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sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

UM ESPECTRO RONDA O MUNDO...

Portanto, Marx está de volta, para o bem ou para o mal. Ele voltou para nos lembrar que o modo de produção capitalista, este monstro terrível desejando subjugar tudo e modelar a sua própria imagem, tem, em seu próprio bojo, o germe da sua ruína, em seu âmago, a sua própria imperfeição, em sua essência, a chave para seu aniquilamento...

Ricardo Lima*

Hard Times... Mais uma vez o capitalismo enfrenta uma de suas crises e os defeitos a ele inerentes começam a tornar-se mais nítidos; as idéias que outrora o ratificavam começam a ser questionadas; num processo lento, mas contínuo, os paradigmas de um processo histórico em decadência são substituídos por outros.

Assim ocorrera com o feudalismo, com o mercantilismo, com o capitalismo industrial, o Estado do Bem Estar Social, o socialismo real e, agora, acontece com o neo - liberalismo...

Hard Times... Mais uma vez o sistema, por meio de sua lógica implacável, nos mostra o quanto é imperfeito, e como tudo que parecia tão sólido, na modernidade, se desmancha no ar...

Tudo que é sólido desmancha no ar. Uma das mais conhecidas e, talvez, a mais enigmática frase de Marx, que até se tornou titulo do belíssimo ensaio de Marshall Berman, sintetiza bem o espírito moderno, espírito este que se renova, que se reinventa e que se destrói, como um furacão tétrico que, arregimentando tudo em volta, consome a si mesmo. O poeta americano Henry Miller descreveu muito bem o dilema do homem que vive a época moderna:

Eis o destino que confronta o homem moderno: fixado no fluxo, não morre, mas desmorona feito estátua, desintegra-se e se desfaz no nada.

Portanto, Marx está de volta, para o bem ou para o mal. Ele voltou para nos lembrar que o modo de produção capitalista, este monstro terrível desejando subjugar tudo e modelar a sua própria imagem, tem, em seu próprio bojo, o germe da sua ruína, em seu âmago, a sua própria imperfeição, em sua essência, a chave para seu aniquilamento...

Por isso seus escritos são agora um dos mais vendidos na Europa, mais uma vez ele é lido, comentado, estudado; é recolocado, outra vez, entre os maiores pensadores econômicos de todos os tempos; é a vingança de um clássico que vem nos assombrar, como o espectro do pai de Hamlet, com sua analise correta, com suas ponderações perspicazes, com seu estilo ferino e inconfundível de todo grande escritor...

Aquele homem de temperamento irascível, que passara por inúmeras dificuldades para levar a cabo o seu projeto intelectual, tantas vezes considerado por certos intelectuais como um ser anacrônico, como simples ideologia ou, quando muito, como um arremedo de pensamento filosófico, foi uma estrela, não apenas no FSM em Belém, mas também no fórum de Davos, onde, na tentativa de encontrar soluções para uma das crises mais terríveis desde 1929, os lideres mais importantes do planeta usaram parte dos seus paradigmas, mesmo de forma indireta, para salvar o sistema...

As idéias sobre protecionismo e uma maior presença do poder público, no sentido de direcionar de maneira mais energética a economia, outrora esquecidas durante os anos áureos do neoliberalismo, ganham cada vez mais força, um dos seus mais ilustre defensores, o premio Nobel de economia de 2008, Paul Krugman, já declarou que a única forma de sair desta crise é aumentando os investimentos públicos; Obama já recentemente disponibilizou uma pacote gigantesco, 819 bilhões de dólares, para salvar os banqueiros esfaimados e os trabalhadores em situação de risco.

Hard Times... Quando o livre mercado mostra que não pode se auto regular, as idéias de um "anacronismo filosófico" ganham força, os liberais correm pedindo socorro do poder público, o mesmo poder publico, o mesmo que tanto sentenciavam com supérfluo. Como dissera Lula Molusco, o mercado é apenas um adolescente que, quando em dificuldades, volta correndo para as asas do Estado...


Ao contrario do que os consercadores pensavem, Marx não é tão anacronico assim...

*Editor e pesquisador no NCPAM

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

DIÁLOGOS

Adam Smith e Marx dialogam sobre o desmonte do capitalismo financeiro



Antoni Domènech - Fonte: Sin Permiso

O professor Antoni Domènech, catedrático de Filosofia Moral na Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade de Barcelona e editor da revista SinPermiso, produziu um diálogo fictício entre Adam Smith e Karl Marx sobre a crise atual do capitalismo.

Karl Marx: Viste, velho, que esse menino, Joseph Stiglitz, anda dizendo por aí que o colapso de Wall Street equivale à queda do Muro de Berlim e do socialismo real?

Adam Smith: Não é para ficar contente, nem eu nem tu. E tu, menos ainda que eu, Carlos.

Karl Marx: Cara, por conta do suicídio do capitalismo financeiro, meu nome voltou a estar na moda; meus livros, segundo informa o The Guardian, se esgotam. Até os mais conservadores, como o ministro das finanças da Alemanha, reconhecem que em minha teoria econômica há algo que ainda vale à pena levar em conta...

Adam Smith: Não me venhas agora com vaidades acadêmicas mesquinhas post mortem, Carlinhos, já que em vida jamais te abandonaste a esse tipo de coisa. Eu falo num sentido mais fundamental, mais político. Nenhum dos dois pode estar contente e, te repito, tu menos ainda que eu.

Karl Marx: Sim, e aí?

Adam Smith: O “socialismo real” que se construiu em teu nome e não tinha nada a ver contigo. Pelo menos tu, sim, te identificaste como “socialista”. Eu, por outro lado, nem sequer jamais chamei a mim mesmo de “liberal”! Isso de “liberalismo” é uma coisa do século XIX (a palavra, como tu sabes, foi inventada pelos espanhóis em 1812), e vão e a atribuem a mim, um cara que morreu oportunamente em 1793. É ridículo!Como isso foi me acontecer?

Karl Marx: Já vejo por onde estás indo. Queres dizer que nem a queda do Muro de Berlim nem o colapso do capitalismo financeiro em 2008 têm muito a ver nem contigo nem comigo, mas que, ainda assim, nos jogam as responsabilidades?

Adam Smith: Exatamente. Mas em teu caso é pior, Carlos. Porque tu, sim, te disseste socialista. A mim pouco importa o “liberalismo”, qualquer liberalismo. Não há o que explicar a ti, precisamente um de meus discípulos mais inteligentes, que nem minha teoria econômica nem minha filosofia moral tinham nada a ver com o tipo de ciência econômica, positiva e normativa, que começou a impor-se nos teus últimos anos de vida, isso a que tu ainda chegaste a chamar “economia vulgar” e que tanto agradou aos liberais de tipo decimonônico.

Karl Marx: Claro, tu e eu ainda fomos clássicos. Depois veio essa caterva vulgar de neoclássicos, incapazes de distinguir qualquer coisa.

Adam Smith: Por exemplo, entre atividades produtivas e improdutivas, entre atividades que geram valor e riqueza tangível e atividades econômicas que se limitam a obter rendas não resultantes de trabalho (rendas derivadas da propriedade de bens imóveis, rendas derivadas dos patrimônios financeiros, rendas resultantes de operações em mercados não-livres, monopólicos ou oligopólicos). Nunca deixou de me impressionar a agudeza com que elaboraste criticamente algumas dessas minhas distinções, por exemplo, nas teorias da mais-valia.

