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sexta-feira, 20 de março de 2009

CRISE CAPITALISTA: APENAS UM INÍCIO.

Porque se trata de uma crise sistêmica, que anuncia o fim de um modo de acumulação, as medidas de recuperação conjuntural terão um efeito limitado. Uma saída para a crise que conduza à emergência de uma nova ordem produtiva e de um novo regime de acumulação não depende somente da economia. Exige uma nova correlação de forças, novas relações geopolíticas, novos dispositivos institucionais e políticos.

Daniel Bensaïd

O
capitalismo? "É compreensível que as pessoas não acreditem mais nele", confessa Tony Blair em pessoa(1). Quando se deixa de acreditar no inacreditável, uma crise de legitimidade, ideológica e moral se soma à crise social, e acaba por estremecer a ordem política. A crise atual não é uma crise a mais, equiparável à dos mercados asiáticos ou à da bolha da Internet.

Uma crise de fé

Trata-se, na realidade, de uma crise histórica - econômica, social, ecológica - da lei do valor, uma crise de medição e de excesso. A medição de tudo através do tempo de trabalho abstrato passou a ser - como anunciava Marx nos Manuscritos de 1857 - uma forma "miserável" de medir as relações sociais. "As crises econômica e planetária têm um ponto em comum", constata Nicholas Stern, autor em 2008 de um informe sobre a economia das mudanças climáticas. "Ambas são conseqüência de um sistema que não considera os riscos que seu funcionamento gera, que não leva em conta o fato de que pode conduzir a uma destruição superior ao benefício imediato que procura, e que subestima a interdependência entre os atores" (2). A lógica da corrida atrás do lucro, pelo "benefício imediato" é, com efeito, uma lógica a curto prazo, E a "concorrência não falsificada", por sua parte, é cega à "interdependência" sistemática.Um novo Brenton Woods? Um sistema de governo mundial? O problema é que a União Européia nem sequer tem sido capaz de criar uma agência de controle dos mercados financeiros em escala continental, ou de promover uma definição comum de paraísos fiscais! Desde outubro de 2008, Laurence Parisot tem se encarregado de deixar claro que o Estado deve desempenhar seu papel nos socorro das finanças, mas que deve retirar-se, quando os negócios recuperem seu curso lucrativo. Dito de maneira mais direta: que deve socializar as perdas para logo reprivatizar os lucros. Por trás de ter admitido que o Estado é o único capaz, de forma imediata, de "salvar a economia e os bancos", Jean-Marie Messier, ressuscitado do purgatório, não se esquece de explicar que "o guarda-chuva deverá fechar uma vez que a tempestade tenha passado". O Estado não deveria, assim, ser mais do que "um passageiro em meio à chuva" (3).

O plano de recuperação governamental descarrega o custo sobre os trabalhadores e os contribuintes. Por detrás do congresso de Reims, Martine Aubry pretendia descobrir que "torna-se inoperante atacar aos que se utilizaram do sistema, sem atacar o próprio sistema" (4). Contudo, o Partido Socialista se contenta em oferecer um contra-plano "equilibrado", de medidas supostamente sociais, mas em nenhum momento radicais, no sentido de que suponham uma nova redistribuição de riquezas em benefício do trabalho. Nada se falou sobre a nacionalização do sistema bancário e a criação de um serviço público para tratar do crédito, nada sobre uma reforma fiscal radical, nada sobre a necessidade de reorientar a construção européia. "Atacar o próprio sistema" seria atacar o poder absoluto do mercado, a propriedade dos grandes meios de produção e troca, a concorrência de todos contra todos. Até o liberal Nicolas Baverez define a banca como um "bem público da mundialização": "pelas suas características, tem a natureza de um bem público" (5). Seria de esperar, na verdade, que, dada esta "natureza", este bem público fosse submetido a gestão pública sob o controle público. Para Baverez, pelo contrário, o Estado deveria assegurar aos bancos uma "imunidade ilimitada" por suas perdas, e assumir os riscos ligados a seus lucros.

