Ellza Souza (*)
No dia 22 de março é festejado o Dia Mundial da Água e me pergunto: temos o que comemorar? Estamos rapidamente transformando as nossas águas em lama. No mar é petróleo vazando inexplicavelmente nas plataformas do pré sal. São montanhas de objetos amontoados no fundo dos mares e dos rios envenenando os peixes, as pessoas e as águas. Tomemos Manaus como um exemplo. Aqui já tivemos riqueza de águas: nas pedras, nos igarapés, na vegetação, nos lagos, nas nuvens, no subsolo, nos caudalosos rios.
Falo no passado porque muitas dessas fontes não existem mais. Na cidade passavam muitos igarapés que se bem cuidados e urbanizados comporiam hoje belos cenários, nos dando no mínimo condições de carregar mais fácil umas boas latas de água razoavelmente limpa já que água encanada e tratada é produto escasso e caro por aqui. Mindú, Igarapé de Manaus, Cachoeira Grande, Franco, Mestre Chico, São Raimundo, Espírito Santo, Ribeira, são alguns dos muitos igarapés que circularam na cidade e hoje estão mortos ou aterrados.
Faz pena olhar o Mindú, na parte que separa o conjunto Tocantins. Custo a acreditar que um dia se pescou qualquer coisa ali. Às vezes paro na pequena ponte da avenida Darcy Vargas e fico pensando no que o ser humano é capaz de fazer com um líquido tão precioso para a vida. Virou lama o Mindú. Além de ponto final de esgoto todos acham mais fácil jogar os detritos em suas águas.
As cacimbas (poços de madeira de 1 metro e meio de profundidade) de águas cristalinas que existiam nas chamadas baixadas de São Raimundo, Santa Luzia, Cachoeirinha, São Francisco, Educandos, nas ruas do centro como a Leonardo Malcher e Tapajós, que apesar de “salobras” eram usadas para beber, tomar banho e na lavagem de roupas. Todo esse manancial foi aterrado em nome de um progresso que não é bom para ninguém. A olhos vistos perdemos as nossas águas, a nossa beleza, a nossa história e a qualquer momento podemos perder as nossas vidas pelo consumo de águas poluídas por nossas próprias mãos.
Cientificamente falando, cabe salientar o estudo dos geólogos Elena Franzinelli e Hailton Igreja sobre a formação rochosa de Alter do Chão que se destaca na área das Lajes e do Encontro das Águas onde foi encontrado nessas fáceis arenosas permeáveis, que funcionam como verdadeiros filtros naturais, um enorme aqüífero, sendo considerado o maior conservatório de água subterrânea da América do Sul e talvez do mundo. De fato é muita água para o nosso baldinho mas do jeito que vamos nem as subterrâneas bem armazenadas e protegidas pela natureza escapam.
É alarmante e intrigante como não temos competência nenhuma para tratar desse bem natural que não construímos mas que sabemos muito bem destruir. Guimarães Rosa já dizia “a água de boa qualidade é como a saúde ou a liberdade: só tem valor quando acaba”. Como nunca devemos perder a esperança, acrescento aqui a poesia Canoar do nosso poeta Celdo Braga para reflexão. Na canoa, no rio, no caboclo, na simplicidade, na poesia, está o segredo da existência.
(*) É escritora, jornalista e articulista do NCPAM/UFAM.
Um comentário:
quando e assunto de copa todo mundo comenta mais sobre isso ninguém se importa
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