Karl Marx: É evidente. Tu falaste repetidas vezes da necessidade imperiosa de intervir publicamente em favor da atividade econômica produtiva. Isso é o que para ti significava “mercado livre”; nada a ver com o imperativo de paralisia pública dos liberais e dos economistas vulgares, incapazes de distinguir entre atividade econômica geradora de riqueza e atividade parasitária visando ao lucro.

Adam Smith: Em meu mercado livre os lucros das empresas verdadeiramente competitivas e produtivas e os salários dos trabalhadores dessas empresas nem sequer teriam que ser tributados. Em troca, para manter um mercado livre no sentido em que defendo, os governos deveriam matar de impostos os lucros imobiliários, financeiros e todas as rendas monopólicas...

Karl Marx: Quer dizer, a tudo o que, depois de terem dado a mim por morto, e em teu nome, Adam, em teu nome!, se fez com que deixassem de pagar impostos nos últimos 25 anos. Haja saco!

Adam Smith: Haja saco, Carlos! Porque o que eu disse é que uma economia verdadeiramente livre, na medida em que estimulasse a riqueza tangível podia gerar - graças, entre outras coisas, a um tratamento fiscal agressivo do parasitismo rentista e da pseudo-riqueza intangível - amplos recursos públicos que poderiam ser destinados a serviços sociais, à promoção da arte e da ciência básica – que é, como a arte, incompatível com o lucro privado -, a estabelecer uma renda básica universal e incondicional de cidadania, como queria meu conterrâneo Tom Paine, etc. Vês, já, Carlos: eu, que não passei de um modesto republicano whig (1) de meu tempo, agora, se quatro preguiçosos, ainda que ignorantes, professorzinhos não me falseassem, e se lessem com conhecimento histórico de causa, até poderia passar por um perigosíssimo socialista dos teus. E te direi, e há de ficar entre nós, que, considerando o que temos visto, a tua companhia resulta bastante grata a mim...

Karl Marx: Na realidade, todo o teu conhecimento, como o de tantos republicanos atlânticos de tua geração, foi posto a serviço do princípio enunciado pelo grande florentino mal-afamado, a saber: que a liberdade republicana não pode florescer em nenhum povo que consinta com a aparição de magnatas e senhores [gentilhuomini], capazes de desafiar a república. E só assim se vê como a falsificação, em teu caso, é pior que no meu: o “socialismo real” abusou aberrantemente da palavra “socialismo”, dando cabimento ao regozijo de meus inimigos; mas tu nem chegaste a te inteirar sobre o que era esse tal de “liberalismo”!

Adam Smith: Quem não se consola é porque não quer, Carlos. O certo é que o que aconteceu nos últimos 30 anos no mundo vai contra tudo o que tu e eu, como economistas e como filósofos morais, queríamos. Olha esses pobres espanhóis, inventores do termo “liberalismo”. A ti e a mim importava sobretudo a distribuição funcional do produto social (isso a que agora tratam como PIB): pois bem, a proporção da massa salarial em relação ao PIB não parou de baixar, na Espanha, e seguiu baixando inclusive depois que o partido até há muito pouco tempo se dizia marxista voltou a assumir o governo em 2004...

Karl Marx: Sim, sim, um horror...Mas é que quando esses meninos supostamente me abandonaram por ti e passaram a se chamar “social-liberais” no começo dos anos 80, o que fizeram foi uma coisa que também teria te deixado de cabelo em pé. Observa que não só retrocedeu a proporção da massa salarial em relação ao PIB, senão que, na Espanha do pelotazo (2) e do enrichisez-vous (3) de Felipe González, o mesmo que na Argentina da “pizza e do champanhe” de Menem e em quase todo o mundo, os lucros empresariais propriamente ditos também começaram a retroceder também em relação aos rendimentos imobiliários, financeiros e as rendas monopólicas, no PIB...

Adam Smith: Como nos arrebentaram, Carlos!

Karl Marx: Não te desesperes, Adam. A história é caprichosa e, quem sabe seja melhor, agora, que comecem a nos levar a sério. Observa que acabaram de dar o Prêmio Nobel a um menino bem danado, que há anos estuda a competição monopólica e resgata Chamberlain e Keynes, esses caras que ao menos se esforçaram para nos entender, a ti e a mim, nos anos 30 do século XX, e que queriam promover a “eutanásia do rentista”...

Adam Smith: - Eu fui um republicano whig bastante cético, Carlos. Não vivi o movimento dos trabalhadores dos séculos XIX e XX e a epopéia de sua luta pela democracia. Não posso entregar-me tão facilmente ao Princípio Esperança (4) daquele famoso discípulo teu, agora, certamente, quase esquecido.

Tradução: Katarina Peixoto

Notas

(1) O Whig Party era o partido que reunia as tendências liberais no Reino Unido e se contrapunha ao Tory Party, dos conservadores. Whig (ou Whigs) é uma expressão de origem popular que se tornou termo corrente na designação do partido liberal no Reino Unido. Esta corrente contribuiu para a formação do atual Partido Democrata Liberal – Liberal Democrats. Também está presente em algumas vertentes do Partido Trabalhista inglês-Labour Party. É profundamente relacionado ao protestantismo calvinista, na sua forma presbiteriana, das sociedades escocesa inglesa. Tem origem nas forças políticas escocesas e inglesas que lutaram a favor de um regime parlamentar protestante: o Whig Party.

O Whig Party foi um dos partidos mais influentes no sistema parlamentar britânico até o fim da Primeira Guerra Mundial, alternando com os Tories na formação do governo britânico. Depois da Primeira Guerra, o partido perdeu importância e foi praticamente substituído pelo partido trabalhista (Labour Party) na alternância do poder político no Reino Unido com os Tories.
(http://pt.wikipedia.org/wiki/Partido_Whig_(Reino_Unido) N.deT.

(2) A cultura do pelotazo, na Espanha, refere-se ao enriquecimento rápido e sem esforço.

(3) Expressão atribuída historicamente a uma suposta afirmação do historiador e político francês François Guizot (1787-1874). Num contexto de restauração de forças conservadoras no poder francês, teria Guizot, segundo consta na tradição do anedotário político, expressado seu entendimento da agenda revolucionária de 1789. Consta que, logo após ter assumido a chefia efetiva do governo, por volta de 1840, ele pronunciou: “Esclareçam-se, enriqueçam, melhorem a condição moral e material da nossa França”. Para outros, Guizot disse isto: “Enriqueçam para o trabalho e para a indulgência e serão eleitores”, respondendo aos detratores do voto censitário. A expressão passou então a ser usada como descrição de um comportamento cínico e privatista, como parece ser o caso nesse diálogo. N.deT.