Atacar o coração do sistema suporia adotar-se uma blindagem social que proteja os trabalhadores das conseqüências da crise. Para isso, dever-se-ia romper os grilhões dos critérios de Maastricht e do Pacto da Estabilidade, restabelecer os controles políticos sobre o Banco Central europeu, abolir o Tratado de Lisboa, reorientar de maneira radical a construção européia, começando pela harmonização social e fiscal, e iniciar um processo constituinte de verdade. No mínimo, exigir a revogação do artigo 56 do Tratado de Lisboa que proíbe qualquer restrição aos movimentos do capital financeiro, assim como a "liberdade de estabelecimento", reconhecida no artigo 48, uma liberdade que permite ao capital mudar de lugar, para onde as condições lhe sejam mais favoráveis, e às instituições financeiras encontrar asilo onde lhes agrade.

Uma crise duradoura

Porque se trata de uma crise sistêmica, que anuncia o fim de um modo de acumulação, as medidas de recuperação conjuntural terão um efeito limitado. Uma saída para a crise que conduza à emergência de uma nova ordem produtiva e de um novo regime de acumulação não depende somente da economia. Exige uma nova correlação de forças, novas relações geopolíticas, novos dispositivos institucionais e políticos.

Se a crise de 1929 foi a da "emergência estadunidense", que emergência prefigura a crise atual? A chinesa? A de uma organização multipolar de espaços continentais? A de um sistema de governo mundial?

Em um tempo em que se invocam a necessidade de uma nova ordem monetária internacional e respostas globais, o próprio Giscard d’Estaing reconhece que "a gestão econômica da crise se tornou, na Europa, mais nacional durante a crise do que antes do seu início", e que "os instrumentos de intervenção são essencialmente nacionais" (6). A crise agudiza, na verdade, as diferenças nacionais e libera tendências centrífugas. Em nome de uma "correspondência necessária entre os espaços econômicos e sociais", Emmanuel Todd se arvora em paladino de um "protecionismo europeu" (7) que crie "as condições para a recuperação dos salários" e uma oferta que gere sua própria demanda. A questão não é doutrinária ou de princípios.

Proteger? Sim, mas quem, contra quem e como? Se a Europa começasse em adotar critérios sociais de convergência em matéria de emprego, renda, proteção social, direito do trabalho e harmonização fiscal, poderia, legitimamente, adotar medidas de proteção, não as dos interesses egoístas de seus empresários e financistas, mas a dos direitos e conquistas sociais. Poderia fazê-lo de maneira seletiva e pontual, adotando como contrapartida acordos de desenvolvimento solidário com os países do Sul em questões migratórias, de cooperação técnica, de comércio eqüitativo, sem ceder a um protecionismo de ricos, cujo efeito principal fosse disseminar os estragos da crise entre os países mais pobres.

Imaginar que uma medida de proteção alfandegária implicaria de forma mecânica em melhora nas condições sociais européias, como se pudesse ser tecnicamente neutra no contexto de uma luta de classes exacerbada pela crise, é uma enorme ingenuidade. Os trabalhadores acabariam afetados pelas travas burocráticas e fronteiriças, sem obter as respectivas vantagens sociais. Um protecionismo desta índole não resistiria muito tempo em razão de sua impopularidade, ou não tardaria em derivar para uma "preferência nacional" (ou européia) de corte chauvinista.

Refundar o capitalismo ou combatê-lo

Todos os governantes, de ontem e de hoje, de direita e de esquerda, acabaram por denunciar a loucura sistêmica dos mercados. Contudo, sua desregulação não tem sido fruto da famosa mão invisível, mas de decisões políticas e de medidas legislativas concretas. Foi a partir de 1985, quando era ministro da Economia o socialista Pierre Bérégovoy, que se concebeu a grande desregulamentação dos mercados financeiros e da bolsa de valores na França. Foi um governo socialista que, em 1989, liberalizou os movimentos do capital, antecipando-se a uma decisão européia. Foi o governo de Jospin que, ao privatizar mais do que os governos de Balladur e Juppé juntos, assentou as bases para que o capitalismo francês pudesse acolher fundos de investimentos especulativos. Foi um ministro das finanças socialista, Dominique Strauss-Khan, que propôs uma forte "desfiscalização" das célebres stock-options, e foi outro ministro socialista, Laurent Fabius, quem a pôs em prática. Foi um Conselho Europeu, com maioria social-democrata, que decidiu em 2002, em Barcelona, liberalizar o mercado de energia e o conjunto de serviços públicos, aumentar em 5 anos a idade de aposentadoria e sustentar os fundos de pensão. Foi a maioria do Partido Socialista que aprovou a sacralização da concorrência gravada no projeto do Tratado constitucional europeu de 2005. Foi seu voto, uma vez mais, que permitiu a adoção do Tratado de Lisboa, confirmando assim a lógica liberal da construção européia.

