sexta-feira, 19 de junho de 2009

NOTAS DE UMA CULTURA RORAIMEIRA



Luciney Araújo*
A diversidade cultural existente no Estado de Roraima é fruto de culturas e costumes trazidos por imigrantes de diversas regiões do país. Relatos apresentados por viajantes apontam que somente a partir do século XVII a região amazônica começara a ser explorada. A região do rio Branco, atual Estado de Roraima era habitada por populações indígenas e o primeiro contato com o novo mundo deu-se a partir de invasões de missões espanholas. Durante os anos de 1771 e 1773, os espanhóis voltaram ao território do Rio Branco e lá fundaram os povoados de Santa Bárbara, São João Batista de Caya Caya e de Santa Rosa, sendo expulsos pelos portugueses. A cobiça por novos territórios e a busca por novas riquezas levou a coroa portuguesa a construção do Forte de São Joaquim do Rio Branco que se tornaria um marco para a soberania da coroa portuguesa na região Amazônica. Quase um século após a construção do forte, o então Governo do Estado do Amazonas, Augusto Ximeno de Ville Roy, no ano de 1890 determinou a criação do município de Boa Vista do Rio Branco, que ainda no ano de 1887 apresentava uma população de cerca de mil pessoas.

Durante o século XIX, as embarcações que navegavam entre os rios Negro e Branco duravam em media três meses para se chegar a seu destino. Após o processo de motorização da navegação o mesmo trajeto era percorrido durante cinco ou seis dias. No ano 1893, o então Governador do Amazonas Eduardo Ribeiro da inicio a construção de uma rodovia que ligaria a capital do Estado do Amazonas ao município de Boa Vista. No ano de 1943, o então Presidente da República, Getulio Vargas através de decreto presidencial cria o Território Federal de Roraima, na qual foi elevada a categoria de Estado apenas no ano de 1988, sendo escolhido a cidade de Boa Vista como sua Capital. Com a construção da BR-174, surge um novo êxodo populacional em Roraima, nordestinos, sulistas e entre outros ajudaram a construir um novo cenário étnico no Estado. Com esse novo contexto, Roraima absorve novos costumes, novas tradições que foram misturadas com a cultura indígena, negra e européia. A partir dessa nova configuração, a cultura roraimense foca suas raízes nesses povos que para cá vieram e implantaram seus costumes e colaboraram para o fortalecimento e a construção de um novo Estado.

A mistura étnica proposta e logo em seguida incorporada pelo roraimense, ajudaram a construir e consolidar sua cultura. A forte influência européia que vem desde o século XVII, o contexto negro, as migrações tanto nordestinas como de outras partes do país se misturaram à cultura indígena já existente ajudaram na bricolagem de uma cultura dinâmica e que preserva valores que é a essência do Roraimeiro. A essência do folclore roraimense tem suas raízes na cultura nordestina, as quadrilhas e folguedos fazem a mais de setenta anos um dos maiores arraiais juninos do norte do país. A cultura nordestina também é configurada em cidades como Normamdia, onde o fortalecimento do Forró configura essa migração.

Nos anos de 1950, surgem os primeiros grupos folclóricos roraimenses, como é o caso dos bois Garantido e Caprichoso, fundados por pessoas oriundas do município de Parintins no Amazonas, surgiram ainda durante essa década os bois Mina de Ouro e Corre Campo, que faziam a alegria de crianças e adultos durante o mês de junho nas ruas e praças de Boa Vista.

Uma outra tradição que é vista como marco da identidade folclórica Roraimense são as quadrilhas juninas, que paralelamente ao surgimento dos bois bumbas, começaram a surgir às primeiras quadrilhas, sendo o jornalista Mario Abdala seu precursor e que usava como espaço para as apresentações o tradicional Bar das Mangueiras no centro de Boa Vista. Durante os anos 1960, o jovem Reginaldo Gomes, realiza o maior arraial da história de Boa Vista, realizado no quintal de Dona Nadir e que teve a apresentação da Quadrilha Zé Carola. Nos idos da década de 1970, começam a surgir diversas quadrilhas, que resultaria na criação em 1984 do Festival Folclórico, na qual reunia quadrilhas de diversas partes da cidade de Boa Vista. No ano de 1991, as quadrilhas passaram a se apresentar no Parque Anauá, na qual a organização do festival passaria a ser da prefeitura de Boa Vista. Com esse crescimento, as quadrilhas de Roraima passaram por um processo de profissionalização e criaram a Aquajur (Associação das Quadrilhas Juninas de Roraima), entidade que é responsável pela organização do Festival de Quadrilhas, na qual engloba quadrilhas tanto da capital Boa Vista como de municípios como Mucajaí e São Luiz do Anauá

Durante as décadas de 1970, Roraima recebe influências dos ritmos caribenhos, e que culminaria na década de 1980 com o “Movimento Roraimeiro”, que buscava exaltar através da arte e da cultura a regionalidade do extremo norte do Brasil. Esse movimento foi liderado por três cantores conhecidos como Trio Roraimeiro (Zeca Preto, Eliakin Rufino e Neuber Uchoa), e unia músicos, poetas, artistas plásticos, na qual pregavam ser O último movimento antropofágico do Século XX, que resultou no lançamento de um manifesto em que exaltava a cultura roraimense e uma serie de shows pelo norte do país. Esse movimento cantava coisas como o lavrado, as comidas típicas, as etnias indígenas e o jeito de ser roraimense, e que levou o documentarista Thiago Briglia a produzir um documentário que conta a história desse Movimento.

Um dos pioneiros a retratar Roraima nos livros foi Mário de Andrade, que durante a semana da Arte Moderna de 1922 apresentou para o Brasil o herói roraimense Macunaíma, na qual apresenta à lenda do bravo indígena que teve como berço o monte Roraima, e que influenciaram escritores como a mineira radicada em Roraima Alexia Linke, que em suas obras retrata a mitologia local. Assim como nas artes-plásticas pode-se notar essa mistura de povos, através desse contexto o artista-plástico indígena Amazoner Okaba, que apresenta em seus trabalhos as belezas roraimenses. As artes cênicas também fazem parte da cultura de Roraima, com seis companhias teatrais, sendo cinco da capital e uma do município de São João da Baliza é realizado anualmente o Festival de Teatro de Roraima. Com o fortalecimento da arte cênica roraimense foi criada no ano de 2007 a Federação de Teatro de Roraima (Fetearr), que é responsável pela divulgação e organização do festival e mostra de teatro no Estado.

A cultura roraimense é composta de uma diversidade étnica que fazem com que essa mistura de culturas cresça e se fortaleça, conforme afirma a bailariana Cristina Rocha: “Dentro desse quadro riquíssimo é possível de se perceber a mistura de tradições, costumes, hábitos e gostos que vão desde a culinária até a maneira de se vestir, desde o tradicional chimarrão em praça pública até o caxiri (bebida indígena) em reuniões na casa de amigos”. Essa diversidade cultural que foi lapidada em Roraima criou um novo cenário cultural local que passou a exaltar as belezas do extremo norte, e transmitindo para a população o que de melhor existe em Roraima, seja ela Critiana ou Cruviana.


*Antropólogo, pesquisador do NCPAM e membro do NAVI

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