(4) O Princípio Esperança (editado no Brasil pela Contraponto) é o trabalho mais famoso de Ernst Bloch, de 1959. Sobre Bloch, são dignas de reprodução as seguintes considerações de Michael Löwy: “Teólogo da revolução” e filósofo da esperança, amigo de juventude de Lukács e Walter Benjamin, Ernst Bloch designa a si próprio como um pensador romântico revolucionário. Nascido na cidade industrial de Ludwigschafen, sede da IG Farben (Importante Empresa Química), olhava com espanto e admiração a cidade vizinha, Manheim, velho centro cultural e religioso; como dirá mais tarde numa entrevista autobiográfica, esse contraste entre “a aparência feia, despida e sem delicadeza do capitalismo tardio” - símbolo do “caráter-de-estação-de-trens” (Bahnfof-shaftigkeit) de nossa vida moderna e a antiga cidade do outro lado do Reno, símbolo da “mais radiante história medieval” e do “Santo Império Romano Germânico”, deixou uma profunda marca em seu espírito.

Leitor entusiasta de Schelling desde a adolescência, aluno do sociólogo neo-romântico (judeu) Georg Simmel, em Berlim, Bloch irá participar durante alguns anos (com Lukács) do Círculo Max Weber de Heidelberg, um dos principais núcleos do romantismo anticapitalista nos meios universitários alemães. Testemunhos da época o descrevem como um “judeu apocalíptico catolicizante”, ou como “um novo filósofo judeu...” que se acreditava, com toda evidência, precursor de um novo Messias./ Por essa época (1910-17), havia uma profunda comunhão espiritual entre Bloch e Lukács, de que é possível acompanhar os vestígios em seus primeiros escritos. Segundo Bloch (na entrevista que me concedeu em 1974), “éramos como vasos comunicantes; a água encontrava-se sempre à mesma altura nas duas colunas”. Foi graças a Lukács que ele se iniciou no universo religioso de Mestre Eckhart, Kierkegaard e Dostoiévski – três fontes decisivas para sua evolução espirital. ”In: Redenção e Utopia: o judaísmo libertário na Europa central (Um estudo de afinidade eletiva)”. Trad. Paulo Neves, São Paulo, SP, Companhia das Letras, 1989, p. 120). N. de T.

Publicado no site da Carta Maior.

terça-feira, 11 de novembro de 2008

REUNIÃO DO G-20: IMPLICAÇÕES E PERSPECTIVAS




Renan Martins Moreira*

Longe de resolver os impasses da maior crise do capitalismo após a queda da bolsa em 1929, a reunião do G-20, grupo composto pelos ministros de finanças e presidentes dos bancos centrais das 20 (vinte) maiores economias mundiais, terminou sem muitos avanços no tocante a propostas concretas para se tentar superar os entraves econômicos atuais.

Mesmo sem muitos progressos, a reunião do G-20 é bastante representativa no sentido de se pensar uma perspectiva de condução econômica mais ampla. Quando o Presidente da República Luís Inácio Lula da Silva em seu discurso profere não ser possível, isoladamente, o grupo minoritário formado pelos sete países mais industrializados do mundo (G-7) conduzir os rumos da economia mundial, é, não apenas fragmentos de um discurso ideológico, mas, sobretudo, uma possibilidade cada vez mais real, mesmo que talvez indesejável do ponto de vista do G-7.

Logicamente, o G-7 possui total amplitude de domínio em relação aos mercados internacionais, no entanto, a crise econômica, além de demonstrar a fragilidade do sistema capitalista neoliberal e dos seus efeitos em que concerne à desregulamentação, deu maior voz e espaço para as principais economias emergentes, dentre as quais estão o Brasil, a Rússia, a China e a Índia.

Esses países vêm, nos últimos anos, ganhando espaços consideráveis nas negociações mundiais entre os mais diversos setores. Além disso, é perceptível que eles também tem se constituído como grandes líderes nas políticas dos blocos regionais e suas decisões têm aumentado o peso e reflexo no âmbito da economia global.

Nesse aspecto, a China chega até dispensar maiores explanações, é o país com a maior taxa de crescimento econômico do mundo, possui um gigantesco mercado interno, bem como propulsão externa bastante superior aos demais países. Ao anunciar, por exemplo, um pacote de quase 600 bilhões de dólares, o governo chinês deu não somente um novo fôlego às bolsas de valores em todo o mundo, não obstante, ratificou também seu poder econômico imprescindível quanto às discussões dos rumos das finanças mundiais.

Da mesma forma, Brasil e Índia têm tomado lugar de fundamental importância política nas negociações sobre propostas para o enfrentamento da crise, a própria reunião do G-20 esteve pronunciando esse fato. É evidente que seria prematura a afirmação de uma nova configuração, mais ampla e aberta, de decisões sobre a orientação econômica no mundo, todavia, é hialina a insegurança em relação aos controles implantados pelos países mais industrializados na economia.

Nesta sexta, dia 14, em Washington, o G-20 se reúne para por em pauta novamente sobre quais direções serão tomadas no que diz respeito à crise. Talvez as principais lideranças políticas emergentes do grupo não tenham força suficiente para estabelecer de forma concreta propostas de reorganização econômica, todavia, há uma grande perspectiva de que as discussões obtidas em São Paulo, haverá de refletir intensamente os embates a serem estabelecidos na capital Norte-Americana. Dessa forma, caberá a todos nós esperar.

* O Autor é Graduado em Administração Pública pela Universidade do Estado do Amazonas - UEA e colaborador do NCPAM.

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

ENTENDA A CRISE ECONÔMICA PELA ÓTICA DE KARL MARX


Jorge Grespan*


Durante muito tempo, Marx foi um dos raros autores que se preocupou com o fenômeno das crises econômicas, considerando-as inevitáveis e inerentes ao sistema capitalista. A maioria dos economistas insistia na capacidade harmonizadora do mercado, relegando as crises a um segundo plano, como algo apenas casual e externo. Outros - mais respeitados por Marx, como Ricardo ou o suíço Sismonde de Sismondi (1773-1842) - até reconheciam a importância delas, mas as concebiam como um limite com o qual o sistema econômico deveria saber lidar. Depois, até em todo o século 20, registra-se um movimento pendular entre fases de predomínio teórico do harmonicismo e fases em que crises violentas, como a de 1929 ou a dos anos 1970, forçaram a incorporação delas ao pensamento econômico aceito pela tradição acadêmica e de instituições oficiais.

Mesmo nesse caso, contudo, as crises se revestem de um caráter funcional, entendidas como mal necessário ou como crises de crescimento, ou ainda, na melhor das hipóteses, como indicadores da incapacidade do setor privado resolver seus problemas sem a intervenção do Estado.

Na teoria de Marx, por outro lado, elas revelam a emergência da dimensão negativa de um sistema marcado pela contradição. Ao contrário do pensamento econômico tradicional, aqui a crise está intimamente associada à crítica. Mas não a uma crítica subjetiva de alguém que analisa de fora e condena, e sim a uma crítica objetiva: desnudando a dimensão negativa no mau funcionamento do sistema, indica-se como o próprio sistema realiza uma espécie de autocrítica. Se o capital é valor que se valoriza, os momentos em que ele desvaloriza o valor existente de maneira inevitável, comprometendo assim a base de seu crescimento, são momentos em que ele mesmo se contradiz, negando as condições de sua existência.

Dito desse modo parece pouco problemático. Mas a teoria das crises de Marx permitiu leituras diversas e conflitantes até entre seus seguidores. Houve quem as atribuísse a meros desequilíbrios entre os setores da economia, ou a uma incapacidade crônica da produção criar mercados, devido às condições antagônicas da distribuição dos produtos no capitalismo; houve ainda os que as circunscreviam ao âmbito financeiro, como se o da produção já não fosse contraditório.