Para os salvadores do Titanic capitalista, a tarefa se anuncia dura. Um novo New Deal? Um retorno ao Estado social? Seria esquecer muito rápido que a desregulação liberal não foi um capricho doutrinário de Thatcher ou de Reagan. Foi a resposta à baixa das taxas de lucros, provocada pelas conquistas sociais do pós-guerra. Depois de 1973, "a incapacidade das políticas keynesianas para recuperar a atividade produtiva deixa o campo aberto a uma surpreendente contra-revolução conservadora", recorda Robert Boyer (8). Voltar ao ponto de partida seria reencontrar-se com as mesmas contradições. Como comenta ironicamente Jean-Marie Harribey: "regular sem transformar não é regular".

Por trás da crise de 1929, para redistribuir as cartas da riqueza e do poder e para anunciar uma nova onda expansiva, fez-se necessário nada menos do que uma guerra mundial. A colocação em marcha de um novo modelo de acumulação, e o, eventual, impulso de uma nova grande onda de crescimento envolverão o surgimento de novas hierarquias planetárias de dominação, uma re-acomodação de nações e continentes, novas condições para a valorização do capital, uma transição da matriz energética.

Tal mudança não pode ser resolvida através da amabilidade diplomática, nos tapetes verdes das chancelarias, mas no campo de batalha, através de lutas sociais. A crise, como bem escreveu Marx, supõe "o estabelecimento por força da unidade entre momentos (produção e consumo) impulsionados de forma autônoma".

Na realidade, não é mais do que um começo

"A crise financeira - insistia Nicolás Sarkozy em seu discurso de Toulon - não é a crise do capitalismo. É a crise de um sistema afastado dos valores fundamentais do capitalismo, dos que - de certo modo - o traíram. Quero deixar claro aos franceses: o anticapitalismo não oferece nenhuma solução para a crise atual". A mensagem é clara: o inimigo não é o capitalismo, mas o anticapitalismo.

O presidente retornou à questão na sua intervenção no colóquio sobre a refundação do capitalismo, organizado, por sua iniciativa, em 8 de janeiro de 2009, pela Secretaria de Estado: "A crise do capitalismo financeiro não supõe a do capitalismo como tal. Não é um chamamento a sua destruição, o que seria uma catástrofe, mas a sua moralização". Suas palavras receberam um vigoroso respaldo de Michel Rocard: "Devemos começar por aí: nosso propósito é salvar o capitalismo". Estas declarações de guerra social traçam uma linha forte entre dois campos. É preciso eleger: ou discutir com os proprietários como refundar, reinventar, moralizar o capitalismo, ou lutar junto com os explorados e despossuídos para derrotá-lo.

Ninguém poderia predizer como serão as revoluções futuras. O que temos, unicamente, é um fio condutor. Trata-se de duas lógicas de classe que se enfrentam. A do lucro a qualquer preço, do cálculo egoísta, da propriedade privada, da desigualdade, da concorrência de todos contra todos, e a do serviço público, dos bens comuns da humanidade, da apropriação social, da igualdade e da solidariedade.

Notas:

(1) Le Journal du Dimanche, 14 de dezembro de 2008.
(2) Le Monde, 15 de dezembro de 2008.
(3) La Tribune, 15 de janeiro de 2009.
(4) Journal du Dimanche, 5 de outubro de 2008.
(5) Le Monde, 26 de novembro de 2008.
(6) Le Monde, 13 de janeiro de 2008.
(7) Emmanuel Todd, Après la démocratie, París, Gallimard, 2008.
(8) Libération, 29 de dezembro de 2008.


