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terça-feira, 15 de setembro de 2009

FORÚM PERMANENTE DE CULTURA DE RORAIMA

*Zanny Adairalba

O lançamento do Fórum Permanente de Cultura de Roraima, sábado (5), na Orla Taumanan, foi um sucesso.

O evento abriu suas portas tendo como cerimonialista a poetisa Vânia Coelho, que anunciou a leitura da carta de princípios, feita pela atriz Marisa Bezerra e o nosso tão querido Mestre, o artista plástico Afonso Rodrigues.

Em seguida tomaram lugar à mesa a mediadora Adriana Amorim, que manteve uma postura impecável; Thiago Bríglia que representou muito bem o Fórum; professor Reginaldo Gomes e todo seu conhecimento em história da arte, representando a Universidade Federal de Roraima; e o assessor do Ministério da Cultura, Fred Maia, dotado de uma simpatia e sabedoria incontestável, além de muita disposição para orientar, discutir e planejar ações culturais.

Seguindo a programação, vieram a apresentação da Orquestra de Câmara, um coquetel e um cortejo cultural que seguiu do Centro Multicultural ao Anfiteatro da Orla, onde houve apresentações musicais, teatro, declamação poética, arte circense e dança.

Foi uma noite significativa e que certamente ficará gravada, com aquele gostinho de satisfação, no coração de todos os que estiveram presentes.

Vale lembrar que, se é verdade que o Fórum Permanente de Cultura desde sempre foi um desejo da classe artística (e posso afirmar que sim, uma vez que ao ingressar no ramo de gestão cultural, há seis anos, “dei de frente” com as reclamações, inquietudes, tentativas e manifestações de desejo dos artistas locais nesse sentido), então podemos dizer que o que vimos acontecer em Roraima foi muito mais que uma conquista.

O Lançamento do Fórum foi um marco para a história cultural do Estado. O início de uma vitória que só tende a expandir-se e se fortalecer trazendo como consequência tantas outras conquistas. É um divisor de águas entre o momento em que o artista depende quase que completamente de outras instituições para firmar seu trabalho e o tempo em que passa a reconhecer a força que há em si; do tempo em que parece estar pedindo favores e o de conhecer seus direitos e procurar garanti-los; do tempo em que quase sempre precisa manter-se às sombras “dos mais fortes” e o tempo onde “mostra a cara” firmando-se e valorizando-se como profissional das artes.

Com apenas cinco meses de atividade, o Fórum Permanente de Cultura conseguiu realizar o que muitas vezes parecia um sonho inalcançável: unir a classe numa mesma voz, um mesmo movimento, um mesmo objetivo.


Estamos engatinhando. É certo! E é bem verdade que muito ainda há para ser conquistado. Desde afinar as idéias, as experiências e as convivências, até firmar espaços e direitos nessa luta pela defesa e valorização de nossa história, de nossa memória cultural e de nossos anseios como artistas.

Mas é importantíssimo dizer (e saber) que o primeiro passo foi dado. Foi dado de uma forma muito prazerosa e, diria, simpática perante a sociedade e os profissionais das artes.

Parabéns a todos os membros do Fórum Permanente de Cultura de Roraima, aos parceiros e a todos que participaram e contribuíram direta ou
indiretamente para a realização deste evento que foi, sem dúvida, o anúncio de dias melhores.

*Gestora Cultural, Sócia Fundadora do Coletivo Arteliteratura Caimbé, Membro do Fórum Permanente de Cultura-RR/ Coordenação de Mobilização, Membro da equipe de Coordenação da Rede de Pontos de Cultura da Prefeitura de Boa Vista-RR/ Programa Cultura Viva (Minc), Compositora e Poetisa.

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

CULTURA NO FESTIVAL DE MAUÉS



N
esta sexta-feira (04), começa o Festival de Verão de Maués, município a 267 km de Manaus. A expectativa dos organizadores é receber 10 mil turistas no período do evento, que vai até o feriado de segunda-feira, 07 de Setembro. Aproveitando a Semana da Pátria, o município abre, com o Festival, o período de muito sol e praia. Ao todo, nessa época do ano, Maués ganha uma extensão de 70 quilômetros de praia. As principais atrações do Festival são as bandas Exaltasamba, sucesso em todo o país, e Skidum, esta considerada uma das maiores revelações da música baiana.