A controvérsia surgiu da forma complexa de apresentação das categorias na teoria de Marx. Há passagens que justificam uma ou outra das interpretações, e na seqüência a desacreditam. O problema pode ser equacionado, no entanto, levando-se em conta o todo da obra e, principalmente, o projeto de Marx desdobrar cada forma do sistema como resultado da negatividade das formas anteriores, indo do mais geral ao mais específico e intrincado.

Em primeiro lugar, então, é preciso retomar o aspecto geral. Nesse sentido: "O capital é trabalho morto, que apenas se reanima, à maneira dos vampiros, sugando trabalho vivo e que vive tanto mais quanto mais trabalho vivo suga". Vimos como essa passagem sintetiza bem a contradição constitutiva do capital em sua relação com a força de trabalho. Mas um aspecto central deve agora ser acrescentado. É que, ao comprar e incorporar a força de trabalho, o capital está também se apropriando da capacidade de medir o valor, que o trabalho abstrato possui numa sociedade de troca de mercadorias. O capital adquire com isso não só a propriedade de se valorizar como a de medir essa valorização; ele se valoriza e se mede.

Mas a sua relação com a mensuração é contraditória, como também sua relação com a valorização, porque ambas derivam da oposição entre capital e trabalho. Ao mesmo tempo que integra a força de trabalho, o capital também precisa negá-la, substituindo-a por máquinas; ou seja, ao mesmo tempo que adquire a capacidade de se medir, o capital reitera que essa capacidade pertence a um agente que ele mesmo põe como seu oposto. Perde então as suas medidas.

Em todos os níveis da apresentação das categorias de O Capital, aparece essa determinação contraditória da medida e da desmedida. É por ela que vão se definindo em cada nível os distintos conceitos de crise. Se algum deles for isolado dos demais, pode parecer que oferece a única definição possível, invalidando as outras - caminho seguido por grande parte dos intérpretes de Marx. Mas, de fato, também o conceito de crise obedece à forma da apresentação que vai do mais geral ao mais complexo, também ele vai enriquecendo seu conteúdo junto com o conceito de capital.

Marx faz questão de indicar a possibilidade de crise já no nível da produção e circulação de mercadorias, refutando qualquer pretensão de que o mercado pudesse ser sempre harmônico. Aqui, a medida aparece na passagem fluida entre compras e vendas, quando há correspondência entre as quantidades do que se produz e do que se demanda; a desmedida, ao contrário, é quando não ocorre tal correspondência, interrompendo o movimento.

A forma desse movimento é descrita por Marx em termos: "[] o percurso de um processo através de duas fases opostas, sendo essencialmente, portanto, a unidade das duas fases, é igualmente a separação das mesmas e sua autonomização uma em face da outra. Como elas então pertencem uma à outra, a autonomização [] só pode aparecer violentamente, como processo destrutivo. É a crise, precisamente, na qual a unidade se efetua, a unidade dos diferentes".

A compra e a venda de mercadorias, em primeiro lugar, são as "fases opostas" do processo em que se vende para comprar. Como se realizam pela mediação do dinheiro, elas assim se "separam e autonomizam uma em face da outra", podendo não coincidir. Mas a crise não assinala simplesmente o momento negativo, da não coincidência, e sim a impossibilidade de que essa situação permaneça por muito tempo.

Como as fases de compra e venda se diferenciaram por força de um processo único, que dialeticamente tem de se realizar mediante sua diferenciação em duas fases, chega um momento em que essa autonomia não pode prosseguir. A unidade do processo se afirma, mas como reação violenta à autonomização das fases. No mercado como um todo, a discrepância possível entre compras e vendas precisa ser corrigida e, quando isso acontece, verifica-se a incompatibilidade entre os valores daquilo que se comprou e agora tem de pagar com o dinheiro de uma venda que pode não ocorrer. Segue-se um ajuste violento de contas, e valores simplesmente desaparecem.

Essa forma geral da crise se reapresenta quando a finalidade é definida pelo capital como a de "comprar para vender". A discrepância ocorre no mercado de trabalho, ou nas compras e vendas recíprocas dos vários setores em que se divide a produção entre os capitalistas, ainda mais considerando que tudo isso se realiza pela concorrência. A discrepância de valores significa então que alguns terão prejuízo, talvez grande, vindo a falir. Parte do capital existente se desvaloriza, negando o próprio conceito de valor que se valoriza.



* Professor do Departamento de Hisória da USP. Doutor em História e Economia pela USP, com pós-doutorado pela Universidade de Berlim, na Alemanha. O texto é extraído do capítulo "Crises e Finanças" do livro Folha Explica - Karl Marx, Jorge Grespan.

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

DEBATE - A CRISE E O PODER GLOBAL DEPOIS DELA


Emir Sader*

Em que medida a crise atual afeta as relações de poder no mundo atual? A nova relação de forças vai depender das disputas sobre quem pagará os pratos quebrados e que tipo de discurso triunfará, como interpretação da crise. Apelar ao Estado, depois de 1929, foi sempre um instrumento inclusive do liberalismo, para recompor as condições de funcionamento do mercado.

Vamos ao que realmente conta: em que medida a crise atual afeta as relações de poder no mundo atual?

Para isso é preciso resumir em que momento da trajetória recente do capitalismo ela se situa e qual a configuração de poder que ela encontra e altera. Vivemos um período histórico marcado por duas grandes viradas – ambas de caráter regressivo: a passagem de um mundo bipolar a outro, unipolar, sob hegemonia imperial estadunidense; a transição de um modelo regulador a outro, de caráter neoliberal, de desregulação.

A transição foi igualmente a de um período longo de caráter expansivo, iniciado no segundo pós-guerra e concluído em 1973, a um período longo de caráter recessivo – porque a desregulação levou à transferência maciça de capitais do setor produtivo ao setor especulativo e, como conseqüência, a um período de baixos índices de crescimento.

Nesse marco, a década passada foi a lua-de-mel do novo período histórico, com o fim da URSS e os EUA, à cabeça do bloco imperialista, com capacidade de impor a “pax americana”, com apoio da ONU e/ou da Otan, desenvolvendo as chamadas “guerras humanitárias” – no Iraque, na Bósnia. Ao mesmo tempo, os EUA lideraram um ciclo curto expansivo, coincidente com o governo Clinton, onde reinou a euforia de uma suposta “nova economia”, que superaria o caráter ciclo da economia capitalista. Foi o auge da hegemonia norte-americana e do modelo neoliberal.

O esgotamento desse ciclo estadunidense - acompanhado das crises nas economias brasileira e argentina, na região onde mais reinava o neoliberalismo – e a reação do governo Bush aos atentados de 2002, vieram alterar esse quadro idílico, da primeira década do novo período histórico. O segundo foi marcado pelas guerras do Iraque e do Afeganistão, pelo surgimento e coordenação de cada vez mais governos do continente em projetos autônomos de integração, assim como pela consolidação do ritmo de crescimento da China.

