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terça-feira, 11 de novembro de 2008

REUNIÃO DO G-20: IMPLICAÇÕES E PERSPECTIVAS




Renan Martins Moreira*

Longe de resolver os impasses da maior crise do capitalismo após a queda da bolsa em 1929, a reunião do G-20, grupo composto pelos ministros de finanças e presidentes dos bancos centrais das 20 (vinte) maiores economias mundiais, terminou sem muitos avanços no tocante a propostas concretas para se tentar superar os entraves econômicos atuais.

Mesmo sem muitos progressos, a reunião do G-20 é bastante representativa no sentido de se pensar uma perspectiva de condução econômica mais ampla. Quando o Presidente da República Luís Inácio Lula da Silva em seu discurso profere não ser possível, isoladamente, o grupo minoritário formado pelos sete países mais industrializados do mundo (G-7) conduzir os rumos da economia mundial, é, não apenas fragmentos de um discurso ideológico, mas, sobretudo, uma possibilidade cada vez mais real, mesmo que talvez indesejável do ponto de vista do G-7.

Logicamente, o G-7 possui total amplitude de domínio em relação aos mercados internacionais, no entanto, a crise econômica, além de demonstrar a fragilidade do sistema capitalista neoliberal e dos seus efeitos em que concerne à desregulamentação, deu maior voz e espaço para as principais economias emergentes, dentre as quais estão o Brasil, a Rússia, a China e a Índia.

Esses países vêm, nos últimos anos, ganhando espaços consideráveis nas negociações mundiais entre os mais diversos setores. Além disso, é perceptível que eles também tem se constituído como grandes líderes nas políticas dos blocos regionais e suas decisões têm aumentado o peso e reflexo no âmbito da economia global.

Nesse aspecto, a China chega até dispensar maiores explanações, é o país com a maior taxa de crescimento econômico do mundo, possui um gigantesco mercado interno, bem como propulsão externa bastante superior aos demais países. Ao anunciar, por exemplo, um pacote de quase 600 bilhões de dólares, o governo chinês deu não somente um novo fôlego às bolsas de valores em todo o mundo, não obstante, ratificou também seu poder econômico imprescindível quanto às discussões dos rumos das finanças mundiais.

Da mesma forma, Brasil e Índia têm tomado lugar de fundamental importância política nas negociações sobre propostas para o enfrentamento da crise, a própria reunião do G-20 esteve pronunciando esse fato. É evidente que seria prematura a afirmação de uma nova configuração, mais ampla e aberta, de decisões sobre a orientação econômica no mundo, todavia, é hialina a insegurança em relação aos controles implantados pelos países mais industrializados na economia.

Nesta sexta, dia 14, em Washington, o G-20 se reúne para por em pauta novamente sobre quais direções serão tomadas no que diz respeito à crise. Talvez as principais lideranças políticas emergentes do grupo não tenham força suficiente para estabelecer de forma concreta propostas de reorganização econômica, todavia, há uma grande perspectiva de que as discussões obtidas em São Paulo, haverá de refletir intensamente os embates a serem estabelecidos na capital Norte-Americana. Dessa forma, caberá a todos nós esperar.

* O Autor é Graduado em Administração Pública pela Universidade do Estado do Amazonas - UEA e colaborador do NCPAM.

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

ENTENDA A CRISE ECONÔMICA PELA ÓTICA DE KARL MARX


Jorge Grespan*


Durante muito tempo, Marx foi um dos raros autores que se preocupou com o fenômeno das crises econômicas, considerando-as inevitáveis e inerentes ao sistema capitalista. A maioria dos economistas insistia na capacidade harmonizadora do mercado, relegando as crises a um segundo plano, como algo apenas casual e externo. Outros - mais respeitados por Marx, como Ricardo ou o suíço Sismonde de Sismondi (1773-1842) - até reconheciam a importância delas, mas as concebiam como um limite com o qual o sistema econômico deveria saber lidar. Depois, até em todo o século 20, registra-se um movimento pendular entre fases de predomínio teórico do harmonicismo e fases em que crises violentas, como a de 1929 ou a dos anos 1970, forçaram a incorporação delas ao pensamento econômico aceito pela tradição acadêmica e de instituições oficiais.

Mesmo nesse caso, contudo, as crises se revestem de um caráter funcional, entendidas como mal necessário ou como crises de crescimento, ou ainda, na melhor das hipóteses, como indicadores da incapacidade do setor privado resolver seus problemas sem a intervenção do Estado.

Na teoria de Marx, por outro lado, elas revelam a emergência da dimensão negativa de um sistema marcado pela contradição. Ao contrário do pensamento econômico tradicional, aqui a crise está intimamente associada à crítica. Mas não a uma crítica subjetiva de alguém que analisa de fora e condena, e sim a uma crítica objetiva: desnudando a dimensão negativa no mau funcionamento do sistema, indica-se como o próprio sistema realiza uma espécie de autocrítica. Se o capital é valor que se valoriza, os momentos em que ele desvaloriza o valor existente de maneira inevitável, comprometendo assim a base de seu crescimento, são momentos em que ele mesmo se contradiz, negando as condições de sua existência.

