quinta-feira, 17 de abril de 2014


Universidade autônoma

A consolidação do papel da universidade como agente do desenvolvimento pressupõe, com efeito, autonomia, excelência na pesquisa, qualidade do ensino, fértil relacionamento com a sociedade, diversidade e cosmopolitismo.
  
Osíris Silva (*)

Numa definição simples e direta, a universidade é uma instituição pluridisciplinar de formação de quadros de profissionais de nível superior, nas áreas de pesquisa, extensão, domínio e cultivo do saber humano. Pública ou privada sua missão maior é a de produzir consciências. Cerca de 90% dos jovens de minha geração, filhos de pedreiro, funcionário público, empresário, motorista ou médico, independentemente de cor, raça ou credo somos produto de um sistema educacional público democratizado, que se estendia do grupo escolar à universidade, graças ao qual nossos pais jamais pagaram um centavo sequer por nossa formação educacional. Esse sistema sobreviveu, com qualidade mediana até o final dos anos 1970. O que não se entende com precisão é como esse sistema se deteriorou e a razão do atraso que se abateu sobre o ensino público de modo geral, e o universitário, em particular, que o Brasil redemocratizado não conseguiu reverter.

Suely Vilela, ex-reitora da USP, afirma, em artigo publicado na Folha de S. Paulo, que a sociedade moderna exige ações inovadoras para se sustentar em um mundo globalizado, fortemente competitivo, em que o conhecimento assume papel de alta relevância e a qualidade é o marco da diferenciação das competências. Assim é que, ela observa, somente por meio de universidades plenas, onde atividades de ensino, pesquisa e extensão são indissociáveis, e às quais se acrescenta significativa inserção internacional, são gerados meios sólidos e seguros de enfrentar  os desafios da nova sociedade.

A consolidação do papel da universidade como agente do desenvolvimento pressupõe, com efeito, autonomia, excelência na pesquisa, qualidade do ensino, fértil relacionamento com a sociedade, diversidade e cosmopolitismo. A realização de pesquisa e a geração de conhecimento  de ponta na universidade (bioenergia, mudanças climáticas, biotecnologia, dentre outros) exigem forte parceria com outras instituições em programas estratégicos estaduais e federais. Só assim será possível promover a capacidade inovadora da instituição de tal sorte a viabilizar sua conversão  em políticas públicas capazes de solucionar os gargalos econômicos e sociais do país. 

Historicamente as universidades púbicas no Brasil, instituídas nos governos JK e João Goulart, assumiram a forma de fundações, visando à autonomia universitária. O paradigma do modelo é a Universidade de Brasília. Criada em 1961 a partir de projeto de Darcy Ribeiro e Anísio Teixeira a Unb gozava de patrimônio imobiliário e financeiro próprios, cuja renda seria revertida para o desenvolvimento institucional independente da fonte orçamentária da União. O modelo foi desfigurado pelo regime militar, que reprime sua experiência inovadora como efeito do AI-5 e da reforma universitária imposta pelo decreto 477, de 1969. Esses instrumentos vergaram e fizeram ruir a estrutura do ensino superior então vigente no país e também o berço de lideranças políticas geradas nos grêmios estudantis e diretórios acadêmicos, então extintos.

A partir daí a universidade brasileira experimentou grave processo de regressão, em prejuízo do foco inovador, com raras exceções. Paralelamente, perdeu sua autonomia, até hoje não readquirida mesmo a despeito do processo de redemocratização levado a cabo a partir de 1985 e vigência da Constituição de 1988.  A universidade, refém do orçamento e do comandamento político do Executivo não soube se transformar e assim gerar renda própria via pesquisas e prestação de serviços de alto nível técnico e tecnológico, como ocorre nos países desenvolvidos. Sob forte controle ideológico de suas atividades consolidado nos anos 1970, a universidade padece hoje dessa forte distorção de suas finalidades. Inexistem razões objetivas para a manutenção do status quo. Nesse campo o Brasil também caminha na contra mão da história.

(*) É economista, consultor, formulador de políticas de desenvolvimento e articulista de a Crítica. 

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