A crise, iniciada nos EUA e estendida à Europa, ao Japão e ao resto do mundo, se acrescenta a esses elementos para configurar a conjuntura atual. Ela acentua elementos já presentes anteriormente: o declínio econômico dos EUA, a fragilidade de um modelo centrado na acumulação financeira, o avanço de um multipolaridade econômica no mundo, o fracasso dos EUA de resolver militarmente as guerras do Iraque e do Afeganistão. A crise que se instaura, mais forte e prolongada que em outros lugares, nos EUA, enfraquecerá ainda mais essa economia. Porém os EUA utilizam sua capacidade de iniciativa política e de liderança sobre outras potencias centrais, para tentar impor sua solução à crise, exportar seus danos mais graves e buscar se recompor como potência econômica.

Apesar dessas realidades, a nova relação de forças vai depender das disputas sobre quem pagará os pratos quebrados e que tipo de discurso triunfará, como interpretação da crise. Apelar ao Estado, depois de 1929, foi sempre um instrumento inclusive do liberalismo, para recompor as condições de funcionamento do mercado.

Hoje existe uma derrota ideológica forte das ideologias de mercado, quaisquer que sejam as justificativas que se trate de dar. Porém, podem predominar soluções conservadores, mesmo com utilização do Estado, possibilidade mais provável hoje, pela composição de direita do quadro político europeu e japonês. Para as grandes potencias capitalistas se trata de salvar, a qualquer preço, a estruturas econômica-financeira existentes, com intervenções estatais e maciças injeções de dinheiro.

O quadro pós-crise e suas novas configurações de poder estão abertas. Pode se dar um refortalecimento dos EUA como potência hegemônica, conforme ele consiga exportar uma parte dos efeitos negativos da crise, compartilhando com as outras economias centrais, mas principalmente, impondo duras soluções internas para a massa da população norte-americana e, principalmente, para os países da periferia, a começar pelos emergentes.

Esta alternativa será possível será a principal variante da crise não se colocar em funcionamento, isto é, se as maiores economias emergentes e, em particular, os projetos de integração da América Latina, não criarem suas próprias políticas diante da crise e compartilharem – ativa ou passivamente – as políticas das potências centrais do capitalismo. A alternativa, que pode efetivamente mexer no quadro de poder mundial sob os efeitos da crise atual, deve vir, antes de tudo, do aprofundamento dos processos de integração latino-americanos, a começar pelo Banco do Sul – com o avanço decisivo para a criação de uma moeda única regional, de um Banco Central único, de políticas econômicas cada vez mais articuladas, de processos de regulação da circulação de capital, entre outras medidas. O que, por sua vez, implica no aceleramento da implantação e da assunção de responsabilidades por parte do Parlamento do Mercosul, da Unasul, do Conselho de Sul-americano de Defesa.

Ao mesmo tempo, requer o aprofundamento da coordenação dos países do Sul do mundo, para evitar que se exporte para essa região a crise forjada no Norte. E, paralelamente, que se desenhe e se coloque em prática uma visão e uma política de superação da crise desde os interesses do Sul do mundo, que necessariamente aponte para a superação do modelo neoliberal e dos organismos internacionais responsáveis por ela.

O mundo não será o mesmo, passada a crise atual. Abre-se, com ela, uma gigantesca disputa – de interesses e de interpretações – sobre o seu significado e sobre as lições a tirar dela. O Norte busca rearticular-se para defender-se das suas evidentes responsabilidades e tratar de impor suas soluções, exportando grande parte das suas conseqüências negativas. Resta ao Sul do mundo – e à América Latina em particular – saber defender nossos interesses, projetar nossa visão sobre o sentido dessa crise e colocar em prática políticas de superação do neoliberalismo e de criação de um mundo multipolar e pós-neoliberal.


* Emir Sader é professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), coordenador do Laboratório de Políticas Públicas da Uerj e autor, entre outros, de “A vingança da História".

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

O BÊBADO E O EQUILIBRISTA



Breno Rodrigo de Messias Leite*

Há algumas semanas venho me comunicando, via e-mail, com meus amigos da direita e da esquerda. Muitos estão perplexos diante da crise e outros com “um ar” de que já sabiam que isto ia acontecer.

Efetivamente, numa espécie de “terceira-via”, tento, quixotescamente, combater os dois consensos que considero equivocados.

De um lado, o consenso da direita: esta crise representa apenas um movimento cíclico de ajuste do capitalismo, que num primeiro momento precisará da intervenção estatal, para que na sua recuperação, e aí a ortodoxia liberal se faz presente, retome as atividades auto-reguladas do mercado.

Do outro, o consenso da esquerda: esta crise financeira coloca em xeque as virtudes do capitalismo; por ser um sistema marcado pelas contradições – na repetição ad náusea de um certo marxismo – estaria com seus dias contados.

Convergências e paradoxos: Em linhas gerais, concordo relativamente com os dois consensos: de um lado, na necessidade do Estado meter as mãos na economia, como sempre meteu nos momentos de apuros; e que o capitalismo é contraditório e que ruirá um dia. E aí vem o óbvio: qual sistema nunca foi contraditório e nunca ruiu um dia? É a pergunta que não quer calar.

O grande problema é que os dois consensos não percebem a dinâmica da crise na sua particularidade e na sua totalidade. No fundo, a crise surge da combinação bombástica de oferta descontrolada de crédito por parte das instituições financeiras, e excessiva demanda por crédito fácil dos consumidores do setor imobiliário. Trata-se, portanto, de uma crise localizada na lógica da oferta e da demanda que só pode ser entendida se for observada nos seus micro-fundamentos, portanto, na dinâmica das firmas e dos consumidores.

Em economia, quando não há controle de entrada (input) e saída (output) dos interesses envolvidos o resultado é o estado de natureza, a anarquia e, consequentemente, a guerra de todos contra todos, para ficarmos na metáfora hobbesiana. Os agentes racionais – os indivíduos – posicionam-se no sentido de reduzir seus custos e maximizar seus benefícios; as firmas, igualmente, adotam medidas restritivas suspeitando de todos. Pensar que o “bom selvagem”, altruísta e desprovido de interesses, pode reverter o problema é apenas uma especulação, que não encontra fundamentação lógica.

Neste primeiro momento, a crise atinge o coração do sistema financeiro, o causador da própria crise. Todavia, a expansão da crise se propõe a invadir outras arenas, como o setor produtivo que demanda pelos créditos bancários; e claro, os setores primários que precisam do apoio dos governos nacionais na elaboração da política de subsídios.

Diz o ditado que quando você deve $10.000 o problema é seu. Mas quando você deve $10.000.000 o problema é de todos nós. Pelo visto esta lógica persistirá e o Estado vai contribuir no sentido de tentar reverter o status quo e, por que não salvar a economia de sua irracionalidade criativa.

Resta saber quem pagará o pato. Alguém deve pagar a conta da crise. E aí vem o outro lado da história. Em todas as crises cíclicas no sistema capitalista quem paga a conta é a classe operária – a classe mais vulnerável no sistema –, que tem seus os empregos cortados, perde massa salarial, os direitos sociais e trabalhistas são violados, e passa a financiar a maior parcela da tributação no momento de aceleração. Dois pesos e duas medidas num clima de igualdades de oportunidades.

Penso que a esquerda deveria ver a crise com outros olhos. Em vez de comemorar narcisisticamente, recuperando os gritos de guerra do passado, poderia muito bem começar a pensar, por meio dos partidos e dos governos nacionais, estratégias de defesa da classe trabalhadora: respeito inalienável dos direitos sociais, políticos e econômicos conquistados na ordem liberal.