Dito desse modo parece pouco problemático. Mas a teoria das crises de Marx permitiu leituras diversas e conflitantes até entre seus seguidores. Houve quem as atribuísse a meros desequilíbrios entre os setores da economia, ou a uma incapacidade crônica da produção criar mercados, devido às condições antagônicas da distribuição dos produtos no capitalismo; houve ainda os que as circunscreviam ao âmbito financeiro, como se o da produção já não fosse contraditório.

A controvérsia surgiu da forma complexa de apresentação das categorias na teoria de Marx. Há passagens que justificam uma ou outra das interpretações, e na seqüência a desacreditam. O problema pode ser equacionado, no entanto, levando-se em conta o todo da obra e, principalmente, o projeto de Marx desdobrar cada forma do sistema como resultado da negatividade das formas anteriores, indo do mais geral ao mais específico e intrincado.

Em primeiro lugar, então, é preciso retomar o aspecto geral. Nesse sentido: "O capital é trabalho morto, que apenas se reanima, à maneira dos vampiros, sugando trabalho vivo e que vive tanto mais quanto mais trabalho vivo suga". Vimos como essa passagem sintetiza bem a contradição constitutiva do capital em sua relação com a força de trabalho. Mas um aspecto central deve agora ser acrescentado. É que, ao comprar e incorporar a força de trabalho, o capital está também se apropriando da capacidade de medir o valor, que o trabalho abstrato possui numa sociedade de troca de mercadorias. O capital adquire com isso não só a propriedade de se valorizar como a de medir essa valorização; ele se valoriza e se mede.

Mas a sua relação com a mensuração é contraditória, como também sua relação com a valorização, porque ambas derivam da oposição entre capital e trabalho. Ao mesmo tempo que integra a força de trabalho, o capital também precisa negá-la, substituindo-a por máquinas; ou seja, ao mesmo tempo que adquire a capacidade de se medir, o capital reitera que essa capacidade pertence a um agente que ele mesmo põe como seu oposto. Perde então as suas medidas.

Em todos os níveis da apresentação das categorias de O Capital, aparece essa determinação contraditória da medida e da desmedida. É por ela que vão se definindo em cada nível os distintos conceitos de crise. Se algum deles for isolado dos demais, pode parecer que oferece a única definição possível, invalidando as outras - caminho seguido por grande parte dos intérpretes de Marx. Mas, de fato, também o conceito de crise obedece à forma da apresentação que vai do mais geral ao mais complexo, também ele vai enriquecendo seu conteúdo junto com o conceito de capital.

Marx faz questão de indicar a possibilidade de crise já no nível da produção e circulação de mercadorias, refutando qualquer pretensão de que o mercado pudesse ser sempre harmônico. Aqui, a medida aparece na passagem fluida entre compras e vendas, quando há correspondência entre as quantidades do que se produz e do que se demanda; a desmedida, ao contrário, é quando não ocorre tal correspondência, interrompendo o movimento.

A forma desse movimento é descrita por Marx em termos: "[] o percurso de um processo através de duas fases opostas, sendo essencialmente, portanto, a unidade das duas fases, é igualmente a separação das mesmas e sua autonomização uma em face da outra. Como elas então pertencem uma à outra, a autonomização [] só pode aparecer violentamente, como processo destrutivo. É a crise, precisamente, na qual a unidade se efetua, a unidade dos diferentes".

A compra e a venda de mercadorias, em primeiro lugar, são as "fases opostas" do processo em que se vende para comprar. Como se realizam pela mediação do dinheiro, elas assim se "separam e autonomizam uma em face da outra", podendo não coincidir. Mas a crise não assinala simplesmente o momento negativo, da não coincidência, e sim a impossibilidade de que essa situação permaneça por muito tempo.

Como as fases de compra e venda se diferenciaram por força de um processo único, que dialeticamente tem de se realizar mediante sua diferenciação em duas fases, chega um momento em que essa autonomia não pode prosseguir. A unidade do processo se afirma, mas como reação violenta à autonomização das fases. No mercado como um todo, a discrepância possível entre compras e vendas precisa ser corrigida e, quando isso acontece, verifica-se a incompatibilidade entre os valores daquilo que se comprou e agora tem de pagar com o dinheiro de uma venda que pode não ocorrer. Segue-se um ajuste violento de contas, e valores simplesmente desaparecem.

Essa forma geral da crise se reapresenta quando a finalidade é definida pelo capital como a de "comprar para vender". A discrepância ocorre no mercado de trabalho, ou nas compras e vendas recíprocas dos vários setores em que se divide a produção entre os capitalistas, ainda mais considerando que tudo isso se realiza pela concorrência. A discrepância de valores significa então que alguns terão prejuízo, talvez grande, vindo a falir. Parte do capital existente se desvaloriza, negando o próprio conceito de valor que se valoriza.



* Professor do Departamento de Hisória da USP. Doutor em História e Economia pela USP, com pós-doutorado pela Universidade de Berlim, na Alemanha. O texto é extraído do capítulo "Crises e Finanças" do livro Folha Explica - Karl Marx, Jorge Grespan.