Daniel Bensaïd é professor de Filosofia na Universidade de Paris VIII. Foi um dos fundadores das Juventudes Comunistas Revolucionárias e da Liga Comunista Revolucionária. Atualmente é um dos intelectuais de referência do Novo Partido Anticapitalista, recentemente constituído na França.

Publicado em Sin Permiso, em castelhano, traduzido pela rede Adital de Notícias
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terça-feira, 20 de janeiro de 2009

HOBBES EXPLICA!


Breno Rodrigo de Messias Leite*


Qualquer pessoa civilizada e razoavelmente racional sabe que mesmo em uma guerra alguns valores, como os direitos humanos e os tratados internacionais, devem ser respeitados. Estas mesmas pessoas, que presumo existirem no mundo real, também sabem os direitos humanos e os tratados são as primeiras vítimas a tombar.

O século XX (e o presente século segue o mesmo caminho) foi um grande laboratório de guerras. As sociedades entraram em conflitos armados para combater tiranias como foi o caso da luta contra o nazi-fascismo; para defenderem seus interesses nacionais como as lutas pela soberania popular e autodeterminação; e destruir valores de outros povos – as batalhas colonialistas e a guerra dos EUA no Afeganistão e no Iraque. Em geral, uma guerra é anunciação de violência desumana que tem acompanhado até hoje a evolução do homem, como bem retrata as cenas iniciais do filme 2001: uma Odisséia no Espaço, de Stanley Kubrick.

O final da Segunda Guerra Mundial arquitetou o cenário do que se tem chamado de “guerra infinita” no Oriente Médio. O conflito do mundo Árabe versus Israel, islamismo versus judaísmo (no modelo de “choque de civilizações” do recém-falecido Samuel Huntington) tem se colocado como um grande problema para a (des)ordem internacional, principalmente, na violação dos tratados internacionais e nos constantes desrespeitos aos direitos humanos.

Desde o ato de fundação do Estado do Israel (1948), que foi conquistado e legitimado por meio do lobby sionista e pelo impacto do holocausto sobre o povo judeu, os conflitos na região só têm de agravado em função da orientação expansionista das defensivas/ofensivas militares israelenses nos territórios árabes. E toda a expansão territorial tem sido acompanhada por mega-projetos de colonização judaica – outra violação explicita do direito internacional ou, pelo menos, do que restou.

Diante disso, vem um questionamento elementar: o que leva um país como Israel ser democrático na sua política interior e tão antidemocrático na sua política exterior?

Talvez a resposta da moderna teoria das relações internacionais seja uma importante ferramenta para tentarmos esclarecer este possível paradoxo. A teoria realista das relações internacionais diz que o sistema internacional é anárquico – como o estado de natureza da metáfora hobbesiana – e que os Estados comportam-se como indivíduos egoístas e cruéis em um mundo onde o “homem é o lobo do homem”.

A ausência de uma ordem internacional regulada por leis claras e universais – isto é, um ordenamento constitucional mínimo –, e uma autoridade política capaz de funcionar como um governo civil eficiente, faz com que estas arbitrariedade que assistimos pela TV, lemos nos jornais e acompanhamos pela internet continuem a se perpetuar. Nesse sistema, ninguém tem autoridade de dizer ao indivíduo-Estado de Israel: “cala e consenti. Se atacar o teu vizinho, sofrerá imediatamente a sanção da lei”. A única forma de domar este indivíduo-Estado é reação enérgica de um outro indivíduo-Estado com potencial bélico mais avançado, que nesse caso derrotaria Israel e faria leviatanicamente o armistício entre as partes.

Mas a atual ordem internacional não possui, como diria Max Weber, este monopólio legítimo da violência, a não ser quando lhe convém (basta lembrar a ação dos Blue Caps da ONU nos inúmeros episódios de genocídios na África ou da coalizão de países pró-EUA na Guerra do Kosovo). Todavia, em se tratando de uma potência militar do porte de Israel (a maior de todo o Oriente Médio), o máximo que uma organização internacional como a ONU pode fazer é suplicar uma trégua imediata e buscar construir vias diplomáticas para o consentimento.