O que vejo, por outro lado, é que as esquerdas das economias centrais não propõem projetos alternativos ao capitalismo. Nos EUA, nos países da Europa Ocidental e na Ásia, por exemplo, o sistema capitalista tornou-se paradoxalmente inerente a própria condição humana. Os indivíduos passaram a agir de acordo com as regras da concorrência acelerada do capital.

As forças questionadoras do capitalismo localizam-se em regiões periféricas como a América Latina e Leste Europeu que combatem o poder unipolar dos EUA e criam blocos de integração regional para proteger suas economias da globalização totalitária. Dessa forma, os Estados nacionais da periferia precisam adotar urgentemente políticas ultra-keynesiana e blindar suas economias dos ataques dos especuladores ou daquilo que se entende como o resíduo da crise.

O tempo é o senhor da razão, por isso a prudência precisa nortear as decisões dos Estados, das organizações e dos indivíduos neste longo caminho que agora se abre.


*Mestrando em Ciência Política (UFPA), bolsista da CAPES e colaborador do NCPAM.

sábado, 4 de outubro de 2008

O IMPENSÁVEL ACONTECEU


Boaventura de Souza Santos*


A palavra não aparece na mídia norte-americana, mas é disso que se trata: nacionalização. Perante as falências ocorridas, anunciadas ou iminentes de importantes bancos de investimento, das duas maiores sociedades hipotecárias do país e da maior seguradora do mundo, o governo dos EUA decidiu assumir o controle direto de uma parte importante do sistema financeiro.

A medida não é inédita, pois o Governo interveio em outros momentos de crise profunda: em 1792 (no mandato do primeiro presidente do país), em 1907 (neste caso, o papel central na resolução da crise coube ao grande banco de então, J.P. Morgan, hoje, Morgan Stanley, também em risco), em 1929 (a grande depressão que durou até à Segunda Guerra Mundial: em 1933, 1000 norteamericanos por dia perdiam as suas casas a favor dos bancos) e 1985 (a crise das sociedades de poupança).

O que é novo na intervenção em curso é a sua magnitude e o fato de ela ocorrer ao fim de trinta anos de evangelização neoliberal conduzida com mão de ferro a nível global pelos EUA e pelas instituições financeiras por eles controladas, FMI e o Banco Mundial: mercados livres e, porque livres, eficientes; privatizações; desregulamentação; Estado fora da economia porque inerentemente corrupto e ineficiente; eliminação de restrições à acumulação de riqueza e à correspondente produção de miséria social.

Foi com estas receitas que se “resolveram” as crises financeiras da América Latina e da Ásia e que se impuseram ajustamentos estruturais em dezenas de países. Foi também com elas que milhões de pessoas foram lançadas no desemprego, perderam as suas terras ou os seus direitos laborais, tiveram de emigrar.

À luz disto, o impensável aconteceu: o Estado deixou de ser o problema para voltar a ser a solução; cada país tem o direito de fazer prevalecer o que entende ser o interesse nacional contra os ditames da globalização; o mercado não é, por si, racional e eficiente, apenas sabe racionalizar a sua irracionalidade e ineficiência enquanto estas não atingirem o nível de auto-destruição; o capital tem sempre o Estado à sua disposição e, consoante os ciclos, ora por via da regulação ora por via da desregulação. Esta não é a crise final do capitalismo e, mesmo se fosse, talvez a esquerda não soubesse o que fazer dela, tão generalizada foi a sua conversão ao evangelho neoliberal.

Muito continuará como dantes: o espiríto individualista, egoísta e anti-social que anima o capitalismo; o fato de que a fatura das crises é sempre paga por quem nada contribuiu para elas, a esmagadora maioria dos cidadãos, já que é com seu dinheiro que o Estado intervém e muitos perdem o emprego, a casa e a pensão.

Mas muito mais mudará. Primeiro, o declínio dos EUA como potência mundial atinge um novo patamar. Este país acaba de ser vítima das armas de destruição financeira massiça com que agrediu tantos países nas últimas décadas e a decisão “soberana” de se defender foi afinal induzida pela pressão dos seus credores estrangeiros (sobretudo chineses) que ameaçaram com uma fuga que seria devastadora para o atual american way of life.

Segundo, o FMI e o Banco Mundial deixaram de ter qualquer autoridade para impor as suas receitas, pois sempre usaram como bitola uma economia que se revela agora fantasma. A hipocrisia dos critérios duplos (uns válidos para os países do Norte global e outros válidos para os países do Sul global) está exposta com uma crueza chocante. Daqui em diante, a primazia do interesse nacional pode ditar, não só proteção e regulação específicas, como também taxas de juro subsidiadas para apoiar indústrias em perigo (como as que o Congresso dos EUA acaba de aprovar para o setor automóvel).

Não estamos perante uma desglobalização mas estamos certamente perante uma nova globalização pós-neoliberal internamente muito mais diversificada. Emergem novos regionalismos, já hoje presentes na África e na Ásia, mas, sobretudo importantes na América Latina, como o agora consolidado com a criação da União das Nações Sul-Americanas e do Banco do Sul. Por sua vez, a União Européia, o regionalismo mais avançado, terá que mudar o curso neoliberal da atual Comissão sob pena de ter o mesmo destino dos EUA.

Terceiro, as políticas de privatização da segurança social ficam desacreditadas: é eticamente monstruoso que seja possível acumular lucros fabulosos com o dinheiro de milhões trabalhadores humildes e abandonar estes à sua sorte quando a especulação dá errado. Quarto, o Estado que regressa como solução é o mesmo Estado que foi moral e institucionalmente destruído pelo neoliberalismo, o qual tudo fez para que sua profecia se cumprisse: transformar o Estado num antro de corrupção.

Isto significa que se o Estado não for profundamente reformado e democratizado em breve será, agora sim, um problema sem solução. Quinto, as mudanças na globalização hegemônica vão provocar mudanças na globalização dos movimentos sociais que vão certamente se refletir no Fórum Social Mundial: a nova centralidade das lutas nacionais e regionais; as relações com Estados e partidos progressistas e as lutas pela refundação democrática do Estado; contradições entre classes nacionais e transnacionais e as políticas de alianças.


* É sociólogo e professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (Portugal).

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

ENTREVISTA: ERIC HOBSBAWM


A CRISE DO CAPITALISMO E A IMPORTÂNCIA ATUAL DE MARX


Em entrevista a Marcello Musto, o historiador Eric Hobsbawm analisa a atualidade da obra de Marx e o renovado interesse que vem despertando nos últimos anos, mais ainda agora após a nova crise de Wall Street. E fala sobre a necessidade de voltar a ler o pensador alemão: “Marx não regressará como uma inspiração política para a esquerda até que se compreenda que seus escritos não devem ser tratados como programas políticos, mas sim como um caminho para entender a natureza do desenvolvimento capitalista”.

