do Encontro das Águas", defendeu Castro.

Quanto ao licenciamento da obra, o presidente do TRF-1 Olindo Menezes argumentou que o Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam) privilegiou a empresa Lajes Logística S.A com a Licença de Instalação (LI) Nº 134/11, autorizandoa construção do Terminal Portuário das Lajes em área extremamente sensível e de alta importância para a preservação do bem protegido, onde se dá o ápice do Encontro das Águas. O que não poderia ter sido feito sem a devida consulta ao IPHAN porque no dia 02 de agosto, data em que o Governo do Amazonas concedeu a licença a empresa privada para construção do porto, o tombamento estava em plena vigência.

O parlamentar aproveitou ainda para saudar as pessoas que voluntariamente estão unidas no movimento S.O.S. Encontro das Águas com o objetivo de garantir a permanência do mais representativo cartão postal da cidade de Manaus. "Não há turista que não busque conhecer o Encontro das Águas. Então é preciso preservá-lo e incentivar ainda mais o turismono local", disse.

O TOMBAMENTO DO ENCONTRO DAS ÁGUAS SEGUNDO O IPHAN

O Tribunal Regional Federal – TRF da 1ª Região deferiu, a pedido do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Iphan, suspensão da execução da tutela, concedida em sentença pela 7ª Vara da seção judiciária do Amazonas, no processo movido pelo governo do estado, que pleiteava a anulação do tombamento do Encontro das Águas dos rios Negro e Solimões. Assim, a partir de agora, estão em vigor os efeitos do tombamento confirmado pelo Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural, em novembro de 2010. Com essa decisão, o Iphan deve ser consultado antes de qualquer intervenção que venha a ser feita na área tombada para avaliar se há ou não riscos ao tombamento.

Em sua decisão, o desembargador Olindo Menezes, presidente do TRF da 1ª Região, afirmou que a “anulação do tombamento pode acarretar severo prejuízo ao interesse público na preservação do fenômeno simbólico de importância geomorfológica, arqueológica e cultural”. Ainda segundo o desembargador, "vislumbra-se a possibilidade de grave lesão à ordem pública, tão só no que se refere à suspensão do tombamento provisório, instituto criado pelo legislador para preservar, em nível cautelar, as características do bem que se quer proteger, até a inscrição definitiva do bem no livro do tombo”.

No final de 2010, o Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural confirmou o tombamento provisório e demarcou uma área protegida de 10 km contínuos do encontro dos rios pelo valor arqueológico, etnográfico e paisagístico. Para o Iphan, o Encontro das Águas no Amazonas entre os rios Negro e Solimões é coberto de excepcionalidades e singularidades. Entre seus principais destaques estão o volume e a vazão das águas dos dois rios no momento do encontro. Os primeiros três quilômetros são marcados por uma linha quase rígida onde, à margem direita estão as águas claras e barrentas do Solimões e à esquerda, as escuras e transparentes do Rio Negro. Todos os seus aspectos configuram o Encontro das Águas no Amazonas como um dos maiores patrimônios paisagísticos do Brasil.

Fonte:http://portal.iphan.gov.br/portal/montarDetalheConteudo.do?id=16243&sigla=Noticia&retorno=detalheNoticia

PAIS ARMADOS: FILHOS PREPARADOS PARA MATAR

Ellza Souza (*)

O mundo tumultuado que vemos hoje nas manchetes de jornais e programas de televisão quase sempre tem como pano de fundo a corrupção que muitas vezes fazemos “vista grossa” para justificar desmandos de quem rouba mas faz e que desvia dinheiro público para benefício próprio. Tal atitude está cada vez mais nos levando para os extremos de uma violência inacreditável. A cada notícia dantesca reviramos as nossas entranhas tão impossibilitadas de reagir, de evitar, e de entender o acontecido. A cada dia parece que os fatos violentos vão se superando e tem mais audiência quem mostra o pior, o inverossímil, o mais sangrento. E a coisa vai rolando e a bola de neve volta em maior proporção. A impressão que tenho é que a volta vem com novo aprendizado, com uma vontade de fazer igual ou pior, e para uma mente atormentada e doente as imagens mostradas nos noticiários são como lições para quem ainda não aprendeu e está curiosamente atento a novos aprendizados como as crianças, adolescentes, doentes mentais (abandonados à sua própria sorte), os envolvidos com drogas que estão aí soltas nas escolas, nas festas, nos grandes eventos.

Não há dúvida de que as crianças levam as armas dos pais para a escola. Como no caso do menino de 10 anos que após atirar na professora, se matou. O pai, que precisa de uma arma em seu trabalho de segurança, acha que não tem culpa pois sua arma é legal e os filhos eram bem orientados quanto ao lugar em que era guardada. Será? Arma é arma, legal ou não, e o ser humano também guarda muito bem guardado a sua essência, principalmente os mais jovens facilmente manipulados pela televisão e internet quando o assunto é a violência. Desde que me entendo por gente que escuto essas histórias de crianças que pegam as armas do pai e se envolvem em acidentes graves e mortais. O pior é que agora a barbárie chega ao interior das escolas, um lugar antes inexpugnável onde só cabia o aprendizado, o desenvolvimento ético e social, a atividade física, a segurança de que os filhos estavam realmente em boas mãos.

Tá na cara que existe uma guerra horrorosa onde as condições são ruins para todos, professores, alunos e os pais que jamais esperam que aconteça o que aconteceu com o garoto Davi que sem nenhum motivo aparente atirou na professora e atirou em sua própria cabeça, num ato que só tem uma explicação: a própria arma dentro de casa, à mão da curiosidade de seres imaturos e fragilizados de quem não sabe ainda discernir o certo do errado, o perigoso do seguro, o bem do mal.

As crianças são vulneráveis aos estímulos e quando não são bem estimuladas trilham o mais fácil e se acomodam no pior dos caminhos. E como a sociedade, individualista, acha que se fechando em castas vai resolver a ascensão da violência, se engana mais uma vez. Vassourada na corrupção, reação de alguma forma, atenção dos pais a pequenos delitos dos filhos, ouvir os alunos, preservar a dignidade dos professores.

O bandido, em qualquer instância, galga espaço porque encontra a impunidade pelo caminho. Assim os filhos dentro de casa. O ser humano é assim e precisa de regras, de freios para entender o seu limite. Tudo dentro da maior liberdade possível que é o bom senso. E do saber viver em coletividade. Existe um versinho oriental que diz: “Meu jardim” disse o rico e o jardineiro, sorriu...Entre o sorriso do jardineiro e a afirmação do rico vai uma grande distância que precisa ser encurtada. Pela convivência pacífica senão todos sofreremos agressões. Do próprio semelhante e da natureza.

(*) É jornalista, escritora e articulista do NCPAM/UFAM.