sábado, 31 de março de 2012

A NECESSIDA DE UMA ÉTICA ECOLÓGICA

Antonio Enivaldo Honorio de Souza (*)

No sentido moderno, o termo “ética” está ligado ao comportamento moral, cuja origem está na motivação da consciência. Segundo HEIDEGGER, na raiz grega, o vocábulo tinha uma ressonância cósmica: “Ethos” era o lugar no qual o homem vive, mora e passa o tempo. Assim, pois, a ética designaria “a reflexão, inspirada na sabedoria, sobre a estância do homem e sobre seu comportamento adequado a este habitat”.

Segundo o teólogo ecumênico HANS KÜNG, esta ética tem por objetivo e critério a pessoa humana para que ela seja mais humana, para que descubra que bom para ela é o que lhe permite preservar, promover e realizar sua condição de ser humano. Ela deve aproveitar melhor o seu potencial para uma sociedade a mais humana possível e para um meio ambiente o mais íntegro possível. A ética ecológica emergente enquanto preocupação por uma melhor qualidade de vida no planeta deverá, portanto, envolver o cuidado para conservar a criação. O mundo ambiente passará a ser visto não mais apenas como constitutivo antropológico, mas também como objeto do agir moralmente responsável.

Esta nova ênfase é tão acentuada porque visa superar a antiga concepção que provocou a crise da ecologia, ou seja, o antropocentrismo exagerado, que fez o homem perder a consciência criatural e lançar-se sobre a natureza como senhor da mesma de forma prepotente. Este fato é suficiente para nos fazer tomar consciência da necessidade de se elaborar uma ética capaz de ajudar o homem a tratar melhor o planeta.

Assim, vê-se, perfeitamente, que a raiz da crise ecológica é de cunho exclusivamente antropológico, pois é o homem o responsável por ela. Ao mesmo tempo que é causa, o homem é vítima das perturbações que ocorrem no planeta. Partindo desse pressuposto, podemos afirmar que é somente quando se tem uma compreensão adequada do homem que se pode dar uma resposta satisfatória à problemática ecológica.

Dessa maneira, para se elaborar uma ética ecológica indispensável é preciso descobrir valores positivos capazes de integrar entre si os homens e a natureza. Para tanto, um pré-requisito indispensável é derrubar o mito do antropocentrismo exagerado: o homem deve parar de se ver como imóvel no centro, com a natureza a seus pés. Em outros termos, o homem não pode mais se conceber como senhor todo-poderoso da natureza e sim como “guardião” e “parceiro”. “A natureza pode ser parceira do homem”.

Este pré-requisito básico nos mostra a porta de acesso a esta nova ética: trata-se da porta baixa da humildade, pois só pela atitude humilde, ou seja, “ao tratar a natureza como parceira, o homem será beneficiado por uma compreensão mais profunda da mesma natureza. Pois só se pode compreender o que se leva a sério. O benefício pessoal será aquela sabedoria particular do homem que vive em simbiose com a natureza, pela qual sente uma vaga nostalgia”. Esta ética ecológica emergente aponta para alguns deveres do ser humano em relação à natureza, como se pode ver a seguir:

a) a responsabilidade como paradigma básico da realidade ética. Como nos diz HANS KÜNG, “o discurso-lema para o terceiro milênio deverá ser o seguinte: responsabilidade da sociedade mundial por causa de seu próprio futuro! Responsabilidade para com o meio ambiente, tanto hoje quanto no futuro”:

b) a orientação ética não deve estagnar-se no nível do particular, mas considerá-lo no contexto de estruturas e no quadro de sistemas abrangentes. Mesmo a natureza e a terra devem ser vistas como sistemas limitados. Isto quer dizer que, para esta ética ser frutuosa, ela não deve trabalhar isolada, mas buscando o auxílio de outras ciências, de outras cosmovisões para fazer uma análise complexa da realidade e daí tirar possíveis pistas de ação;

c) finalmente, corrigir o agir para evitar para evitar efeitos negativos indesejados no futuro é o postulado fundamental da ética ecológica, por exemplo, se informando sobre os vários riscos ligados a projetos futuros, e buscando aprender e reaprender sempre de novo.

O cumprimento destes três deveres conduz a ética a uma nova dimensão: formalmente, os seus objetivos visam o bem do mundo configurado pelo agir e omitir humanos e também conservado para os pósteros; materialmente, além de preocupar-se com o homem, a nova ética ocupa-se também com a natureza não-humana em suas partes constitutivas e em suas singularidades, “porque os homens e as comunidades humanas se reconhecem como inseridos ainda numa sociedade natural mais ampla, precisando insubstituivelmente dela”.

Portanto, a presente ética ecológica não precisa suplantar a ética tradicional, mas deve, aliás, buscar apoio, prolongar-se e fazer revisão crítica de responsabilidades vigentes até o presente. Hoje, se busca fazê-lo seguindo dois caminhos: o primeiro, “mediante transferência e analogia de princípios da ética tradicional aplicados à relação fundamental de homem e natureza e às relações para com os seres viventes, as plantas, as paisagens etc. (‘irmandade’, ‘parceria’, ‘cooperação’, ‘solidariedade’, ‘compaixão’, ‘paz’, ‘direitos próprios dos animais’ em analogia com os direitos humanos etc.)”; o segundo caminho se faz “mediante prolongamento dos deveres sociais com base na limitação, somente agora conhecida, dos bens naturais da vida (proteção das águas, do ar, da fauna e flora, das paisagens etc.) como bens não-divisíveis, individualmente, dever social da propriedade da natureza, justiça para com as gerações futuras, direitos humanos quanto aos bens naturais necessários à vida etc.”.

Refência Bibliográfica

CHAUI, Marilena. “A existência ética” In:. Convite à Filosofia. São Paulo: Editora Atica, 1995 pp.334/42 – 384/85.

KÜNG, Hans. Projeto de Ética Mundial: uma moral ecumênica em vista da sobrevivência humana. 3ªed. São Paulo, Paulinas, 2001. (Col. “Teologia Hoje”). [Trad. Haroldo Reimer

(*) É aluno do SARES/MANAUS cursando Especialização em "Ética e Política".

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