As manifestações dos festivais tem sido uma das principais estratégias da economia da cultura no Estado, valorizando o capital intelectual local como instrumento gerador de trabalho e renda. A matriz dessa iniciativa é o festival de Parintins. No entanto, os demais municípios do Amazonas vêm construindo sua própria identidade agregada a um determinado produto dominante material ou imaterial capaz de oferecer aos turistas descobertas e o prazer de “ser um local” a partir do consumo dos artefatos da cultura do território. Em Maués, o guaraná e as várias manifestações culturais dos índios Sateré-Mawé são atrações a serem apresentadas juntamente com outras chamadas de nacionais.

Segundo o prefeito Belexo, o município espera movimentar mais de R$ 1,5 milhão, no período da festa. Para esta edição, estão programadas 100 horas de música, competições esportivas e entretenimento. O palco do Festival será montado na praia da Maresia, um dos pontos turísticos mais visitados de Maués. A estrutura vai abrigar, além das atrações nacionais, talentos regionais, representados pelo Corpo de Dança de Maués (CDM) e de bandas de Manaus.


Para atender melhor os turistas, dezenas de barracas de comida, artesanato e bebidas serão montadas na praia e nas ruas de acesso ao palco principal. Somente na estrutura da festa estão sendo gerados mais de 400 empregos diretos, fora as pessoas que irão trabalhar durante o evento, além dos empregos indiretos. Ainda durante o período do Festival, será realizado o Festival de Gastronomia Regional, onde os moradores apresentam os pratos principais da região.


“Estamos investindo aproximadamente R$ 500 mil no Festival de Verão de Maués. É uma das festas mais importantes do interior do Amazonas e este ano a dimensão será ainda maior. Já estão programadas saídas de barcos de municípios como Boa Vista do Ramos, Parintins e Itacoatiara”, afirma o prefeito.

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

RORAIMEIRA, UMA EXPRESSÃO AMAZÔNICA



Luiz Valério


O
movimento Roraimeira foi um dos momentos mais pulsantes da cultura roraimense. Diria mesmo que foi quando se instituiu uma identidade cultural para Roraima a partir dos seus valores indígenas, ambientais e sociais. Aliás, foi para cantar e encantar (com) as belezas e riquezas da cultura local que Eliakim Rufino, Neuber Uchôa e Zeca Preto se uniram em 1984 – eu tinha apenas dez anos e sequer imaginava vir um dia morar em Roraima – para fazer surgir um dos mais vigorosos movimentos culturais das últimas décadas.


Ontem fiquei conhecendo um pouco mais sobre o Roraimeira, sobre sua gênese, a partir do depoimento de Eliakim Rufino para estudantes de jornalismo de uma faculdade local. Fui participar de uma aula temática sobre o Roraimeira a convite da minha amiga Cyneida Correia, professora e jornalista. Os cérebros que pensaram o Roraimeira foram beber na fonte do Movimento Modernista, deflagrado com a Semana de Arte Moderna de 1922, e do Tropicalismo, cujas principais referências são Caetano Veloso e Gilberto Gil.

Roraimeira foi o primeiro título de uma música para depois denominar o movimento artícitico-musical roraimense. Eliakin o definiu como um “movimento todo ele pró-índio”. Daí o preconceito que os idealizadores do Roraimeira enfrentaram por parte da elite local. A mesma elite econômica que coloca a culpa do atraso econômico e pelo não desenvolvimento de Roraima nos povos indígenas. A essa justificativa esfarrapada, Eliakim responde: “O atraso e o não desenvolvimento de Roraima é decorrente da corrupção, do desvio de dinheiro público”. Tô contigo e não abro, meu cabôco.

E por pensar assim, as músicas de Eliakim, Neuber e Zeca quase não tocam nas rádios locais. É fácil entender porque: a quase totalidade das emissoras de rádio locais estão nas mãos de políticos e grupos políticos que representam essa elite caquética e corrupta. Uma elite que quer tirar a legitimidade dos povos ancenstrais que ocuparam esse pedaço de Brasil muito antes dela. Mas, mesmo enfrentando o preconceito, o Movimento Roraimeira segue altivo e agora, mais do que nunca, avivado na memória do povo a partir do esplêndido documentário homônimo do cineasta Thiago Bríglia, que a partir de amanhã será exibido em rede nacional pela TV Brasil.