A saída de Thomas Hobbes para por fim as guerras que refletem, ainda, o estado de natureza seria a criação de uma ordem internacional unipolar – um tipo de Leviatã mundial. Este governo mundial ofertaria a paz e pediria como contrapartida a liberdade dos indivíduos-Estados.

Certamente, isto pode parecer um absurdo para se compreender a mecânica dos Estados modernos, mas isto acontece cotidianamente no nosso mundo ordinário. Nós, cidadãos, de certa maneira, renunciamos a liberdade infinita (a liberdade que eu teria, por exemplo, de liquidar fisicamente todos os meus inimigos sem aturar nenhum tipo de represália legal) para aceitarmos um pacto de submissão e obediência em uma democracia constitucional. Nós trocamos a possibilidade de um reino da liberdade pelo potencial reino da paz.

Nesta terapia coletiva, Hobbes explica!

* Mestrando em Ciência Política pela UFPA e colaborador do NCPAM.

sábado, 10 de janeiro de 2009

ISRAEL VIOLA COVENÇÃO DE GENEBRA



Maurício Reimberg e Tadeu Breda

A
s recentes operações militares de Israel na Faixa de Gaza configuram crimes contra a humanidade. Essa é a avaliação do norte-americano Richard Falk, relator especial das Nações Unidas para a situação dos direitos humanos nos territórios ocupados por Israel desde 1967 na Palestina. Em visita ao Brasil, ele concedeu uma entrevista coletiva nesta quarta-feira (7) organizada pelo Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo.

“Os ataques israelenses ferem a 4ª Convenção de Genebra primeiramente porque punem coletivamente os palestinos residentes em Gaza, não fazendo distinção entre alvos civis e combatentes”, diz Falk. Até o momento, estima-se que mais de 700 palestinos foram mortos e três mil feridos desde o início da invasão, no dia 27 de dezembro. Cerca de 25% das vítimas palestinas são civis.

Os israelenses contabilizam dez mortes, entre as quais estão quatro civis atingidos por foguetes lançados pelo grupo islâmico Hamas e seis militares caídos em combate – quatro deles vítimas de “fogo amigo”.

O relator da ONU diz que o bloqueio econômico mantido por Israel há 18 meses também está em desacordo com o direito internacional. “A Convenção de Genebra diz que o país ocupante deve prover à população da zona ocupada condições dignas de sobrevivência”, explica Falk. “No entanto, o bloqueio israelense vem impedindo a entrada de alimentos, combustíveis e medicamentos em quantidade suficiente para suprir as necessidades dos habitantes de Gaza.”

Falk lembra que Israel bloqueou totalmente as fronteiras da Faixa de Gaza e não permite sequer que os civis palestinos se refugiem em outros países. “Em todo conflito há um enorme número de refugiados. A proibição de Israel não tem precedentes nas guerras urbanas mundiais”. O relator da ONU diz ainda que o exército israelense utiliza força desproporcional ao atacar uma sociedade “sem condições de se defender”.

O relator acredita que a ONU deveria investir num cessar-fogo imediato entre as partes, na retirada de Israel e no fim do bloqueio contra Gaza, além de proibir o lançamento de foguetes Qassam contra o território israelense – justificativa oficial para a atual operação militar. “A partir dessas bases, as Nações Unidas podem buscar um caminho para definir a autodeterminação do povo palestino.”

O Conselho de Segurança da ONU ainda não chegou a nenhuma medida concreta para encerrar os combates em Gaza. Já o Conselho de Direitos Humanos se reunirá de maneira extraordinária na sexta-feira para emitir um pronunciamento sobre a situação da Palestina.

“A grande pergunta que se deve fazer agora é por que a comunidade internacional e a ONU têm feito tão pouco?”, pergunta Falk. E ele mesmo responde: “As Nações Unidas só atuam efetivamente por intervenção direta de seus cargos mais importantes, e os EUA têm se oposto à proteção dos palestinos e impedido a ONU de cumprir seus compromissos humanitários.

