terça-feira, 24 de junho de 2008

HOBBES E A CRISE DA SOCIEDADE BRASILEIRA


Ricardo Lima*

Por ter vivido durante um dos períodos mais conturbados da história da Inglaterra - a guerra civil - teve sua teoria demasiado influenciada pelas conjunturas da época. Mas apesar disso, foi capaz de fazer notáveis contribuições para o pensamento político; contribuições essas que, em outras palavras, ditas pessoais, se encaixam perfeitamente em nosso panorama atual de uma iminente guerra civil, de disfunção completa do Estado e de sua cada vez mais avariada soberania.

Suas idéias sobre a natureza humana lhe custaram a antipatia tanto dos conservadores, por sua negação do direito divino no absolutismo; quanto dos republicanos, por ser claramente a favor do Rei; e até da igreja católica, que o acusou de impiedade e ateísmo. Até hoje o filósofo é considerado como uma nota dissonante nas ciências políticas, ao lado de Karl Marx, Nicolau Maquiavel e Jean Jacques Rousseau.

Não obstante, Hobbes, assim como Maquiavel, foi um dos pioneiros a desmistificar a teoria aristotélica de cuja tese afirma que o homem era um Animal Político naturalmente sociável e, em ordinário, bom. Mediante o pensamento do filósofo inglês, teses absurdas como essas configuram-se numa máscara que impede os homens de perceberem a verdade: a de que a vida é uma corrida incessante e laboriosa, que só finda em morte: estar continuamente retrógrado é miséria, sobrepor-se aos outros conota a felicidade, quem abandona a competição da vida; compreenda-se morto.

Então, na ausência de um poder coercitivo o suficiente para impor o respeito entre os homens, colocando limites a esse impulso egoísta de competição e dominação, a sociedade estaria imersa numa condição de “guerra permanente”, onde todos os homens conflitariam contra todos os demais na tentativa de preservar sua vida, suas propriedades e na cruzada incessante de glória e poder, mas essa propensão dos sujeitos à guerra é, segundo Hobbes, uma tendência levada pelas paixões e pela razão, na tentativa dos indivíduos em escapar da morte violenta. Ou seja, no estado primitivo de guerra, “não há sociedade” (...) “e a vida (...) é solitária, pobre, sórdida, embrutecida e curta”. É a morte, a fome, a miséria, a única coisa certa que eles poderiam esperar...

Para impedir que um estado de tamanha barbaridade continue e evitar que os homens morram pela morte violenta, os mesmo entram em pacto, transferem a sua capacidade de se defenderem para um ser superior, com força e inteligência maior, e capaz de por fim à barbárie. Criam um ser superficial, o grande Leviatã. Criado pelo medo e com plenos poderes, a função do grande monstro é a garantir trabalho a todos, distribuir eqüitativamente as terras, garantir que as leis sejam aplicadas a todos com justiça e igualdade, e impedir que o ímpeto egoísta e destrutivo dos homens se manifeste. Acresce também que o pacto social perde a validade se o soberano, Estado, perder a capacidade de manter a paz. Deste modo, os súditos, ou cidadãos, tem a liberdade de procurar outro líder ou instituir um novo contrato.

Se Hobbes vivesse sob as pautas de nossos dias e resolvesse adentrar no Brasil, o que diria? O que afirmaria este filósofo político acerca das contradições existentes nesta sociedade? Certamente afirmaria que "o Estado perdeu sua capacidade como eufemizador da violência, portanto o pacto não possui mais validade.” Estamos rapidamente caminhando para uma terrível convulsão social, e aquele miserável estado de natureza, até agora relegado à esfera econômica sob o nome de capitalismo, se "transformará numa guerra de todos contra todos".

A máquina estatal tornou-se hoje totalmente insuficiente para nos assegurar aquilo que lhe foi confiado: garantir-nos a paz e a vida. Nossas taxas de homicídios são similares à de um país em guerra, como o Iraque; os serviços públicos apresentam ineficiências e o congresso nacional está eivado por interesses de classes mesquinhas que há quinhentos anos lucram com uma estrutura retrógrada da sociedade.

É chegada a hora, portanto, da instauração de um novo pacto, mas desta vez instituído pelos verdadeiros cidadãos, aqueles que realmente produzem as riquezas mas não podem desfrutá-las, pois estão relegados há uma estrutura de exploração que os deixam à margem do seu produto. É mais que urgente a necessidade de instituir um novo Estado, cuja alma artificial esteja em consoante com as demandas daqueles que são realmente o povo brasileiro, distribuir as riquezas nas mãos dos produtores, fazer a reforma agrária, e reformar as estruturas públicas, para que realmente sejam públicas e não reféns de pressões particulares ou classistas.

É mais que urgente este novo pacto, pois como disseram Marx e Engels: “os produtores não tem nada a perder, a não ser suas cadeias.”

* Estudante de Ciências Sociais pela Universidade Federal do Amazonas e pesquisador do NCPAM.

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