Fonte: www.luizvalerio.com.br

sexta-feira, 19 de junho de 2009

NOTAS DE UMA CULTURA RORAIMEIRA



Luciney Araújo*
A diversidade cultural existente no Estado de Roraima é fruto de culturas e costumes trazidos por imigrantes de diversas regiões do país. Relatos apresentados por viajantes apontam que somente a partir do século XVII a região amazônica começara a ser explorada. A região do rio Branco, atual Estado de Roraima era habitada por populações indígenas e o primeiro contato com o novo mundo deu-se a partir de invasões de missões espanholas. Durante os anos de 1771 e 1773, os espanhóis voltaram ao território do Rio Branco e lá fundaram os povoados de Santa Bárbara, São João Batista de Caya Caya e de Santa Rosa, sendo expulsos pelos portugueses. A cobiça por novos territórios e a busca por novas riquezas levou a coroa portuguesa a construção do Forte de São Joaquim do Rio Branco que se tornaria um marco para a soberania da coroa portuguesa na região Amazônica. Quase um século após a construção do forte, o então Governo do Estado do Amazonas, Augusto Ximeno de Ville Roy, no ano de 1890 determinou a criação do município de Boa Vista do Rio Branco, que ainda no ano de 1887 apresentava uma população de cerca de mil pessoas.

Durante o século XIX, as embarcações que navegavam entre os rios Negro e Branco duravam em media três meses para se chegar a seu destino. Após o processo de motorização da navegação o mesmo trajeto era percorrido durante cinco ou seis dias. No ano 1893, o então Governador do Amazonas Eduardo Ribeiro da inicio a construção de uma rodovia que ligaria a capital do Estado do Amazonas ao município de Boa Vista. No ano de 1943, o então Presidente da República, Getulio Vargas através de decreto presidencial cria o Território Federal de Roraima, na qual foi elevada a categoria de Estado apenas no ano de 1988, sendo escolhido a cidade de Boa Vista como sua Capital. Com a construção da BR-174, surge um novo êxodo populacional em Roraima, nordestinos, sulistas e entre outros ajudaram a construir um novo cenário étnico no Estado. Com esse novo contexto, Roraima absorve novos costumes, novas tradições que foram misturadas com a cultura indígena, negra e européia. A partir dessa nova configuração, a cultura roraimense foca suas raízes nesses povos que para cá vieram e implantaram seus costumes e colaboraram para o fortalecimento e a construção de um novo Estado.

A mistura étnica proposta e logo em seguida incorporada pelo roraimense, ajudaram a construir e consolidar sua cultura. A forte influência européia que vem desde o século XVII, o contexto negro, as migrações tanto nordestinas como de outras partes do país se misturaram à cultura indígena já existente ajudaram na bricolagem de uma cultura dinâmica e que preserva valores que é a essência do Roraimeiro. A essência do folclore roraimense tem suas raízes na cultura nordestina, as quadrilhas e folguedos fazem a mais de setenta anos um dos maiores arraiais juninos do norte do país. A cultura nordestina também é configurada em cidades como Normamdia, onde o fortalecimento do Forró configura essa migração.

Nos anos de 1950, surgem os primeiros grupos folclóricos roraimenses, como é o caso dos bois Garantido e Caprichoso, fundados por pessoas oriundas do município de Parintins no Amazonas, surgiram ainda durante essa década os bois Mina de Ouro e Corre Campo, que faziam a alegria de crianças e adultos durante o mês de junho nas ruas e praças de Boa Vista.

Uma outra tradição que é vista como marco da identidade folclórica Roraimense são as quadrilhas juninas, que paralelamente ao surgimento dos bois bumbas, começaram a surgir às primeiras quadrilhas, sendo o jornalista Mario Abdala seu precursor e que usava como espaço para as apresentações o tradicional Bar das Mangueiras no centro de Boa Vista. Durante os anos 1960, o jovem Reginaldo Gomes, realiza o maior arraial da história de Boa Vista, realizado no quintal de Dona Nadir e que teve a apresentação da Quadrilha Zé Carola. Nos idos da década de 1970, começam a surgir diversas quadrilhas, que resultaria na criação em 1984 do Festival Folclórico, na qual reunia quadrilhas de diversas partes da cidade de Boa Vista. No ano de 1991, as quadrilhas passaram a se apresentar no Parque Anauá, na qual a organização do festival passaria a ser da prefeitura de Boa Vista. Com esse crescimento, as quadrilhas de Roraima passaram por um processo de profissionalização e criaram a Aquajur (Associação das Quadrilhas Juninas de Roraima), entidade que é responsável pela organização do Festival de Quadrilhas, na qual engloba quadrilhas tanto da capital Boa Vista como de municípios como Mucajaí e São Luiz do Anauá

