segunda-feira, 1 de junho de 2009

LUTAR OU MORRER



A condição humana denuncia o quanto somos iguais perante a morte enquanto em vida promove-se a corrupção, exaltando a arrogância e a prepotência a se manifestar nas formas de mando e dominação como predicativo de determinado sujeito móvel inserido numa estrutura de poder.

Ademir Ramos*

Corri para o hospital na esperança de mediar os recursos necessários para salvar uma vida. Recomendado pela direção da casa tive acesso a Unidade de Terapia Intensiva, lá onde o paciente encontra-se estático sobre o leito, sendo movido por instrumentos para prolongar a vitalidade dos órgãos.

Ambiente pesado, carregado de dor, marcado por homens desvalidos à mercê de profissionais que operam determinado sistema na busca de se vencer a morte, quando, traiçoeiramente, essa se permite e bate em retirada para que os homens possam se redimir perante o outro, confrontando vida, trabalho e existência.


Nesse combate vimos que toda arrogância do homem é vencida pela condição humana reduzida ao protocolo de um paciente. Nas condições presentes, os homens não se pertencem e ficam aos cuidados de terceiros até o desfecho final da tragédia humana.

A lição é lamentável porque comove e embrutece, pensando que tal situação nunca poderá acontecer com a gente, imputando sempre ao outro a pecha de vítima dos acidentes do cotidiano. O fato é que, o paciente além de imóvel torna-se objeto institucional do serviço de saúde, sendo definido pelo seu estado e socorrido por profissionais que dependem cada vez mais de um conjunto de instrumentos para auxiliá-los no diagnóstico, o que muitas vezes não se encontra disponível entre os equipamentos hospitalares, limitando o socorro e o serviço médico prestado.

A condição humana denuncia o quanto somos iguais perante a morte enquanto em vida promove-se a corrupção, exaltando a arrogância e a prepotência a se manifestar nas formas de mando e dominação como predicativo de determinado sujeito móvel inserido numa estrutura de poder.

Nesse estado de coisa, o homem também não se pertence, é parte integrante de uma engrenagem que a define e consome como matéria-prima reduzida as relações de interesses individuais ou coletivas inserido nas estruturas sociais dos sistemas organizacionais.

Ricos e pobres, patrões e empregados, todos são escravos da máquina do poder, seja qual for a sua forma. O fato é que os homens são descartáveis, falíveis, enquanto as estruturas e suas organizações são reinventadas perpetuando-se no tempo sob meios e modos de governar.

São máquinas a consumir homens, devorando sonhos e luzes em nome da ciência, da liberdade, da paixão e da felicidade com promessas de sustentabilidade pautadas na igualdade social ou no interesse de Estado.

Somos todos escravos e mortais, o que possibilita um patamar de igualdade para juntos lutarmos pela circularidade do poder, combatendo a miséria social, que tem sido a razão do Estado e de governantes prepotentes e corruptos no curso da história.

As veredas estreitam-se num só caminho, quando a condição humana impõe a todos a seguinte sentença: lutar ou morrer. Nesse trajeto os homens recorrem à magia, a religião a ciência e outras formas de representações subjetivas para acalantar a alma ou devorar o outro na consumação das estruturas sociais.

Acovardados alguns ficam à sombra do outro na expectativa de juntos, mediocremente, sobreviverem sob o medo e a mesmice da alienação. No entanto, outros homens destemidos, organizados ou não, movimentam-se em direção a vida, lutando por liberdade, justiça social, distribuição de riqueza e outros significados que julgam de valia para afirmação de sua dignidade no mundo e na história.

*Professor, antropólogo e coordenador geral do NCPAM.


Foto: Antoni Berni

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