sábado, 18 de fevereiro de 2012

FICHA LIMPA: PARTIDOS NO PAREDÃO

A esperança é que, já a partir deste ano, a lei finalmente induza os partidos, por interesse próprio, a excluir os fichas-sujas das listas que estiverem preparando, antes que a Justiça Eleitoral venha a fazê-lo. A decisão do STF requer, sobretudo, que os dirigentes partidários, os partidos políticos, assumam responsabilidade na indicação de seus candidatos, bem que se poderia punir os partidos, com severas multas, se a direção destas agremiações forem negligentes nestas indicações. A proposta deve ser examinada e quem sabe se converta em Lei Complementar.

Ao declarar constitucional, por 7 votos a 4, a Lei da Ficha Limpa, o Supremo Tribunal Federal (STF) legitimou em boa hora a "saturação do povo com os maus-tratos infligidos à coisa pública", nas palavras do ministro Carlos Ayres Britto, da maioria vencedora, sobre a ira da grande maioria dos brasileiros com a corrupção política. Decerto, o fato de uma lei atender a um justo clamor popular - ou, mais ainda, de ter sido "gestada no ventre moralizante da sociedade" como apontou a nova ministra Rosa Weber, aludindo ao 1,3 milhão de adesões à iniciativa popular que lhe deu origem - não a torna necessariamente coerente com os princípios constitucionais. No estado de direito, tal sintonia é exigida, por definição, de toda norma adotada pelo Poder Legislativo.

Mas, não sendo o direito uma ciência exata, pode-se interpretar de mais de uma maneira a compatibilidade de um texto legal com o arcabouço jurídico do país. E essa avaliação, quando se trata de matérias de manifesto interesse público, dificilmente fica alheia à vontade geral da nação.

O Supremo Tribunal, observou a ministra Rosa, "não deve ser insensível às aspirações populares". E poucas delas, no Brasil de hoje, hão de ser mais compartilhadas que a do fim da impunidade que cresceu a ponto de se transformar em traço constitutivo da vida institucional. Pode-se arguir, é bem verdade, que leis defeituosas "corrompem o propósito dos legisladores e o próprio direito", conforme ressaltou o ministro José Antonio Dias Toffoli - voto vencido, ao lado de Celso de Mello, Cezar Peluso e Gilmar Mendes.

No caso da Ficha Limpa, aprovada em 2010, mas que só passará a valer a partir das eleições deste ano, como decidiu corretamente o mesmo STF em março passado, há mais de uma provisão que, para os críticos, justificaria as objeções de Toffoli. A principal delas é a da inelegibilidade de quem quer que tenha sido condenado por um colegiado em julgamentos ainda passíveis de contestação, o que atropelaria o princípio da presunção de inocência. Outra é a validade da lei para delitos anteriores à sua promulgação, fazendo-a, portanto, retroagir. Outra ainda é a de barrar candidatos que tenham sido banidos da profissão pelos órgãos que regulam o seu exercício, como os conselhos de medicina, equiparando o ato a uma decisão judicial pelos seus efeitos para a legislação eleitoral.

A maioria dos ministros, no entanto, deixou claro ter entendido que o País está mais disposto a aceitar uma lei moralizadora que peque por severidade do que uma que peque por complacência. Não se pode esquecer, como assinalou Ayres Britto, que, durante os 16 anos que se seguiram à aprovação da emenda constitucional que determina o exame da vida pregressa de candidatos a cargos eletivos, o Congresso não moveu uma palha para implantar a medida. "O povo, cansado, desalentado, se organizou sob a liderança de mais de 70 organizações e criou a iniciativa popular", comparou.

O resultado final é um texto apropriadamente duro. Veta a participação em eleições, por oito anos a contar da sentença definitiva, de condenados por uma extensa relação de crimes (entre outros, lavagem de dinheiro, formação de quadrilha, atentado ao patrimônio público, improbidade administrativa, corrupção eleitoral, tráfico e racismo).

A inelegibilidade pelo mesmo período se estende aos governantes cujas contas tiverem sido rejeitadas sem apelação pelo TCU, aos funcionários públicos demitidos ou aposentados compulsoriamente e aos políticos cassados por seus pares, ou que renunciaram para evitar a cassação e poder se candidatar de novo na eleição seguinte. Para eles, a exclusão conta a partir da data do término do mandato. Assim, para citar o exemplo mais notório, o ex-senador Joaquim Roriz, do Distrito Federal, que em 2007 deixou a cadeira que ocuparia até 2015 para se safar de um processo de cassação, só poderá voltar a se candidatar em 2023. Fez por merecer.

A esperança é que, já a partir deste ano, a lei finalmente induza os partidos, por interesse próprio, a excluir os fichas-sujas das listas que estiverem preparando, antes que a Justiça Eleitoral venha a fazê-lo. O tempo mostrará o tamanho do avanço.

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