Durante as décadas de 1970, Roraima recebe influências dos ritmos caribenhos, e que culminaria na década de 1980 com o “Movimento Roraimeiro”, que buscava exaltar através da arte e da cultura a regionalidade do extremo norte do Brasil. Esse movimento foi liderado por três cantores conhecidos como Trio Roraimeiro (Zeca Preto, Eliakin Rufino e Neuber Uchoa), e unia músicos, poetas, artistas plásticos, na qual pregavam ser O último movimento antropofágico do Século XX, que resultou no lançamento de um manifesto em que exaltava a cultura roraimense e uma serie de shows pelo norte do país. Esse movimento cantava coisas como o lavrado, as comidas típicas, as etnias indígenas e o jeito de ser roraimense, e que levou o documentarista Thiago Briglia a produzir um documentário que conta a história desse Movimento.

Um dos pioneiros a retratar Roraima nos livros foi Mário de Andrade, que durante a semana da Arte Moderna de 1922 apresentou para o Brasil o herói roraimense Macunaíma, na qual apresenta à lenda do bravo indígena que teve como berço o monte Roraima, e que influenciaram escritores como a mineira radicada em Roraima Alexia Linke, que em suas obras retrata a mitologia local. Assim como nas artes-plásticas pode-se notar essa mistura de povos, através desse contexto o artista-plástico indígena Amazoner Okaba, que apresenta em seus trabalhos as belezas roraimenses. As artes cênicas também fazem parte da cultura de Roraima, com seis companhias teatrais, sendo cinco da capital e uma do município de São João da Baliza é realizado anualmente o Festival de Teatro de Roraima. Com o fortalecimento da arte cênica roraimense foi criada no ano de 2007 a Federação de Teatro de Roraima (Fetearr), que é responsável pela divulgação e organização do festival e mostra de teatro no Estado.

A cultura roraimense é composta de uma diversidade étnica que fazem com que essa mistura de culturas cresça e se fortaleça, conforme afirma a bailariana Cristina Rocha: “Dentro desse quadro riquíssimo é possível de se perceber a mistura de tradições, costumes, hábitos e gostos que vão desde a culinária até a maneira de se vestir, desde o tradicional chimarrão em praça pública até o caxiri (bebida indígena) em reuniões na casa de amigos”. Essa diversidade cultural que foi lapidada em Roraima criou um novo cenário cultural local que passou a exaltar as belezas do extremo norte, e transmitindo para a população o que de melhor existe em Roraima, seja ela Critiana ou Cruviana.


*Antropólogo, pesquisador do NCPAM e membro do NAVI

segunda-feira, 8 de junho de 2009

MAUÉS NO FESTIVAL DE DANÇA DE MANAUS



O Serviço Social da Indústria (SESI) e o Serviço Social do Comércio (SESC), com apoio do governo do Estado do Amazonas, organizaram o Festival de Dança de Manaus apresentado nesse domingo (07), no Largo São Sebastião, no centro histórico da capital do Amazonas. Entre as companhias presentes no espetáculo destaca-se a Companhia de Dança Porantim, vinda de Maués, município amazonense localizado no médio Amazonas a 356 km de Manaus, que cenicamente interpretou o ritmo local embalado pelo canto de Davi Assayag e a poesia “o canto das sete ilhas” de Alcides Werk, na voz do Pereira.



