sábado, 28 de junho de 2008

SOCIEDADE ANÔNIMA



Khemerson de Melo Macedo*

Quem construiu a Tebas de sete portas?/ Nos livros estão nomes de reis./Arrastaram eles os blocos de pedras?/ (...) / Para onde foram os pedreiros, na noite em que a Muralha da China ficou pronta?/ A grande Roma está cheia de arcos do triunfo./ Quem os ergueu? Sobre quem triunfaram os césares? (B. Brecht).

Esta citação nos mostra o quão equivocado (ou mesmo tendenciosa) é a História Oficial, ao personalizar fatos e outros acontecimentos em prol de uma pessoa, ou grupos de pessoas, legando aos outros partícipes a condição subserviente de coadjuvante da história. Esta citação é oportuna, pois nos serve de suporte para ajudar-nos a contar um pouco esta condição marginalizada dos verdadeiros protagonistas da História, a saber, a grande massa de trabalhadores e outros atores que juntos modificam a História cotidianamente.

Como disse, os verdadeiros protagonistas da História não são aqueles que aparecem nos livros; são anônimos, estão nos recônditos dos mais diferentes espaços geográficos, esquecidos pelos historiadores e lembrados apenas pela memória de seus pares; são construtores, lutando cotidianamente contra as injustiças que teimam em persegui-los; são trabalhadores, as forças motrizes da História.

Não quero aqui fazer um discurso apaixonado do tema. Quero apenas discutir o outro lado dos discursos oficiais. Nesse sentido, afirmo que a validade do relato histórico não está no fato como um todo, mas no seu aspecto mais efêmero; no processo de contar o fato, o que fica é o ícone, ou seja, não importa o acontecimento, quem ganha os créditos são sempre as figuras que estavam à frente: presidentes, generais, inventores, etc., a grande massa some, como se não fosse importante sua participação.

Pelo contrário. Nada melhor, contar uma história do que recorrer à oralidade daqueles que viveram fatos históricos recentes, ou herdaram histórias passadas de seus antepassados. Além do mais, nenhum general ganha uma guerra, por exemplo, sem o empenho abnegado de seu exército, só pra se ter uma idéia.

A hipocrisia da História Oficial esconde não apenas o papel dos trabalhadores e da grande massa como um todo, no processo de se fazer História, esconde também o processo de alienação aos quais estes estão submersos, não só no processo das relações de trabalho, mas também nas relações políticas entre os homens, pré-condição básica à relação dominante/ dominado, desconfigurando o verdadeiro protagonista do seu status que lhe é de direito, sabotando-os de seu papel histórico, submetendo-os, enfim, à vontade de seus “heróis”.

O leitor já deve ter percebido que não me restrinjo, ao falar de trabalhador, ao empregado de uma fábrica qualquer, mas a todo aquele indivíduo capaz de produzir consciência acerca de sua realidade, embora tenha dificuldades de entender sua condição histórica. Falo do público, não de seus supostos “heróis”.

O trabalhador é ao mesmo tempo, narrador e ouvinte de sua época, e esquecer esse pré-requisito é negar a História como interpretação, pois a História Oficial rege-se, costumeiramente, como manual, sem direito a reflexões aprofundadas, ditadas pelos discursos dominantes, embotando nossas percepções e doutrinando nossos pensamentos. Cabe ao trabalhador sair do anonimato e tomar nas mãos as rédeas de seu próprio devir.

* Gerente de projetos do NCPAM e cientista social.

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