Eric Hobsbawm é considerado um dos maiores historiadores vivos. É presidente do Birbeck College (London University) e professor emérito da New School for Social Research (Nova Iorque). Entre suas muitas obras, encontra-se a trilogia acerca do “longo século XIX”: “A Era da Revolução: Europa 1789-1848” (1962); “A Era do Capital: 1848-1874” (1975); “A Era do Império: 1875-1914 (1987) e o livro “A Era dos Extremos: o breve século XX, 1914-1991 (1994), todos traduzidos em vários idiomas.

Entrevistamos o historiador por ocasião da publicação do livro “Karl Marx’s Grundrisse. Foundations of the Critique of Political Economy 150 Years Later” (Os Manuscritos de Karl Marx. Elementos fundamentais para a Crítica da Economia Política, 150 anos depois).

Nesta conversa, abordamos o renovado interesse que os escritos de Marx vêm despertando nos últimos anos e mais ainda agora após a nova crise de Wall Street. Nosso colaborador Marcello Musto entrevistou Hobsbawm para Sin Permiso.

Marcello Musto: Professor Hobsbawm, duas décadas depois de 1989, quando foi apressadamente relegado ao esquecimento, Karl Marx regressou ao centro das atenções. Livre do papel de intrumentum regni que lhe foi atribuído na União Soviética e das ataduras do “marxismo-leninismo”, não só tem recebido atenção intelectual pela nova publicação de sua obra, como também tem sido objeto de crescente interesse. Em 2003, a revista francesa Nouvel Observateur dedicou um número especial a Marx, com um título provocador: “O pensador do terceiro milênio?”. Um ano depois, na Alemanha, em uma pesquisa organizada pela companhia de televisão ZDF para estabelecer quem eram os alemães mais importantes de todos os tempos, mais de 500 mil espectadores votaram em Karl Marx, que obteve o terceiro lugar na classificação geral e o primeiro na categoria de “relevância atual”.

Em 2005, o semanário alemão Der Spiegel publicou uma matéria especial que tinha como título “Ein Gespenst Kehrt zurük” (A volta de um espectro), enquanto os ouvintes do programa “In Our Time” da rádio 4, da BBC, votavam em Marx como o maior filósofo de todos os tempos. Em uma conversa com Jacques Attali, recentemente publicada, você disse que, paradoxalmente, “são os capitalistas, mais que outros, que estão redescobrindo Marx” e falou também de seu assombro ao ouvir da boca do homem de negócios e político liberal, George Soros, a seguinte frase: “Ando lendo Marx e há muitas coisas interessantes no que ele diz”. Ainda que seja débil e mesmo vago, quais são as razões para esse renascimento de Marx? É possível que sua obra seja considerada como de interesse só de especialistas e intelectuais, para ser apresentada em cursos universitários como um grande clássico do pensamento moderno que não deveria ser esquecido? Ou poderá surgir no futuro uma nova “demanda de Marx”, do ponto de vista político?


Eric Hobsbawm: Há um indiscutível renascimento do interesse público por Marx no mundo capitalista, com exceção, provavelmente, dos novos membros da União Européia, do leste europeu. Este renascimento foi provavelmente acelerado pelo fato de que o 150° aniversário da publicação do Manifesto Comunista coincidiu com uma crise econômica internacional particularmente dramática em um período de uma ultra-rápida globalização do livre-mercado.

Marx previu a natureza da economia mundial no início do século XXI, com base na análise da “sociedade burguesa”, cento e cinqüenta anos antes. Não é surpreendente que os capitalistas inteligentes, especialmente no setor financeiro globalizado, fiquem impressionados com Marx, já que eles são necessariamente mais conscientes que outros sobre a natureza e as instabilidades da economia capitalista na qual eles operam.

A maioria da esquerda intelectual já não sabe o que fazer com Marx. Ela foi desmoralizada pelo colapso do projeto social-democrata na maioria dos estados do Atlântico Norte, nos anos 1980, e pela conversão massiva dos governos nacionais à ideologia do livre mercado, assim como pelo colapso dos sistemas políticos e econômicos que afirmavam ser inspirados por Marx e Lênin. Os assim chamados “novos movimentos sociais”, como o feminismo, tampouco tiveram uma conexão lógica com o anti-capitalismpo (ainda que, individualmente, muitos de seus membros possam estar alinhados com ele) ou questionaram a crença no progresso sem fim do controle humano sobre a natureza que tanto o capitalismo como o socialismo tradicional compartilharam. Ao mesmo tempo, o “proletariado”, dividido e diminuído, deixou de ser crível como agente histórico da transformação social preconizada por Marx.

Devemos levar em conta também que, desde 1968, os mais proeminentes movimentos radicais preferiram a ação direta não necessariamente baseada em muitas leituras e análises teóricas. Claro, isso não significa que Marx tenha deixado de ser considerado como um grande clássico e pensador, ainda que, por razões políticas, especialmente em países como França e Itália, que já tiveram poderosos Partidos Comunistas, tenha havido uma apaixonada ofensiva intelectual contra Marx e as análises marxistas, que provavelmente atingiu seu ápice nos anos oitenta e noventa. Há sinais agora de que a água retomará seu nível.

Marcello Musto: Ao longo de sua vida, Marx foi um agudo e incansável investigador, que percebeu e analisou melhor do que ninguém em seu tempo o desenvolvimento do capitalismo em escala mundial. Ele entendeu que o nascimento de uma economia internacional globalizada era inerente ao modo capitalista de produção e previu que este processo geraria não somente o crescimento e prosperidade alardeados por políticos e teóricos liberais, mas também violentos conflitos, crises econômicas e injustiça social generalizada. Na última década, vimos a crise financeira do leste asiático, que começou no verão de 1997; a crise econômica Argentina de 1999-2002 e, sobretudo, a crise dos empréstimos hipotecários que começou nos Estados Unidos em 2006 e agora tornou-se a maior crise financeira do pós-guerra. É correto dizer, então, que o retorno do interesse pela obra de Marx está baseado na crise da sociedade capitalista e na capacidade dele ajudar a explicar as profundas contradições do mundo atual?

Eric Hobsbawm: Se a política da esquerda no futuro será inspirada uma vez mais nas análises de Marx, como ocorreu com os velhos movimentos socialistas e comunistas, isso dependerá do que vai acontecer no mundo capitalista. Isso se aplica não somente a Marx, mas à esquerda considerada como um projeto e uma ideologia política coerente. Posto que, como você diz corretamente, a recuperação do interesse por Marx está consideravelmente – eu diria, principalmente – baseado na atual crise da sociedade capitalista, a perspectiva é mais promissora do que foi nos anos noventa. A atual crise financeira mundial, que pode transformar-se em uma grande depressão econômica nos EUA, dramatiza o fracasso da teologia do livre mercado global descontrolado e obriga, inclusive o governo norte-americano, a escolher ações públicas esquecidas desde os anos trinta.

As pressões políticas já estão debilitando o compromisso dos governos neoliberais em torno de uma globalização descontrolada, ilimitada e desregulada. Em alguns casos, como a China, as vastas desigualdades e injustiças causadas por uma transição geral a uma economia de livre mercado, já coloca problemas importantes para a estabilidade social e mesmo dúvidas nos altos escalões de governo. É claro que qualquer “retorno a Marx” será essencialmente um retorno à análise de Marx sobre o capitalismo e seu lugar na evolução histórica da humanidade – incluindo, sobretudo, suas análises sobre a instabilidade central do desenvolvimento capitalista que procede por meio de crises econômicas auto-geradas com dimensões políticas e sociais. Nenhum marxista poderia acreditar que, como argumentaram os ideólogos neoliberais em 1989, o capitalismo liberal havia triunfado para sempre, que a história tinha chegado ao fim ou que qualquer sistema de relações humanas possa ser definitivo para todo o sempre.