“Anti-Israel”


Considerado um dos maiores especialistas do mundo em direitos humanos, Richard Falk é professor emérito da Universidade de Princeton (EUA). Foi ele quem cunhou os termos “globalização de cima para baixo” e “globalização de baixo para cima”, referindo-se aos diversos movimentos sociais, ONGs e voluntários que tentam criar uma comunidade “além do Estado territorial” para enfrentar as injustiças produzidas pela nova ordem social.

No último dia 14 de dezembro, Falk foi expulso do território israelense no que seria sua primeira missão como relator especial – uma reunião com o presidente da Autoridade Nacional Palestina, Mahmoud Abbas. Apesar de estar em visita oficial, ele foi detido por 15 horas antes de ser retirado do país. O governo alega que o diplomata é “anti-Israel”.

“Minha expulsão é um claro aviso à ONU de que Israel não quer cooperar com relatores críticos à ocupação, e faz parte de uma política para excluir possíveis testemunhas oculares dos fatos que estão acontecendo em Gaza neste momento”, avalia, lembrando que jornalistas estrangeiros e observadores internacionais também foram impedidos de entrar nas zonas de conflito. “Pensei que minha objetividade como relator seria testada com base no relatório que produziria sobre o evento, e não julgada por antecipação.”

Atores políticos


Falk avalia que o Hamas não é o maior dos obstáculos para o fim das hostilidades na Palestina. “O maior problema são os políticos israelenses que não querem estabelecer uma paz justa na região.” Para ele, classificar os palestinos como “terroristas” é uma fuga da diplomacia e da negociação pacífica, e justifica o uso da força. Ademais, trata-se de uma tática antiga que já foi utilizada para isolar e enfraquecer Yasser Arafat (1929-2004), ex-presidente da ANP.

“Não é útil definir o Hamas como ‘grupo terrorista’, do mesmo jeito que não é útil dizer que Israel é um ‘Estado terrorista’, porque ambos são atores políticos. O terrorismo é uma desculpa para usar a força na tentativa de resolver um conflito que deve ser solucionado por ações políticas”, diz o relator da ONU.

O governo israelense se utiliza de dois argumentos para justificar os ataques e rechaçar um cessar-fogo. Os pronunciamentos oficiais insistem em que não há crise humanitária em Gaza e sustentam a tese de que Israel está agindo defensivamente contra o lançamento de foguetes. Falk acrescenta que nenhum israelense foi morto por foguetes Qassam disparados pelo Hamas nos últimos 12 meses que antecederam os ataques de 27 de dezembro. Os únicos feridos foram contabilizados após o início das ofensivas.

As eleições legislativas em Israel acontecem no dia 10 de fevereiro. Nelas será escolhido o próximo primeiro-ministro do país. Os principais concorrentes ao cargo hoje ocupado por Ehud Olmert são Ehud Barak – atual ministro da Defesa, filiado ao Partido Trabalhista – e Tzipi Livni, do Kadima, que desempenha o cargo de ministra das Relações Exteriores. Ambos negam que Gaza esteja passando por uma crise humanitária.

Território


Cerca de 45% da população de Gaza é composta por crianças com até 14 anos. Desde o início da ofensiva, mais de 100 delas já morreram. Segundo Paulo Sérgio Pinheiro, pesquisador associado do Núcleo de Estudos da Violência da USP, 1,5 milhão de pessoas vivem numa área de 360 km², o que configura a mais alta densidade demográfica do mundo: mais de quatro mil pessoas por km².

Um dos episódios que causaram mais revolta internacional foi o bombardeio à escola Al Fakhora, administrada pelas Nações Unidas, no campo de refugiados de Jabaliya, ao norte de Gaza. Os ataques foram realizados nesta terça-feira (6) e deixaram pelo menos 30 mortos e 55 feridos. A instituição abrigava civis refugiados. No mesmo dia, Israel atentou contra outro colégio mantido pela Agência das Nações Unidas para os Refugiados Palestinos na cidade de Gaza. Três jovens morreram.