A Porantim, sob a direção do coreógrafo Djalma Cardoso, segundo Xico Gruber, secretário de cultura do município, participa efetivamente do festival do guaraná, espetáculo apresentado durante a semana de aniversário de Maués, que esse ano será celebrado na última quinzena de junho. “Nesse ano o aniversário de Maués, conta com uma atração a mais, que é o Festival Literário, a ser feito em articulação com as escolas e os próprios comunitários, onde teremos a presença dos autores locais dissertando sobre suas próprias obras”, disse o secretário. Maués é o berço do guaraná, arbusto cultivado pelos índios sateré-mawé tão cobiçado pela indústria de refrigerante e de medicamentos.

quinta-feira, 5 de março de 2009

CULTURA SENTIMENTAL DO SÃO RAIMUNDO DE MANAUS

Khemerson Macedo*

O bairro de São Raimundo possui uma história intrínseca e sentimental com o Rio Negro. Datado de 1949, a partir de loteamento capitaneado pela Diocese, o lugar aos poucos foi sendo construído mediante a ocupação de suas margens e igarapé, bem como a construção de palafitas e flutuantes. Desta forma, as atividades econômicas, sociais e desportivas desenvolvidas pelos moradores refletiam simbolicamente na relação homem/ natureza, a partir de um modo de vida tipicamente ribeirinho.

Registra-se, em obras de memorialistas como Áureo Nonato, aquele cotidiano ao redor do igarapé, batizado com o nome do bairro. Ali, se concentravam as principais famílias do bairro, tais como os Normandos, Queiroz, Bessa, dentre outros. Na memória dos antigos, destacam-se a presença maciça dos bucheiros, pessoas cujo ofício era vender as vísceras do gado abatido pelo curro, ou matadouro, local. O matadouro, aliás, era o principal centro comercial do bairro, convergindo ao redor de si também os marchantes, pessoas que compravam gado em outras regiões do Amazonas e que abasteciam a cidade a partir do igarapé de São Raimundo.

Além destes ofícios, lembram-se também da presença constante dos catraieiros que, a partir do porto das catraias, localizado ao lado da feira comercial do bairro (onde hoje se localiza a Escola Olavo Bilac), transportava seus moradores à outra margem, num fluxo constante de pessoas numa época em que a ponte do São Raimundo sequer era imaginada pelos políticos locais.

A memória social dos moradores de São Raimundo preserva, também, o cotidiano do igarapé em tempos de vazante. Neste momento, a nostalgia toma conta daquela gente, ao lembrarem-se de uma época que as praias de areia branca possibilitavam inúmeras distrações, tais como os desportos e os folguedos populares organizados pela paróquia local. Era a época também em que os marchantes embarcavam em comitiva, transportando o gado até o curro. Nestes momentos, o imaginário local lembra os momentos em que o gado desgarrava pelas praias, mobilizando os comunitários na caça aos animais, criando momentos de pura diversão. A vazante era o período também em que se cessava a travessia de catraias, oficio temporário do período de cheia.

Em terra firme, destaque para os clubes locais. Compartilhando o mesmo espaço físico, São Raimundo e Sulamérica disputavam torcedores e dividiam atenções entre os moradores. Separados um do outro por um grande quintal (onde hoje se localiza a praça Pe. Francisco), os dois clubes protagonizavam os bailes do bairro, além dos festejos em datas comemorativas diversas. Até o dia em que o São Raimundo migrou para a Avenida Rio Branco, na gestão de Ismael Benigno.

No espaço referente ao igarapé, se antigamente viam-se aos montes os bucheiros, catraieiros, marchantes, lavadeiras e pescadores interagindo no mesmo espaço, hoje em dia o lugar passou a ser ocupado por outros ofícios, condizente com a nova realidade. Nas lembranças dos moradores antigos, fica o sentimento de nostalgia em relação a água e como hoje esta se encontra poluída, devido a ação predatória do homem. Mesmo assim, o sentimento de pertencimento que os comunitários têm sobre o lugar demonstra a forte cultura sentimental envolvendo os atores locais.

Histórias como essas estão mais vivas do que nunca na memória e no sentimento dos moradores do São Raimundo. Nesta perspectiva, o IPHAN, sob a consultoria do professor e antropólogo Ademir Ramos, realiza desde fevereiro, trabalho de campo referente ao projeto Paisagens Culturais do Rio Negro, visando estruturar inventário sobre a área, a partir da cultura sentimental destes comunitários. Através desse inventário antropológico, planeja-se produzir documentário com famílias tradicionais e personagens populares do bairro, visando valorizar e resgatar a importância histórica do São Raimundo como um dos mais populares de Manaus.