Marcello Musto: Você não acha que, se as forças políticas e intelectuais da esquerda internacional, que se questionam sobre o que poderia ser o socialismo do século XXI, renunciarem às idéias de Marx, estarão perdendo um guia fundamental para o exame e a transformação da realidade atual?

Eric Hobsbawm: Nenhum socialista pode renunciar às idéias de Marx, na medida que sua crença em que o capitalismo deve ser sucedido por outra forma de sociedade está baseada, não na esperança ou na vontade, mas sim em uma análise séria do desenvolvimento histórico, particularmente da era capitalista. Sua previsão de que o capitalismo seria substituído por um sistema administrado ou planejado socialmente parece razoável, ainda que certamente ele tenha subestimado os elementos de mercado que sobreviveriam em algum sistema pós-capitalista.

Considerando que Marx, deliberadamente, absteve-se de especular acerca do futuro, não pode ser responsabilizado pelas formas específicas em que as economias “socialistas” foram organizadas sob o chamado “socialismo realmente existente”. Quanto aos objetivos do socialismo, Marx não foi o único pensador que queria uma sociedade sem exploração e alienação, em que os seres humanos pudessem realizar plenamente suas potencialidades, mas foi o que expressou essa idéia com maior força e suas palavras mantêm seu poder de inspiração.

No entanto, Marx não regressará como uma inspiração política para a esquerda até que se compreenda que seus escritos não devem ser tratados como programas políticos, autoritariamente ou de outra maneira, nem como descrições de uma situação real do mundo capitalista de hoje, mas sim como um caminho para entender a natureza do desenvolvimento capitalista. Tampouco podemos ou devemos esquecer que ele não conseguiu realizar uma apresentação bem planejada, coerente e completa de suas idéias, apesar das tentativas de Engels e outros de construir, a partir dos manuscritos de Marx, um volume II e III de “O Capital”. Como mostram os “Grundrisse”, aliás. Inclusive, um Capital completo teria conformado apenas uma parte do próprio plano original de Marx, talvez excessivamente ambicioso.

Por outro lado, Marx não regressará à esquerda até que a tendência atual entre os ativistas radicais de converter o anti-capitalismo em anti-globalização seja abandonada. A globalização existe e, salvo um colapso da sociedade humana, é irreversível. Marx reconheceu isso como um fato e, como um internacionalista, deu as boas vindas, teoricamente. O que ele criticou e o que nós devemos criticar é o tipo de globalização produzida pelo capitalismo.

Marcello Musto: Um dos escritos de Marx que suscitaram o maior interesse entre os novos leitores e comentadores são os “Grundrisse”. Escritos entre 1857 e 1858, os “Grundrisse” são o primeiro rascunho da crítica da economia política de Marx e, portanto, também o trabalho inicial preparatório do Capital, contendo numerosas reflexões sobre temas que Marx não desenvolveu em nenhuma outra parte de sua criação inacabada. Por que, em sua opinião, estes manuscritos da obra de Marx, continuam provocando mais debate que qualquer outro texto, apesar do fato dele tê-los escrito somente para resumir os fundamentos de sua crítica da economia política? Qual é a razão de seu persistente interesse?

Eric Hobsbawm: Desde o meu ponto de vista, os "Grundrisse" provocaram um impacto internacional tão grande na cena marxista intelectual por duas razões relacionadas. Eles permaneceram virtualmente não publicados antes dos anos cinqüenta e, como você diz, contendo uma massa de reflexões sobre assuntos que Marx não desenvolveu em nenhuma outra parte. Não fizeram parte do largamente dogmatizado corpus do marxismo ortodoxo no mundo do socialismo soviético. Mas não podiam simplesmente ser descartados. Puderam, portanto, ser usados por marxistas que queriam criticar ortodoxamente ou ampliar o alcance da análise marxista mediante o apelo a um texto que não podia ser acusado de herético ou anti-marxista. Assim, as edições dos anos setenta e oitenta, antes da queda do Muro de Berlim, seguiram provocando debate, fundamentalmente porque nestes escritos Marx coloca problemas importantes que não foram considerados no “Capital”, como por exemplo as questões assinaladas em meu prefácio ao volume de ensaios que você organizou (Karl Marx's Grundrisse. Foundations of the Critique of Political Economy 150 Years Later, editado por M. Musto, Londres-Nueva York, Routledge, 2008).

Marcello Musto: No prefácio deste livro, escrito por vários especialistas internacionais para comemorar o 150° aniversário de sua composição, você escreveu: “Talvez este seja o momento correto para retornar ao estudo dos “Grundrisse”, menos constrangidos pelas considerações temporais das políticas de esquerda entre a denúncia de Stalin, feita por Nikita Khruschev, e a queda de Mikhail Gorbachev”. Além disso, para destacar o enorme valor deste texto, você diz que os “Grundrisse” “trazem análise e compreensão, por exemplo, da tecnologia, o que leva o tratamento de Marx do capitalismo para além do século XIX, para a era de uma sociedade onde a produção não requer já mão-de-obra massiva, para a era da automatização, do potencial de tempo livre e das transformações do fenômeno da alienação sob tais circunstâncias. Este é o único texto que vai, de alguma maneira, mais além dos próprios indícios do futuro comunista apontados por Marx na “Ideologia Alemã”. Em poucas palavras, esse texto tem sido descrito corretamente como o pensamento de Marx em toda sua riqueza. Assim, qual poderia ser o resultado da releitura dos “Grundrisse” hoje?

Eric Hobsbawm: Não há, provavelmente, mais do que um punhado de editores e tradutores que tenham tido um pleno conhecimento desta grande e notoriamente difícil massa de textos. Mas uma releitura ou leitura deles hoje pode ajudar-nos a repensar Marx: a distinguir o geral na análise do capitalismo de Marx daquilo que foi específico da situação da sociedade burguesa na metade do século XIX. Não podemos prever que conclusões podem surgir desta análise. Provavelmente, somente podemos dizer que certamente não levarão a acordos unânimes.

Marcello Musto: Para terminar, uma pergunta final. Por que é importante ler Marx hoje?

Eric Hobsbawm: Para qualquer interessado nas idéias, seja um estudante universitário ou não, é patentemente claro que Marx é e permanecerá sendo uma das grandes mentes filosóficas, um dos grandes analistas econômicos do século XIX e, em sua máxima expressão, um mestre de uma prosa apaixonada. Também é importante ler Marx porque o mundo no qual vivemos hoje não pode ser entendido sem levar em conta a influência que os escritos deste homem tiveram sobre o século XX. E, finalmente, deveria ser lido porque, como ele mesmo escreveu, o mundo não pode ser transformado de maneira efetiva se não for entendido. Marx permanece sendo um soberbo pensador para a compreensão do mundo e dos problemas que devemos enfrentar.

Tradução para Sin Permiso (inglês-espanhol): Gabriel Vargas Lozano
Tradução para Carta Maior (espanhol-português): Marco Aurélio Weissheimer


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