Sob pressão, Israel concordou em estabelecer um “corredor humanitário” que dará acesso temporário limitado a alguns pontos da região. O intuito é permitir que sejam levados suprimentos vitais para a população palestina, cujo estado de carência foi intensificado depois do fim da trégua de seis meses com o Hamas, que expirou no último dia 19. No entanto, o acordo já havia sido rompido por Israel, que no dia 4 de novembro matou seis palestinos em Gaza. “À revelia do que se pensa sobre o Hamas, ele tem buscado uma trégua duradoura com os judeus desde que Israel retornasse às fronteiras anteriores a 1967, proposta que foi ignorada.”

Retirado do Site www.cartamaior.com

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

SEREMOS OS SUB-IMPERIALISTAS DA BANANA?


Luiz Carlos Azenha*

Não vou entrar no mérito da disputa comercial entre Brasil e Equador, que se tornou uma disputa diplomática.
Não tenho informações suficientes para opinar.

Li a referência a "yankees do Sul" na internet, no que me pareceu uma tentativa de brincar com o presidente do Equador, Rafael Correa, que estaria enxergando fantasmas.

Vou repetir o que já escrevi antes e que se perdeu em algum canto deste site: o Brasil e os brasileiros precisam se dar conta de que, justa ou injustamente, somos vistos na vizinhança como "yankees do Sul", mesmo.

Não é um problema apenas no Equador e não tem relação com tucanos ou petistas, direitistas ou esquerdistas.

Em Bogotá, numa mesa de restaurante, acompanhei de orelhada uma discussão sobre o "imperialismo brasileiro".

No Paraguai entrevistei gente visivelmente revoltada com a "invasão" de brasileiros, que controlam as melhores terras para o cultivo da soja. Da dona de um restaurante ouvi o lamento de que só é possível ouvir emissoras de rádio ou ver emissoras de TV em português em regiões fronteiriças.

Quando fui fazer um documentário sobre a reserva Raposa/Serra do Sol, em Roraima, e esperava ver a "invasão" do Brasil promovida por "índios imperialistas", o que descobri foi que o Brasil é que "invade" a Venezuela e a Guiana, através de comerciantes e garimpeiros.

É simples: a expansão econômica do capitalismo brasileiro está agregando mercados na vizinhança. É só fazer uma lista das grandes aqusições de grupos econômicos brasileiros e das obras tocadas por empreiteiras do Brasil na Argentina, Paraguai, Bolívia, Uruguai, Colômbia, Venezuela e assim por diante.

E a lógica destes grupos -- como, aliás, de qualquer empresa capitalista -- é o lucro. O lucro acima de tudo. Já sugeri, quando toquei neste assunto anteriormente, que as empresas brasileiras que pretendem investir a longo prazo pratiquem "diplomacia privada", ou seja, que contratem funcionários locais, que invistam em projetos locais, que demonstrem concretamente que se preocupam com os lugares em que atuam.

Mas, no modelo selvagem do capitalismo brasileiro, é esperar demais. A conseqüência é que disputas comerciais como a que envolve o Equador só vão aumentar.

A mídia corporativa brasileira grita "sangue" em defesa do interesse de seus patrocinadores. É cega, surda e se faz de idiota. Prefere questionar a legitimidade de Hugo Chávez, Evo Morales, Rafael Correa, Fernando Lugo ou qualquer outro líder da vizinhança que navegue no enfrentamento dos "yankees do Sul".

Essa tese ganha força quando os líderes regionais vêem o presidente Lula ao lado de George W. Bush na reunião do G20 ou quando o Brasil faz o serviço no Haiti com o objetivo de livrar fuzileiros navais americanos para lutar no Iraque e no Afeganistão. Enquanto o Brasil persegue uma vaga no Conselho de Segurança da ONU, se distancia dos vizinhos.

A mídia brasileira prefere esquecer, mentir, omitir ou distorcer: Chávez acaba de "perder" eleições regionais em que candidatos apoiados por ele venceram mais de 70% das prefeituras e "apenas" 17 de 22 governos regionais. Isso com o petróleo em baixa e a inflação em alta, depois de 10 anos de desgaste no poder.