*Cordenador de Pesquisa do NCPAM

domingo, 22 de junho de 2008

MIRANTE DO COTIDIANO - O FOLCLORE É DO POVO


* Ademir Ramos


Momento próprio para se falar das diversas manifestações populares vivas da cultura do nosso Amazonas. São cantigas de rodas, provérbios, costumes, lendas, jogos, superstições, danças, culinária, versos, contos, músicas, artesanato, brincadeira de boi-bumbá. É só festa e alegria a povoar o nosso imaginário poético.

O fato folclórico é marcado pelo verbo no passado, a se dizer – antigamente, era uma vez -, que persiste por força de uma tradição oral comunicada de geração a geração sem se preocupar com a identificação de autoria. No entanto, o registro desses saberes tem sido feito de várias formas e em linguagem diferenciadas por meio do cinema, teatro, da literatura, da música popular e das artes plásticas.

Por sinal, muitos autores têm buscado no repertório popular fonte para suas produções, tais como: Villa-Lobos, Teixeira de Manaus, Mário de Andrade, Márcio Souza, Florestan Fernandes, Mário Ypiranga Monteiro, Moacir Andrade, entre outros.

Quanto às danças é importante lembrar o majestoso Festival Folclórico de Manaus que neste ano completou cinqüenta e dois anos (52°) de representação popular, continua sendo brincado no Centro Cultural dos Povos da Amazônia, a antiga bola da Suframa. A lembrança do festival no curso da história mereceu registro no Roteiro Histórico e Sentimental da Cidade do Rio Negro, obra de autoria de Luiz de Miranda Corrêa.

Para o autor do Roteiro..., reportando-se aos anos sessenta, quando “durante os meses de junho e julho, acontece em Manaus, uma espécie de carnaval, no que ele representa como movimento de massa, mas voltado inteiramente para o lado folclórico. Pelas ruas da cidade é comum ver-se desfilar tribos de índios, como os Andirás, o boi-bumbá e as quadrilhas, dirigindo-se a clubes, casas particulares e, acima de tudo, ao Estádio General Osório, onde se realizava o tradicional Festival Folclórico do Amazonas”.

A verdade é que, não se pode estudar, compreender e explicar as manifestações folclóricas fora do contexto histórico. Isto porque, as mudanças desse é que regulam a estabilidade e a continuidade da herança cultural tradicional de nossa gente.

Nessa perspectiva, o professor Mário Ypiranga, em Aspectos da Cultura Amazônica, chega afirmar, em 1986, que: “Manaus é hoje uma cidade hostil, uma cidade que se afasta visivelmente da bucólica quietude das noites, enluaradas, do verde novo dos quintais povoados de fruteiras e de flores (...) das comidas e bebidas regionais, porque a Zona Franca adquiriu a sensibilidade do mito aurígeno de Midas. (...) Há um sentido de pressa em tudo, uma pressa vinculada ao desassossego econômico”.

Contudo, inauguram-se outras práticas, que se afirmam nesse universo cultural, contribuindo diretamente para a sustentação de novas estruturas sociais no curso da história. Esta dinâmica da cultura transforma valores, costumes, ditos e eventos em regras morais ou manifestações de resistência frente à expansão e a dominação cultural.

O folclore como espírito de um povo é definido pelo modo de ser e viver de sua gente, teimando dizer que “não há nada como um dia atrás do outro”, bem como “no rio que tem piranha, jacaré nada de costa”. Ainda mais, “gato escaldado tem medo de água fria” e que “a mentira tem perna curta”. Portanto, “quem viver verá”.

Os provérbios são muitos, assim como as brincadeiras de rua também, entre elas destacam-se - barra-bandeira (esconde-esconde), boca de forno, cemitério, pular macaca, brincadeira de roda, pular corda, perna de pau, empinar papagaio, jogar peteca, jogar pião e tantas outras que recordamos nessa data social significativa.

O conjunto desses valores representa a vitalidade da cultura popular, despertando nos participantes aptidões e habilidades, que podem resultar na prática literária, no artesanato, na música e nas demais linguagens artísticas geminada com a educação. Saibam todos, que nesse meio a única coisa proibida é não brincar.

* Coordenador Geral do NCPAM, antropólogo e professor da Universidade Federal do Amazonas - UFAM.