sábado, 5 de abril de 2014

NEM A PAU, JUVENAL



A peça condensa em si alguns instrumentos recorrentes que fazem parte também do apelo do marketing político para “vender” ao eleitor o candidato plastificado como cordeiro, quando se sabe que é um bruta lobo, a gritar e afrontar a sua gente. Em assim sendo, a galera nas urnas vai gritar: Voltar, “nem a pau, Juvenal.”

Ademir Ramos (*)
Notabilizou-se nos meios de comunicação uma campanha publicitária de grande porte com apelo de que o produto em tela é superior ao “outro”. Nada especial se não fosse à provocação aberta que os autores fazem ao concorrente, valendo-se de uma representação popular impressa na memória coletiva dos consumidores quando indagados sobre a possibilidade do “outro” fazer parte de sua cesta básica. De pronto, o interlocutor recebe o sonoro não com seguinte bordão: “Nem a pau, Juvenal.” E para completar a mensagem, a negativa é seguida de um puxão nas bochechas do garoto propaganda, o que torna o ato mais hilário e significativo.

A peça condensa em si alguns instrumentos recorrentes que fazem parte também do apelo do marketing político para “vender” ao eleitor o candidato plastificado. Neste processo de massificação assentado em sociedades complexas, as relações sociais são difusas e extensivas, não permitindo ao eleitor outra forma de participar que não seja impositiva, principalmente, quando se trata de sociedades em extrema pobreza sem opção de escolha e muito menos de decidir sobre o seu futuro e da sociedade em que vive. Nesta conjuntura, o marketing política reduz o eleitor ao consumidor e, por sua vez, o candidato é um produto a ser antropofagicamente devorado no banquete dos excluídos.

Além desta ação impositiva que a mídia nos impõe é importante que se diga também que a mensagem torna-se presente quando o político conta com maior tempo de televisão e rádio, permitindo contagiar o eleitor com suas peças publicitárias sem provocar, no entanto, nenhum segundo de reflexão e análise. Por isso, para os candidatos plastificados, os debates e os confrontos com outros concorrentes são fatais, porque o dito cuja é um produto de laboratório é uma invenção da mídia, isto quer dizer que não tem voz própria e nem tampouco decide sobre sua agenda.

Certa vez, o ex-governador do Amazonas, Eduardo Braga (PMDB) comparado com o seu antecessor Amazonino Mendes (PDT), foi indagado se era verdade que suas ações de governo não tinham sustentabilidade por falta de uma plataforma intelectual que lhe desse legitimidade e soberania as suas determinações. Em outras palavras, ele governava mais para grupos econômicos, os poderosos, do que para o povo como um todo. E não satisfeito o repórter ainda perguntava se era verdade que o seu universo de leitura era tão minúsculo que nem sequer Maquiavel ele havia lido. Foi neste momento que o ex-governador saiu-se com esta: para que ler Maquiavel, que é do mal se posso ler a Bíblia, que é do bem.

Esta sacada contagia os desatentos e desavisados e firma uma identificação com os leitores fundamentalistas ofuscando os corações e mentes com resultado positivo nas urnas. Eis a razão porque os políticos recorrem aos céus para consagrar suas trapaças; constantemente abençoam também o povo como se fosse um bom pastor; usando, desavisadamente, o nome de Deus. Não bastasse ainda, recorrem ao campo privado, tratando o povo como se fosse uma família e ele, naturalmente, fosse o patriarca zeloso capaz de suprir todas as necessidades reclamadas. Ademais, quer mostrar também que é o amigo de todos (as) e como “servidor” fará tudo para promover a felicidade de sua gente.

Neste universo, o marketing político transforma o eleitor em consumidor, em rebanho de ovelhas, em indigentes, em família extensiva, em “amigos do rei”, embriagando cada vez mais o eleitorado. E o pior de tudo, ainda veremos esta cena por muito tempo, porque a desigualdade se alastra tanto no urbano como no campo, dificultando ao leitor estabelecer diferença entre um e outro candidato, visto que a linguagem é a mesma, a estratégia do toma lá dá cá é a mesma, as bravatas são as mesmas, bem diferente da campanha do Juvenal, onde o consumidor consciente, conhecedor do produto que compra não se deixa enganar pelo concorrente, que em época de eleição se apresenta com nova embalagem passando-se como cordeiro, quando todos sabem que é um lobo, a mandar, a gritar com os seus e com povo. Se assim for, o grito da galera nas urnas será um só: Volta, “nem a pau, Juvenal” e sabacu nele.

(*) É professor da UFAM, antropólogo, coordenador do Jaraqui e do NCPAM.                

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