A mídia brasileira prefere esquecer que Correa reformou a Constituição com apoio de mais de 60% dos votos, que Morales foi mantido no poder com 66% de "sim" e que Lugo chegou ao poder prometendo renegociar o acordo de Itaipu e fazer a reforma agrária.
Independentemente da permanência destes líderes no poder, o que os levou até lá veio para ficar: a defesa de interesses nacionais (deles) que em alguns casos se contrapõe a interesses de empresas brasileiras.

Sem ter clareza quanto a isso o risco é de que o Brasil assuma o papel de "polícia" que os Estados Unidos sempre desempenharam na região. Com resultados desastrosos para a política externa brasileira. Não se esqueçam: a diplomacia do porrete de Washington começou com a derrubada de governos para defender os interesses da bananeira United Fruit Company.

Seremos os sub-imperialistas da banana?

* Artigo retirado do Blog do Azenha www.viomundo.com.br

terça-feira, 11 de novembro de 2008

REUNIÃO DO G-20: IMPLICAÇÕES E PERSPECTIVAS




Renan Martins Moreira*

Longe de resolver os impasses da maior crise do capitalismo após a queda da bolsa em 1929, a reunião do G-20, grupo composto pelos ministros de finanças e presidentes dos bancos centrais das 20 (vinte) maiores economias mundiais, terminou sem muitos avanços no tocante a propostas concretas para se tentar superar os entraves econômicos atuais.

Mesmo sem muitos progressos, a reunião do G-20 é bastante representativa no sentido de se pensar uma perspectiva de condução econômica mais ampla. Quando o Presidente da República Luís Inácio Lula da Silva em seu discurso profere não ser possível, isoladamente, o grupo minoritário formado pelos sete países mais industrializados do mundo (G-7) conduzir os rumos da economia mundial, é, não apenas fragmentos de um discurso ideológico, mas, sobretudo, uma possibilidade cada vez mais real, mesmo que talvez indesejável do ponto de vista do G-7.

Logicamente, o G-7 possui total amplitude de domínio em relação aos mercados internacionais, no entanto, a crise econômica, além de demonstrar a fragilidade do sistema capitalista neoliberal e dos seus efeitos em que concerne à desregulamentação, deu maior voz e espaço para as principais economias emergentes, dentre as quais estão o Brasil, a Rússia, a China e a Índia.

Esses países vêm, nos últimos anos, ganhando espaços consideráveis nas negociações mundiais entre os mais diversos setores. Além disso, é perceptível que eles também tem se constituído como grandes líderes nas políticas dos blocos regionais e suas decisões têm aumentado o peso e reflexo no âmbito da economia global.

Nesse aspecto, a China chega até dispensar maiores explanações, é o país com a maior taxa de crescimento econômico do mundo, possui um gigantesco mercado interno, bem como propulsão externa bastante superior aos demais países. Ao anunciar, por exemplo, um pacote de quase 600 bilhões de dólares, o governo chinês deu não somente um novo fôlego às bolsas de valores em todo o mundo, não obstante, ratificou também seu poder econômico imprescindível quanto às discussões dos rumos das finanças mundiais.

Da mesma forma, Brasil e Índia têm tomado lugar de fundamental importância política nas negociações sobre propostas para o enfrentamento da crise, a própria reunião do G-20 esteve pronunciando esse fato. É evidente que seria prematura a afirmação de uma nova configuração, mais ampla e aberta, de decisões sobre a orientação econômica no mundo, todavia, é hialina a insegurança em relação aos controles implantados pelos países mais industrializados na economia.

Nesta sexta, dia 14, em Washington, o G-20 se reúne para por em pauta novamente sobre quais direções serão tomadas no que diz respeito à crise. Talvez as principais lideranças políticas emergentes do grupo não tenham força suficiente para estabelecer de forma concreta propostas de reorganização econômica, todavia, há uma grande perspectiva de que as discussões obtidas em São Paulo, haverá de refletir intensamente os embates a serem estabelecidos na capital Norte-Americana. Dessa forma, caberá a todos nós esperar.

* O Autor é Graduado em Administração Pública pela Universidade do Estado do Amazonas - UEA e colaborador do NCPAM.