Descabido apelo às ruas
Ninguém tem dúvida de que uma ampla reforma política é necessária ao
País. O problema é que as mudanças defendidas pelos petistas certamente não têm
outro objetivo senão o de lhes permitir a consolidação de sua hegemonia.
Em queda nas pesquisas, fustigada pelo
escândalo da Petrobrás e com uma base de apoio parlamentar cada vez mais
fisiológica e arisca, a presidente Dilma Rousseff resolveu apelar às ruas. Em
encontro recente no Palácio do Planalto, ela pediu a militantes de movimentos
sociais que realizem protestos para pressionar o Congresso a aceitar uma
reforma política.
Esse caminho
populista e autoritário é bastante conhecido na história do Brasil, com
resultados quase sempre trágicos. Os exemplos do passado - a ópera-bufa de
Fernando Collor de Mello é apenas o mais recente - deveriam ser suficientes
para que Dilma evitasse a tentação de convocar o "povo" contra o
Congresso, para aprovar projetos de interesse do Executivo ou simplesmente para
impor-se em disputas de poder.
Como em muitas
outras áreas de sua desastrosa administração, porém, Dilma parece não ter noção
do absurdo de suas propostas nem do modo atabalhoado como as encaminha.
Movida
por interesses eleitoreiros, como tem sido a praxe desde que assumiu o governo,
a presidente poderia ter apenas se limitado a posar para a foto com os tais
ativistas. Afinal, é só a imagem que interessa na estratégia marqueteira que
ora dirige a agenda do Planalto. Mas ela decidiu ir além.
Na
reunião com os militantes, Dilma lhes disse, segundo o relato de diversos
participantes, que não será possível fazer a reforma política "só na
relação entre governo e Congresso". Uma das convidadas ao encontro afirmou
que, segundo Dilma, "não é uma questão só de caneta, que a maioria que ela
tem no Congresso não é uma maioria em todos os temas e que é preciso uma
conjuntura que envolva as ruas para pressionar o Congresso a fazer a reforma
política".
Como
essa declaração não foi desmentida pelo Planalto, é lícito supor que seja
fidedigna. Então, trata-se da admissão explícita da situação desconfortável de
Dilma no Congresso e de sua intenção de confrontá-lo de alguma maneira.
A
presidente chegou a sugerir que um movimento desse tipo seria comparável ao das
Diretas Já, que entre 1983 e 1984 mobilizou o País para exigir que o Congresso
aprovasse eleições livres para a Presidência. A comparação não tem nenhum
cabimento. Naquela época, ainda vigorava o regime militar, que via a campanha
das Diretas Já como "subversiva", nas palavras do então presidente
João Figueiredo. Tal atmosfera constrangia o Legislativo, razão pela qual a
emenda das eleições diretas para presidente foi rejeitada.
Já
o atual Congresso não está constrangido por coisa alguma, a não ser pelos
interesses paroquiais dos parlamentares e por disputas de poder entre partidos
governistas. É a soma de uma presidente fraca e despreparada com uma base
aliada cúpida que transforma cada votação de interesse do governo num suplício.
A
presidente afirmou que a campanha eleitoral é o momento para discutir a reforma
política e pediu que os movimentos sociais "pautem" a discussão. Não
é a primeira vez que o oportunismo de Dilma se manifesta sobre esse tema. Em
meio às manifestações de junho de 2013, a presidente prometeu empenhar-se para
aprovar a reforma - reivindicação que não estava no cardápio dos manifestantes,
que protestavam contra os péssimos serviços públicos.
Primeiro,
Dilma propôs uma Constituinte exclusiva, algo flagrantemente ilegal. Depois,
sugeriu um plebiscito, em que o eleitor seria convidado a opinar sobre as
mudanças. A iniciativa, obviamente, gorou.
Mas
a presidente não desiste. Ao falar a ativistas que apenas queriam atenção às
suas reclamações, Dilma reintroduziu o tema da reforma, porque acredita que
apenas uma mudança drástica nas regras do jogo irá libertá-la da necessidade de
fazer política - atividade para a qual ela já demonstrou não ter a menor
aptidão.
Ninguém
tem dúvida de que uma ampla reforma política é necessária ao País. O problema é
que as mudanças defendidas pelos petistas certamente não têm outro objetivo
senão o de lhes permitir a consolidação de sua hegemonia.
Fonte: http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,descabido-apelo-as-ruas,1155918,0.htm
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