domingo, 15 de junho de 2008

DE TANTO AMAR




* Ademir Ramos

Os sábios e os iniciados jamais se divorciam dos clássicos, quando o assunto diz respeito às artes, música, literatura e as formas do pensamento em seus diversos campos propositivo da filosofia e da ciência.

Desse modo, como iniciado na arte de pensar recorro à leitura dos Fragmentos de um Discurso Amoroso de Roland Barthes (filósofo francês, 1915-1980) para investigar o adorável mundo consumado pela paixão, desejo, sofrimento, gozo, sedução e suicídio.

Nesse discurso, a unidade significativa da obra de Barthes está constituída de fragmentos lingüísticos em forma de recorte existencial de um processo analítico declaratório, desvelado pela linguagem, em suas múltiplas determinações quanto ao fenômeno amoroso e sua complexa relação.

A compreensão do fenômeno arrebata o sujeito para o cenário vivido pelos atores em seu campo amoroso, onde Barthes articula de forma demonstrativa, transpassando a história e as demais fronteiras do tempo. “Ora o mundo é irreal (dele falo de um modo diferente), ora é desreal (dele falo de um modo penoso)”.

Dessa feita, os Fragmentos articulam-se por meio do diálogo, abraço, dedicatória, formas e conteúdos extraídos de autores intérpretes de culturas diferenciadas representadas por Platão, Sartre, Balzac, Baudelaire, Deleuze, Whal, Gide, Freud, Lacan, Leibniz, Foucault, Nietzsche, Proust, Tao-Tö-King e tantos outros renomados intérpretes da condição humana.

Contudo, Barthes sustenta os Fragmentos na trama construída por Goethe (escritor alemão, 1749-1832), em seu romance Sofrimento do Jovem Werther (1774), que segundo ele “é puro discurso do sujeito amoroso: o monólogo (idílico, angustiado) é rompido apenas uma vez, no final, pouco antes do suicídio”.

O jovem Werther embriagado pela paixão, ciúme, fetiche tomba sem beber do bom e delicioso vinho ofertado por Eros, na perspectiva da realização do desejo. Na trama, o que importa não é o outro, mas, a relação em si mesma movida para amar.

Para o amante de Carlota, o suicídio é a única alternativa encontrada para se deixar seduzir e refutar a negação de Alberto, o pretendido da jovem. Na verdade, o próprio Barthes é seduzido ao propósito de Werther, buscando compreender sua opção, que resulta em ceifar a própria vida envolta de simbolismo das representações construídas por Goethe.

Em referência dialógica, Barthes cita François Wahl, para explicitar que “a morte é antes de tudo o seguinte: tudo que foi visto, terá sido visto à toa. Luto de tudo aquilo que teremos visto”. E sentencia o autor, “nesse breve momento que falo à toa é como se eu morresse. Pois, o ser amado se torna um personagem de chumbo, uma figura de sonho que não fala, e o mutismo, em sonho, é a morte”, fazendo referencia a Freud.

A tensão do discurso prolonga-se quando nos Fragmentos, o autor estabelece que “há muito a equivalência entre o amor e a guerra: nos dois casos, trata-se de conquistar, de seduzir, de capturar, etc.”.

Das estruturas do imaginário, Barthes tipifica as representações míticas diferenciadas do sedutor ativo, que apanha a presa tomando para a si a iniciativa de dominá-la.

Enquanto na modernidade, configurado pelo amor-paixão dá-se o contrário: o sedutor nada quer, nada faz; é imóvel – como uma imagem -, e o objeto seduzido é o verdadeiro sujeito do rapto; o objeto da captura torna-se o sujeito do amor; e o sujeito da conquista passa à categoria de objeto amado.

Dos Fragmentos de um Discurso Amoroso, bem que se poderia sustentar o discurso Da Sedução, de Baudrillard, onde não se trata mais do fogo da paixão dos enamorados, “mas de uma demanda de sedução. Da invocação do desejo e da satisfação do desejo, ao invés das relações de poder, de saber, transferências ou amorosas desfalecentes. [...] a sedução é apenas um valor de troca que serve à circulação das trocas ao azeitamento das relações sociais”.

Quanto ao suicídio protagonizado por Werther, o próprio Barthes fornece a chave de seu entendimento quando qualifica de “tolice” as impressões de André Gide, em seu Diário.

No entanto, é a essa “tolice”, que recorro para denunciar o fetiche e o compulsivo ato de negar-se (afirmar-se) para o outro por meio da morte. Havia esquecido que ele levava tanto tempo para morrer, explica Gide, “Aquilo não acabava mais, a ponto de querermos empurrá-lo pelos ombros [...] as partidas alongadas me exasperam”. A mim muito mais ainda, sem traumas, deixando a fantasia operar no corpo dilacerado de tanto amar.

* Coordenador Geral do NCPAM, antropólogo e professor da Universidade Federal do Amazonas - UFAM.

P.S: é uma homenagem a todos os namorados e amantes que exaltam o amor e paixão, tornando nossas vidas mais felizes.

Um comentário:

Anônimo disse...

Nossa...que inspiração!!!